quinta-feira, 26 de junho de 2014

Existe uma O estado é o grande gerador da criminalidade que ele tenta combater brasileira?

O estado é o grande gerador da criminalidade que ele tenta combater 
 

assalto_revolver_bandido_assaltante_roubo.jpgO brasileiro vive com medo.  Sair à rua gera medo.  Ficar em casa gera medo. Todo esse medo graças aos enormes números do crime no Brasil.  De quem é a culpa disso tudo?
Só no ano de 2012, mais de 50 mil pessoasforam assassinadas no país, e tivemos registro de mais de 556 mil casos de roubos e furtos a residências e comércios.  Mas os números podem ser ainda maiores, pois o desânimo é tanto que a maioria dos crimes nem sequer vira ocorrência policial.
Ocupamos hoje a perigosa posição de 11º pais em número de homicídios a cada 100 mil habitantes.  Segundo a Pesquisa Nacional de Vitimização, 21% dos entrevistados foram vítimas de algum tipo de crime nos últimos 12 meses.  Das 50 cidades mais violentas do mundo, o Brasil tem 14 delas no ranking.
Uma área da ciência econômica chamada de Economia do Crime trata a ação criminosa da mesma forma que trata a ação econômica: como um ato racional de empreendimento que leva em consideração o custo e o retorno que, nesse caso, incide sobre o ato de cometer um crime.
Como dito por Mises em Ação Humana, toda ação consciente efetuada por um indivíduo tem o objetivo de retirá-lo de uma situação de menor conforto e levá-lo para uma situação de maior conforto em relação à situação atual. Um investidor ou empreendedor sempre toma por base, para validar seus investimentos, o risco e o retorno esperado da ação.  Da mesma forma, um criminoso avalia o cenário para cometer o crime, seja um assalto a banco ou, simplesmente, estacionar em local proibido.  É isso mesmo: você empreendedor pensa da mesma forma que um assaltante.
Ícones da esquerda brasileira defendem que o aumento da criminalidade é resultado da desigualdade social e econômica do país, ou, ainda, que a culpa é da vítima.  Repito: da vítima.  A solução seria uma reforma do sistema capitalista ou a implantação do socialismo.  O que parece ser uma contradição quando se compara os resultados que o governo se vangloria de ter atingido e os grandes números na criminalidade.
Já o pessoal da direita diz que a causa da criminalidade é que todo criminoso é um pervertido, e que esse comportamento é intrínseco a pessoa.
O fato é que não existe uma causa única no fenômeno da criminalização, muito menos existe uma única solução, ou uma solução simples.  Como liberal, gostaria de parafrasear Bastiat e chamar a atenção para aquilo que não se vê: se existe algum "sistema" que deve ser reformado ou substituído, com certeza este seria o sistema de intervenção estatal ao qual estamos submetidos.
Seguindo a lógica da Economia do Crime podemos, facilmente, visualizar que o estado é o grande responsável pelo aumento da criminalidade.
Como?
Agindo de duas formas: diminuindo os riscos e os custos de se cometer um crime, e aumentando os riscos e os custos de se empreender uma atividade lícita e moralmente aceita.
Promovendo a sensação de impunidade
Muitos liberais defendem a existência do estado para cuidar do sistema judiciário, do policiamento e da segurança.  Mas esses são setores em que o governo falha mais miseravelmente.
As leis — sendo que algumas até preveem penas severas — sofrem fortes interveniências a favor do condenado.  A maioria dos criminosos dos ditos "crimes mais leves" não chega sequer a ir para prisão; e, quando vão, é com a certeza de que é por pouco tempo, devido à grande quantidade de brechas jurídicas que existem.
Sabendo disso, a pessoa que se aventura pelo crime o faz com ciência de que o custo de praticar a atividade ilegal (que nesse caso é a prisão) é reduzido.
É dificultado o direito à legítima defesa
"Dificultado" é uma palavra muito branda.  Negado é o correto.
Graças ao estatuto do desarmamento (dezembro de 2003), que praticamente proibiu o brasileiro de ter uma arma, o cidadão está cada dia mais vulnerável à ação criminosa.  Todos sabem que os bandidos andam armados, e fortemente armados, enquanto o brasileiro de bem não pode portar arma de fogo, spray de pimenta ou arma branca para se defender, e defender sua família dos milhares de assaltos que ocorrem diariamente.
Dificultando o acesso ao mercado de trabalho
Com um salário mínimo em um valor elevado, principalmente em relação à produtividade do trabalhador, o governo lança uma grande barreira de entrada ao mercado de trabalho para os mais jovens, para os que têm menos experiência e para os que têm menos qualificação.  Não é à toa que o número de ocupado está estagnado há um ano.
Com diversas leis e encargos sociais e trabalhistas, um funcionário que executaria uma função repetitiva e simplória tem seu custo de mão-de-obra artificialmente aumentado, não compensando assim a contratação por parte do empresário.  E aqueles que arriscam trabalhar na clandestinidade sofrem severas sanções.
O ideal seria que os salários fossem determinados pela oferta e demanda, permitindo assim que os menos favorecidos tivessem uma chance de iniciar sua carreira, e que os salários médios fossem melhorados pela competição dos empregadores pelos empregados.
Dificultando a atividade empresarial
É notável a importância das pequenas empresas para a sociedade.  Além de gerar empregos e renda, as pequenas empresas são uma ótima oportunidade para aquelas pessoas que querem desenvolver uma atividade legalmente lícita como forma de vida.
O grande problema é que os dados nos mostram que 24,4% das empresas brasileiras fecham em até dois anos, 22% dos empresários dizem que o principal motivo para o encerramento da empresa é a carga tributária e outros 3% dizem que é a burocracia.
Temos aí dois motivos ligados diretamente à interferência estatal na atividade econômica.
Outra pesquisa mostra que o tempo médio para se abrir uma empresa é de 119 dias contra a média de 20 dias de outros países do G-20, bem como são gastas 2.600 horas para resolver questões tributárias no Brasil contra 347 horas do mesmo grupo.
Péssimo exemplo
Aqueles em quem o povo confia a função de governar o país, dando-lhes seu voto, em geral não servem como bons exemplos para a sociedade.
Guerra às drogas
O motivo óbvio para cessar o combate estatal às drogas é que isso, simplesmente, não impede as pessoas de comprar e de usar drogas.
Se isso não for o suficiente, posso citar alguns dos efeitos colaterais do combate às drogas: congestionamento e morosidade do sistema judiciário; aumento desnecessário da população carcerária; aumento da violência entre vendedores, e entre vendedores e compradores; aumento da corrupção entre policiais; diminuição das liberdades civis; surgimento de novas e mais potentes drogas em função da facilidade de porte e de uso; surgimento de drogas mais danosas e mais baratas, como o crack; estímulo ao aumento do número de traficantes devido aos altos retornos gerados pela proibição.

A intenção deste texto não é esgotar o assunto, mas sim chamar a atenção para o fato de que não existe uma única causa do aumento da criminalidade no Brasil, assim como não existe uma única solução.
É necessário um projeto que possibilite às pessoas o acesso ao mercado, que permita que as oportunidades sejam mais equacionadas, e que faça com que aqueles que, tendo à disposição várias alternativas lícitas e eticamente válidas, sejam efetivamente punidos ao escolherem o caminho do crime.
Para a criminalidade diminuir é necessário que o crime não compense. 

Eduardo Franco é formado em Marketing, estuda Administração de Empresas, é pós-graduando em Finanças e Mercado de Capitais pela UNIJUI

A igualdade econômica é imoral e atenta contra o “bem comum”

A igualdade econômica é imoral e atenta contra o “bem comum”


frases_cobica.jpg"Pessoas livres não são iguais, e pessoas iguais não são livres".
Gostaria muito de saber quem foi a primeira pessoa a proferir essa máxima.  Ela certamente está entre as maiores verdades de todos os tempos, uma que é ao mesmo tempo simples e repleta de profundos significados.
A igualdade perante a lei — por exemplo, ser julgado inocente ou culpado baseando-se exclusivamente em você ter cometido o crime, e não em sua cor, gênero ou crença — é um ideal nobre ao qual nenhuma pessoa de bom senso se opõe.  Por isso, não é o tema deste artigo.  A "igualdade" a que a frase acima se refere está relacionada à renda econômica e à riqueza material.
Colocando de outra maneira, portanto, a frase pode ser lida da seguinte forma: "Pessoas livres terão rendas distintas. Em arranjos nos quais as pessoas têm obrigatoriamente a mesma renda, elas não podem ser livres".
A igualdade econômica em uma sociedade livre é uma miragem com a qual os redistributivistas sonham — e frequentemente se mostraram muito dispostos a derramar sangue para implantá-la.
A questão é que indivíduos livres são indivíduos intrinsecamente diferentes entre si, de modo que não deveria ser surpresa nenhuma o fato de que eles terão rendas distintas.  Nossos talentos e nossas capacidades não são idênticos.  Nem todos nós trabalhamos com o mesmo afinco, com a mesma dedicação e com a mesma qualidade.  Cada um de nós nasceu em famílias distintas, sendo que cada família possui suas vantagens e suas desvantagens.  Também nascemos em diferentes vizinhanças, somos cercados por diferentes tipos de pessoas, recebemos diferentes tipos de incentivos e temos diferentes graus de oportunidade.
É até compreensível que, perante esse ponto de partida desigual, os progressistas queiram remediar a situação implantando políticas governamentais "corretivas".  O que eles realmente não entendem é que a cura que eles propõem é muito pior do que doença.  Qualquer tentativa de corrigir desequilíbrios nas famílias e nas vizinhanças irá gerar outras desigualdades que podem ser piores do que as originais. 
Thomas Sowell certa vez disse que "Tentativas de se equalizar os resultados econômicos geram desigualdades maiores e mais perigosas de poder político".  Ou, como concluiu Milton Friedman, "Uma sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade terminará sem as duas.  O uso da força para alcançar a igualdade irá destruir a liberdade, e a força, introduzida com bons propósitos, irá terminar nas mãos de pessoas que irão utilizá-la para promover seus próprios interesses".
Ademais, mesmo se todos nós, magicamente e subitamente, passássemos a ter a mesma riqueza, já no dia seguinte voltaríamos a ser desiguais, pois alguns iriam gastar seu dinheiro e outros iriam poupá-lo.
Em uma economia de mercado, rendas distintas sempre serão uma realidade.  E tem de ser assim.  Essa diferença de renda ocorrerá em decorrência de fenômenos tão distintos quanto incontroláveis, como talento nato, ambição, energia, disposição, saúde, sorte, percepção correta quanto às demandas do consumidor, parceria com as pessoas corretas etc.  Sendo assim, a igualdade econômica só poderá ser tentada (mas nunca alcançada) por meio de monstruosas e contínuas agressões empreendidas por funcionários do governo.  O resultado mais provável será uma igualdade de miséria (muito embora os membros da elite política serão mais iguais do que o resto do povo).  Igualdade a um nível decente de prosperidade é algo que está muito além da capacidade do estado, como bem ilustram Cuba e Coréia do Norte.
Para produzir uma mínima quantidade de igualdade econômica, os governos teriam de expedir as seguintes ordens (e estar disposto a impingi-las com pelotões de fuzilamento e agentes carcerários): "Não se sobressaia, não trabalhe com mais afinco do que seu vizinho, não tenha boas e novas ideias, não corra nenhum risco, e não faça nada de diferente em relação ao que você já fez ontem". 
Em outras palavras, não seja humano.
Pessoas obcecadas com igualdade econômica — ou, para empregar um termo mais clínico, com o igualitarismo — tendem a fazer coisas estranhas.  Elas se tornam invejosas.  Elas passam a cobiçar o que é dos outros.  Elas dividem a sociedade em dois grupos: vilões e vítimas.  Elas gastam mais tempo e energia tentando derrubar e destruir uma pessoa bem sucedida do que se esforçando para se aprimorar, para se tornar uma pessoa melhor e, com isso, subir na vida.  São pessoas ressentidas e rancorosas, e não é nada divertido estar perto delas.  Quando tais pessoas eventualmente conseguem chegar ao poder, os estragos que elas fazem podem ser irreversíveis.  Elas não mais apenas chamam a polícia; elas passam a ser a polícia.
Se a desigualdade econômica é uma opressão, punir o esforço, o mérito e o sucesso não é uma cura.  Medidas coercivas que visam à redistribuição de riqueza farão apenas com que os espertos e os politicamente bem-relacionados enviem sua riqueza para o exterior ao passo que os desafortunados terão de arcar com o fardo do inevitável declínio econômico.  Uma medida muito mais produtiva seria reduzir o imenso e burocrático aparato governamental — que, com suas regulações que impedem a livre concorrência, com sua inflação que destrói o poder de compra, com suas tarifas de importação que proíbem a aquisição de produtos bons e baratos do exterior — faz com que os pobres se perpetuem nessa condição.
Por outro lado, é fato que há algumas formas de desigualdade econômica condenáveis.  Por exemplo, a desigualdade produzida por um capitalismo mercantilista, no qual o estado — por meio de agências reguladoras, tarifas de importação e subsídios — protege os grandes empresários, certamente é indesejável.  Por isso, é importante fazermos uma distinção entre empreendedores econômicos e empreendedores políticos.  Os primeiros criam valor para a sociedade; ao passo que os últimos simplesmente descobriram como transferir recursos de terceiros para seus próprios bolsos.
Em vez de apenas confiscar a riqueza dos mercantilistas — uma medida inócua que manteria intacto todo o aparato de redistribuição dos pobres para os ricos —, muito mais sensato seria abolir todos os arranjos que permitem o corporativismo, o que levaria à imediata bancarrota desses mercantilistas.  Curiosamente, os progressistas de hoje parecem não se importar muito com esse arranjo.
Quando fazemos essa distinção entre mercantilistas e genuínos empreendedores, é possível ver a diferença entre produtores e parasitas.  A desigualdade oriunda do empreendedorismo honesto, longe de indicar que algo está errado, significa que há um progresso generalizado na economia.  Em um sistema no qual todos melhoram sua situação por meio da atividade criativa e das trocas voluntárias, algumas pessoas inevitavelmente irão se tornar ricas.  Trata-se de uma característica natural do sistema — um sistema que recompensa empreendedores e investidores por terem sido bons administradores do capital. 
Obviamente, quando tais pessoas não se mostram bons administradores do capital, elas quebram.  Em outras palavras, pessoas que fazem investimentos ruins ou que não servem bem aos consumidores não permanecerão ricas por muito tempo — a menos que o governo decida intervir para salvá-las.
A menos que ela tenha enriquecido contratando advogados e lobistas em vez de pesquisadores e criadores, uma pessoa rica enriqueceu porque criou bens e serviços valiosos para seus consumidores.  Sendo assim, a ausência de pessoas muito ricas é um péssimo sinal em uma economia, especialmente para os pobres.  Tal ausência, com efeito, indicaria uma das duas coisas a seguir: ou muito pouca coisa de valor foi criada (dificilmente haveria coisas boas e gostosas, como iPhones e trufas) ou o governo incorreu em uma predatória política de redistribuição de renda, destruindo os incentivos para as pessoas serem criadoras de valor e boas gestoras de capital.
No que mais, vale a pena enfatizar que diferenças na propriedade de ativos não significam uma igual diferença no padrão de vida, muito embora várias pessoas tenham esse fetiche.  Por exemplo, a riqueza de Bill Gates de ser 100.000 vezes maior do que a minha.  Mas será que ele ingere 100.000 vezes mais calorias, proteínas, carboidratos e gordura saturada do que eu?  Será que as refeições dele são 100.000 vezes mais saborosas que as minhas?  Será que seus filhos são 100.000 vezes mais cultos que os meus?  Será que ele pode viajar para a Europa ou para a Ásia 100.000 vezes mais rápido ou mais seguro?  Será que ele pode viver 100.000 vezes mais do que eu? 
O capitalismo que gerou essa desigualdade é o mesmo que hoje permite com que boa parte do mundo possa viver com uma qualidade de vida muito melhor que a dos reis de antigamente.  Hoje vivemos em condições melhores do que praticamente qualquer pessoa do século XVIII.
Sempre que você vir ou ouvir uma pessoa parolando sobre desigualdade, faça a si mesmo a seguinte pergunta: será que ela está genuinamente preocupada com os pobres ou está apenas indignada com os ricos?  Eis uma maneira de descobrir a diferença: sempre que alguém reclamar sobre a desigualdade de renda, pergunte a ela se aceitaria que os ricos ficassem ainda mais ricos se isso, no entanto, significasse condições de vida melhores para os mais pobres.  Se a resposta for "não", então ela está admitindo que está importunada apenas com o que os ricos têm, e não com o que os pobres não têm.  Já se a resposta for "sim", então a tal desigualdade de renda é irrelevante.  Em outras palavras, a preocupação deveria ser com a pobreza absoluta, e não com a pobreza relativa.
Em quase todas as discussões sobre desigualdade de renda, há uma básica dinâmica emocional atuando.  Uma pessoa descobre que possui menos do que a outra, e passa ter a inveja.  Já outra descobre que tem mais do que o resto, e passa se sentir culpada.  Inveja, culpa e indignação.  São realmente essas emoções primitivas que deveriam conduzir as políticas públicas? 
Toda essa ideia de igualdade econômica não representa nenhuma genuína forma de compaixão.  Quando é somente uma ideia, é fraca.  Quando se torna política pública, torna-se um desastre em larga escala.
O fato de que pessoas livres não são iguais em termos econômicos não deve ser lamentado.  Ao contrário, é motivo de regozijo.  A desigualdade econômica, quando oriunda da interação voluntária de indivíduos criativos, e não de conexões políticas, é um testemunho do fato de que as pessoas estão sendo elas mesmas, cada qual colocando seus talentos e aptidões ímpares para funcionar de maneiras que são gratificantes para elas próprias e que geram bens e serviços valiosos para terceiros.  Como diriam os franceses em um contexto mais diferenciado,Vive la difference!



