domingo, 18 de agosto de 2013

A falsa panaceia das “soluções políticas”



MIITO (1).jpgPaul Johnson demonstrou magistralmente, em seu extraordinário livro "Tempos Modernos", já no primeiro capítulo, intitulado "Um mundo relativista", que o maior mal de nossos tempos — que começou a se desenvolver em fins do século XIX, ganhou força no século passado e persiste até os nossos dias, é a crença nas chamadas "soluções políticas".  Johnson argumenta com boa fundamentação que essa praga tem como causa a "morte de Deus", decretada por "medida provisória" baixada por Nietzsche (que, paradoxalmente, foi um defensor do livre mercado) e que deixou o ocidente a descoberto, com um vazio de poder que acabou sendo preenchido pelo mito da "vontade política".  Ainda naquele capítulo ele mostra que a relativizaçãodo mundo foi encorpada por intelectuais que se seguiram a Nietzsche: em 1915, quase ninguém entendeu o que Einstein — que nunca foi um relativista moral! — queria dizer com sua teoria da relatividade e, matreira e solertemente, levaram a coisa para o lado moral. Pronto! Passava a não existir mais o certo e o errado, porque, afinal, "tudo é relativo". Johnson cita a psicanálise de Freud e a economia de Keynes como resultados dessa relativização moral.
Não pretendo aqui discutir religião, mas tão somente ressaltar que foi a partir dessa gênese relativista que os valores morais até então inquestionáveis e aceitos voluntariamente durante séculos em nossas sociedades passaram a ser "relativizados": assim, valores fundamentais, como a propriedade privada e as liberdades individuais começaram não apenas a ser questionados sob o ponto de vista moral ou jurídico, mas atacados sob o pretexto de que caberia aos estados (isto é, a pessoas exatamente iguais às demais) tomarem as decisões mais importantes em todos os campos da existência humana, já que os iluminados do governo saberiam o que era melhor para todos, para o coletivo, para o formigueiro humano, para o "social". 
Você já parou para pensar no mal que isso representou e continua representando para a humanidade? Se ainda não o fez, convença-se de que as maiores barbaridades do século XX — a saber, o comunismo e o nazismo — foram consequências diretas desse vácuo de poder, de que se aproveitaram verdadeiros monstros como Hitler, Lenin e dezenas de outros. Já que não existiria mais uma verdade absoluta, tradicional e consagrada há séculos e que forjou toda a civilização ocidental, então tudo, praticamente tudo, poderia ser relativizado. Muitos milhões de assassinados pagaram o preço dessa maluquice, ou porque se opunham às ideias dos ditadores ou porque pertenciam a "classes" ou "raças" tidas por eles como lesivas ou prejudiciais aos interesses dos mandatários. Foi a fase — e, por incrível que pareça, ainda não saímos dela, basta olharmos para alguns dos atuais governos da América do Sul — do poder pelo poder.
Em outro soberbo livro, Os Intelectuais, Paul Johnson mostra como muitos deles, sem terem jamais se dado sequer ao trabalho de pegar em um martelo para pregar um quadro em uma parede, passaram a ditar, sentados em mesas de bares, o que era bom e o que era ruim, sempre de acordo com o seu ponto de vista, considerado obviamente como superior ao do homem comum, que é aquele que faz o mundo real funcionar.  Goebbels eAntonio Gramsci (especialmente o segundo), Sartre e outros — todos festejados como "mentes brilhantes" — deram o toque final a esse processo de imbecilização coletiva fantasiada de boas intenções, e ai de quem se opunha ou — ainda! — se opõe a essa horda de barbarismo revestida de "modernidade". A última manifestação dessa endemia que se transformou em epidemia e depois em pandemia é a chamada "ditadura do politicamente correto".
Assim, se Fulano roubou alguém, a culpa não foi dele, mas da "sociedade"; se Beltrano estuprou uma mulher, a culpa foi do "sistema"; se alguém fuma um cigarro em um estádio de futebol é visto como um pária; se um zagueiro comete uma falta violenta contra um adversário e imediatamente levanta os braços para fazer ver ao árbitro que não fez nada demais, isso é visto como natural, pois todos fazem assim; se um deputado desviou recursos públicos para sua conta pessoal, o culpado é o "capitalismo" que endeusa o dinheiro; se magistrados colocam parentes em empregos públicos ganhando altíssimos salários, é claro que não deve haver qualquer culpa envolvida nisso, pois, afinal, é tudo natural; o que vale é o momento, é o prazer, o hedonismo, os ganhos fáceis, a vida da cigarra, já que as formigas são tremendamente "conservadoras e otárias" porque valorizam o trabalho árduo e a poupança. Sim, as formigas são as mais antigas neocons de que se tem notícia...
Quem ainda não ouviu algum comentário do tipo "ih, não se meta nisso, porque foi uma "decisão política" da direção da empresa"? Ou, na universidade, "não questione essa decisão, porque ela é apoiada pelo reitor", ou, ainda, "tal medida foi uma decisão política do ministro"? Já pararam para pensar nesses absurdos aceitos ou como verdades inquestionáveis ou como meras ordens a serem cumpridas? Já refletiram que isso vai — como foi e vem acontecendo — minando a capacidade de raciocinar das pessoas, ou seja, vai desumanizando o homem?
Eis a verdade, meus amigos, clara como a água mais cristalina, mas que a imensa maioria não consegue enxergar, porque foi habituada, ensinada, doutrinada, bombardeada para agir como bois ao som do berrante do boiadeiro: estamos vivendo em uma sociedade que a cada dia se torna mais desumanizada, em que a dignidade da pessoa humana de pouco ou nada vale. Essa crença cega nas pretensas "soluções políticas" foi sendo inoculada nas pessoas passo a passo, vagarosa e calculadamente e se alastrou pelos corpos das sociedades como um veneno mortal.
É urgente combater o relativismo moral e suas "soluções políticas", a começar pelo resgate da família e seus valores, da importância da formação moral das crianças por parte dos pais (e não dos professores de História inteiramente embriagados de marxismo) e da imprescindibilidade da liberdade responsável, que é aquela liberdade de escolher sabendo o que é certo e o que não é certo.
Já pensaram também por que nosso povo está indo às ruas para protestar? Estão pretendendo o quê com os protestos: mais "soluções políticas"? É o que parece.
Na economia, desde que Keynes, em outra "medida provisória", estabeleceu a máxima, tida por quase todos os economistas como inquestionável, a de que poupar faz mal à saúde da economia e gastar faz bem, uma tremenda e gigantesca guinada nos fundamentos morais da ciência econômica, as "soluções políticas" passaram a substituir as decisões individuais voluntárias, os mercados passaram a ser vistos como um perigo para os pobres e os ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais como grandes iluminados salvadores de suas pátrias. O resultado dessa imoralidade representada pelo keynesianismo pode ser visto facilmente, como um relâmpago em uma noite escura: déficits orçamentários crescentes, endividamento público maior do que o "tamanho da economia", inflação, desemprego, crises em cima de crises e gerações de jovens que não encontram empregos, como vem sucedendo na Europa, antes badalada como um paraíso da social democracia.
James Buchanan e Gordon Tullock, os dois principais autores da Public Choice School, mostraram claramente que Keynes, um imoralista assumido, politizou a teoria econômica e seu trabalho foi justamente fazer o oposto: levaram os princípios básicos da teoria econômica para analisar o processo político, mostraram como isto pode ser feito e concluíram que os chamados "homens públicos", tal como os mortais comuns, agem de acordo com seus próprios interesses e não tendo em vista o chamado bem comum. Ou seja, os políticos agem — para usarmos o jargão econômico convencional — com o intuito de "maximizar a sua utilidade" e não a dos seus eleitores.
