sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Qual foi exatamente o “sucesso” do leilão de Libra?

A minha impressão sobre o leilão do campo de Libra é que sem dúvida foi um sucesso. Mas esse “sucesso” precisa ser devidamente qualificado para que não se passe a impressão que nada mais precisa ser feito em relação a essa confusa nova legislação para investimento no Pré-Sal que todos levantam dúvidas de o seu real benefício para a população.
Primeiro, não entendi por que uma reserva tão grande foi leiloada de uma só vez. Não li comentários sobre isso, mas sempre achei esquisito leiloar de uma só vez uma reserva equivalente a metade das reservas descobertas no Brasil. Pergunto, não seria melhor ter dividido o campo de Libra e ter feito três ou quatro leilões? O ganho para o governo não teria sido maior e o risco do investimento menor ao invés de um único mega leilão?
Segundo, foi a primeira vez que li que o governo estava torcendo para que não houvesse concorrência neste primeiro leilão sob o regime de partilha, segundo relatório que circulou ontem de manhã antes do leilão assinado pela Eurasia. De acordo com o relatório, o governo tinha medo que uma forte concorrência levasse a um dos consórcios a entregar para o governo um percentual muito acima da partilha mínima de 41,65% da produção, principalmente no consórcio com a participação das companhias estatais chinesas, e isso reduzisse a rentabilidade do projeto para a Petrobras. Como fala o relatório da Eurasia:
“…..Petrobras has always feared a scenario in which Chinese NOCs, eager to obtain access to oil reserves, bid aggressively in the very promising Libra field. While the government would gain from obtaining a higher share of profit oil, it is cognizant that if Petrobras is forced to accept a very high share of profit oil (say, over 55%), it would come under undue financial strain-making it difficult to continue funding itself. It would also create perverse incentives for the company to focus more effort and capital on reserves that grant a higher rate of return.”
“……While government officials will never admit to it publically, the less competition the better, for it will give greater assurances to the Chinese that they need not bid aggressively to guarantee the right to develop Libra.”( BRAZIL/OIL: The first and last pre-salt auction under existing rules- 21 October 2013 08:49 AM EDT Eurasia group).
Ou seja, uma das vantagens do modelo de partilha é justamente a possibilidade de uma maior concorrência aumentar o parcela do governo na exploração, algo que o governo parecia torcer para não ocorrer no leilão de Libra, já que ele, governo, se preocupava com a rentabilidade do projeto para a Petrobras, segundo relatório da Eurasia.
Terceiro, quem tem acesso a cozinha do planalto jura que é quase consensual dentro do governo que a exigência de a Petrobras ser operadora de todos os campos de petróleo do Pré Sal com uma participação mínima de 30% foi um erro e será modificado após as eleições. Assim, é estranho que pessoas do governo estejam defendendo com tanta convicção que o modelo foi um “sucesso absoluto” e que não será preciso mudança alguma. Sei de pelo menos uma pessoa muito próxima a Presidente da República que pensa o contrário. O próprio relatório da Eurasia citado acima aposta também que haverá mudanças de regime de partilha:
“But with Libra in Petrobras’s hands, the company will have its hands full. Debate in government will thus turn more meaningfully to whether the rules should change to allow a quicker development of the pre-salt. We don’t have a strong view on whether Rousseff will opt to announce a change in the pre-salt strategy before next year’s election, but we still think that on balance a signaling in this direction will occur by early of next year.”
Em resumo, o leilão de Libra foi um “sucesso” porque todo mundo estava de fato com MUITO medo que os chineses pagassem muito ao governo pelo direito de explorar o campo de Libra e, como a Petrobras seria necessariamente sócia do consorcio vencedor, isso pesaria sobre a rentabilidade da exploração de Libra para o Consórcio vencedor e, logo, para a Petrobras.
Não deixa de ser esquisito, no entanto, que o governo estivesse torcendo contra ele próprio em um leilão no qual estava em jogo metade das reservas do Brasil. Isso se deve ao papel duplo do governo de ser ao  ao mesmo tempo o dono das reservas e tem participação majoritária em uma empresa que participava do leilão, e que sofre com o excesso de intervenção do governo na sua política de investimento e no congelamento dos preços dos combustíveis. Adicionalmente, a forte presença de estatais chinesas “tumultuou” o processo,  um risco que seria menor se o campo de Libra tivesse sido dividido e a concessão sob o novo regime tivesse ocorrido por meio de vários e leilões.

Relatório da OCDE e FMI sobre Brasil: o cenário piorou.

Parece que o governo ficou (um pouco ou muito) assustado com o tom de dois relatórios recentes sobre o Brasil: o da OCDE e o do FMI. Para mim não houve surpresa alguma porque eu havia conversado com a equipe técnica das duas instituições quando visitaram o Brasil para fazer as entrevistas para esses relatórios.
O meu tom nas conversas com os dois órgãos internacionais foi que mais do que os indicadores macroeconômicos, a administração da política macroeconômica piorou muito nos últimos anos – para mim a data de corte foi meados de 2009, quando se deu continuidade a uma política de expansão da demanda que não era mais necessária.
Adicionalmente, (i) a dificuldade de o governo federal aumentar o investimento público desde 2011, (ii) a crescente incerteza dos agentes econômicos , (iii)  o esgotamento do forte crescimento do crédito não imobiliário, e (iv) os fatores estruturais tradicionais que limitam o nosso crescimento pelo lado da oferta parecem indicar que o governo termina o atual mandato com crescimento médio do PIB próximo a 2% ao ano; taxa de juros de volta a dois dígitos com inflação média perto de 6% ao ano; e queda do superávit primário de 3,1% do PIB, em 2011, para a faixa de 1%-1,5% do PIB com dívida bruta em alta, ultrapassando a marca de 60% do PIB.
Além disso tudo, uma notícia particularmente ruim recente vem do Ministério da Fazenda, em especial, da Secretaria de Política Econômica (SPE). Como se sabe, devido as constantes cobranças do Tribunal de Contas da União (TCU), a SPE é obrigada a calcular o custo dos benefícios financeiros e creditícios de todas as politicas do governo que envolvem algum tipo de subsídio.
Nas tabelas enviadas como anexos do Projeto de Lei Orçamentário Anual de 2014 que ainda está em tramitação no Congresso Nacional, a SPE do Ministério da Fazenda mostra que a conta de subsídios financeiros e creditícios do governo federal foi de R$ 45 bilhões e R$ 42,9 bilhões, em 2011 e 2012, e que esse custo será de, respectivamente, R$ 69,9 bilhões e R$ 73,4 bilhões, em 2013 e 2014 – crescimento de mais de 60%!
Gráfico 1 – Custo Anual dos Benefícios Financeiros e Creditícios do Governo Federal  (2011-2014) – R$ bilhões
Subsidios SPE
 Fonte: PLOA 2014. Projeções para 2013 e 2014 da SPE-Ministério da Fazenda.
Adicionalmente, uma grande parte dos subsídios não é computada porque não eles estão sendo pagos. Essa dúvida eu tirei diretamente com dois técnicos da própria SPE que me alertaram que, por exemplo, no caso do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), como o governo vem atrasado o pagamento dos subsídios e desde o ano passado esses subsídios só passam a ser devidos depois de 24 meses (já escrevi aqui sobre o assunto), o que não está sendo pago não é computado nessas tabelas.
Além do mais,  o diferencial de juros pela metodologia da SPE é calculada em cima do custo do titulo emitido, por exemplo, na data do empréstimo do Tesouro ao BNDES e não em relação ao custo médio de endividamento do Tesouro. Assim, mesmo por uma metodologia que subestima o custo fiscal dos subsídios financeiros e creditícios, o Ministério da Fazenda mostra crescimento de mais de 60% no custo financeiro e creditício das operações de subsídios do governo federal em 2013-2014, quando comparado com 2011-2012.
Em resumo, o governo vai terminar, em 2014, com investimento público baixo (em torno de 1,3% do PIB com o Minha Casa Minha Vida), crescimento médio do PIB de 2% ao ano, forte queda do primário (queda de 50% do superávit primário em relação ao início do governo), com a divida bruta ultrapassando 60% do PIB e com uma conta de subsídios que cresceu rapidamente fruto de politicas públicas cujo os custos não são adequadamente explicitados para a sociedade.
No Brasil, tenho convicção que precisamos de maior transparência quanto ao volume de subsídios que hoje, além de não sabermos o volume a contabilização desses subsídios segue critérios diferentes. Por exemplo, quando o Tesouro pede ao BNDES que empreste à uma taxa de juros de 3,5% ao ano, o Tesouro tem que fazer uma equalização de juros que será uma despesa primária. A conta não está sendo paga, mas em algum momento vai aparecer.
E no caso do crédito educativo -o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) que emprestar recursos para estudantes de ensino superior à uma taxa de 3,5% ao ano? Nesse caso, a meu ver, da mesma forma que no PSI deveria ocorrer uma equalização de juros de tal forma que o subsídio fosse claro. Isso ocorre? não! Por que? porque este programa é bancado por uma emissão especial de títulos públicos (Certificado Financeiro do Tesouro – Série E) e o seu custo fica “escondido” no custo de rolagem da dívida. E como todos os programas que o custo não fica claro a tendência é de crescimento rápido. E quando falo rápido é mais ou menos o seguinte – ver gráfico 2:
Gráfico 2 – Valor total contratado pelo FIES (Crédito Educativo) – R$ bilhões – 2009-2012
FIES
Fonte: Secretaria de Educação Superior – Min da Educação.
O próximo governo começa sem nenhum espaço para corte de impostos e crescimento do investimento público. Mesmo assim, ainda é um cenário melhor do que, em 2003, mas um cenário “longe do que poderia ser”, pois perdemos uma grande oportunidade de trazer a dívida bruta para menos de 50% do PIB e, dessa forma, pagar menos juros e até namorar com a ideia de déficit nominal zero no futuro próximo.
Se o governo não entendeu o tom dos relatórios do FMI e da OCDE,  o recado é esse acima. Por fim, acho que a equipe econômica parece agora sinalizar uma mudança no uso do dos empréstimos para bancos públicos e do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) muito mais porque a conta “salgada” começou a chegar e não devido a uma genuína percepção de que a chamada nova Matriz Econômica fracassou. É por isso que muita gente acredita que, quem quer que seja o presidente, em 2015-2018, o próximo governo será mais liberal, mesmo que seja o atual (com uma nova equipe econômica).