Democracia é o oposto a liberdade e tolerância

Democracia é o oposto a liberdade e tolerância


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Paquistanesa vota em Islamabad.
Um dos mitos mais persistentes sobre a democracia é que ela é o mesmo que 'liberdade'. Para muitas pessoas, 'liberdade e democracia' caminham juntas, como as estrelas e a lua. Mas, na verdade, a liberdade e a democracia são opostas. Em uma democracia, todos devem se submeter às decisões do governo. O fato de que o governo é eleito pela maioria, é irrelevante. Coerção é coerção, quer seja ela exercida pela maioria ou por um único governante.
Em nossa democracia, ninguém pode escapar das decisões tomadas pelo governo. Se você não obedecer, será multado e, se se recusar a pagar a multa, você acabará na cadeia. É simples assim. Tente não pagar uma multa de trânsito. Ou seus impostos. Neste sentido, não há diferença fundamental entre uma democracia e uma ditadura. Para alguém como Aristóteles, que viveu em uma época em que a democracia ainda não tinha sido santificada, isso era óbvio. Ele escreveu: "A democracia ilimitada, assim como a oligarquia, é uma tirania espalhada por um grande número de pessoas."
Liberdade significa que você não tem que fazer o que a maioria dos outros homens quer que você faça, mas que você pode decidir por si mesmo. Como o economista John T. Wenders disse uma vez: "Há uma diferença entre democracia e liberdade. A liberdade não pode ser medida pela possibilidade de se poder votar. Ela pode ser medida pelo âmbito daquilo sobre o qual não se vota".
Esse âmbito é muito limitado em uma democracia. A nossa democracia não nos trouxe a liberdade, mas o seu contrário. O governo aprovou inúmeras leis que impossibilitaram muitas interações e relações sociais voluntárias. Inquilinos e proprietários não são livres para fazerem contratos da forma que acharem melhor, os empregadores e os trabalhadores não podem decidir livremente sobre os salários e as condições de trabalho que desejarem, médicos e pacientes não estão autorizados a decidirem livremente quais os tratamentos ou medicamentos que irão ser utilizados, as escolas não são livres para ensinar o que elas quiserem, os cidadãos não estão autorizados à 'discriminação', as empresas não estão autorizadas a contratar quem elas quiserem, as pessoas não são livres para assumir qualquer profissão que quiserem, em muitos países os partidos políticos têm de permitir candidatos do sexo feminino para cargos públicos, as instituições de ensino estão sujeitas a cotas raciais e a lista continua. Tudo isso tem pouco a ver com liberdade. Porque as pessoas não têm o direito de assinar qualquer tipo de contratos ou acordos que elas quiserem? Porque é que os outros têm que se meter em acordos sobre os quais eles não são parte interessada?
Leis que interferem na liberdade do povo de celebrar acordos voluntários, podem beneficiar determinados grupos, mas elas, invariavelmente, prejudicam outros grupos. Leis de salário mínimo beneficiam certos trabalhadores, mas prejudicam as pessoas que são menos produtivas do que o salário mínimo exige. Essas pessoas se tornam muito caras para serem contratadas e, assim, ficam desempregadas.
Da mesma forma, as leis que protegem as pessoas de serem demitidas podem beneficiar algumas pessoas mas desencorajam os empregadores de contratarem novas pessoas. Quanto mais rígidas são as leis trabalhistas, mais os empregadores têm razões de temerem ficar presos às pessoas de quem não podem se livrar quando o negócio deles requerer que o façam. O resultado é que eles contratam o mínimo de pessoas possível, mesmo quando os negócios vão bem. Novamente, isso tende a prejudicar, em particular, as pessoas com baixas qualificações. Ao mesmo tempo, o alto desemprego resultante faz com que as pessoas que têm um trabalho tenham medo de mudar de carreira.
Da mesma forma, leis de controle de aluguel beneficiam os inquilinos existentes, mas desencorajam os proprietários de alugarem habitações vagas e investidores de desenvolverem novos empreendimentos imobiliários. Assim, estas leis levam à escassez de habitação e elevam o valor dos aluguéis, prejudicando as pessoas que estão procurando um lugar para viver.
Ou considere as leis que ditam padrões mínimos para os produtos e serviços. Será que elas não beneficiam a todos? Bem, não. A desvantagem dessas leis é que elas limitam a oferta, reduzem a escolha do consumidor e aumentam os preços (mais uma vez, elas prejudicam, principalmente, os pobres). Por exemplo, leis que exigem normas de segurança para automóveis elevam os seus preços e os tornam inacessíveis para os grupos de renda mais baixa, que são privados de decidirem, por si mesmos, quais os riscos que eles querem assumir nas estradas.
Para ver porque tais regulamentos de 'proteção' têm sérios inconvenientes, imagine que o governo proíba a venda de qualquer carro abaixo da qualidade de um Mercedes Benz. Será que isso não iria garantir que vamos todos estar dirigindo os melhores automóveis e os mais seguros? Mas, claro, somente aqueles que podem pagar um Mercedes Benz ainda estariam dirigindo. Ou pergunte a si mesmo: porque o governo não triplica o salário mínimo? Nós todos estaríamos ganhando muito mais dinheiro, não é mesmo? Bem, aqueles que ainda tivessem emprego, sim. Os outros, não. O governo não pode fazer mágica com suas leis, mesmo que muitas pessoas pensem assim.
Em uma democracia, você tem que fazer o que o governo diz, já que, basicamente, tudo que você faz precisa de permissão do estado. Na prática, aos indivíduos ainda são permitidas muitas liberdades, mas a ênfase é sobre o permitir. Todas as liberdades que temos em uma nação democrática são concedidas pelo estado e podem ser tiradas a qualquer momento.
Embora ninguém peça permissão ao governo antes de tomar uma cerveja, esse consentimento é, no entanto, implicitamente necessário. Nosso governo, democraticamente eleito, pode nos proibir de beber cerveja, se quiser. Na verdade, isto aconteceu nos Estados Unidos durante a Proibição. Hoje em dia você tem que ter 21 anos para que seja autorizado a beber.
Outros estados democráticos têm regras semelhantes. Na Suécia, você só pode comprar bebidas destiladas em lojas estatais. Em muitos países e estados, a prostituição é ilegal. Os cidadãos noruegueses não estão sequer autorizados a 'comprar sexo' fora da Noruega. Na Holanda, você precisa de permissão do governo para construir um galpão ou mudar a aparência de sua casa. Claramente essas são todas instâncias de ditadura, não de liberdade.
É por vezes pensado que, nas democracias ocidentais, a maioria não pode simplesmente fazer o que quiser ou mesmo que as democracias, de fato, tipicamente protegem os direitos das minorias. Isso é um mito. Sim, há atualmente algumas minorias que gozam de 'proteção' especial do estado, como por exemplo feministas, gays e minorias étnicas. Outras minorias, como os mexicanos, fumantes, usuários de drogas, empresários, sem tetos, cristãos — não podem contar com tratamento preferencial. A popularidade de algumas minorias tem mais a ver com a moda do que com a democracia.
Em uma democracia, as razões pelas quais algumas minorias são deixadas em paz ou tratadas preferencialmente, são variadas. Algumas das minorias têm vozes muito ativas e imediatamente saem às ruas quando seus 'direitos' (isto é, privilégios) estão ameaçados. Alguns funcionários públicos ou trabalhadores sindicalizados ou agricultores na França são exemplos desses grupos. Outros são tratados com cautela porque eles são propensos a reagirem agressivamente quando eles têm que cumprir regras, como por exemplo, hooligans ou gangues étnicas, ou ativistas verdes. Se os fumantes, quando ainda eram a maioria, tivessem respondido violentamente quando as suas liberdades estavam sendo espezinhadas, muitas leis antitabagismo, provavelmente, nunca teriam passado.
O ponto principal é, não há nada no sistema democrático em si ou no princípio da democracia que garanta os direitos das minorias. O princípio da democracia é, justamente, que a minoria não tem direitos inalienáveis. O Parlamento ou o Congresso podem aprovar qualquer lei que queiram, sem levar em conta as minorias. E as modas mudam. As minorias mimadas de hoje podem ser os bodes expiatórios de amanhã.
Mas as democracias não possuem constituições para nos proteger contra a legislação tirânica da maioria? Até certo ponto, sim. Mas note que a Constituição dos EUA foi adotada antes de os EUA serem uma democracia. E a Constituição pode ser alterada pelo sistema democrático de qualquer forma que maioria quiser — e muitas vezes tem sido. A Proibição do álcool foi aprovada por uma Emenda Constitucional. Assim como o Imposto de Renda. A própria existência de Emendas Constitucionais mostra que a Constituição está sujeita ao controle democrático, isto é, à vontade da maioria. E nem era perfeita a Constituição original. Ela permitia a escravidão.
Outros países democráticos têm constituições que são ainda menos protetoras da liberdade individual do que a Constituição dos EUA. Nos termos da Constituição holandesa, o estado deve proporcionar empregos, habitação, meios de subsistência, saúde, redistribuição de riqueza e assim por diante. Esta Constituição parece mais um programa eleitoral socialdemocrata do que um manifesto de liberdade individual. A União Europeia tem uma constituição que diz que ela 'deve trabalhar para o desenvolvimento sustentável da Europa, baseada num crescimento econômico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia de mercado social competitiva, visando o pleno emprego e o progresso social e um elevado nível de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente'. Aqueles e outros artigos neste documento dão às autoridades europeias muita margem de manobra para regular a vida das pessoas. Aliás, as populações da França e Holanda votaram contra esta Constituição em referendos, mas ela acabou sendo aprovada mesmo assim.
A democracia é também vista, muitas vezes, como andando de mãos dadas com a liberdade de expressão, mas, novamente, isto é um mito. Não há nada nos ideais da democracia que favoreça a liberdade de expressão, como Sócrates descobriu. Os países democráticos têm todos os tipos de regras que limitam a liberdade de expressão. Na Holanda, é proibido insultar a rainha.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda da Constituição garante a liberdade de expressão, mas 'com exceção de obscenidade, difamação, incitação ao motim e palavras de luta, bem como o assédio, comunicações privilegiadas, segredos comerciais, material secreto, direitos autorais, patentes, conduta militar, comerciais tais como publicidade, e restrições de tempo, lugar e modo'. Um monte de exceções.
democracia.jpgPorém, o ponto importante a ser considerado é que a Constituição dos EUA — e a liberdade de expressão que veio com ela — foi adotada antes do advento da democracia. A razão pela qual as pessoas, nas democracias ocidentais, desfrutam de uma série de liberdades não é porque elas são democracias mas porque elas têm tradições liberais clássicas ou libertárias, que surgiram nos séculos XVII e XVIII, antes de se tornarem democracias. Muitas pessoas, nesses países, não querem desistir dessas liberdades, mesmo que o espírito de liberdade esteja constantemente sendo corroído pelo espírito de intromissão democrática.
Em outras partes do mundo, as pessoas têm menos conexões com as liberdades individuais. Muitas democracias não-ocidentais mostram muito pouco respeito pela liberdade individual. Em países democráticos islâmicos, como o Paquistão, as mulheres têm pouca liberdade e nem há liberdade de expressão ou liberdade de religião. Nesses países, a democracia é uma justificativa para a opressão. Se a democracia fosse introduzida em monarquias absolutas, como o Dubai, Qatar ou Kuwait, isso conduziria, provavelmente, a menos liberdade. Os palestinos na Faixa de Gaza elegeram, democraticamente, o fundamentalista Hamas, que não é muito amante da liberdade (um resultado que, ironicamente, não foi na época aceito pelos EUA e pelos outros governos democráticos ocidentais).
Frank Karsten & Karel Beckman 
escreveram uma nova e fulminante análise libertária sobre a democracia.  No livro Além da Democracia, eles mostram, em termos simples e por meio de 13 mitos, o que há de errado com o sistema democrático e por que a democracia é fundamentalmente oposta à liberdade.  O livro mostra também uma alternativa: uma sociedade baseada totalmente na liberdade individual e em relações sociais voluntárias.
Frank Karsten é fundador do Mises Instituut Nederland. Ele aparece regularmente em público para falar sobre a crescente interferência do estado na vida dos cidadãos. www.mises.nl.
Karel Beckman é escritor e jornalista. Ele é o editor chefe do website European Energy Review. Antes de assumir este cargo, ele trabalhou como jornalista no jornal financeiro holandês Financieele Dagblad. O seu website pessoal éwww.charlieville.nl.