E, desde seus primórdios com os pós-escolásticos, passando por seu fundador Menger e por Mises, Hayek, Rothbard, Kirzner e praticamente todos os seus economistas, a Escola Austríaca de Economia sempre se posicionou contra a falsa panaceia das "soluções políticas", porque sempre entendeu com muito maior clareza — e com uma metodologia bastante superior à das escolas rivais —, que os mercados são processos de intercâmbio voluntário que jamais puderam, podem ou poderão ser substituídos por pretensas "soluções", que de soluções nada têm. Hayek, em especial, mostrou, especialmente em seu famoso artigo O uso do conhecimento na sociedadeque o conhecimento, em termos de assuntos sociais, é sempre insuficiente e se apresenta de forma dispersa. E que os planejadores dos governos não são super-homens que se situem acima desse fato elementar.
Portanto, nada melhor do que os próprios envolvidos nas situações concretas para resolverem os seus problemas concretos. As "soluções políticas" já nascem fadadas ao fracasso. Na verdade, elas são, por si mesmas, sinônimos de fracassos. A Escola Austríaca de Economia é moralmente superior às demais porque respeita os princípios, valores e instituições de uma sociedade livre e virtuosa. O texto de Hayek, claramente, é uma defesa do conhecido Princípio da Subsidiariedade, que se baseia na ideia de que é moralmente errado retirar-se a autoridade e a responsabilidade inerentes à pessoa humana para entregá-la a um grupo, porque nada pode ser feito de melhor por uma organização maior e mais complexa do que pode ser conseguido pelas organizações ou indivíduos envolvidos diretamente com os problemas. A subsidiariedade decorre de três importantes aspectos da própria existência humana: a dignidade da pessoa humana, a limitação do conhecimento enfatizada por Hayek e a solidariedade.
Por tudo isso e como estou farto de dizer e escrever, temos uma tarefa gigantesca pela frente, que é a de fazer as pessoas voltarem ter noção de que há atos moralmente certos e atos moralmente errados, tanto no campo da economia, como no das relações pessoais, no da atividade política, na prática dos esportes, enfim, em todas as nossas ações. Obviamente, há ações que podem ser chamados de moralmente neutras, como, por exemplo, a de chupar um picolé, mas a maioria de nossas escolhas reflete os valores morais que recebemos desde muito cedo e que desenvolvemos com o passar dos anos. Muitos dos que estão indo às ruas protestar contra este ou aquele político corrupto, será que não agiriam de maneira parecida caso estivessem no lugar do mesmo?
Essa tarefa enorme e hercúlea que temos pela frente, a meu ver, transcende rótulos de qualquer natureza. Não me agradam esses rótulos. Nunca me agradaram, porque são superficiais. Em termos de filosofia moral, sou um "conservador", mas em termos de teoria econômica, sou um "libertário". E aí, como é que fica? De forma semelhante, alguém pode ser um "progressista" em termos morais, mas um "conservador" em termos políticos. E aí? Rótulos rútilos só servem ou para xingar alguém ou para confundir incautos...
Acima dos rótulos, temos que lutar contra a panaceia das "soluções políticas", que nos ronda como urubus sobre a carniça. Se mostrarmos que estamos vivos, nos mexendo, lutando, poremos os urubus para correrem, ou melhor, para voarem para outras plagas. E se quisermos saber qual é o ninho os corvos, veremos que é o relativismo moral.

Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Visite seu website.

Como pensar igual ao estado


loser.jpgVocê já observou a existência de um padrão ao lidar com qualquer aspecto do governo em praticamente qualquer nível?  Sim, todos nós já.  Sempre há uma mesma mentalidade em cena.  A seguir, a minha tentativa de enquadrá-la e identificar suas principais características.
A experiência nos mostra que, se algo tem tudo para dar totalmente errado, fazer você perder tempo, aborrecê-lo, atacar sua dignidade e, no fim, se comprovar totalmente inútil e ineficiente em realizar o que havia sido proposto, então há uma ótima chance de esse algo envolver o governo.
A sociedade que está fora do âmbito estatal possui forças corretivas em constante funcionamento.  As coisas não são perfeitas, é claro, mas ela geralmente sempre está se esforçando para aprimorar.  Porém, com o estado, tudo parece estar encravado em um padrão de fracasso total.  Ao lidarmos com serviços estatais, o que vemos é incapacidade e incompetência em todos os níveis.  Na melhor das hipóteses, o governo faz coisas ignaras; na pior, faz coisas indescritivelmente horríveis.
Apenas pense nas coisas que você tem de tolerar resignadamente quando lida com operações estatais, seja nas repartições públicas, seja nos aeroportos, seja com os Correios, seja com a Polícia Federal, seja com a Alfândega, seja com o DETRAN, seja com a Receita Federal.  Pense também nas estultícias que você tem de tolerar para cumprir todos os ditames impostos pelos ministérios do Trabalho, da Saúde, dos Transportes e da Cultura, para não mencionar em todo o inferno gerado pelas leis e regulamentações impostas pelas agências reguladoras, cuja única função é tolher a livre iniciativa dos cidadãos e restringir o mercado em prol de poucas empresas favorecidas, sempre em detrimento de nós consumidores.
Eis a questão.  A característica distintiva do estado é a sua arrogância, a presunção de estar sempre no controle de tudo, e a maneira como ele utiliza a força para exercer esse controle.  Porém, este não é todo o problema com o estatismo.  Tal característica leva a várias outras feições que fazem parte daquilo que podemos chamar de 'maneira estatista de pensar'.  Tudo se resume a um estilo de comportamento permitido pelo poder absoluto, o que significa a total ausência de qualquer restrição ou de medidas corretivas.
O mercado e a ordem voluntária possuem embutidos em si estruturas que impedem que os vícios e a inerente estupidez humana dominem o sistema.  O mesmo não é válido para o governo.  O governo constrói ao redor de si várias muralhas protetoras que proíbem o ingresso de medidas que manteriam ideias totalitárias e estúpidas totalmente acuadas.
Portanto, quais são as características desta maneira estatista de pensar, a qual parece ser generalizada nas instituições governamentais?  Baseando-me em minhas influências habituais (Nock, Mises, Rothbard, Hayek), vejamos como você também pode pensar como se fosse o estado.
1. Presuma que todas as coisas importantes e valiosas já são conhecidas.  Isso inclui os objetivos e as maneiras de se atingir este objetivo.  O estado apenas pressupõe que a sociedade deveria funcionar de uma certa maneira e então imagina um formato predeterminado para ela.  E ele sabe disso com absoluta certeza.  Não há nenhum processo, nenhum desenrolar que gere resultados inesperados.  O estado está tão certo de qual deve ser a meta a ser alcançada pela ordem social, que ele nunca tem de explicar ou justificar sua percepção.
Ele sabe a correta distribuição de renda entre as classes, o número exato de empresas que cada área da economia deve ter, o tamanho que cada uma pode ter, o preço correto de cada bem e serviço, o que você pode ingerir, o que é justo e o que é injusto.  Ele sabe quando a economia está crescendo muito e quando está crescendo pouco.  Ele sabe quais indústrias devem receber subsídios, quais devem ser protegidas para sempre e quais devem estar sujeitas à concorrência.  Ele sabe o que é bom para você e o que não é.
Como não há incertezas na mente estatista, não há por que se esforçar, buscar descobertas ou ter imaginação, coisas que só se revelam ao longo do tempo por meio de processos de tentativa e erro.  Não há necessidade de escutar, aprender e se adaptar.  O estado jamais duvida possuir os meios para se alcançar tais objetivos.  Apenas desejá-los já basta para que eles ocorram.  Sua onisciência é acompanhada da onipotência.
É por isso que não há arrogância no mundo igual à arrogância estatal.  Por outro lado, qualquer indivíduo ou instituição também pode adotar este lamentável hábito mental: administradores, pais, familiares, clérigos, profissionais liberais e trabalhadores assalariados.  No entanto, fora do estado e das muralhas de proteção que ele constrói ao redor de si, a realidade sempre revida e pune.  A realidade é incerteza, mudança, surpresa, inovação, adaptação.  Os mercados dão vida a estas forças, ao passo que o estado, de forma absoluta e por total necessidade, as esmaga.
2. Presuma que o caminho para a vitória deve ser pavimentado pela coerção.  Esta característica da mentalidade estatista é explícita em todo e qualquer grande programa estatal de alcance nacional.  Discordar é ser a favor do atraso.  Desnecessário dizer que nunca há nada de errado com os planos e políticas estatais.  A única coisa que pode afetá-los e atrapalhar os resultados são aqueles indivíduos e empresas insolentes que se atrevem a não mostrar o devido respeito aos planos dos burocratas e à inquestionável autoridade destes.  Sendo assim, só há uma forma de fazer com que todos ajam da maneira esperada: mostrando aos inferiores quem é que manda.
Todas as agências e ministérios estatais pensam assim.  Sem exceção.  A coisa vale tanto para a economia quanto para hábitos pessoais.  Se algo é ruim, como utilizar drogas ou beber, então a solução parece óbvia: aumentar as penalidades para os infratores.  Nenhuma punição jamais será excessiva.  Quanto mais dura for a punição, maior será o desestímulo aos novos infratores — ou assim crê o estado.  Da mesma maneira, nunca haverá autoritarismo o bastante, nunca haverá um suficiente número de burocratas encarregados de fazer as pessoas obedecerem ao estado.  Se o governo determina que as empresas devem contratar indivíduos de determinadas características, ou que elas não podem demitir sob certas circunstâncias, as punições para os dissidentes devem ser severas.
Mas será que este caminho pode gerar consequências inesperadas?  Podem estas imposições fazer com que os problemas piorem e criem reações adversas, revoltas e mercados negros?  Será que a aspereza pode acabar estimulando mais pessoas a se juntarem às fileiras dos rebeldes, desestimulando assim a manutenção das leis?  Na maneira estatista de pensar, nada disso é possível.  Leis e regulamentações são a voz dos deuses, ponto.  E o deus estatal nunca está errado.  Certamente, este deus nunca, sob hipótese alguma, admite qualquer erro.
3. Presuma que todas as discordâncias ao governo equivalem a "torcer contra o país" e ser antipatriótico.  Este ponto advém diretamente dos dois acima.  Dado que você sabe de tudo e sabe que absolutamente tudo é possível por meio da força e da coerção, então resta óbvio que, caso alguém ouse questionar ou — pior ainda — criticar suas políticas, tal pessoa só pode ser uma inimiga do estado, do progresso e dos desvalidos.
Você é contra políticas industriais?  Então você é um inimigo do bem-estar da nação.  Você é contra medidas autoritárias que visam exclusivamente à "segurança" da população?  Então você claramente é um encrenqueiro que quer apenas chamar a atenção e desafiar as autoridades legítimas.
Você tem dúvidas quanto à eficácia das políticas de confisco e subsequente redistribuição da riqueza alheia?  Acha que políticas de interação forçada, como quotas, podem gerar consequências adversas?  Então é óbvio que você faz parte do problema e não da solução.
Na mentalidade estatista, existem somente dois modelos possíveis de cidadãos bons e decentes: o servo e o bajulador.  Se você não se enquadra em nenhuma destas duas categorias, então você ou é um rebelde que deve ficar sob estrita vigilância ou é um traidor que tem de ser esmagado pelas forças justas e apaziguadoras do estado.
Para o estado, existe apenas um caminho a ser seguido.  Para ele, todas as coisas funcionam bem porque apenas uma vontade prepondera sobre todos os humanos.  Com efeito, é exatamente assim que pensa qualquer pessoa que raciocina como o estado.  Se não houver um ditador, a sociedade certamente entrará em colapso, e o caos e a brutalidade reinarão supremos.
O estado é incapaz de conceber uma verdade sobre a sociedade, aquela que a velha tradição liberal revelou: a sociedade funciona exatamente porque ela não pode ser governada por uma vontade suprema.  É o conhecimento descentralizado, disperso entre vários indivíduos, o que cria a ordem no mundo.  É a multiplicidade de planos, todos coordenados por meio de instituições, o que cria esta organizada ordem social que possibilita a existência da civilização, e que a permite se desenvolver e progredir de maneiras sempre inesperadas.  A sociedade não precisa de dirigentes.
4. Presuma que o mundo material vale mais do que ideias.  De novo, isso advém dos três pontos acima.  A característica distintiva do estado é o seu controle sobre a propriedade física.  Ele controla todo o espaço dentro daquelas linhas do mapa chamadas de fronteira.  Dentro deste espaço, o estado e seus homens armados confiscam a riqueza de seus súditos.  Dentro deste espaço, a vontade do estado deve reinar suprema, sempre com a devida punição aos dissidentes.
Seu amor às questões físicas é tão intenso, que em todas as cidades o estado constrói enormes e imponentes prédios para seus burocratas, além de imponentes monumentos que glorificam a si próprio.  Ele se refestela em teorias que giram primordialmente em torno de coisas físicas.
Ele depende da propaganda e da manipulação cultural, mas tais empreitadas nem sempre são bem-sucedidas.  O estado não pode controlar as mentes humanas.  Estas são e sempre serão exclusivamente nossas.  Até mesmo em campos de concentração os prisioneiros são livres para pensar o que quiserem.  Todos nós somos, se assim o desejarmos.  Sempre.  É por isso que o estado odeia a mente humana e tudo o que ela produz.  A mente humana e todo o mundo das ideias estão, em última instância, fora do seu alcance.
Ainda mais incrível é o fato de que todo o mundo físico construído pelo homem começou com ideias.  Da mesma maneira, as ideias que hoje seguimos são o presságio do mundo de amanhã.  E é exatamente por isso que a maneira estatista de pensar se sente apavorada ao se defrontar com indivíduos de ideias próprias, indivíduos livres, indivíduos que não fazem concessão aos modismos politicamente corretos em voga.  E é por causa desse pavor que o estado não consegue pensar visando ao longo prazo.
5. Oponha-se a toda e qualquer mudança não autorizada de planos.  Isto é consequência dos quatro pontos acima.  A meta a ser alcançada pela ordem social já é sabida pelo estado.  Ela pode ser alcançada pela imposição e pela supressão de dissidentes e pela destruição de ideias novas.  A mentalidade estatista não admite surpresas.  Portanto, o melhor a se fazer é se certificar de que não ocorra nenhuma mudança que não esteja prevista no modelo.
Pensar como o estado, portanto, significa deleitar-se no conteúdo de tudo aquilo que foi imposto no passado e que continua existindo até hoje.  Se algo sempre foi uma lei, então é inquestionável que continue sendo uma lei.  Se algo sempre foi impingido à força, então deve continuar sendo assim para sempre.  Sempre olhe para trás e mantenha toda a sua estrutura arcaica (ou uma versão mítica dela), e nunca para frente, imaginando como as coisas poderiam ser.  O estado ama a sua própria história: seus líderes, suas guerras, suas lendas e suas imposições.
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Leis estatais
Esta propensão para o atraso é algo profundamente arraigado no estado.  O grosso de suas leis e regulamentações diariamente impingidas à sociedade nada tem a ver com os atuais políticos (contrariamente ao que prometem as eleições).  Elas datam de décadas ou até mesmo séculos atrás.  Leis não desaparecem dos livros.  Elas apenas recebem acréscimos e vão se acumulando, como aqueles anéis no tronco de uma árvore.  Reforçar o que já existe e colocar esparadrapos no que é necessário é muito mais importante para o estado do que admitir e reverter seus erros do passado.
Tão arraigada é esta ideia que, leis recém-criadas, caso tenham um prazo de validade, já vêm com uma cláusula que explicita as condições para seu futuro prolongamento, e esta cláusula normalmente é adicionada apenas para comprar votos. E, praticamente sem exceção, quando a data da expiração chega, a lei a renovada.  Quando, por algum milagre, uma política ruim, que nunca sequer deveria ter sido criada, é abolida, trata-se de um evento grandioso.  Os súditos comemoram o fim de algo cuja criação não teria sido tolerada por nenhum ser realmente livre.  Pense na significância épica do fim da escravidão ou da lei seca.  Estas são exceções que apenas confirmam a regra.

Esta última feição do pensamento estatista é a mais mortal para a civilização.  Mudanças são a fonte da vida e do desenvolvimento de uma sociedade.  Com o tempo, surgem novas pessoas, novas ideias, novos gostos, novas preferências, novos estilos de vida, novas tecnologias.  A humanidade tem uma propensão a querer aprimoramentos, e isso requer jogar fora tudo o que é antigo, ruim e que não presta.  Já o estado utiliza todo o seu poder para sustentar e reforçar o passado, e, para isso, invoca uma batalha diária contra o progresso.
Se você de fato compreende as características acima citadas, então você de maneira alguma se surpreende com todos os aborrecimentos, frustrações e chateações impostas diariamente por reguladores, burocratas e políticos.  O estado possui um distúrbio de personalidade, distúrbio este oriundo de seu status monopolista e de suas táticas coercitivas.  Este distúrbio não é exclusivo do estado.  Você provavelmente reconhece ao menos alguns destes traços em algumas pessoas que você conhece.  Você pode até mesmo reconhecê-los em você próprio.
É ótimo atacar e criticar burocratas, mas também há alguns motivos para termos pena deles, bem como de todas as pessoas cujas vidas dependem da máquina estatal.  A diferença entre nós e o estado é que, quando estes distúrbios de personalidade surgem, nós somos capazes de mudá-los, e temos todos os incentivos para fazermos isso.  Já o estado, por sua vez, não apenas os mantém como também os incorpora em definitivo, mesmo depois de eles já terem se tornado completamente irrelevantes para qualquer coisa que seja importante.
E assim termina a lição sobre como pensar como o estado.  Trata-se de uma receita garantida para ser um completo fracassado na vida.

Jeffrey Tucker é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo


Os austríacos, é claro, estavam certos - mais uma vez



austriacos.jpgApós mais de três anos patinando, finalmente chegou-se ao consenso de que a economia americana está novamente em recessão.  Não há crescimento econômico.  O mirrado crescimento estatístico apresentado nos últimos anos — ninguém ousou dizer que tal estatística equivalia a uma plena recuperação — foi provavelmente ilusório.
Uma coisa é crescimento real; outra, completamente distinta, é estatística governamental.  As estatísticas iludiram e desorientaram todos os ingênuos, mas agora a verdade já está demasiado óbvia para todo mundo.  E não somente isso: os EUA estão lidando com uma calamidade impossível de ser resolvida, a dívida; o setor bancário virou um zumbi; o mercado de trabalho está estagnado; todo o sistema econômico está inundado de recursos precificados erroneamente, em decorrência dos vários pacotes de socorro e das seguidas impressões de dinheiro; o mercado imobiliário ainda está uma bagunça e não tem outro caminho a seguir a não ser o declínio.
As seguidas rodadas de impressão maciça de dinheiro — os QE1 e QE2 —, os inacreditáveis esforços do governo para criar "estímulos" por meio de mais regulamentações e as taxas de juros em nível zero não trouxeram nada de positivo para a economia, exceto estragos monumentais.  Toda uma geração ficará sem oportunidades econômicas.  A livre iniciativa — e, por conseguinte, toda a prosperidade — está lutando desesperadoramente por sua própria sobrevivência.
Toda essa situação calamitosa se deve àquela única medida que Bush, Obama, republicanos, democratas e todos os magnatas da mídia concordavam ser a coisa certa a se fazer: corrigir os rumos do mercado, estabilizar e em seguida estimular a macroeconomia.  Uma palavra resume tudo: fracasso.
Está surpreso?  Não deveria.  Os seguidores da Escola Austríaca de economia estavam certos desde o início.  E isso não se deve a nenhum truque mágico, a nenhuma bola de cristal.  Os austríacos sabiam a priori que todos esses esforços eram perigosos, destrutivos e que não tinham como dar certo.  Afinal, todas essas tolices keynesianas já haviam sido experimentadas várias vezes, e fracassaram em absolutamente todas essas tentativas.  E há motivos específicos para isso: gastos governamentais consomem e destroem o capital que havia sido poupado, impossibilitando investimentos produtivos; estatizações e pacotes de socorro estimulam e amparam as empresas ineficientes; e a mera criação de dinheiro distorce a realidade e impede a recuperação.
Não é necessário ser um cartomante ou um astrólogo para ver claramente que todas essas asneiras não poderiam atingir seus objetivos especificados.  Tudo o que esses estratagemas fazem é fornecer suporte ao estado e a seus amigos, à custa dos cidadãos comuns e pagadores de impostos.  Eu realmente gostaria de ser solidário a todos aqueles que foram enganados pela propaganda do governo — e acreditar que aqueles que defendem políticas ignaras estão munidos da melhor das intenções —, mas é muito difícil.
Talvez era possível ter sido enganado em 1932; porém, realmente, qualquer observador mais atento já deveria ter ficado mais esperto em 1936.  Agora, no entanto, vivenciar rodadas e rodadas e mais rodadas de estímulos governamentais que nunca dão certo, e ainda assim continuar defendendo tal política?  Inacreditável.  Como Robert Higgs já demonstrou, os EUA só saíram da Grande Depressão quando o governo finalmente parou de tentar estimular a economia. [Aqui um artigo mostrando como a recuperação só se deu após um forte corte nos gastos.]
Agora, no entanto, temos mais uma oportunidade para repetir.  Ouçam e aprendam: os seguidores da Escola Austríaca de economia foram os únicos que anteciparam não apenas o estouro da bolha imobiliária e a inevitável recessão, mas também o inevitável fracasso dos pacotes de estímulo.  Irei a seguir fornecer uma pequena amostra do que foi escrito durante os cinco primeiros meses da crise de 2008.
Comecemos com Frank Shostak e seu artigo "Is Deleveraging Bad for the Economy?" (Uma desalavancagem seria ruim para a economia?), de 20 de agosto de 2008:
É algo completamente inútil exortar os bancos a concederem mais empréstimos se não há poupança real para sustentar tal medida.  Da mesma maneira, não faz muito sentido sugerir que o Banco Central, ao imprimir dinheiro, pode de alguma forma substituir essa poupança real que não existe. (É também um exercício de futilidade elevar os gastos do governo para solucionar o problema.  Afinal, se um governo gasta mais, ele consome mais recursos; e isso significa que outras pessoas terão menos recursos à sua disposição). 
Injetar mais dinheiro na economia irá apenas fazer com que as atividades que genuinamente geram riqueza fiquem sem recursos — pois o dinheiro injetado foi utilizado por outras pessoas para consumir esses recursos.  Isso, por conseguinte, provoca uma redução na oferta de poupança real, pois há menos recursos para serem utilizados em investimentos.  Consequentemente, o crescimento futuro da economia ficará solapado.
Passemos para Scott Kjar e seu artigo "Henry Hazlitt on the Bailout" (Henry Hazlitt sobre os pacotes de socorro), de 15 de outubro de 2008:
O argumento de que o governo americano, ao incorrer em déficits, está de alguma forma injetando capital no mercado é absurdo.  O governo está na realidade retirando dinheiro dos mercados de capital para, em seguida, injetá-lo de novo nos mercados de capital.  Não há nenhuma fonte adicional de financiamento; há apenas fundos sendo retirados de atividades mais produtivas e desviados para atividades menos produtivas, com o governo atuando como o intermediador.
Portanto, quando o Secretário do Tesouro Henry Paulson afirma ser necessário injetar dinheiro nos mercados de crédito para impedir que estes fiquem paralisados, ele não se dá ao trabalho de perceber que o dinheiro que ele injeta nos mercados de crédito está vindo diretamente destes mesmos mercados de crédito.  Ele está simplesmente rearranjando as cadeiras no convés do Titanic.
Kevin Duffy foi certeiro em seu artigo "Looting the Responsible" (Saqueando os responsáveis), de 8 de outubro de 2008:
O governo não possui recursos próprios, não há duendes trabalhando horas extras para produzir algo de valor; há apenas propagandistas propugnando uma economia de Papai Noel.  O governo pode apenas transferir riqueza de um grupo para outro (retendo para si uma taxa de transação nesse processo).  O atual pacote de socorro (desculpem, de resgate), de US$700 800 bilhões, nada mais é do que uma pilhagem dos responsáveis e produtivos em benefício dos imprudentes e perdulários.  Podemos chamar isso de darwinismo invertido: a seleção artificial dos menos aptos...
Transferir mais sangue do hospedeiro produtivo para o parasita não faz com que ambos fiquem saudáveis no longo prazo.  Para que a economia do país possa se curar, é necessário fazer com que capital, credibilidade e autoridade permaneçam com os produtivos, e não com que sejam desviados para os esbanjadores.  A elite dominante, previsivelmente, está tentando fazer exatamente o oposto.
Considere o artigo de Christopher Westley "Bailout Blame Game" (O pacote de socorro e as acusações mútuas), de 7 de outubro de 2008:
Como estudioso da Grande Depressão, sei que o Congresso e o Executivo podem fazer muitos estragos antes do longo prazo chegar — e, com efeito, podem protelar sua chegada indefinidamente.  Será que os conservadores que apoiaram esse pacote de socorro irão criticar o provável presidente Obama daqui a dois ou três anos, quando a economia estiver estagnada, vivenciando uma repetição da década de 1970, graças em grande parte justamente à tentativa do governo de impedir a ação das forças de mercado ao longo dessas duas últimas semanas?  Isso parece bem possível.  Nossos atuais problemas são resultantes de uma grande infusão de crédito no passado.  Pensar que uma nova infusão de crédito hoje não terá os mesmo efeitos no futuro é desafiar coisas incômodas e irritantes, como as leis econômicas e as leis da natureza.
Comentários pungentes de Frank Shostak em seu artigo "The Rescue Package Will Delay Recovery" (O pacote de resgate vai atrasar a recuperação), de 29 de setembro de 2008:
É verdade que o sistema financeiro deve ser resgatado; ele deve ser salvo daquelas instituições que estão com dívidas impagáveis em seus livros contábeis.  Como ninguém sabe ao certo quais são estas instituições, a economia fica estagnada pela incerteza.  Tais instituições estão atualmente drenando capital da economia enquanto ficam à espera de um resgate.  São elas que estão impedindo que atividades geradoras de riqueza no setor financeiro e em outras partes da economia expandam a riqueza real....
Os pacotes de resgate do governo não irão salvar a economia; irão salvar justamente aquelas atividades ineficientes que a economia não mais pode bancar e que os consumidores não mais querem que continuem existindo.  Os pacotes irão meramente sustentar atividades econômicas que desperdiçam capital e promovem a ineficiência, drenando recursos que poderiam gerar crescimento e eficiência caso fossem liberados para outras atividades econômicas, aquelas que estão sendo mais demandadas pelos consumidores.
De Doug French temos "History Is Clear" (A história é clara), publicado em 13 de novembro de 2008:
É realmente de se estranhar que o plano do Secretário do Tesouro Henry Paulson tenha se transmutado em um programa de aquisição federal de ações de bancos, empresas hipotecárias e pelo menos uma seguradora? ... Mas a história é clara: imprimir mais moeda fiduciária de curso forçado não irá resolver a crise; somente um retorno a um sistema monetário mais sólido irá.
"Consumidores não provocam recessões", de Robert Murphy, atacou o âmago da teoria keynesiana em 11 de novembro de 2008:
Quando a recessão é resultado de um boom artificial induzido pelo banco central (como ocorreu na recente bolha imobiliária), o declínio econômico é um período de reajustamento, que é quando os recursos que foram mal alocados são redirecionados novamente para usos mais apropriados, consistentes com as preferências do consumidor e com a realidade tecnológica. Quando o governo intervém, tentando impedir esse reajustamento, ele acaba simplesmente mantendo essa distribuição insustentável de recursos escassos.
E Murphy novamente em "Markets Need Time, Not More Poison" (Mercados necessitam de tempo, e não de mais venenos), de 6 de novembro de 2008:
A atual crise é assustadora, mas o é somente porque ninguém sabe ao certo qual será o próximo novo esquema maluco que o governo irá criar — algo que ele vem fazendo diariamente.  Recursos foram investidos inadequada e insustentavelmente durante a expansão artificial da economia americana na primeira metade da década de 2000, o que gerou a bolha imobiliária.  Consequentemente, a economia necessita de tempo para se curar desse desarranjo.  Não há como fugir desse fato.
Thorstein Polleit foi inflexível durante toda a crise, como mostra o seu artigo "Confidence Is Leaving the Fiat Money System" (A confiança está abandonando o sistema monetário fiduciário), publicado em 10 de outubro de 2008:
Ao reduzirem artificialmente as taxas básicas de juros durante o período da expansão do crédito, os bancos centrais criam os ciclos econômicos, os quais são induzidos justamente pela inflação monetária.  Ciclos econômicos geram níveis insustentáveis de endividamento.  Em todos os países ocidentais, as dívidas em porcentagem do PIB subiram acentuadamente nas últimas décadas.
Sempre que os mercados financeiros resolvem colocar um fim nesse desastroso processo — por exemplo, por meio de um declínio na atividade econômica —, os governos e seus bancos centrais intervêm para fazer tudo o que podem para manter o sistema monetário fiduciário funcionando: diminuem as taxas de juros aumentando a oferta monetária e, consequentemente, a expansão do crédito.
Na atual situação, entretanto, a capacidade dos bancos de expandir a oferta monetária e o crédito foi sensivelmente diminuída: prejuízos contábeis e — por causa da declinante confiança no sistema — prejuízos possivelmente oriundos da não quitação de dívidas irão corroer ainda mais o capital dos bancos nos meses vindouros.
"Parem os resgates!", de Lew Rockwell, em 10 setembro de 2008:
Deixem o sistema de preços prevalecer livremente!  O governo deve sair completamente do caminho e deixar o mercado reavaliar o valor dos recursos.  Sim, isso significa falências.  Sim, isso significa que vários bancos irão quebrar.  Mas tudo isso faz parte do sistema capitalista.  É assim que aconteceria em uma economia de livre mercado.  O que é lastimável não é o processo de reajustamento; o que é lastimável é que esse processo tenha se tornado necessário em decorrência das intervenções anteriores....
É preciso deixar que o mercado seja livre para administrar todo esse processo de reajuste, aconteça o que acontecer.  Garanto que essa solução é melhor do que imprimir mais de um trilhão de dólares para salvar essas empresas insolventes.
"Should the Crisis Shake Our Faith in the Market?" (Deveria a crise abalar nossa fé no mercado?), de Art Carden, em 29 de dezembro de 2008:
O aclamado pastor Adrian Rogers certa vez disse que você não pode multiplicar a riqueza dividindo-a.  Tentar difundir a riqueza por meio de esquemas de tributação e redistribuição não trará a prosperidade.  Irá apenas compartilhar miséria (embora talvez de maneira mais equânime).  A solução é buscar reformas de mercado que removam a obstrução sobre empreendedores.  Como a teoria e a evidência sugerem, reformas de mercado não são iniciativas baseadas na fé ou na ideologia.  São a nossa única esperança para o longo prazo.
Há centenas, talvez milhares, de artigos e declarações desse tipo publicados desde 2008 até o presente.  Eles aparecem diariamente, e a mensagem é a mesma: o que o governo está fazendo não vai funcionar.  Notícias sobre uma recuperação econômica iminente não passam de ilusões.  Não há estímulos para nada.  A única solução é deixar o mercado liquidar o que está insolvente.  O governo tem de parar de saquear a economia privada.  O Fed tem de parar de imprimir dinheiro.  Sem mais pacotes de socorro para derrotados.  Deixem que as taxas de juros subam livremente.  Deixem que os bancos ruins quebrem.  E acima de tudo: parem de querer lutar contra o mercado!  Somente quando tudo isso for feito é que haverá uma sólida recuperação da economia americana.
E assim, aqui estamos nós, após todos esses anos, mais pobres do que éramos, e sem nenhuma esperança à vista para a economia do mundo real (o mundo digital parece estar se mantendo bem).
Por que pessoas como Krugman e asseclas continuam sendo levadas a sério?  Mais ainda: como alguém pode levar a sério aquelas pessoas que alertaram que, caso não tentássemos planos keynesianos, o mundo acabaria e perderíamos a oportunidade de uma gloriosa recuperação?  Não é apenas o The New York Times; toda a mídia financeira internacional continua encantada com a teoria keynesiana e escravizada por suas tolices.
