domingo, 29 de setembro de 2013

Sonhar mais um sonho possível

Sonhar mais um sonho possível

No livro, há três narradores em primeira pessoa: a mãe, o filho e o oneiro, quase um espírito santo.
"As miniaturas", de Andréa Del Fuego
“As miniaturas”, de Andréa Del Fuego
De vez em quando escuto a música “Poema”, do Cazuza. Minha parte favorita é aquela que diz “eu hoje tive um pesadelo e acordei atento, a tempo”. Até ler o romance As miniaturas, de Andréa Del Fuego, embora a ideia de despertar antes de um momento desconfortável já fizesse sentido para mim, ela não me era completamente decodificada. Não era porque não me passava pela cabeça a necessidade de ter, ou quem sabe ser, um oneiro.
Sim, um oneiro. Você não conhece essa palavra? Vou explicar de que se trata. Não deveria. Um dos prazeres de ler As Miniaturas é construir o conceito de oneiro à medida que as páginas avançam. Mas uma breve explicação não compromete a leitura. O texto é por demais criativo para ser comprometido seja lá pelo que for. Então, em rápidas letras, oneiro é um ser que ajuda as pessoas a sonhar, especialmente aquelas com dificuldades oníricas, leia-se, incapazes de montar um sonho por conta própria ou em causa própria, e a quem os oneiros chamam de sonhantes.
Não confunda com sonhadores. Sonhantes dormem e enxergam de olhos bem fechados enquanto sonham de verdade. E sonhantes só sonham porque, assim como Ariadne precisou desenrolar um novelo de linha para não se perder, eles precisam de provocações e de apetrechos externos que os façam manter o rumo. No caso, de miniaturas feitas de lata preservadas dentro de uma gaveta e catalogadas em ordem alfabética por um profissional.
Um oneiro que se preze entende de pelo menos vinte e cinco animais diferentes. “Sonhar com um camelo correndo significa que alguém que já aborreceu a pessoa está retornando”, esclarece um dos narradores em primeira pessoa. No livro, há três narradores em primeira pessoa: a mãe, o filho e o oneiro, quase um espírito santo, testadíssimo pela empresa indutora de sonhos antes de ser contratado. A mãe e o filho, primeiro por um erro de sistema e depois por desobediência do oneiro narrador às regras da empresa, tornam-se pacientes do mesmo profissional. E mais não posso contar.
Quem conta, e em uma prosa em que se misturam os fragmentos da realidade e do inconsciente é a Andréa Del Fuego. É ela quem acende a chama que hipnotiza o leitor. Talvez, um escritor seja também um oneiro, uma variável ligada à grafia das palavras e não ao contorno dos objetos, mas tão competente quanto para acionar a criatividade, as memórias e as inquietações humanas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário