domingo, 23 de março de 2014

Uma teoria simples sobre a corrupção

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Mises, Kant e os privilégios concedidos pelo governo

Mises, Kant e os privilégios concedidos pelo governo
 

6670.jpgOs direitos naturais do homem e os limites do governo
Em seu livro A Lei, Frédéric Bastiat apresenta a irrefutável máxima de que os direitos do indivíduo antecedem a formação do estado.  Os direitos do indivíduo já existiam antes da criação de qualquer aparato estatal e político.  Logo, a ação coletiva do estado não pode se chocar com — muito menos renegar — os direitos prévios do indivíduo.
De acordo com Bastiat, o indivíduo pode delegar ao estado somente aqueles poderes que ele próprio já possui.  Sendo assim, o indivíduo não tem o direito natural de obrigar outro indivíduo a fazer caridade, por exemplo.  Dado que eu não posso coagir você a fazer uma caridade que eu queira, o governo também não pode obrigar você a fazer uma caridade que ele queira.  Por essa mesma lógica, o governo não pode obrigar você a repassar parte do seu dinheiro para absolutamente ninguém — empresários, grupos de interesse, funcionários públicos ou pessoas que recebem assistencialismo — que você não queira.  No entanto, é exatamente isso que ele faz. 
Digamos que você desaprove que o governo dê dinheiro para uma causa que você pessoalmente abomine.  Você não iria muito longe caso tentasse argumentar que, em decorrência disso, você tem o direito de reduzir proporcionalmente a quantidade de impostos que você paga.  Se você insistisse nessa recusa de repassar parte do seu dinheiro para o governo, ele simplesmente irá confiscar seus ativos.  E se você tentasse proteger seus ativos e resistisse ao confisco, o governo simplesmente iria matá-lo.
No entanto, dentro do contexto dos direitos naturais, o governo não tem absolutamente nenhuma justificativa para forçá-lo a dar dinheiro para qualquer pessoa ou grupo de pessoas que você não aprove ou que você não financiaria voluntariamente.
A justiça verdadeira e o imperativo categórico
Talvez haja uma justificativa superior que dê ao estado o direito de violar nossos direitos naturais e confiscar nossa propriedade coercivamente para o benefício de terceiros.  Para esta justificativa, recorreremos a dois filósofos: Immanuel Kant e T. Patrick Burke.
Comecemos com Kant.  Ainda não há melhor expressão da nossa concepção de justiça verdadeira do que aquela formulada por Kant em sua explicação sobre o "imperativo categórico".  Um imperativo categórico nos diz o que devemos fazer incondicionalmente, e se aplica a todas as pessoas, em todos os lugares, e a qualquer momento.  Um imperativo categórico não deriva seu poder de nenhuma autoridade; apenas da razão pura. 
Kant faz uma distinção entre esse imperativo categórico e um imperativo hipotético, como, por exemplo, uma "necessidade" pela qual passa uma pessoa.  Embora um determinado imperativo hipotético possa ser válido — por exemplo, "pobres viveriam melhor caso recebessem auxílios governamentais" —, ele jamais pode ser objetivo.  Ele fornece uma causa apenas para aqueles que são afetados por essa política: no caso, os pobres.  Só que fornecer auxílios governamentais para os pobres não pode ser uma ação incondicional, que se aplica a todas as pessoas, em todos os lugares, a todo o momento.
Em seu livro introdutório sobre Kant, Roger Scruton explica que há cinco variações do imperativo categórico.  As duas primeiras são as mais importantes para nossos propósitos aqui.  A primeira variante é a Regra de Ouro, Mateus 7:12: "Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas".  Ela se baseia puramente na razão.
A segunda variante é aquela que diz que todos os homens devem ser tratados como fins em si mesmos, e não como meios.  Seres racionais são um fim em si mesmos e jamais meramente meios para algum outro fim ou um meio para se alcançar os fins desejados por alguns outros homens.  Por essa lei natural, mesmo se todas as pessoas de uma determinada comunidade, exceto uma, decidirem que todos devem doar para a caridade, o imperativo categórico negaria ser justo e correto que estas pessoas coagissem aquele único indivíduo que optou por não doar.  Essa comunidade de indivíduos estaria tratando este único indivíduo como um meio — um simples objeto — e não como um fim em si mesmo, ou seja, um ser racional com dignidade humana.
O professor T. Patrick Burke acrescenta um importante adendo à injusta natureza da coerção estatal que visa à caridade.  Ele persuasivamente argumenta que o ato de se recusar a ajudar alguém em necessidade não é injusto, pois a não-ajuda fará com que aquela pessoa necessitada fique na mesma situação de antes.  O ato de recusar a ajuda não agrava a situação do necessitado.  Se por acaso algum conceito superior de justiça nos obrigasse a ajudar todas as pessoas que viessem a nós suplicando por ajuda, passaríamos então a ser escravos de toda a humanidade, e isso seria uma clara violação do imperativo categórico: passaríamos a ser vistos como meios e não como fins.