Vamos ainda mais além: os austríacos também estavam corretos ao preverem, antes de 2008, que a expansão econômica americana era insustentável. (Ver aqui e aqui).  Não há nenhum motivo para júbilo ao provar-se certo em determinados assuntos.  Na verdade, é patético imaginar ser possível que qualquer observador bem informado não consiga entender, à luz da experiência e do bom senso, que o governo — uma entidade inerentemente coerciva e que nada produz — não pode criar prosperidade, não importa o quão versados em teatro Kabuki sejam os seus funcionários.
No time vencedor estão aqueles que realmente entendem de economia.  No time perdedor estão aqueles que continuam crendo que veneno pode curar o paciente.  Portanto, vale repetir: a estagnação e a depressão irão continuar até que permitam que o sistema possa se corrigir sozinho.

Jeffrey Tucker é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo


Paul Krugman ataca a Escola Austríaca - e, como de praxe, deturpa suas ideias



krugman_austrian.gifPaul Krugman está nitidamente desesperado.  Um claro sintoma de desespero intelectual ocorre quando um indivíduo, ao ver toda a sua ideologia sendo implacavelmente refutada tanto pela teoria quanto pela prática, sai estabanadamente atacando os responsáveis pela munição teórica ao mesmo tempo em que adultera os fatos da realidade prática.
Recentemente, Krugman publicou uma coluna no TheNew York Times atacando Ron Paul e sua crença na Escola Austríaca de pensamento econômico (um ótimo sinal).  Krugman alega que Ron Paul só conseguiu sua fama de consistente porque ele ignora a realidade.  O problema é que, se há uma coisa que a "realidade" demonstrou, foi justamente o quão corretas eram as ideias propagadas por Ron Paul e pela Escola Austríaca. 
A seguir, o trecho relevante da coluna de Krugman (a mídia brasileira, com sua tradicional competência em assuntos externos, inexplicavelmente creditou a coluna a Thomas Friedman):
[Ron] Paul tem se mostrado altamente consistente. Eu aposto que ninguém encontrará vídeos de alguns anos atrás nos quais ele tenha dito o oposto do que está dizendo no momento.
Infelizmente, a forma que ele escolheu para manter a sua consistência foi ignorar a realidade, agarrando-se à sua ideologia, ainda que os fatos demonstrem que talideologia é equivocada. E, ainda mais infeliz é o fato de a ideologia de Paul atualmente dominar um Partido Republicano que costumava ser mais sábio.
[...]
Ron Paul se apresenta como um adepto da economia "austríaca" — uma doutrina que rejeita John Maynard Keynes mas que repele com veemência quase igual as ideias de Milton Friedman.  Isso porque os seguidores da escola austríaca acreditam que o "papel-moeda fiduciário de curso forçado", o dinheiro que é simplesmente impresso sem ser lastreado por ouro, é a raiz de todos os males.  Isso significa que eles se opõem veementemente àquele tipo de expansão monetária que Friedman afirmou que poderia ter prevenido a "Grande Depressão" — e que foi na verdade implementada desta vez por Ben Bernanke.
Bem, uma breve digressão: na verdade o Federal Reserve não imprime dinheiro (quem faz isso é o Tesouro). Mas o Fed controla a "base monetária", a soma das reservas bancárias e da moeda em circulação.  Assim, quando as pessoas falam que Bernanke está imprimindo dinheiro, o que elas querem dizer de fato é que o Fed expandiu a base monetária.
E houve, realmente, uma enorme expansão da base monetária.  Após a queda do Lehman Brothers, o Fed passou a emprestar somas enormes aos bancos e também a adquirir uma ampla gama de outros ativos, em uma tentativa (bem sucedida) de estabilizar os mercados financeiros.  E, durante o processo, ele acrescentou vastas quantias às reservas bancárias.  No outono norte-americano de 2010, o Fed deu início a uma nova série de aquisições, em uma tentativa menos exitosa de estimular o crescimento econômico.  O efeito combinado dessas ações foi que a base monetária mais do que triplicou de volume.
Os "austríacos", e na verdade muitos economistas de direita, tinham certeza do que aconteceria como resultado dessas medidas: haveria uma inflação devastadora. Peter Schiff, um analista famoso, que pertence à escola austríaca e que já foi assessor da campanha de Ron Paul em 2008, chegou a advertir (no programa de televisão de Glenn Beck) para a possibilidade de uma hiperinflação de estilo zimbabuano no futuro próximo.
Assim, aqui estamos nós, três anos depois. E como andam as coisas? A inflação flutuou mas, no fim das contas, os preços para o consumidor subiram apenas 4,5%, o que significa uma taxa de inflação média anual de apenas 1,5%.  Quem poderia ter previsto que a emissão de tanto dinheiro provocaria tão pouca inflação?  Bem, eu poderia.  E de fato previ.  E também outros economistas que entendem os ataques de Paul à economia keynesiana.  Mas os apoiadores de Paul continuam a alegar que, de alguma forma, ele ainda tem razão quanto a tudo.
Mesmo assim, embora os proponentes originais da doutrina sequer admitam que estavam errados — segundo a minha experiência, nenhum integrante do mundo político jamais admite ter cometido um erro em relação a algo —, você poderia achar que o fato de eles terem errado tanto em relação a algo tão fundamental para o seu sistema de crenças teria feito com que os "austríacos" perdessem popularidade, mesmo dentro do Partido Republicano. Afinal, ainda nos anos Bush, muitos republicanos defendiam ferrenhamente a impressão de dinheiro quando a economia sofresse desaquecimento. "Uma política monetária agressiva pode reduzir a gravidade de uma recessão", declarou o Relatório Econômico do Presidente de 2004.
Vamos então por partes.
O primeiro ataque de Krugman é direcionado à ideia austríaca de que o papel-moeda é a raiz de todas as políticas econômicas perversas.  Para Krugman, como todos sabem, um dinheiro de papel manipulado pelo governo é simplesmente o sistema monetário ideal, e apenas pessoas descoladas da realidade podem ser contra ele.  No entanto, é justamente a realidade histórica o que derruba essa crença krugmaniana.  Basta perguntar aos romanos, aos franceses, aos britânicos, aos alemães, aos zimbabuanos, aos húngaros e aos sul-americanos quais foram as experiências maravilhosas que eles já vivenciaram sob um sistema de papel-moeda controlado pelos seus respectivos governos.  O grande economista Joseph Schumpeter certa feita escreveu que, mesmo que uma pessoa não acreditasse nos méritos do padrão-ouro e fosse um defensor de um estado inchado, ela ainda assim iria querer viver sob um padrão-ouro, pois só assim poderia se proteger contra exatamente o tipo de bagunça econômica em que o mundo se encontra atualmente.
Em seguida, Krugman parte para uma nova linha de ataque, supostamente sua evidência contra um dos pilares da Escola Austríaca: a base monetária americana aumentou substancialmente, mas o Índice de Preços ao Consumidor aumentou muito pouco.  Esse é realmente aquele tipo de "evidência" que poderíamos esperar apenas do nosso barbeiro e de um economista ganhador do Prêmio Nobel de economista.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que Krugman deturpa por completo a posição austríaca a respeito do dinheiro, escrevendo que todos os austríacos acreditam que a base monetária é exatamente a mesma coisa que dinheiro circulando na economia.  Não é, e isso sempre foi explicitado pelos austríacos.
Segundo, o Índice de Preços ao Consumidor representa uma mensuração bastante inexata do impacto de uma inflação monetária sobre o poder de compra dos consumidores.  A maioria dos economistas questiona a validade e a precisão do IPC.  O IPC nunca teve a intenção de mensurar todo o impacto de uma inflação monetária sobre a economia, exceto para os "ingênuos" economistas seguidores da teoria quantitativa.