NUTRIÇÃO BASEADA NO GENOMA PREVINIRÁ OBESIDADE (1)

NUTRIÇÃO BASEADA NO GENOMA PREVINIRÁ OBESIDADE (1)
Desde a descoberta do genoma humano em 2001, a nutrigenética tem avançado nas discussões sobre nutrição personalizada. É importante saber que ao longo da história a nutrição tem dado forma a nossos genes, canalizando as mudanças que determinaram as capacidades intelectuais que possuímos atualmente. Nesse sentido, a nutrigenética é a ciência que estuda a forma como determinadas substâncias presentes nos alimentos alteram a regulação dos genes, e como variações em certos genes podem levar a uma relação problemática entre genes e nutrientes, chegando a levar a uma doença.

NUTRIÇÃO BASEADA NO GENOMA PREVINIRÁ OBESIDADE (2)
A situação atual da nutrigenética, consonante com sua evolução nos últimos anos, mostra que cada ser humano se diferencia geneticamente de outro também no campo que trata da alimentação. Isto determina, entre outras coisas, que a interação que cada pessoa tem com os alimentos e seus nutrientes seja bastante variável.
NUTRIÇÃO BASEADA NO GENOMA PREVINIRÁ OBESIDADE (3)
Dessa forma, a nutrigenética se centra no estudo do genoma de cada indivíduo para, a partir de suas características, determinar o risco que se tem de adoecer de determinada doença no futuro. Assim, será possível recomendar um tipo de dieta que minimizará esse risco. A dieta personalizada está tomando cada vez mais forma e o estudo do genoma de cada um será decisivo para a prevenção de várias patologias. Afinal, a nutrição moderna centra-se na prevenção de doenças e na manutenção da saúde.

LINFOMA CAUSA A MORTE DE 4.000 PESSOAS POR ANO (1)

LINFOMA CAUSA A MORTE DE 4.000 PESSOAS POR ANO (1)
O linfoma é a sexta causa de câncer no Brasil, mas a maioria da população desconhece o linfoma e quais são seus sintomas, segundo o Dr. Carlos Chiattone, Diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), para quem 70% da população não sabe o significado da palavra linfoma. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, cerca de 4 mil pessoas morrem anualmente em consequência de linfoma e que são registrados em torno de 10 mil casos da doença anualmente.
LINFOMA CAUSA A MORTE DE 4.000 PESSOAS POR ANO (2)
Nos últimos 20 anos a incidência de linfoma dobrou, mas o desconhecimento sobre este tipo de câncer preocupa a comunidade médica e os especialistas. Na realidade, não existe um método preventivo para o linfoma, sendo importante ficar alerta para alguns sinais como nódulos no pescoço, na região axilar, virilha, febre, suor profundo à noite e perda de peso. Tecnicamente, os linfomas são cânceres das células do sistema imunológico e podem se manifestar de diferentes formas em qualquer lugar do corpo em que haja células linfáticas.
LINFOMA CAUSA A MORTE DE 4.000 PESSOAS POR ANO (3)
Eles se dividem em dois grupos: Hodgkin e não Hodgkin. Um tem cura em torno de 90% e o outro é mais complexo, com mais de 50 subtipos com manifestações clínicas e prognósticos distintos. A biópsia é o exame de excelência. As opções terapêuticas geralmente são quimioterapia, radioterapia e transplante de medula óssea. Quanto mais rápido for feito o diagnóstico, maiores são as chances de cura.

Podcast especial do Instituto Mises Brasil - Danilo Gentili

Podcast especial do Instituto Mises Brasil - Danilo Gentili

gentili.jpg- "Hoje em dia está muito fácil reconhecer quem está contra você. Ele sempre aparece a favor do governo".
- "Se o governo disse que é verdade é porque é mentira".
- "Tudo que vem do estado é uma merda! De funcionários à estrutura! Por isso sou antiestado".
Se você não leu as seguintes frases publicadas recentemente no Twitter, dificilmente identificaria como seu autor o comediante Danilo Gentili, que tem cada vez mais elevado o tom das críticas ao governo e ao estado nas redes sociais e no seu programa Agora é Tarde, na TV Bandeirantes.
Para saber qual a origem e o fundamento dessa posição política, o Podcast do Mises Brasil entrevistou o comediante, que, para nossa surpresa, é ouvinte deste programa:
"Meu pai era o que chamariam de proletário e eu cresci num cortiço em Santo André (São Paulo). E eu posso afirmar que naquele quintal, daquele cortiço, onde as pessoas eram pobres, todas odiavam a intervenção do estado, todas odiavam pagar imposto e [...] todos odiavam os sindicalistas, que nada mais são do que máfias. Desde sempre, eu coleciono uma série de insatisfação e até mesmo nojo do estado".
Formado em Comunicação Social (Publicidade), comediante, roteirista, escritor e empreendedor (é dono doComedians Club), Gentili começa esse podcast relatando como políticos do PT, ao perceberem o êxito de um empreendimento social (um orfanato) que vinha sendo realizado por sua mãe, decidiram confiscar e estatizar o estabelecimento, inventando várias calúnias contra sua mãe na Justiça.  Três meses após o confisco tudo já estava às traças, deixando claro que a "preocupação social" nunca foi o real interesse dessa gente.
Gentili também opinou sobre a razão pela qual as ideias socialistas continuam a seduzir tantos jovens, fez uma crítica sobre a ausência de uma ação e um discurso cultural por parte dos liberais e diz que falta apoio aos defensores das liberdades que estão na linha de tiro:
"O estado tem vencido no campo cultural e no campo do ensino. Acho que os liberais precisam ver quem são os ícones culturais ou que têm potencial cultural para influenciar as pessoas, além dos professores que estão na resistência contra a lavagem cerebral, e apoiá-los. Sinto que às vezes falta, daqueles que zelam pela liberdade, zelar pela liberdade daquele que está em cima do palanque falando sobre liberdade, porque o outro lado (os inimigos da liberdade) faz isso muito bem quando aparece no debate um ícone cultural que os representa".
Perguntado se já foi de esquerda ou simpatizante do socialismo em sua juventude, Gentili é direto: "Talvez por ter sido pobre e não ter estudado na USP, nunca fui socialista."  E conclui: "Graças a Deus tive de adquirir uma opinião própria a respeito das coisas. Quem não é doutrinado em universidade, e é capaz de ler e chegar às próprias conclusões, percebe como o estado e a intervenção estatal são uma desgraça na vida das pessoas".
Gentili ainda fala sobre a importância da família e dos amigos na formação do indivíduo, a influência marxista no meio universitário, a ditadura do politicamente correto na sociedade atual, o humor contra políticos e muito mais.
Ao ser perguntado se temia perder o programa de TV por causa das críticas que têm feito: "A minha briga não é para manter emprego; a minha briga é para viver num país livre".

A França e o ápice da social-democracia: impostos para todos, emprego para poucos

A França e o ápice da social-democracia: impostos para todos, emprego para poucos
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1379550034-France5.jpgUm em cada quatro franceses com formação universitáriaquer sair do país em busca de uma vida melhor.  Mais de 70% dos franceses creem que os impostos estão "excessivos" e 80% acreditam que a política econômica do governo é "equivocada" e "ineficiente".
Esta é a nova França de François Hollande, hoje o país com a mais alta carga tributária do mundo.  Neste ano, estima-se que as receitas tributárias irão chegar a 46,3% do PIB.  O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, do Partido Socialista, criou nada menos que 84 novos impostos apenas nos últimos dois anos.  E essa cifra ainda não contém aquela que seria a mais egrégia de suas façanhas: um imposto de 75% sobre rendas superiores a um milhão de euros.  Tal proposta foi considerada inconstitucional.  Mas os social-democratas não devem se preocupar, pois alguns políticos franceses não irão deixar essa mera decisão judicial atrapalhar seus planos: a proposta ainda continua sendo discutida na assembléia nacional francesa, com algumas pequenas alterações.
E a possibilidade de essa proposta ser aprovada vem gerando algumas consequências inesperadas.  Uma das diversões favoritas dos franceses — junto com os queijos brie e as baguettes — poderá ser duramente atingida: o futebol.  Os times franceses correm o risco de serem relegados às pequenas ligas caso esta nova proposta seja aprovada.  Afinal, seus melhores jogadores ganham altos salários.  Uma alíquota de 75% sobre seus salários fará com que eles exijam salários ainda maiores, apenas para manter o mesmo valor real de antes.  E dado que os custos dos jogadores já são hoje uma grande preocupação, acrescentar um pesado tributo sobre salários já historicamente altos será um fardo insuportável para a maioria dos times franceses, que terão muitas dificuldades em se manterem competitivos.
Como consequência, já se fala em isenções para times de futebol. O jornal francês Le Figaro estima que umaisenção tributária criada especificamente para os jogadores de futebol poderia poupar à liga francesa 82 milhões de euros por ano.  O time com a mais alta folha de pagamento, o Paris Saint-Germain, pouparia 32 milhões de euros.  O Olympique de Marseille, 14,2 milhões.  E o Lyon, 12,5 milhões.
Salvar o futebol é uma atitude que pode manter as massas pacificadas, mas é curioso notar como tal medida ensina uma lição bem mais ampla: ora, se times e jogadores de futebol necessitam de isenções tributárias para se manter competitivos, por que não todo o resto da economia?  É verdade que os salários dos jogadores são maiores e as alíquotas tributárias são mais altas, mas a lógica básica também se aplica ao proletariado e às demais classes trabalhadoras.  Estes também são escorchados por impostos, e poucos saem em sua defesa pedindo isenções ou impostos menores. 
Mas prossigamos.
Algumas pessoas poderiam pensar que os 84 novos impostos criados ao menos teriam o efeito benéfico de reduzir um pouco o fardo da dívida pública do governo.  Afinal, há outros países que aparentemente também seguem este receituário.  A Noruega, por exemplo, é famosa por ter altos impostos.  Mas a diferença crucial é que o governo norueguês apresenta incríveis superávits orçamentários de dois dígitos.
Mas não é isso o que ocorre na França.  Tendo a maior carga tributária do mundo, é natural que o gasto público também já tenha se tornado o maior do mundo, de 57% do PIB.  Apenas para se ter uma ideia de como as coisas funcionam por lá, a França tem pelo menos 30.000 funcionários públicos cuja única função é supervisionar empresas de consultoria privada que são pagas pelo governo para elaborar planos de governo.  Apenas uma amostra de como o capitalismo de estado e o socialismo são grandes parceiros de cama.
Essa diferença entre receitas e gastos faz com que o governo tenha de contrair empréstimos para fechar suas contas.  Naturalmente, esses empréstimos não advêm dos cidadãos franceses, que praticamente ficam sem nenhum dinheiro para investir após a Receita Federal abocanhar sua fatia.  Logo, os empréstimos vêm de fora.  A consequência é que a França possui hoje uma dívida externa de mais de $5 trilhões.  Isso é o equivalente a quase $75.000 por pessoa (para se ter uma ideia, esse valor é 50% maior do que a dívida per capita dos EUA, que são um país notoriamente endividado).
Como os próprios francês gostam de dizer, plus ça change, plus c'est la même chose.  Mais de 200 anos atrás, Jean-Baptiste Colbert alertou o rei Luis XIV que "A arte da tributação consiste em depenar o ganso de modo a obter a maior quantidade de penas com o menor volume possível de grasnido."  O som que hoje se ouve na França é o de franceses grasnando indignados.  Os gansos com mais penugem — Gérard Depardieu, membros da família Peugeot e da Chanel — já deixaram o país em busca de um futuro melhor.

David Howden é professor assistente de economia na Universidade de St. Louis, no campus de Madri, e vencedor do prêmio do Mises Institute de melhor aluno da Mises University.

Em defesa do idealismo radical

Em defesa do idealismo radical

idealis-realism.jpgTodo credo "radical" está sujeito à acusação de ser "utópico", e o movimento libertário não é exceção. Alguns dos próprios libertários sustentam que não devemos assustar as pessoas por sermos "radicais demais", e que, portanto, toda a ideologia e todo o programa libertário devem ser escondidos do público.  
Estas pessoas propõem um programa "fabiano" de gradualismo, concentrando-se apenas em uma erosão gradual do poder do estado.  Um exemplo seria a questão dos impostos: em vez de defendermos a medida "radical" que seria a abolição de toda e qualquer forma de tributação — ou até mesmo a simples abolição do imposto de renda —, deveríamos nos restringir a apenas pedir por pequenas melhorias; por exemplo, uma redução de dois pontos percentuais no imposto de renda.
No campo do pensamento estratégico, convém aos libertários aprenderem as lições ensinadas pelos marxistas, uma vez que eles vêm elaborando estratégias para mudanças sociais há muito mais tempo do que qualquer outro grupo.  Os marxistas entendem que há duas falácias estratégicas criticamente importantes, as quais "desviam" o movimento de seu caminho adequado: uma é o que eles chamam de "sectarismo de esquerda"; a outra, e contrária, é o "oportunismo de direita".  Os críticos dos princípios "extremistas" dos libertários são análogos aos "oportunistas de direita" dos marxistas.
O principal problema desses oportunistas é que, ao se restringirem estritamente a programas "práticos" e graduais, programas que têm uma boa chance de serem adotados imediatamente, eles correm um grande risco de perder de vista o objetivo final, a meta libertária.  Aquele que se restringe a clamar por uma redução de dois pontos percentuais nos impostos ajuda a sepultar a meta final, que é a abolição de toda a tributação.  Ao se concentrar nos meios imediatos, ele ajuda a aniquilar o objetivo final, e, consequentemente, todo o sentido de ser um libertário.  Se os libertários se recusarem a empunhar a bandeira da pureza de princípios, a bandeira da meta final, quem o fará? A resposta é: ninguém, já que uma das principais fontes de deserção do movimento nos últimos anos tem sido esse caminho errôneo do oportunismo.
Um caso célebre de deserção devido ao oportunismo é o de alguém que chamaremos de "Rodrigo", que se tornou um libertário dedicado e militante no início da década passada.  Apelando rapidamente para o ativismo e para as conquistas imediatas, Rodrigo chegou à conclusão de que o caminho estratégico mais adequado seria o de minimizar todo o discurso da meta libertária e, em especial, da hostilidade libertária ao governo.  Seu objetivo era enfatizar apenas os aspectos "positivos", bem como o que as pessoas poderiam realizar por meio das ações voluntárias.
À medida que sua carreira avançou, Rodrigo começou a achar os libertários intransigentes um estorvo; ele então passou a se distanciar sistematicamente de qualquer pessoa que fosse pega tendo pontos de vista "negativos" a respeito do governo.  Não demorou muito para Rodrigo abandonasse aberta e explicitamente a ideologia libertária e passasse a advogar uma "parceria" entre o governo e a iniciativa privada — entre algo coercitivo e algo voluntário —, tudo com o intuito de conseguir cravar o seu lugar junto ao establishment.  No entanto, em um bate-papo qualquer, Rodrigo ainda se refere a si mesmo como um "libertário", porém tal rotulação fará sentido apenas em um mundo de fantasia, abstrato, totalmente desconexo do mundo tal como ele é.
O economista F. A. Hayek, ele próprio de maneira alguma um "extremista", escreveu de maneira eloquente a respeito da importância vital para o sucesso da liberdade de se manter elevada uma ideologia pura e "extrema", como um credo a nunca ser esquecido. Hayek escreveu que um dos grandes atrativos do socialismo sempre foi a sua ênfase contínua numa meta "ideal", um ideal que permeia, informa e guia as ações de todos aqueles que lutam para obtê-lo. Hayek então acrescentou:
Devemos fazer novamente da construção de uma sociedade livre uma aventura intelectual, um feito de coragem. O que nos falta é uma utopia liberal, um programa que não seja apenas uma mera defesa das coisas tais como elas são, mas sim um radicalismo verdadeiramente liberal, que não poupe a suscetibilidade dos poderosos (incluindo os sindicatos trabalhistas), que não seja excessivamente pragmático e que não se restrinja apenas ao que atualmente pareça ser politicamente possível. Precisamos de líderes intelectuais que estejam preparados a resistir aos agrados do poder e da influência, e que estejam dispostos a trabalhar por um ideal, por menores que sejam as perspectivas de sua realização inicial. Eles precisam ser homens dispostos a se ater a princípios e a lutar pela realização integral destes princípios, por mais remotos que eles sejam.
O livre comércio a liberdade de oportunidade são ideais que ainda atiçam a imaginação de um grande número de indivíduos; por outro lado, uma simples "liberdade razoável de comércio" ou uma mera "atenuação das regulações" não é algo nem intelectualmente respeitável nem capaz de despertar qualquer entusiasmo. A lição principal que o liberal genuíno deve aprender com o sucesso dos socialistas é que ser utopista foi um ato de coragem da parte deles, que lhes conquistou o apoio dos intelectuais e, por consequência, uma influência sobre a opinião pública que torna possível, cotidianamente, o que até pouco tempo atrás parecia ser algo totalmente remoto.
Aqueles que se preocuparam exclusivamente com aquilo que parecia praticável perante os pontos de vista dominantes acabaram descobrindo que até mesmo isto se torna rapidamente impossível, politicamente, devido às mudanças na opinião pública, a qual eles nada fizeram para orientar.  A menos que possamos novamente fazer das fundações filosóficas de uma sociedade livre uma questão intelectual mais viva, e sua implementação uma tarefa que desafie a engenhosidade e a imaginação de nossas mentes mais brilhantes, as perspectivas da liberdade são, de fato, sombrias.  Mas se pudermos reconquistar aquela crença no poder das ideias — que foi o que caracterizou o liberalismo em seu melhor momento —, então a batalha não está perdida.[1]
Hayek está ressaltando uma verdade importante e um motivo importante para se enfatizar a meta final: a emoção e o entusiasmo que um sistema que possui uma lógica consistente é capaz de inspirar.  Quem, por outro lado, iria às barricadas por uma redução de dois pontos percentuais no imposto de renda?
Existe outro motivo tático e vital para se apegar aos princípios puros.  É verdade que os eventos sociais e políticos cotidianos resultam de diversas pressões, e são consequências frequentemente insatisfatórias dos movimentos opostos e conflitantes das diferentes ideologias e interesses.  Porém, exatamente por isso, é ainda mais importante que o libertário continue a aumentar a pressão.  O clamor por um corte de dois pontos percentuais no imposto de renda pode conseguir apenas uma leve redução no aumento que já havia sido projetado nos impostos; já um clamor por um corte drástico nos impostos pode de fato conseguir uma redução significativa.  E, ao longo dos anos, esse é exatamente o papel estratégico do "extremista": continuar a girar o fiel da balança cada vez mais rumo à sua direção.
Os socialistas foram exitosamente adeptos desta estratégia.  Se analisarmos o programa socialista proposto há 30 anos, ficará evidente que medidas que àquela época eram tidas como perigosamente socialistas são atualmente consideradas parte indispensável do pensamento convencional.  Assim, as concessões cotidianas a uma política supostamente "pragmática" acabam sendo empurradas, inexoravelmente, para a direção coletivista. Não há motivo pelo qual os libertários não possam seguir a mesma estratégia e obter o mesmo resultado.  Na realidade, um dos principais motivos pelo qual a oposição conservadora ao coletivismo tem sido tão fraca é que o conservadorismo, por sua própria natureza, não oferece uma filosofia política consistente, mas apenas uma defesa "pragmática" do status quo existente.  E, à medida que o estatismo cresce e se expande, ele se torna, por definição, cada vez mais arraigado nos costumes e, consequentemente, mais "tradicional"; o conservadorismo não tem, portanto, como encontrar armas intelectuais para conseguir derrubá-lo.
Aderir a um princípio significa muito mais do que simplesmente não contradizer o objetivo libertário final. Significa também lutar para atingir este objetivo final o mais rapidamente possível.  Em suma, o libertário nunca deve defender ou preferir uma abordagem gradual, em vez de uma abordagem rápida e imediata, para o seu objetivo; pois, ao fazê-lo, ele solapa a importância fundamental de seus próprios objetivos e princípios.  E se ele próprio atribui um valor tão baixo às suas próprias metas, que valor darão os outros a elas?
Ou seja: para perseguir de fato a meta da liberdade, o libertário deve desejar que ela seja atingida através dos meios mais eficazes e rápidos disponíveis.
O libertário, portanto, deve ser a pessoa que apertaria um botão capaz de abolir instantaneamente todas as invasões de liberdade, se ele existisse. É claro que ele sabe, também, que este botão mágico não existe, mas esta sua preferência fundamental dá cor e forma a toda a sua perspectiva estratégica.
Esta perspectiva "abolicionista" não implica, mais uma vez, que o libertário tenha uma avaliação irrealista de quão rapidamente seu objetivo será, de fato, alcançado.  Assim, o libertário e defensor da abolição da escravatura William Lloyd Garrison não estava sendo "irrealista" quando ele ergueu pela primeira vez, na década de 1830, a gloriosa bandeira da emancipação imediata dos escravos. Sua meta era a mais adequada, moralmente, e seu realismo estratégico estava no fato de que ele não esperava que sua meta fosse atingida com rapidez. Segundo Garrison: "por mais energicamente que lutemos pela abolição, ela será, infelizmente, uma abolição gradual, no final das contas. Nunca dissemos que a escravidão será derrubada com um só golpe; mas sempre sustentaremos que ela deve ser derrubada."[2] Do contrário, como Garrison avisou com veemência, "o gradualismo na teoria se torna a perpetuidade na prática."
O gradualismo de fato solapa o próprio objetivo ao admitir que ele deve ficar em segundo ou terceiro plano em relação a outras considerações não-libertárias, ou até mesmo anti-libertárias.  A preferência pelo gradualismo implica que estas outras considerações são mais importantes que a liberdade.  Assim, suponhamos que o abolicionista da escravidão tenha dito: "eu prego o fim da escravidão — mas apenas daqui a dez anos." Isto implicaria que a abolição daqui a oito ou nove anos, ou até mesmo imediatamente, seria algo errado, e que, portanto seria melhor que a escravidão continuasse a existir um pouco mais.  Mas isto significaria que todas as considerações pela justiça já foram abandonadas, e que o próprio objetivo não mais era tido em alta estima pelo abolicionista (ou libertário).  Na realidade, tanto para o abolicionista quanto para o libertário, isto significaria que eles estariam advogando o prolongamento do crime e da injustiça.
Embora seja vital para o libertário manter elevado seu objetivo final e "extremo", isto não faz dele, ao contrário do que afirmou Hayek, um "utopista".  O verdadeiro utopista é aquele que advoga um sistema contrário à lei natural dos seres humanos e do mundo real.  Um sistema utópico é um sistema que não funcionaria mesmo se todos fossem convencidos a colocá-lo em prática.  O objetivo utópico da esquerda, o comunismo — a abolição da especialização e a adoção da uniformidade — não poderia funcionar mesmo se todos estivessem dispostos a adotá-lo imediatamente.  Ele não funcionaria porque viola a própria natureza essencial do homem e do mundo, a singularidade e individualidade de cada pessoa, suas capacidades e interesses; e também porque traria um declínio tão drástico na produção de riqueza que grande parte da raça humana estaria fadada à fome e à extinção.