Intelectuais e raça - o estrago incorrigível

Intelectuais e raça - o estrago incorrigível
 

ThomasSowell.jpgHá tantas falácias ditas sobre raça, que é difícil escolher qual é a mais ridícula.  No entanto, uma falácia que costuma se sobressair é aquela que afirma haver algo de errado com o fato de que as diferentes raças são representadas de forma numericamente desproporcional em várias instituições, carreiras ou em diferentes níveis de renda e de feitos empreendedoriais.
Cem anos atrás, o fato de pessoas de diferentes antecedentes raciais apresentarem taxas de sucesso extremamente discrepantes em termos de cultura, educação, realizações econômicas e empreendedoriais era visto como prova de que algumas raças eram geneticamente superiores a outras.
Algumas raças eram consideradas tão geneticamente inferiores, que a eugenia foi proposta como forma de reduzir sua reprodução.  O antropólogo Francis Galton chegou a exortar "a gradual extinção de uma raça inferior".
E as pessoas que diziam essas coisas não eram meros lunáticos extremistas.  Muitos deles eram Ph.D.s oriundos de várias universidades de ponta, lecionavam nas principais universidades do mundo e eram internacionalmente reputados.
Reitores da Universidade de Stanford e do MIT estavam entre os vários acadêmicos defensores de teorias sobre inferioridade racial — as quais eram aplicadas majoritariamente aos povos do Leste Europeu e do sul da Europa, uma vez que, à época, era dado como certo o fato de que os negros eram inferiores.
E este não era um assunto que dividia esquerda e direita.  Os principais proponentes de teorias sobre superioridade e inferioridade genética eram figuras icônicas da esquerda, de ambos os lados do Atlântico.
John Maynard Keynes ajudou a criar a Sociedade Eugênica de Cambridge.  Intelectuais adeptos do socialismo fabiano, como H.G. Wells e George Bernard Shaw, estavam entre os vários esquerdistas defensores da eugenia.
Foi praticamente a mesma história nos EUA.  O presidente democrata Woodrow Wilson, como vários outros progressistas da época, eram sólidos defensores de noções de superioridade e inferioridade racial.  Ele exibiu o filme O Nascimento de uma Nação, que glorificava a Ku Klux Klan, na Casa Branca, e convidou vários dignitários para a sessão.
Tais visões dominaram as primeiras duas décadas do século XX. 
Agora, avancemos para as últimas décadas do século XX.  A esquerda política desta era já havia se movido para o lado oposto do espectro das questões raciais.  No entanto, ela também considerava que as diferenças de sucesso entre grupos étnicos e raciais era algo atípico, e clamava por uma explicação única, vasta e arrebatadora.
Desta feita, em vez de os genes serem a razão predominante para as diferenças nos êxitos pessoais, o racismo se tornou o motivo que explicava tudo.  Mas o dogmatismo continuava o mesmo.  Aqueles que ousassem discordar, ou até mesmo questionar o dogma predominante em ambas as eras, era tachado de "sentimentalista" no início do século XX e de "racista" na era multicultural.
Tanto os progressistas do início do século XX quanto os novos progressistas do final do século XX partiram da mesma falsa premissa — a saber, que há algo de estranho quando diferentes grupos raciais e étnicos alcançam diferentes níveis de realizações.
No entanto, o fato é que minorias raciais e étnicas sempre foram as proprietárias — ou gerentes — de mais da metade de todas as principais indústrias de vários países.  Dentre estas minorias bem-sucedidas, temos os chineses na Malásia, os libaneses na África Ocidental, os gregos no Império Otomano, os bretões na Argentina, os indianos em Fiji, os judeus na Polônia, os espanhóis no Chile — entre vários outros.
Não apenas diferentes grupos raciais e étnicos, como também nações e civilizações inteiras apresentaram níveis de realizações extremamente distintos ao longo dos séculos.  A China do século XV era muito mais avançada do que qualquer país europeu.  Com o tempo, no entanto, os europeus ultrapassaram os chineses — e não há nenhuma evidência de ter havido alterações nos genes de nenhuma destas civilizações.
Dentre os vários motivos para estes diferentes níveis de realizações está algo tão simples quanto a idade.  A média de idade na Alemanha e no Japão é de mais de 40 anos, ao passo que a média de idade no Afeganistão e no Iêmen é de menos de 20 anos.  Mesmo que as pessoas destes quatro países tivessem absolutamente o mesmo potencial intelectual, o mesmo histórico, a mesma cultura — e os países apresentassem rigorosamente as mesmas características geográficas —, o fato de que as pessoas de determinados países possuem 20 anos a mais de experiência do que as pessoas de outros países ainda seria o suficiente para fazer com que resultados econômicos e pessoais idênticos sejam virtualmente impossíveis.
Acrescente o fato de que diferentes raças se desenvolveram em diferentes arranjos geográficos, os quais apresentaram oportunidades e restrições extremamente diferenciadas ao seu desenvolvimento, e as conclusões serão as mesmas.
No entanto, a ideia de que diferentes níveis de realização são coisas atípicas — se não sinistras — tem sido repetida ad nauseam pelos mais diferenciados tipos de pessoas, desde o demagogo de esquina até as mais altas eminências do Supremo Tribunal.
Quando finalmente reconhecermos que as grandes diferenças de realizações entre as raças, nações e civilizações têm sido a regra, e não a exceção, ao longo de toda a história escrita, restará ao menos a esperança de que haja pensamentos mais racionais — e talvez até mesmo alguns esforços construtivos para ajudar todas as pessoas a progredirem.
Até mesmo um patriota britânico como Winston Churchill certa vez disse que "Devemos Londres a Roma" — um reconhecimento de que foram os conquistadores romanos que criaram a mais famosa cidade britânica, em uma época em que os antigos bretões eram incapazes de realizar esta façanha por conta própria.
Ninguém que conhecesse os iletrados e atrasados bretões daquela era poderia imaginar que algum dia os britânicos criariam um império vastamente maior do que o Império Romano — um império que abrangeria um quarto de toda a área terrestre do globo e um quarto dos seres humanos do planeta.
A história apresenta vários exemplos dramáticos de ascensão e queda de povos e nações, por uma variada gama de motivos conhecidos e desconhecidos.  Mas há um fenômeno que não possui confirmação histórica, um fenômeno que, não obstante esta ausência de exemplos práticos, é hoje presumido como sendo a norma: igualdade de realizações grupais em um dado período do tempo.
As conquistas romanas tiveram repercussões históricas por séculos após a queda do Império Romano.  Um dos vários legados da civilização romana foi o alfabeto latino, o qual gerou versões escritas dos idiomas da Europa ocidental séculos antes de os idiomas do Leste Europeu serem transformados em letras.  Esta foi uma das várias razões por que a Europa ocidental se tornou mais desenvolvida que a Europa Oriental em termos econômicos, educacionais e tecnológicos.