Terceiro, como mostra o gráfico abaixo, embora a base monetária tenha explodido desde setembro de 2008 — indo de pouco mais de $800 bilhões para US$2,7 trilhões —, o M1 teve crescimento bem mais discreto.  Isso ocorreu porque a quase totalidade do aumento da base monetária transformou-se em "reservas em excesso".  "Reservas em excesso" são as reservas que os bancos mantêm voluntariamente depositadas junto ao Fed (o Banco Central americano), além do volume determinado pelo compulsório.  Como a base monetária é igual ao papel-moeda criado pelo Fed mais as reservas bancárias depositadas junto ao Fed (o compulsório), conclui-se que uma substancial fatia do aumento da base monetária foi convertida em reservas em excesso.  Os bancos optaram por manter a quase totalidade de suas reservas (as quais eles podiam utilizar para fazer empréstimos e, com isso, aumentar o M1) voluntariamente depositadas junto ao Fed, que está pagando juros sobre elas.  Ao fazer isso, o Fed impediu que as reservas bancárias se transformassem em depósitos em conta-corrente, o que elevaria o M1 — esse é um dos motivos de a inflação de preços ainda estar contida nos EUA.
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O gráfico acima mostra três variáveis: a base monetária (azul), o M1 (verde) e as "reservas em excesso" (vermelho).
Quarto, alguns austríacos disseram que, cedo ou tarde, quando esse dinheiro que está represado no sistema bancário "vazar" para a economia — isto é, se esse aumento na base monetária se transformar em empréstimos em larga escala —, haverá inflação de preços.  Isso é algo óbvio.  No entanto, como alguns austríacos disseram que tal inflação de preços pode vir a ocorrer mais cedo do que mais tarde, então, de acordo com Krugman, isso significa que toda a teoria monetária austríaca está errada.  (Tal raciocínio representa aquilo que gregos e romanos chamaram de non sequitur; porém, sem o apelo ao non sequitur, Krugman simplesmente não teria como escrever colunas).
Quinto, a inflação monetária pode impactar vários setores da economia, e o faz com intensidades totalmente distintas.  Basta nos lembrarmos de que, no caso americano, durante a bolha imobiliária, os preços dos imóveis dispararam para níveis recordes e insustentáveis, ao mesmo tempo em que os níveis do IPC permaneceram "sob controle".  Há vários tipos de bens cujos preços são impactados pela inflação e que não estão incluídos no IPC, desde obras de arte até bens comercializados no mercado negro, passando por salários de atletas profissionais e terrenos agrícolas.
Sexto, o impacto da inflação monetária sobre a economia como um todo é algo que leva tempo.  O dinheiro que entra na economia vai se movendo de um setor para o outro aos poucos, até finalmente perpassar quase toda a economia.  E é durante esse processo que os preços vão aumentando, sempre de maneira desigual.  Qualquer pessoa minimamente familiarizada com noções básicas de teoria monetária e sistema bancário sabe disso.  Adicionalmente, seria de se esperar que um economista como Krugman estivesse informado do fato de que, do aumento de quase US$2 trilhões ocorrido na base monetária americana, os bancos estão atualmente "sentados" sobre quase US$1,6 trilhão (valor das reservas em excesso), o que significa que esse foi o total de dinheiro criado que ainda não entrou na economia.
A "evidência" de Krugman nada mais é do que a evidência de sua própria ignorância sobre questões básicas de economia.  Ainda assim, vale ressaltar um importante ponto adicional: a ideia de que aumentos na oferta de dinheiro (isto é, inflação monetária) levam a aumentos nos preços (isto é, inflação de preços) é uma afirmação teórica, e economistas de todas as estirpes expressam tal declaração em termos de ceteris paribus, ou, tudo o mais constante.  Bem, as coisas não têm estado exatamente muito constantes ultimamente, certo, Paul? 
Mas o fato é que os austríacos não estão nem um pouco surpresos com o que vem acontecendo com a economia americana.  Graças aos pacotes de socorro e aos pacotes de estímulo, à explosão no número de regulamentações e à retórica incendiária que emana da Casa Branca, a economia americana está atolada em uma depressão —exatamente como os austríacos previram que estaria caso as políticas dos últimos quatros anos continuassem sendo seguidas.  Enquanto a base monetária continuar sendo apenas isso — uma base — e o dinheiro não circular, a taxa oficial de inflação de preços continuará baixa. 
Por outro lado, se os austríacos estiverem errados em sua crença de que uma expansão na quantidade de dinheiro em circulação irá estimular um aumento de preços (e é isso que Krugman está insinuando), então toda a teoria monetária está de cabeça para baixo.  A insistência krugmaniana de que os austríacos são ignorantes em termos monetários é em si um exemplo de ignorância.  Os austríacos enfatizam que o dinheiro é um bem secundário cuja principal utilidade é facilitar as trocas; e sua produtividade jaz no fato de que ele permite que ocorram trocas que não ocorreriam em uma economia de escambo.  Adicionalmente, os austríacos afirmam que o dinheiro, assim como quaisquer outros bens, também está sujeito a todas as leis da ciência econômica, inclusive a Lei da Utilidade Marginal (não, nós não cremos que ele seja apenas uma quantia variável).
No entanto, um dos mais importantes aspectos do pensamento austríaco a respeito da moeda é a ênfase dada a como se dá o mecanismo de transmissão do dinheiro recém-criado que adentra a economia.  Essa transmissão não é neutra, de modo que aqueles que recebem esse dinheiro antes do restante da população são beneficiados por um repentino aumento em seu poder de compra, tornando-se capazes de adquirir bens a preços ainda inalterados — os preços ainda estão inalterados, só que a renda desse grupo agora aumentou.  Essa visão é diametralmente oposta ao ponto de vista keynesiano, que afirma que a transmissão monetária é neutra, e que a única coisa que importa é que o dinheiro seja injetado na economia de modo que alguém possa gastá-lo.
capaAcao-Humana.jpgAdemais, os austríacos também afirmam que a injeção de dinheiro recém-criado na economia irá alterar os preços relativos dos bens da economia, e que essas relações continuarão sendo alteradas à medida que o dinheiro continue sendo injetado.  Isso também contrasta com a visão krugmaniana de que o dinheiro recém-criado não gera tal efeito, e que todas as pessoas se beneficiam igualmente de qualquer injeção monetária.  (No mundo de Krugman, embora a inflação beneficie os devedores à custa dos credores, isso é ótimo, pois ele falsamente pressupõe que todos os credores pertencem ao "um por cento" da população mais rica, ao passo que todos os devedores estão na categoria oposta.)
Portanto, dado que a hiperinflação ainda não apareceu, os austríacos são totalmente ignorantes sobre teoria monetária, e isso inclui Ron Paul.  O problema é que estamos lidando aqui com cronometragem, e não com teoria monetária; e Krugman, ao confundir uma com a outra, apenas demonstra sua falta de conhecimento em questões monetárias.
Tivessem os EUA não seguido os conselhos de Krugman, Bernanke, Geithner, Summers, Paulson, Goldman Sachs etc., mas sim os conselhos de Ron Paul, essa crise já teria acabado há muito tempo.  Em vez disso, todos os americanos estão sendo forçados a lidar com as insanidades defendidas por Paul Krugman e Ben Bernanke.
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P.S.: Peter Schiff jamais afirmou que haveria inflação ao estilo Zimbábue nos EUA e desafiou Krugman para um debate a qualquer momento, em qualquer local, sob quaisquer termos.
P.S.2: A prova mais cabal da ignorância da teoria econômica de Krugman pode ser vista nesta compilação de artigos seus, nos quais ele diz que a cura sustentável para a recessão de 2001 era, adivinhe só!, a criação de uma bolha imobiliária.

"Onde está a inflação de preços nos EUA?"



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Uma das principais linhas de ataque dos críticos contra a Escola Austríaca tem sido a questão da inflação de preços nos EUA.  Economistas austríacos como Robert Murphy têm sido criticados por causa da aparentemente baixa inflação de preços nos EUA, algo que vai contra sua previsão.  Antes de tudo, vale ressaltar que esses críticos estão se referindo ao conceito convencional de nível de preços, o qual é mensurado pelo Índice de Preços ao Consumidor [nos EUA, CPIConsumer Price Index].