Em suma, o termo "utópico" no discurso popular mistura dois tipos de obstáculos que são encontrados no caminho de um programa radicalmente diferente do status quo: o primeiro é que ele viola a natureza do homem e do mundo e, portanto, não funcionaria uma vez posto em prática.  Esta é a utopia do comunismo.  O segundo é a dificuldade em se convencer um número suficiente de pessoas de que este programa deve ser adotado. O primeiro é uma má teoria, pois viola a natureza humana; o segundo é simplesmente um problema davontade humana, o problema de se convencer um número suficiente de pessoas da justeza dessa doutrina. "Utópico", em seu sentido pejorativo comum, se aplica apenas ao primeiro.  
Em seu sentido mais profundo, portanto, a doutrina libertária não é utópica, mas eminentemente realista, porque é a única teoria que de fato é consistente com a natureza do homem e do mundo. O libertário não nega a variedade e a diversidade do homem; ele a glorifica e procura dar a essa diversidade uma expressão plena num mundo de liberdade completa.  E, ao fazê-lo, ele também gera um aumento enorme na produtividade e nos padrões de vida de todos, um resultado acima de tudo "prático", que geralmente é desprezado pelos verdadeiros utopistas como sendo um "materialismo" perverso.
O libertário também é eminentemente realista porque somente ele compreende, em sua totalidade, a natureza do estado e seu ímpeto pelo poder.  Por outro lado, o conservador, aparentemente muito mais realista, acredita no "governo limitado", que é a verdadeira utopia impraticável.  O conservador repete continuamente a ladainha de que o governo central deve ser limitado severamente por uma constituição.  No entanto, ele não consegue extrair a ideia — já comprovada inúmeras vezes na prática — de que um estado constitucional estritamente limitado foi um experimento nobre que fracassou, mesmo diante das circunstâncias mais favoráveis e propícias.  Se ele fracassou, então, por que um experimento semelhante haveria de dar certo agora?  Não.  É o conservador adepto do laissez-faire, aquele que coloca todas as armas e todo o poder de decisão nas mãos do governo central e então afirma "controle-se", que é o verdadeiro utopista visionário.
Há ainda outro sentido profundo no qual os libertários desprezam o amplo utopismo da esquerda.  Os utopistas da esquerda invariavelmente postulam uma mudança drástica na natureza do homem; para a esquerda, o homemnão possui uma natureza.  Espera-se que o indivíduo seja infinitamente maleável por suas instituições, para que o ideal comunista (ou o sistema socialista de transição) possa gerar o Novo Homem Comunista.  O libertário acredita que, em última análise, todo indivíduo tem o livre arbítrio e é capaz de moldar a si mesmo; seria, portanto, loucura colocar todas as esperanças em uma mudança drástica e uniforme nas pessoas, realizada através de um projeto de Nova Ordem.  O libertário gostaria de ver uma melhoria moral em todos, embora suas metas morais dificilmente coincidam com as dos socialistas.  Por exemplo, ele ficaria extremamente jubiloso caso todos os desejos de agressão gratuitra de um homem pelo outro sumissem da face da Terra.  Porém, ele é por demais realista para confiar nesse tipo de mudança. Em vez disso, o sistema libertário é um sistema que seria ao mesmo tempo muito mais moral e funcionaria muito melhor que qualquer outro, pois ele leva em conta os valores e atitudes existentes do ser humano.  É claro que, quanto mais o desejo de agressão desaparecesse, melhor seria o funcionamento de qualquer sistema social, incluindo o libertário; menos necessidade haveria, por exemplo, de se recorrer à polícia ou aos tribunais.  Mas o sistema libertário não deposita sua confiança neste tipo de mudança.
Então, se o libertário deve defender a imediata conquista da liberdade e a imediata abolição do estatismo, e se o gradualismo, em teoria, é contraditório a esta meta fundamental, que outra postura estratégica o libertário pode assumir no mundo de hoje? Deveria ele necessariamente se limitar a defender a abolição imediata?  Seriam as "exigências transitórias", aqueles passos rumo à liberdade na prática, necessariamente ilegítimas?  Não, pois isto nos levaria a outra armadilha estratégica autodestrutiva do "sectarismo de esquerda".  
Embora muitas vezes os libertários tenham sido oportunistas que perderam de vista ou minimizaram seu objetivo final, alguns cometeram o erro inverso: passaram a temer e condenar qualquer tipo de avanço rumo àquele objetivo como se fosse necessariamente uma traição dele.  A tragédia é que estes sectários, ao condenarem todo tipo de avanço que não atinja efetivamente o objetivo, servem para transformar em algo vão e fútil o próprio objetivo tão sonhado; ao passo que muitos de nós ficaríamos genuinamente felizes se atingíssemos a liberdade total de uma só vez, os prospectos realistas de que isso venha a acontecer são limitados. Embora a mudança social nem sempre seja minúscula e gradual, ela tampouco ocorre num passo único.  Portanto, ao rejeitarem quaisquer aproximações transitórias e graduais rumo ao objetivo, estes libertários sectários tornam impossível que ele seja alcançado algum dia.  Desta forma, os sectários podem acabar se tornando tão "aniquiladores" desse objetivo puro quanto os próprios oportunistas.
Como, então, podemos saber se alguma medida parcial ou exigência transitória deve ser louvada como um passo adiante ou condenada como uma traição oportunista?  Existem dois critérios importantes para se responder a esta questão crucial: (1) que, quaisquer que sejam as exigências transitórias, o objetivo derradeiro da liberdade deve ser sempre sustentado como a meta desejada; e (2) que nenhum passo ou meio deve contradizer, explícita ou implicitamente, o objetivo final.  Uma demanda de curto prazo pode não avançar o tanto quanto gostaríamos, mas ela deve sempre ser consistente com o objetivo final; do contrário, esta demanda de curto prazo terá um efeito contrário ao propósito de longo prazo, e o princípio libertário será aniquilado de maneira oportunista.
Um exemplo desta estratégia oportunista e contraproducente pode ser extraído do sistema de tributação.  O libertário deseja ansiosamente uma conclusiva abolição dos impostos.  É perfeitamente legítimo para ele, como uma medida estratégica rumo a esta direção tão desejada, fazer uma campanha em prol de uma redução drástica ou até mesmo da abolição do imposto de renda.  Mas o libertário jamais deve apoiar qualquer novo imposto ou qualquer aumento nos impostos. P or exemplo, ele não deve, enquanto faz campanha por um grande corte no imposto de renda, também fazer uma campanha pela sua substituição por um imposto sobre as vendas ou por qualquer outro tipo de imposto.  A redução, ou melhor, a abolição dos impostos, é sempre uma redução não-contraditória do poder do estado, e um passo significativo rumo à liberdade; porém sua substituição por um novo imposto em qualquer outra circunstância gera justamente o efeito contrário, pois ele significa uma imposição nova e adicional do estado sobre algum outro setor. A imposição de um imposto novo ou de um mais alto contradiz frontalmente e solapa a própria meta libertária.
Do mesmo modo, no que diz respeito aos déficits do orçamento do governo, muitas vezes nos deparamos com problemas práticos: devemos concordar com um corte nos impostos, mesmo que este corte possa acarretar um aumento nos déficits?  Os conservadores, que a partir de sua perspectiva específica preferem o equilíbrio no orçamento a uma redução nos impostos, invariavelmente se opõem a qualquer corte nos impostos que não venha acompanhado de maneira imediata e estrita por um corte equivalente, ou maior, nos gastos do governo.  Porém, uma vez que a tributação é um ato ilegítimo de agressão, qualquer corte de imposto que não seja recebido com entusiasmo acaba por solapar e contradizer a meta libertária.  O momento de se opor aos gastos governamentais é quando o orçamento estiver sendo deliberado e votado; é ai então que o libertário também deve pedir por cortes drásticos nos gastos.
Em suma, a atividade governamental deve ser reduzida sempre que possível: qualquer oposição a um corte específico nos impostos ou nos gastos é inadmissível, pois ela contradiz os princípios e a meta libertária.
Uma tentação especialmente perigosa para a prática do oportunismo é a tendência de alguns libertários em querer soar "responsáveis" ou "realistas" ao apresentarem algum tipo de "plano quadrienal" visando a desestatização.  O erro crucial não está no número de anos do plano, mas sim na ideia de se colocar em prática qualquer tipo de programa abrangente e planificado de transição rumo à meta da liberdade total.  É comum ver libertários apresentando programas do tipo: no primeiro ano, a lei A será revogada, a lei B será modificada, o imposto C será cortado em 10% etc.; no segundo ano, a lei D será revogada, o imposto C será cortado em mais 10% etc.  O problema grave com um plano desses, sua severa contradição com o princípio libertário, é que ele implica fortemente que, por exemplo, a lei D não deveria ser revogada até o segundo ano do programa em questão.  Logo, estaria aberto o caminho para se cair na armadilha do gradualismo teórico, numa escala maciça. Estes supostos planejadores libertários estariam então numa posição que pareceria se opor a qualquer avanço mais rápido rumo à liberdade do que o que foi proposto em seu plano. E, com efeito, não há qualquer razão legítima para se adotar um ritmo de avanço mais lento do que um mais rápido; muito pelo contrário.
Existe outro defeito grave nesta ideia de um programa planejado e detalhado rumo à liberdade: o próprio ritmo estudado e planejado, a própria natureza abrangente do programa, implica que o estado não é de fato o inimigo comum da humanidade; que é possível e desejável utilizá-lo para engendrar um avanço planejado e ritmado rumo à liberdade.  A percepção de que o estado é o principal inimigo da humanidade, por outro lado, leva a uma perspectiva estratégica muito diferente: especificamente, a de que os libertários devem advogar e aceitar com contentamento qualquer redução no poder do estado ou em suas atividades em qualquer campo. Qualquer redução, a qualquer momento, deve ser vista como uma diminuição bem-vinda do crime e da agressão. Portanto, a preocupação do libertário não deve ser em utilizar o estado para adotar um caminho mensurado de desestatização, mas sim a de atacar com ferocidade toda e qualquer manifestação de estatismo, sempre e quando ele puder.
Manifesto_Livro.jpgAssim, o libertário jamais deve se deixar cair na armadilha de qualquer tipo de proposta de ação governamental "positiva"; em sua perspectiva, o papel do governo deve apenas ser o de se retirar de todas as esferas da sociedade o mais rapidamente possível.
Tampouco devem existir quaisquer contradições retóricas. O libertário não deve tolerar qualquer tipo de retórica — muito menos recomendações de políticas — que operem contra o seu objetivo final.  Assim, suponhamos que se peça a um libertário que apresente seus pontos de vista sobre um determinado corte nos impostos. Mesmo que ele não sinta, naquele momento, a necessidade de clamar em altos brados pela abolição dos impostos, o que ele não pode fazer é, ao mostrar seu apoio ao corte de impostos, recorrer a uma retórica tão desprovida de princípios como "bem, é claro, algum tipo de imposto é essencial" etc.
Estes floreios retóricos apenas causarão danos ao objetivo derradeiro, confundirão o público e violarão e contradirão o princípio.