Enquanto isso, as façanhas de outras civilizações — tanto da China quanto do Oriente Médio — ocorreram muito antes das façanhas do Ocidente, embora a China e o Oriente Médio posteriormente viessem a perder suas vantagens.
Há tantas reviravoltas documentadas ao longo da história, que é impossível acreditar que um único fator sobrepujante seja capaz de explicar tudo, ou quase tudo, do que já aconteceu ou do que está acontecendo.  O que realmente se sabe é que raramente, para não dizer nunca, ocorreram façanhas iguais alcançadas por diferentes pessoas ao mesmo tempo.
No entanto, o que mais temos hoje são grupos de interesse e movimentos sociais apresentando estatísticas — que são solenemente repercutidas pela mídia — alegando que, dado que os números não são aproximadamente iguais para todos, isso seria uma prova de que alguém foi discriminatório com outro alguém.
Se os negros apresentam diferentes padrões ocupacionais ou diferentes padrões gerais em relação aos brancos, isso já basta para despertar grandes suspeitas entre os sociólogos — ainda que diferentes grupos de brancos sempre tenham apresentado diferentes padrões de realizações entre si.
Quando os soldados americanos da Primeira Guerra Mundial foram submetidos a exames mentais durante a Primeira Guerra Mundial, aqueles homens de ascendência alemã pontuaram mais alto do que aqueles de ascendência irlandesa, sendo que estes pontuaram mais alto do que aqueles que eram judeus.  Carl Brigham, o pioneiro do campo da psicometria, disse à época que os resultados dos exames mentais do exército tendiam a "desmentir a popular crença de que o judeu é altamente inteligente".
Uma explicação alternativa é que a maioria dos imigrantes alemães se mudou para os EUA décadas antes da maioria dos imigrantes irlandeses, os quais por sua vez se mudaram para os EUA décadas antes da maioria dos imigrantes judeus.  Alguns anos depois, Brigham viria a admitir que a maioria dos mais recentes imigrantes havia sido criada em lares onde o inglês não era a língua falada, e que suas conclusões anteriores, em suas próprias palavras, "não possuíam fundamentos".
Nessa época, os judeus já estavam pontuando acima da média nacional dos exames mentais, e não abaixo. 
Disparidades entre pessoas do mesmo grupo, em qualquer área que seja, não são obviamente uma realidade imutável.  Mas uma igualdade geral de resultados raramente já foi testemunhada em qualquer período da história — seja em termos de habilidades laborais ou em termos de taxas de alcoolismo ou em termos de quaisquer outras diferenças — entre aqueles vários grupos que hoje são ajuntados e classificados como "brancos".
Sendo assim, por que então as diferenças estatísticas entre negros e brancos produzem afirmações tão dogmáticas — e geram tantas ações judiciais e trabalhistas por discriminação — sendo que a própria história mostra que sempre foi comum que diferentes grupos seguissem diferenciados padrões ocupacionais ou de comportamento?
Um dos motivos é que ações judiciais não necessitam de nada mais do que diferenças estatísticas para produzir vereditos, ou acordos fora de tribunais, no valor de vultosas somas monetárias.  E o motivo de isso ocorrer é porque várias pessoas aceitam a infundada presunção de que há algo de estranho e sinistro quando diferentes pessoas apresentam diferentes graus de êxito pessoal.
O desejo de intelectuais de criar alguma grande teoria que seja capaz de explicar padrões complexos por meio de algum simples e solitário fator produziu várias ideias que não resistem a nenhum escrutínio, mas que não obstante têm aceitação generalizada — e, algumas vezes, consequências catastróficas — em vários países ao redor do mundo.
A teoria do determinismo genético, que predominou no início do século XX, levou a várias consequências desastrosas, desde a segregação racial até o Holocausto.  A teoria atualmente predominante é a de que algum tipo de maldade explica as diferenças nos níveis de realizações entre os vários grupos étnicos e raciais.  Se os resultados letais desta teoria hoje em voga gerariam tantas mortes quanto no Holocausto é uma pergunta cuja resposta requereria um detalhado estudo sobre a história de rompantes letais contra determinados grupos odiados por causa de seu sucesso.
Estes rompantes letais incluem a homicida violência em massa contra os judeus na Europa, os chineses no sudeste asiático, os armênios no Império Otomano, e os Ibos na Nigéria, entre outros.  Exemplos de chacinas em massa baseadas em classes sociais e voltadas contra pessoas bem-sucedidas vão desde os extermínios stalisnistas do kulaks na União Soviética até a limpeza promovida por Pol Pot de pelo menos um quarto da população do Camboja pelo crime de serem pessoas cultas e de classe média, crime este que era evidenciado por sinais tão tênues quanto o uso de óculos.
Minorias que se sobressaíram e se tornaram mais bem-sucedidas do que a população geral são aquelas cujo progresso provavelmente em nada está ligado ao fato de terem ou não discriminado as maiorias politicamente dominantes.  No entanto, foram exatamente estas minorias que atraíram as mais violentas perseguições ao longo dos séculos e dos países ao redor do mundo.
Todos os negros que foram linchados durante toda a história dos EUA não chegam ao mesmo número de homicídios cometidos em apenas um ano contra os judeus na Europa, contra os armênios no Império Otomano ou contra os chineses no sudeste asiático.
Há algo inerente aos sucessos de determinados grupos que inflama as massas em épocas e lugares tão distintos.  O que seria?  Esse fenômeno inflama não apenas as massas, como também leva a genocídios cometidos por governos, como os da Alemanha nazista ou o regime de Pol Pot no Camboja.  Podemos apenas especular as razões, mas não há como fugir desta realidade.
Aqueles grupos que ficam para trás frequentemente culpam seu atraso nas malfeitorias cometidas por aqueles grupos mais bem-sucedidos.  Dado que a santidade não é comum a nenhum ramo da raça humana, é óbvio que nunca haverá escassez de pecados a serem mencionados, inclusive a arrogância e a insolência daqueles que calham de estar no topo em um determinado momento.  Mas a real pergunta a ser feita é se esses pecados — reais ou imaginários — são de fato o motivo destes diferentes níveis de êxitos pessoais.
O problema é que os intelectuais — pessoas de quem normalmente esperaríamos análises racionais que se contrapusessem à histeria das massas — frequentemente sempre estiveram na vanguarda daqueles movimentos que promovem a inveja e o ressentimento contra os bem-sucedidos.  Tal comportamento é especialmente perceptível naquelas pessoas que possuem diplomas mas que não possuem nenhuma habilidade economicamente significativa que lhes permita obter aquele tipo de recompensa que elas esperavam ou julgavam ter o direito de auferir.