Pelo bem do debate, vamos ignorar aqui todos os problemas relativos ao conceito de 'nível de preços' e todos os problemas técnicos inerentes ao cálculo do CPI.  Vamos ignorar também o fato de que tal supostamente baixa inflação de preços pouco ou nada tem a ver com a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), ao contrário do que os críticos vêm gostosamente dizendo.  A noção básica de que mais dinheiro criado (ou seja, inflação) gera preços mais altos (ou seja, inflação de preços) não é exclusivamente austríaca.  Trata-se de uma ideia muito antiga e comumente aceita por economistas profissionais, e está presente em praticamente todos os livros-textos que já examinei.
Tal visão é frequentemente rotulada de 'teoria quantitativa da moeda'.  Apenas economistas de ideologia mercantilista ou keynesiana discordam dessa teoria.  No entanto, somente os austríacos podem explicar o atual dilema: por que a maciça criação de dinheiro pelos principais bancos centrais do mundo, mais notadamente nos EUA, não resultou em preços mais altos?
Economistas austríacos como Ludwig von Mises, Benjamin Anderson e F.A. Hayek perceberam que, durante a década de 1920, não obstante os preços das mercadorias apresentassem grande estabilidade, os preços dos insumos presentes na estrutura de produção da economia americana vinham crescendo com vigor, e isso indicava problemas relacionados à política monetária adotada pelo Banco Central americano, o Federal Reserve.  Mises especificamente alertara que a política do "dólar estável" preconizada por Irving Fisher e implantada pelo Fed iria gerar severas ramificações.  Não fosse essa política monetária frouxa adotada pelo Fed durante a década de 1920, os preços teriam caído durante aquela década, a qual vivenciou um robusto aumento de produtividade.
Portanto, analisemos agora o comportamento dos preços daqueles produtos que a maioria dos economistas ignora, e vejamos o que descobrimos.  Dentre os preços óbvios a serem analisados está o preço do petróleo.  Economistas convencionais não gostam muito de analisar os preços do petróleo, tanto é que ele (junto com os preços dos alimentos) nem é incluído no cálculo do CPI.  Ben Bernanke diz que os preços do petróleo nada têm a ver com a política monetária do Fed (um despautério, dado que o petróleo mundial é comercializado em dólares) e que tais preços são governados por outros fatores.
Na condição de economista austríaco, eu especularia que, em uma economia de livre mercado, em que não existissem bancos centrais, o preço do petróleo seria estável.  Mais ainda: especularia que, na atual realidade econômica, em que há bancos centrais, o preço do petróleo não apenas seria bastante instável, como também refletiria a política monetária americana, exatamente como explicado pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
Ou seja, as taxas de juros artificialmente baixas geradas pelo Fed (por meio de sua criação de dinheiro) estimulariam os empreendedores a darem início a novos projetos de investimento.  Isso, por sua vez, aumentaria a demanda por petróleo (setor este em que a oferta é relativamente inelástica), o que faria com que o preço do petróleo aumentasse.  À medida que esses empreendedores tivessem de pagar preços mais altos por petróleo, gasolina e energia (e por vários outros insumos), e à medida que seus clientes tivessem de reduzir sua demanda pelos bens produzidos por esses empreendedores (para poderem pagar os preços mais altos da gasolina), alguns desses investimentos deixariam de ser lucrativos e passariam a apresentar prejuízos.  Portanto, por essa teoria, o preço do petróleo deveria subir em períodos de expansão econômica artificial e cair em períodos de recessão. 
E é exatamente isso o que ocorre, como retrata o gráfico abaixo, que mostra o preço em dólares do barril de petróleo (as áreas em cinza denotam períodos de recessão nos EUA).
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Como se nota, o preço do petróleo se manteve bastante estável enquanto o país estava no pseudo-padrão ouro (até 1971).  Os dados também retratam a dramática instabilidade gerada a partir do momento em que o padrão monetário mundial passou a ser puramente fiduciário, sem absolutamente nenhum lastro em ouro (após 1971).  Adicionalmente, nota-se que o preço do petróleo varia, em termos gerais, bem de acordo com a teoria austríaca — muito embora a política monetária não seja a única determinante dos preços do petróleo, dado que obviamente não existe uma relação numérica estável entre as duas variáveis.
Outra commodity digna de atenção por causa de seu alto preço é o ouro.  O preço do ouro também aumenta durante os períodos de crescimento econômico artificial e cai durante as recessões.  No entanto, desde que a última recessão americana terminou oficialmente em 2009 (como mensurado tecnicamente pela variação do PIB), o preço do ouro mais do que dobrou.  A política de juros zero do Fed fez com que o custo de oportunidade de se investir em ouro se tornasse extraordinariamente baixo.  As maciças injeções monetárias feitas pelo Fed criaram uma enorme pressão altista no preço do ouro.  Nenhuma surpresa.
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Na realidade, os preços de todas as commodities aumentaram.  O Índice de Preços ao Produtor (Producer Price Índex — PPI) para as commodities mostra um padrão similar ao do petróleo e do ouro.  O PPI-Commodities se manteve estável durante o pseudo-padrão ouro.  Após a adoção do padrão papel-moeda fiduciário pós-1971, a volubilidade reinou.  O índice tende a disparar antes de uma recessão, e a estabilizar durante e após a recessão.  Atualmente, o Índice PPI para commodities já retornou a níveis historicamente altos.
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Preços altos parecem ser a norma hoje nos EUA.  O mercado de ações está próximo de sua máxima histórica.  O mercado de títulos do governo já está em sua máxima histórica.  Os preços dos terrenos agrícolas vêm batendo sucessivos recordes.  O mercado de Arte Contemporânea de Nova York está "bombando", batendo recordes de preços e vendas.  Os mercados imobiliários de Manhattan e Washington, D.C. estão ambos também em seus respectivos ápices, como os austríacos prognosticariam.  É ali, afinal, que o dinheiro está sendo criado, e é ali que grande parte dele é injetada na economia.
Isto nem sequer leva em consideração como seriam os preços caso o Fed e os bancos centrais mundiais não houvessem atuado da forma como atuaram.  Os preços imobiliários seriam mais baixos, assim como os preços das commodities, e o CPI e o PPI seriam hoje negativos.  As famílias de mais baixa renda teriam vivenciado um aumento em seu padrão de vida (por causa da queda nos preços), e os poupadores ganhariam retornos decentes sobre suas poupanças (atualmente, o retorno é nulo).
Obviamente, o mercado de ações e o mercado de títulos também estariam vivenciando preços significativamente menores (no caso dos títulos, isso implicaria juros maiores).  As ações dos grandes bancos teriam despencado e os bancos insolventes teriam quebrado.  Hedge funds e bancos de investimento teriam entrado em colapso, assim como vários tipos de financiamento.  O mercado imobiliário de Manhattan estaria na lona.  O mercado de trabalho para administradores de fundos de investimento, operadores de hedge fund e banqueiros em geral teria evaporado.
Ou seja, o que o Fed optou por fazer acabou tornando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.  Caso ele não houvesse embarcado na mais extrema e heterodoxa política monetária de sua história, os pobres teriam vivenciado um relativo aumento em seu padrão de vida, e os ricos teriam vivenciado uma substancial redução coletiva no seu.
Mas há também outros motivos por que os preços dos bens de consumo não aumentaram em conjunto com a oferta monetária da mesma forma dramática que a observada para o petróleo, o ouro, as ações e os títulos.  Tudo indica que as políticas inflacionárias e keynesianas adotadas pelos EUA, pela Europa e pela China resultaram em um ambiente econômico e financeiro tão incerto, que os bancos estão receosos em conceder empréstimos, os empreendedores estão temerosos em investir, e todo mundo está com medo do futuro de suas moedas, as quais eles são obrigados a aceitar.
Em outras palavras, o motivo pelo qual as previsões sobre a inflação de preços não se materializaram é porque as receitas keynesianas — como pacotes de socorro, pacotes de estímulo e maciças injeções monetárias no sistema bancário — não apenas fracassaram como também ajudaram a destroçar ainda mais a economia.