[1] F.A. Hayek, "The Intellectuals and Socialism," em Studies in Philosophy, Politics, and Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1967), p. 194.
[2] Citado  em William H. Pease e Jane H. Pease, eds., The Antislavery Argument (Indianápolis: Bobbs-Merrill Co., 1965), p. xxxv.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.


A maldição do petróleo continua a atormentar o Brasil

A maldição do petróleo continua a atormentar o Brasil

lula-no-pre-sal.jpgQuando o governo Lula anunciou, com a fanfarra que lhe era habitual, a existência de petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro, ainda em 2006, a exultação foi enorme.  Quando, em 2008, a Petrobras extraiu pela primeira vez petróleo do pré-sal, a promessa era a de que todos os problemas do Brasil já estavam solucionados.  Bastava apenas extrair o petróleo lá das profundezas, e todos os problemas da educação e da saúde seriam miraculosamente resolvidos com o dinheiro que seria obtido com a exportação deste petróleo.
No entanto, não era necessário ser nenhum especialista em geologia para entender que a aposta era arriscada.  Bastava apenas entender o básico de economia.  A extração de petróleo da camada pré-sal não é uma operação qualquer.  Não é tão simples quanto a tradicional extração de petróleo da camada de pós-sal.  Veja a figura abaixo.
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Uma coisa é extrair petróleo a 2.000 metros de profundidade, sem grandes obstáculos.  Outra coisa, completamente distinta, é extrair petróleo a 6.000 metros de profundidade, tendo de superar duas camadas (camada de pós-sal e camada de sal) para se chegar ao pré-sal.  Esta operação é tecnicamente cara.  Logo, só é economicamente viável se o preço do barril de petróleo estiver acima de um determinado valor.
E é aí que começa a encrenca.
Quando a euforia do pré-sal estava em seu apogeu, em meados de 2008, o preço do petróleo também estava em níveis recordes, chegando a bater em US$145 o barril, o que de fato tornava economicamente viável a exploração do pré-sal.  Logo, sob este aspecto, havia algum sentido político em se fazer demagogia e proselitismo a respeito dos supostos milagres que a extração do petróleo do pré-sal traria ao país. 
O problema é que esta alta do petróleo não se sustentou.  No final de 2008, o preço do barril desabou de US$145 para US$35 e, desde 2011, vem oscilando entre US$80 e US$100. Veja a evolução no gráfico abaixo.
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Segundo estimativas otimistas, o início da produção do pré-sal brasileiro pode levar de 5 a 10 anos, a depender da geologia do local e dos investimentos feitos.  E o pico da produção pode levar 15 anos para ser atingido.  É tempo demais para um empreendimento tão caro e de preço final tão volátil. 
Essa total suscetibilidade aos preços futuros do barril de petróleo cria uma enorme incerteza ao empreendimento do pré-sal.  Por exemplo, qualquer descoberta de novas jazidas em qualquer parte do mundo, ou até mesmo a confirmação de novas fontes de energia, poderá derrubar o preço do petróleo, tornando ainda mais inviável o pré-sal.
No momento, a maior ameaça para os prosélitos do pré-sal vem dos EUA, onde surgiu um novo fenômeno que pode colocar tudo a perder: o gás de xisto.  Esta nova fonte de energia está fazendo com que o custo da energia venha caindo vigorosamente nos EUA.  No momento, em decorrência de um pesado lobby de gigantes industriais como Dow, Alcoa, Celanese e Nucor, a exportação de gás de xisto foi proibida pelo governo americano, o que vem garantindo energia abundante e barata a essas empresas dentro dos EUA e impedindo que o preço da energia caia ao redor do mundo.  No entanto, caso um futuro governo americano libere a exportação do gás de xisto, o pré-sal pode se tornar imediatamente inviável.
Segundo estimativas da Administração de Informação sobre Energia (EIA — Energy Information Administration), a reserva americana de gás de xisto é de 2,7 trilhões de metros cúbicos, o que seria suficiente para abastecer o mercado americano por mais de 100 anos.  No entanto, a produção de gás de xisto vem sofrendo pesadas restrições impostas por poderosos grupos ambientalistas, pois, segundo eles, a tecnologia utilizada na extração — popularmente chamada de fracking, que é um sistema de fratura hidráulica que consiste na injeção de grandes volumes de água a profundidades superiores a três quilômetros para liberar gás — apresenta risco de contaminação de fontes de água potável.
Além do gás de xisto, é preciso considerar que sempre há a possibilidade de o governo americano liberar a extração de petróleo na reserva selvagem de ANWR, no Alasca, o que garantiria mais 10 bilhões de barris de petróleo, o suficiente para alimentar os EUA por dois anos.
Não bastassem todas essas "ameaças", há também o fato de que os estados americanos de Colorado, Utah e Wyoming possuem as maiores reservas de xisto petrolífero do mundo, capazes de produzir, segundo estimativas da United States Geologic Survey, mais de 1,5 trilhão de barris.  No momento, a produção ainda é inviável, justamente por causa do atual preço do petróleo, considerado ainda baixo.  Vale enfatizar que as empresas são um tanto reticentes a este tipo de investimento por causa de uma desventura ocorrida no passado: durante a crise do petróleo da década de 1970, as petrolíferas imaginaram que os preços ficariam altos em definitivo (naquela época, US$70 o barril), e investiram somas consideráveis na extração deste xisto petrolífero.  No entanto, o preço do petróleo convencional caiu na década de 1980, e vários destes investimentos se tornaram inviáveis.  No dia 2 de maio de 1982, dia que ficou conhecido como o Domingo Negro, a Exxon cancelou um projeto de US$5 bilhões de dólares no Colorado por causa da queda do preço do petróleo, demitindo mais de 2.000 trabalhadores.  Em decorrência dos prejuízos da década de 1980, essas empresas se tornaram relutantes a fazer novos investimentos desse tipo.
Todos esses fatores concorrem para gerar incertezas quanto ao preço futuro do petróleo.
Nas atuais condições, para que a extração de petróleo do pré-sal brasileiro seja economicamente viável, ou o preço do barril de petróleo no mercado internacional teria de disparar ou a empresa exploradora teria de usufruir grandes benefícios tributários.  Fora isso, sempre há a terceira opção: entregar a exploração a empresas estatais, que não operam de acordo com o sistema de lucros e prejuízos e, consequentemente, não têm de se preocupar com o preço do petróleo.  Elas podem simplesmente espetar a conta nos pagadores de impostos.
Ao que tudo indica, as petrolíferas de fato pensam assim, e uma boa comprovação pôde ser testemunhada ontem, dia 21 de outubro, no leilão do campo de Libra realizado pelo governo brasileiro.  Propagandeado como a maior reserva de petróleo do Brasil e a maior área para exploração de petróleo no mundo, cujo potencial poderia se aproximar dos 12 bilhões de barris, o governo brasileiro esperava atrair pelo menos 40 empresas para o leilão de Libra.  Quantas realmente se candidataram?  Apenas quatro: duas estatais chinesas (CNPC e CNOOC), uma empresa francesa (Total) e a anglo-holandesa Shell.  As quatro formaram um único consórcio, o que significa que não houve nenhuma concorrência no leilão.  Gigantes do setor, como Chevron, Exxon Mobil, BHP Billiton, Statoil, BP e Repsol não se interessaram.
Como presente de grego, essas quatro empresas vencedoras terão a Petrobras como sócia compulsória e majoritária.
Toda a lambança começou com o regime de exploração escolhido pelo governo.  Havia duas opções: o regime de concessão — que é o utilizado desde 1997, e que ajudou a elevar sobremaneira o volume de petróleo produzido no Brasil —, e o regime de partilha, um monstrengo inventado por motivos puramente ideológicos.
Nenhum destes dois modelos representa uma privatização genuína.  Ambos são uma parceria público-privada, que nada mais é do que um arranjo corporativista no qual estado e grandes empresas se aliam para, sob o manto de estarem realizando serviços, extorquir os cidadãos e dividir entre si o butim, dando em troca algo que lembra um pouco, com muita boa vontade, uma prestação de serviço.  No entanto, o regime escolhido pelo governo, o de partilha, é o pior dentre os dois.
Em uma PPP tradicional — que continua sendo adotado nas áreas de petróleo existentes no pós-sal —, todos os gastos e todos os riscos da produção, bem como a propriedade dos hidrocarbonetos, são do consórcio que obteve a concessão.  Em troca, o consórcio paga ao Tesouro impostos e participações especiais sobre o valor da produção, além de pagar royalties aos estados e municípios onde a atividade é realizada. 
No arranjo adotado, que foi o "regime de partilha", o dono do petróleo é o Tesouro.  Neste arranjo, o estado fica com uma parcela da produção física em cada campo de petróleo.  O consórcio paga um bônus à União ao assinar o contrato e, se encontrar petróleo, será remunerado com uma parcela deste petróleo que seja suficiente para cobrir seus custos e garantir algum ganho.  Todo o resto do petróleo ficará para a União (daí o nome de "partilha").  Além disso, todas as decisões de investimento serão, em última instância, autorizadas ou negadas pela Petrobras, que também usufruirá uma participação mínima obrigatória de 30% entre as empresas componentes do consórcio — no caso de Libra, ela terá 40%.  
Como que para comprovar a irracionalidade da coisa, o modelo de partilha obriga a Petrobras a desembolsar R$6 bilhões, que correspondem a 40% do bônus de assinatura do contrato.  Dado que o senhor Mantega veio a público jurar que a Petrobras tem essa quantia, podemos então ter a certeza absoluta de que ela não tem, e terá de pegar com o Tesouro ou com o BNDES (leia-se: de nós).  No modelo de concessão, a Petrobras e o governo não teriam de pagar nada. 
Por último, a cereja do bolo: o governo obrigará as plataformas a terem um "elevado conteúdo de fabricação nacional", um privilégio nacional-desenvolvimentista que servirá para as indústrias fornecedoras aumentarem seus preços e encarecer ainda mais o processo produtivo.
Sabendo de tudo isso, é realmente de se estranhar que tenha havido um interesse quase nulo das petrolíferas privadas?  Quem iria se sujeitar a um marco regulatório tão arbitrário e politicamente subjetivo quanto este?  Dado que a Petrobras detém 40% de participação no consórcio, e é hoje a empresa mais endividada do mundo, por acaso seria algum exagero prever que todos esses direitos assegurados ao governo brasileiro é que irão ditar os investimentos e as decisões de desenvolvimento?  Como afinal será o critério para decidir qual será o volume de petróleo suficiente para cobrir os custos da produção e suficiente para garantir algum ganho às empresas? 
Não é nada surpreendente que as grandes e experientes petrolíferas privadas nem sequer tenham se apresentado para participar dessa presepada, deixando a encrenca para as estatais chinesas. 
O que está acontecendo, portanto, é um agigantamento do estado no setor petrolífero.  E isso está sendo vendido ao público como "privatização".  Realmente, é desesperadora a situação do debate econômico no Brasil.
Solução
Os problemas de um setor petrolífero nas mãos do estado são óbvios demais: ele gera muito dinheiro para políticos, burocratas, sindicatos e demais apaniguados.  Isso é tentador.  A teoria diz que toda e qualquer gerência governamental sobre uma atividade econômica sempre estará subordinada a ineficiências criadas por conchavos políticos, a esquemas de propina em licitações, a loteamentos de cargos para apadrinhados políticos e a monumentais desvios de verba.  No setor petrolífero, Venezuela, Nigéria e todos os países do Oriente Médio comprovam essa teoria.
Um setor ser gerido pelo governo significa apenas que ele opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos. Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Um empreendimento estatal não precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus fundos, oriundos do Tesouro, em tese são infinitos.  O interesse do consumidor é a última variável a ser considerada.