Tais pessoas sempre se destacaram como líderes e seguidoras de grupos que promoveram políticas anti-semitas na Europa entre as duas guerras mundiais, o tribalismo na África, e as mudanças sociais no Sri Lanka, um país que, outrora famoso por sua harmonia intergrupal, se rebaixou, por influência de intelectuais, à violência étnica e depois se degenerou em uma guerra civil que durou décadas e produziu indescritíveis atrocidades.
Intelectuais sempre estiveram por trás da inflamação de um grupo contra outros, promovendo a discriminação e a violência física em países tão díspares quanto Índia, Hungria, Nigéria, Tchecoslováquia e Canadá.
Tanto a teoria do determinismo genético como sendo a causa dos diferentes níveis de realizações pessoais quanto a teoria da discriminação como o motivo destas diferenças, ambas contraditórias e criadas por intelectuais, geraram apenas polarizações raciais e étnicas.  O mesmo pode ser dito da ideia de que uma dessas teorias tem de ser a verdadeira.
Essa falsa dicotomia de que uma delas tem de ser a verdadeira deixa aos grupos mais bem-sucedidos duas opções: ou eles se assumem arrogantes ou se assumem culpados criminalmente.  Da mesma forma, deixa aos grupos menos exitosos a opção entre acreditar que sempre foram inerentemente inferiores durante toda a história ou que são vítimas da inescrupulosa maldade de terceiros.
Quando inumeráveis fatores fazem com que a igualdade de resultados seja virtualmente impossível, reduzir estes fatores a uma questão de genes ou de maldade é a fórmula perfeita para se gerar uma desnecessária e perigosa polarização, cujas consequências frequentemente são escritas em sangue ao longo das páginas da história.
Dentre as várias e ignaras ideias a respeito de grupos raciais e étnicos que polarizaram as sociedades durante séculos e ao redor de todo o mundo, poucas foram mais irracionais e contraproducentes do que os atuais dogmas do multiculturalismo.
Aqueles intelectuais que imaginam que, ao utilizar uma retórica multicultural que redefine e até mesmo revoga o conceito de atraso, estarão ajudando grupos raciais e étnicos que ficaram para trás estão, na realidade, levando estas pessoas para um beco sem saída.
O multiculturalismo é um tentador paliativo aplicado àqueles grupos que ficaram para trás porque ele simplesmente afirma que todas as culturas são iguais, ou "igualmente válidas", em algum sentido vago e sublime.  De acordo com este dogma, as características culturais de todas as etnias e raças seriam apenas diferentes — nem melhores nem piores.
No entanto, tomar emprestadas características particulares de outras culturas — como os algarismos arábicos que substituíram os algarismos romanos, mesmo nas culturas ocidentais oriundas de Roma — implica que algumas características não são simplesmente diferentes, mas sim melhores, inclusive os números utilizados.  Algumas das mais avançadas culturas de toda a história pegaram emprestados comportamentos e características de outras culturas; e isso pelo simples fato de que até hoje nenhuma coleção única de seres humanos foi capaz de criar as melhores respostas para todas as questões da vida.
Todavia, dado que os multiculturalistas veem todas as culturas como sendo iguais ou "igualmente válidas", eles não veem nenhuma justificativa para as escolas insistirem, por exemplo, que as crianças negras aprendam seu idioma materno.  Em vez disso, cada grupo é estimulado a se apegar ferreamente à sua própria cultura e a se orgulhar de suas próprias glórias passadas, reais ou imaginárias.
Em outras palavras, membros de grupos minoritários que são atrasados educacionalmente e economicamente devem continuar se comportando no futuro como sempre se comportaram no passado — e, se eles não conseguirem os mesmos resultados dos outros, então a culpa é da sociedade.  Essa é a mensagem principal do multiculturalismo.
George Orwell certa vez disse que algumas ideias são tão insensatas, que somente um intelectual poderia acreditar nelas.  O multiculturalismo é uma dessas ideias.  A intelligentsia sempre irrompe em indignação e ultrajes a qualquer "diferença" ou "disparidade" de resultados educacionais, econômicos ou outros — e denuncia qualquer explicação cultural para esta diferença de resultados como sendo uma odiosa tentativa de "culpar a vítima".
Não há dúvidas de que algumas raças ou até mesmo nações inteiras foram vitimadas por terceiros, assim como não há dúvida de que câncer pode causar morte.  Porém, isso é muito diferente de dizer que as mortes podem automaticamente ser imputadas ao câncer.  Você pode pensar que intelectuais seriam capazes de fazer essa distinção.  Mas muitos não são.
Ainda assim, intelectuais se veem a si próprios como amigos, aliados e defensores das minorias raciais, ao mesmo tempo em que empurram as minorias para a estagnação cultural.  Isso permite à intelligentsia se congratular e se lisonjear de que estão ao lado dos anjos contra as forças do mal que estão conspirando para manter as minorias oprimidas.
Por que pessoas com altos níveis de capacidade mental e de talentos retóricos se entregam a este tipo de raciocínio deturpado é um mistério.  Talvez seja porque elas não conseguem abrir mão de uma visão social que é extremamente lisonjeira para eles próprios, não obstante quão deletéria tal visão possa ser para as pessoas a quem elas alegam estar ajudando.
O multiculturalismo, assim como o sistema de castas, encurrala e amarra as pessoas naquele mesmo segmento cultural e social no qual elas nasceram.  A diferença é que o sistema de castas ao menos não alega beneficiar aqueles que estão na extremidade inferior.
O multiculturalismo não serve apenas aos interesses ególatras dos intelectuais; ele serve também aos interesses de políticos que têm todos os incentivos para promover uma sensação de vitimização — e até mesmo de paranóia — entre grupos de cujos votos eles precisam em troca de apoio material e psicológico.
A visão multicultural do mundo também serve aos interesses daqueles que estão na mídia e que prosperam ao explorar os melodramas morais.  O mesmo pode ser dito de todos os departamentos universitários voltados para estudos étnicos e sociais, bem como de toda a indústria de assistentes sociais, de especialistas em "diversidades" e da ampla gama de vigaristas que prosperam ao fazer proselitismo racial.
Os maiores perdedores de toda essa história são aqueles membros das minorias raciais que se permitem ser conduzidos para esse beco sem saída do ressentimento e da raiva, mesmo quando há várias outras avenidas de oportunidades disponíveis.  E todos nós perdemos quando a sociedade fica polarizada.

Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford.  Seu website: www.tsowell.com.

Tradução de Leandro Roque


A mentira esportiva

A mentira esportiva
 

Gol1.jpgNa minha juventude, por mais difícil que seja me lembrar dela atualmente, eu era muito bom nos esportes. Nunca poderia, no entanto, ser mais que apenas muito bom neles, porque nunca os levei suficientemente a sério para isso. Um jogo era, para mim, apenas um jogo; eu me dedicava a ele de corpo e alma apenas enquanto ele estava sendo jogado. Depois que ele terminava, era como se não tivesse passado de fumaça dispersada pelo vento.
Não tinha nada contra aqueles que se dedicavam aos esportes, mas achava-os tolos; eu continuava a jogar tênis, regularmente, às vezes, mas vencer ou perder me causava apenas uma emoção fugaz, exultante ou triste, de acordo com o caso. Para mim, na verdade, o jogo é que importava.
Mas os Jogos Olímpicos me causaram repulsa desde o início, com suas conotações políticas perversas, ao mesmo tempo infantis e sinistras, suas trapaças óbvias (alguém realmente acreditou que Tamara e Irina Press eram mulheres como quaisquer outras?), seu falso amadorismo, e sua deformação de vidas humanas dedicadas, por exemplo, a arremessar o peso uma polegada à frente de onde ele havia sido arremessado antes. Uma vida passada nas minas de carvão me parecia muito mais bem vivida do que essa.
Desde então, minha maneira de encarar os esportes só se tornou mais inflexível, e sinto agora um desgosto visceral por eles. Se isto significa uma mudança em mim, ou nos esportes, não tenho certeza. Os esportes são, hoje em dia, um pouco como a propaganda numa sociedade totalitária: inescapáveis. Recentemente, por exemplo, estava num restaurante muito bom em Washington D.C., onde, apesar disso, havia uma grande televisão de tela plana que exibia um jogo de beisebol. Alguém me explicou certa vez as regras do beisebol, mas elas me entediaram antes mesmo que eu tivesse começado a compreendê-las. Os jogadores pareciam gordos demais para serem atletas de verdade, e as garotas sacudindo pompons e os homens vestindo as cores de seu time favorito pareciam arquétipos da suspensão espontânea da inteligência e do autorrespeito.
As coisas não são melhores na Europa, onde é o futebol que é inescapável. As pessoas falam sobre ele enquanto andam pelas ruas; os jornais estão repletos dele, e, na verdade, mais repletos dele do que qualquer outra coisa; os bares e pubs o transmitem, aparentemente, vinte e quatro horas por dia; e, o que é mais sinistro, as pessoas têm medo de não demonstrar qualquer interesse por ele.
Um antigo estudante meu, atualmente um eminente professor, deu recentemente uma entrevista num jornal acadêmico, e lhe foi perguntado sobre o que lhe dava mais prazer na vida. Ele respondeu que era quando o time pelo qual ele torcia marcava um gol.
Tentei imaginar o que seria pior, se ele estivesse mentindo ou falando a verdade. Se fosse verdadeiro, significaria uma existência um tanto quanto triste, na qual uma bola sendo chutada na rede do gol adversário por um mercenário muito bem pago, que jogaria sem pestanejar pelo oponente se lhe fosse oferecido alguns míseros milhões a mais por ano ou por semana para fazê-lo, e que não tinha qualquer ligação, seja ela geográfica, cultural, pessoal, familiar ou até mesmo nacional, com a região do time pelo qual ele jogava, era o ponto mais alto imaginável. Mas, se falso, por que a mentira, por que fingir que um gol marcado pelo "seu" time lhe era tão importante?
Ele não estava sozinho nessa deformação da alegria. Praticamente todas as pessoas importantes entrevistadas na imprensa ou em qualquer outro lugar alegam "torcer" por um time ou outro. Isto se tornou tão onipresente que não se pergunta aos entrevistados se eles se interessam por futebol, mas para que time torcem, como se fosse inconcebível eles não torcerem para time algum. Não me recordo de uma única pessoa que ousasse dizer com todas as letras que não tinha qualquer interesse por futebol, quanto mais que o abominasse.
Por que essa reticência? Será realmente verdade que todos os nossos políticos, principais executivos, intelectuais, cientistas, artistas, jornalistas, e assim por diante, são entusiastas deste esporte? Acredito que este suposto interesse pelo futebol é um apelo implícito a um igualitarismo puramente simbólico. Veja bem, diz o entrevistado, posso ganhar numa semana o que outros ganham durante toda uma vida, posso sentar no topo da árvore ou de toda uma floresta de árvores, posso ter casas em todos os lugares do mundo, frequentar apenas os círculos sociais mais elevados, mas na realidade sou exatamente como você: eu também amo, penso, sonho com o Juventus, Real Madrid, Corinthians ou Manchester United. O interesse compulsório pelo futebol é como a igualdade perante a lei, mas sem o significado filosófico dela. Ele só poderia existir numa era de ansiedade, justificada ou não, com a desigualdade econômica. O interesse pelo futebol é, para o grande executivo moderno, o que se vestir de camponesa era para Maria Antonieta (e veja de que lhe adiantou fazer isso).
Fiquei, portanto, extasiado quando descobri, recentemente, na França, um livro chamado L'Idéologie sportive: Chiens de garde, courtisans, et idiots utiles du sport (A Ideologia Esportiva: Cães de Guarda, Cortesãos e Idiotas Úteis do Esporte), um livro escrito por um grupo de autores anônimos da extrema esquerda que, com um toque sutil de um sarcasmo desdenhoso, dissecam e destroem as supostas justificativas do esporte no mundo moderno. Embora a minha visão de mundo seja diametralmente oposta à deles em diversos aspectos, me peguei rindo da maneira com que expuseram as idiotices cometidas por intelectuais em sua defesa desta arma de distração em massa que é o esporte.
O esporte é moral e financialmente corrupto, de cima a baixo. Sobre a corrupção nas camadas mais altas nem sequer é necessário falar. E as lições que ele ensina, até mesmo nos níveis amadores, são terríveis: vencer a qualquer custo, ser inescrupuloso, trapacear se necessário, utilizar drogas que o deixem mais forte. Ele desperta emoções primitivas, violentas, e parece estar piorando, nesse aspecto: os autores citam estatísticas que mostram que foram registradas agressões graves em 7750 jogos amadores de futebol na França entre 2006 e 2007, e, no ano seguinte, em 12.008 jogos (metade destes incidentes foi de violência real).
Não me lembro de ser assim na minha infância. Ocasionalmente, por exemplo, eu jogava uma ou outra partida de cricket nas quais, a despeito da competitividade, o bom humor e a conduta cavalheiresca prevaleciam (a menos que eu estivesse cego ao outro tipo). Mas, recentemente, estive presente numa partida de cricket de uma cidade pequena pela primeira vez em muitos anos, e descobri que até mesmo nesse nível, uma atividade chamada sledging, que consiste em insultar o oponente e intimidá-lo de diversas maneiras, teve que ser proibida, e os árbitros instruídos para expulsar de campo qualquer um que recorresse a ela. Isto era inconcebível, trinta anos atrás.
Nos últimos anos os esportes deixaram de ser um meio de propagar a cordialidade e passaram a ser um meio de destruí-la.
Restam-me poucos escrúpulos que me impedem de sugerir o banimento total dos esportes, que certamente seria a única maneira de eliminar o dopping e outras más condutas. O primeiro é que aqueles números sobre agressão e violência nas partidas de futebol amador francês compartilham de um erro estatístico comum entre os que desejam horrorizar seus leitores: eles são numeradores sem denominadores. Se tivéssemos 12.000 partidas com violência de um total de 13.000, os números seriam realmente chocantes; mas se fosse de um total de 12.000.000 de partidas, sua importância seria muito menor e nem um pouco chocante.
 Meu segundo escrúpulo é que o homem sempre foi um vândalo, com tendências destrutivas e outras maldades para seu próprio deleite. Lembro-me da leitura que fiz de um livro brilhante muitos anos atrás do clássico Alan Cameron, intitulado Circus Factions: Blues and Greens at Rome and Byzantium, onde o autor demonstrou que a terrível destruição urbana acarretada por facções nos jogos não tinha nenhuma razão de ser, e não tinha nenhuma motivação política que autores anteriores relacionaram a ela. É simplesmente possível (embora eu geralmente seja avesso a este modelo hidrodinâmico de maldade humana) que se as pessoas não pudessem expressar suas maldades na arena esportiva, elas iriam expressa-la em algum outro local mais sério.
Então a questão se agiganta: O que é sério na vida? Por que não tanto o esporte quanto a filosofia?
Finalmente, o autor de L'Idéologie sportive deixa implícito que a grande massa é ludibriada por aqueles que lhe proporcionam o esporte, para seus próprios grandes lucros. As massas são ludibriadas, enganadas, da maneira que Marx pensou que os religiosos eram ludibriados e enganados. O esporte, diz o autor, é o ópio das massas.
Eu hesito em pensar que somente eu sou esperto, enquanto todos os outros (exceto aqueles poucos que concordam comigo) são tolos.


Theodore Dalrymple é médico psiquiatra e escritor. Aproveitando a experiência de anos de trabalho em países como o Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde trabalhou como médico em uma prisão, Dalrymple escreve sobre cultura, arte, política, educação e medicina. Além de seu trabalho em medicina nos países já citados, ele já viajou extensivamente pela África, Leste Europeu, América Latina e outras regiões.