No setor petrolífero brasileiro, o dinheiro é retirado do subsolo e despejado no buraco sem fundo da burocracia, da corrupção, dos privilégios e das mamatas.  Todos os governos estaduais e todos os políticos do país querem uma fatia deste dinheiro para subsidiar suas burocracias e programas estatais preferidos.  Consequentemente, em todos os setores em que esse dinheiro é gasto, ele é desperdiçado.  Como é economicamente impossível o governo produzir algo de real valor, ele na prática apenas consome os ativos e a riqueza do país.
Caso o setor petrolífero estivesse sob o controle de empresas privadas, todo o dinheiro retirado do subsolo seria de propriedade destas empresas e de seus acionistas.  Sim, haveria impostos sobre esse dinheiro.  Mas a maior parte dele ainda iria para mãos privadas.  É assim nos EUA e em vários países da Europa.  Tal arranjo mantém o dinheiro longe das mãos do governo e dos demais parasitas, e garante que a produção e a distribuição sempre ocorrerão estritamente de acordo com interesses de mercado, e não de acordo com conveniências políticas.
Sendo assim, qual a maneira efetiva de se desestatizar o setor petrolífero do Brasil?  Legalizando a concorrência.  Para isso, bastaria o estado se retirar do setor petrolífero, deixando a Petrobras à sorte de seus próprios funcionários, que agora não contariam com nenhum monopólio, nenhuma proteção e nenhuma subvenção.  O estado não venderia nada para ninguém.  Apenas sairia de cena, aboliria a ANP e nada faria para impedir a chegada concorrência estrangeira.  
A Petrobras é do povo?  Então, nada mais coerente do que colocar este mantra em prática: após a retirada do governo do setor petrolífero, cada brasileiro receberia uma ação da Petrobras que estava em posse do governo.  E só.  Ato contínuo, cada brasileiro decidirá o que fazer com esta ação.  Se quiser vendê-la, que fique à vontade.  Se quiser mantê-la, boa sorte.  Se quiser comprar ações das outras empresas petrolíferas que agora estarão livres para vir operar aqui, sem os onerosos fardos da regulamentação da ANP, que o faça.  Se a maioria dos acionistas brasileiros quiser vender suas ações para investidores estrangeiros, quem irá questionar a divina voz do povo?  Se o povo é sábio o bastante para votar, então certamente também é sábio o bastante para gerenciar as ações da Petrobras. 
O objetivo supremo é fazer com que o dinheiro do petróleo vá para as mãos do povo, e não para o bolso de políticos e burocratas.  É assim que acontece em outros países, principalmente nos EUA, onde não há autossuficiência e a gasolina é bem mais barata que a nossa.
Conclusão
É claro que isso nunca será feito.  Isso significaria capitalismo genuíno.  Significaria cidadãos privados participando ativamente da riqueza gerada pela indústria petrolífera, e se beneficiando dela — algo proibido em arranjos socialistas como o que vigora no Brasil. 
Sem o estado participando ativamente do setor petrolífero, não mais seria possível ocorrer as manipulações, as indicações políticas e os jogos de favorecimento a companheiros no alto comando da Petrobras. 
Mas nenhum governo de nenhum partido fará esse tipo de reforma.  Imaginar que políticos irão voluntariamente abrir mão dos privilégios gerados pela Petrobras é tão lógico quanto imaginar que cupins irão voluntariamente abdicar da madeira.  O governo é naturalmente formado por insaciáveis praticantes da espoliação pública.  Tais pessoas não apenas querem utilizar o dinheiro do petróleo para financiar seus próprios projetos eleitoreiros, como também querem ter o governo subsidiando esses seus buracos sem fundo.  Só nos resta aguentar.



Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

A divisão do trabalho e a prosperidade

A divisão do trabalho e a prosperidade

cooperation.gifQue a vida social dos homens se assemelhe ao processo biológico é uma observação que vem de antiga data.  A comparação com o organismo biológico deveria ter ensinado à sociologia uma coisa: assim como um organismo só pode ser concebido como sendo um sistema de órgãos, um arranjo social só pode ser concebido como sendo um sistema composto por indivíduos.  E isto significa apenas que a essência de um organismo é a divisão do trabalho.  Somente a divisão do trabalho faz com que as partes se tornem membros; é nesta colaboração entre os membros que reconhecemos a unidade do sistema, o organismo.  Isto vale tanto para a vida das plantas e dos animais quanto para a sociedade.  No que tange ao princípio da divisão do trabalho, o corpo social pode ser comparado ao biológico.  A divisão do trabalho é atertium comparationis (base para comparação) desta analogia.
A divisão do trabalho é um princípio fundamental para todas as formas de vida.  A primeira vez que ela foi detectada na esfera da vida social foi quando economistas políticos enfatizaram o significado da divisão do trabalho para a economia social.  Subsequentemente, a biologia adotou este conceito, inicialmente sob a exortação de Milne Edwards em 1827.  O fato de que podemos considerar a divisão do trabalho como sendo uma lei geral não significa, entretanto, não devemos reconhecer as diferenças fundamentais entre, de um lado, a divisão do trabalho nos organismos animais e vegetais, e, de outro, a divisão do trabalho na vida social dos seres humanos.
Independentemente de como imaginemos ser a origem, a evolução e o significado da divisão fisiológica do trabalho, o fato é que ela claramente não joga nenhuma luz sobre a natureza da divisão sociológica do trabalho.  O processo que diferencia e integra células homogêneas é completamente diferente daquele que leva ao crescimento da sociedade humana formada por indivíduos autossuficientes.  Neste último processo, a razão e a vontade desempenham suas funções na aglutinação, por meio da qual unidades até então independentes formam uma unidade maior e se tornam partes de um todo, ao passo que a intervenção de tais forças naquele primeiro processo é inconcebível.
Mesmo quando criaturas como formigas e abelhas se agrupam em "comunidades animais", todos os movimentos e mudanças ocorrem instintivamente e inconscientemente.  O instinto pode perfeitamente ter operado também nos primórdios da formação social.  O homem já é membro de um corpo social quando ele surge como uma criatura racional e munida de vontades e desejos, pois é inconcebível para o homem racional ser um indivíduo solitário.  "É somente entre os homens que o homem se torna um homem" (Fichte).  O desenvolvimento da razão humana e o desenvolvimento da sociedade humana são exatamente o mesmo processo.  Todo o crescimento subsequente das relações sociais será totalmente uma questão de desejo.  A sociedade é o produto da razão e da vontade.  Ela não existe fora da razão e da vontade.  Sua existência está dentro do homem, e não no mundo externo.  Ele é projetada de dentro para fora.
Sociedade é cooperação; é comunidade em ação.
Dizer que a Sociedade é um organismo significa dizer que a sociedade é formada pela divisão do trabalho.  Para fazer justiça a esta ideia, devemos levar em conta todos os objetivos que os homens se impõem e os meios pelos quais tais objetivos devem ser alcançados.  A divisão do trabalho inclui todas as interrelações entre homens racionais munidos de vontade.  O homem moderno é um ser social.  Não apenas um ser cujas necessidades materiais não poderiam ser supridas caso vivesse em completo isolamento, mas também um ser que alcançou um desenvolvimento de suas faculdades racionais e perceptivas que teria sido impossível fora do contexto da sociedade.  O homem é inconcebível como um ser isolado, pois a humanidade existe somente como fenômeno social, e a humanidade transcendeu o estágio da animalidade somente quando a cooperação expandiu as relações sociais entre os indivíduos.  A evolução do animal humano para o ser humano foi possibilitada e alcançada única e exclusivamente por meio da cooperação social.  E aí jaz a interpretação da máxima de Aristóteles, que diz que o homem é o ser vivo político.
A divisão do trabalho como o princípio do desenvolvimento social
Ainda estamos longe de entender o supremo e mais profundo segredo da vida, o princípio da origem dos organismos.  Quem sabe se um dia iremos realmente descobrir?  Tudo o que sabemos hoje é que, quando os organismos são formados, algo que até então não existia passa a existir em decorrência da ação de indivíduos.  Organismos vegetais e animais são mais do que um conglomerado de células únicas, e a sociedade é mais do que a soma dos indivíduos que a compõem.  Ainda não entendemos por completo toda a significância deste fato.  Nossos pensamentos ainda estão limitados pela teoria mecânica da conservação da energia e da matéria, a qual não é capaz de nos dizer como um pode virar dois.  Aqui, novamente, se quisermos ampliar nosso conhecimento acerca da natureza da vida, compreender como funciona a organização social terá de preceder o entendimento da organização biológica.
Historicamente, a divisão do trabalho se originou em dois fatores da natureza: a desigualdade das capacidades e habilidades humanas, e a variedade das condições externas da vida humana na terra.  Estes dois fatos são, na realidade, um só: a diversidade da natureza, a qual não se repete mas cria o universo em variedade infinita e inexaurível.  O critério especial de nossa investigação, no entanto, a qual é dirigida para o conhecimento sociológico, nos permite tratar estes dois aspectos separadamente.
É óbvio que, tão logo a ação humana se tornou consciente e lógica, ela certamente foi influenciada por estes dois fatores.  Eles, com efeito, se combinaram quase que como para forçar a divisão do trabalho sobre a espécie humana.  Jovens e velhos, homens e mulheres, crianças e adultos, todos cooperam entre si ao fazerem os melhores usos possíveis de suas várias habilidades.  Aqui está também o germe da divisão geográfica do trabalho: o homem vai à caça e a mulher vai à fonte para buscar água.  Fossem as habilidades e a força de todos os indivíduos, bem como as condições externas de produção, idênticas em todos os lugares, a ideia da divisão do trabalho jamais poderia ter surgido.  Sob essas condições, o homem, por si só, jamais teria tido a ideia de fazer com que sua luta diária pela sobrevivência fosse facilitada pela cooperação gerada pela divisão do trabalho.  Nenhuma vida social poderia ter surgido entre homens de iguais capacidades e habilidades em um mundo que fosse geograficamente uniforme.
Talvez os homens iriam se agrupar para assim conseguir lidar com aquelas tarefas que estivessem além de suas forças individuais; porém, tal tipo de aliança não forma uma sociedade.  As relações que ela cria são transientes, e duram somente enquanto durar a ocasião criada por ela.  Sua única importância na origem da vida social é que ela cria uma reaproximação, uma reconciliação, entre homens, o que traz consigo o reconhecimento mútuo da diferença que existe entre as capacidades naturais de cada indivíduo, propiciando assim o surgimento da divisão do trabalho.
Uma vez que o trabalho foi dividido, a própria divisão exerce uma influência diferenciadora.  O fato de o trabalho ser dividido possibilita um maior aperfeiçoamento do talento individual, o que por si só já faz com que a cooperação seja ainda mais produtiva.  Por meio da cooperação, os homens são capazes de alcançar aquilo que estaria além de suas capacidades enquanto indivíduos, e até mesmo o trabalho que um indivíduo é capaz de realizar sozinho se torna mais produtivo.  Porém, tudo isto só pode ser entendido em toda a sua complexidade quando as condições que governam o aumento da produtividade sob a cooperação são especificadas com precisão analítica.
A teoria da divisão internacional do trabalho é uma das mais importantes contribuições da Economia Política Clássica.  Ela mostra que, enquanto os movimentos de capital e mão-de-obra entre países forem proibidos (por qualquer motivo), serão os custos de produção comparativos, e não absolutos, que governarão a divisão geográfica do trabalho.[1]  Quando o mesmo princípio é aplicado à divisão pessoal do trabalho, percebe-se que o indivíduo se beneficia ao cooperar não somente com pessoas superiores a ele em determinadas capacidades, mas também com aquelas que são inferiores a ele em absolutamente todos os aspectos relevantes.
Se, em decorrência de sua superioridade em relação a B, A precisa de três horas de trabalho para produzir uma unidade de mercadoria p, e B precisa de 5 horas, e para a produção da mercadoria q A gasta duas horas e B, quatro, então A irá se beneficiar caso concentre todo o seu trabalho na produção de q e deixe a produção de p por conta de B.  Se cada um dedicar sessenta horas à produção tanto de p quanto de q, o resultado do trabalho de A será 20p + 30q, e o de B será 12p + 15q.  Em conjunto, a produção de ambos será de 32p + 45q.
Se, no entanto, A se concentrar exclusivamente na produção de q, ele irá produzir sessenta unidades em 120 horas, ao passo que B, caso se concentre exclusivamente na produção de p, irá produzir neste mesmo período vinte e quatro unidades.  O resultado desta divisão do trabalho, portanto, será 24p + 60q, o que significa que — dado que p tem para A um valor de substituição de 3 : 2q e para B um de 5 : 4q — a produção foi maior do que para 32p + 45q.
Portanto, torna-se óbvio que toda e qualquer expansão da divisão pessoal do trabalho gera vantagens para todos aqueles que participam dela.  Aquele que colabora com os indivíduos menos talentosos, menos capazes e menos laboriosos obtém a mesma vantagem do que o homem que se associa àqueles mais talentosos, mais capazes e mais laboriosos.  A vantagem trazida pela divisão do trabalho é mútua; ela não é limitada ao caso em que se faz um trabalho que um indivíduo sozinho jamais seria capaz de realizar.
A maior produtividade gerada pela divisão do trabalho é uma influência unificadora.  Ela leva os homens a considerar seus semelhantes como colegas em sua batalha conjunta para a melhoria de seu bem-estar.  Ele não os vê como concorrentes em um conflito pela própria sobrevivência.  Ela faz com que inimigos se tornem amigos, transforma guerra em paz e possibilita que indivíduos vivam pacificamente em sociedade.

Este artigo foi extraído do capítulo 18 do livro Socialism — an economic and sociological analysis


[1] Ricardo, Principles of Political Economy and Taxation, pp. 76 ff.; Mill, Principles of Political Economy, pp. 348 if.; Bastable, The Theory of International Trade, 3rd ed. (London, 1900), pp. 16 ff.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".