A impossibilidade do cálculo econômico pelo estado
Em 1920, Ludwig von Mises publicou uma devastadora crítica ao então emergente movimento socialista.  Em aproximadamente 50 páginas, O Cálculo Econômico sob o Socialismo explica que, sem a propriedade privada dos meios de produção, o cálculo econômico é impossível.  Mises explicou que, nesse arranjo, nenhum governo é capaz de saber o que produzir, quanto produzir, e quais recursos utilizar para produzir qualquer que seja o produto, pois somente aqueles que são proprietários dos meios de produção podem utilizá-los racionalmente. 
Resumidamente, o argumento é o seguinte: a propriedade comunal dos meios de produção (por exemplo, das fábricas) impede a existência de mercados para bens de capital (por exemplo, máquinas).  Se não há propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno mercado entre eles.  Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos.  Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços.  E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada. 
Sem preços, não há cálculo de lucros e prejuízos, e consequentemente não há como direcionar o uso de bens de capital para atender às mais urgentes demandas dos consumidores da maneira menos dispendiosa possível.  Em contraste, a propriedade privada sobre os meios de produção e a liberdade de trocas resultam na formação de preços, os quais refletem as preferências dos consumidores e permitem que o capital seja direcionado para as aplicações mais urgentes. 
No socialismo, o czar econômico não está gastando seu próprio dinheiro e não está colocando seus próprios produtos à venda no mercado.  Logo, como pode ele racionalmente decidir o que fazer?  A resposta de Mises é que ele não pode.
Dado que o governo é formado por indivíduos que não estão gastando seu próprio dinheiro ou colocando seus próprios produtos à venda no mercado, não há como eles serem capazes de decidir racionalmente qual tipo de caridade deve ser feita pelo estado.  Logo, eles inevitavelmente cederão e recorrerão àquilo que pode ser chamado de relações corruptas: ajudar amigos, empresas favoritas e empresários bem relacionados, os quais irão retribuir com fartas doações de campanha.  Esse comportamento foi muito bem descrito pela "teoria da escolha pública", a qual explica que as ações de indivíduos dentro do governo são guiadas pelas mesmos interesses e motivações que existem em todas as outras áreas da vida, ridicularizando a ideia de que aqueles que estão no governo possuem considerações éticas mais elevadas.
Conclusão
No final, todo e qualquer arranjo assistencialista — bem como todo e qualquer arranjo que se baseie na retirada de dinheiro de um grupo de pessoas e sua subsequente redistribuição para outro grupo de pessoas — só pode ser imposto de maneira coerciva.  Não há qualquer outra justificativa que não seja a força bruta.  
Ninguém possui um direito natural de exigir nossa propriedade e nosso trabalho.  Não há nenhum imperativo categórico que exija a ajuda a terceiros e não há nenhum imperativo categórico que nos intimide e nos deixe constrangidos por recusarmos a "ajudar" terceiros, sejam eles miseráveis ou poderosos empresários. 
E não há nenhum tipo de cálculo econômico racional que possa determinar quais caridades e quais programas o estado deve praticar e em que grau.

Richard Cantillon (168?-1734) e o início da economia moderna

Richard Cantillon (168?-1734) e o início da economia moderna 
 

Portrait of a Gentleman by Largilliére (1720).jpg1. INTRODUÇÃO
Este artigo tratará de um verdadeiro gigante, um economista pouco estudado nos cursos de História do Pensamento Econômico, mas para muitos considerado não apenas um importante protoaustríaco, mas o verdadeiro fundador da Ciência Econômica, honraria quase sempre associada ao nome (não menor) de Adam Smith.
Foi o primeiro a publicar um tratado em que apresentava a economia em bases organizadas e científicas, o Essai sur la nature du commerce en général, escrito por volta de 1730 e publicado em França em 1755 e, portanto, cerca de 46 anos antes de Riqueza das Nações, de 1776.
O economista brasileiro Domingos Crosseti Branda, em artigo publicado em 24 de março de 2011, sob o títuloO pai fundador da economia modernaescreve:
A sistemática de exposição [metodológica] de ideias e seu enfoque emancipado da política e da ética demarcaram um campo independente de investigação — a economia —, o que caracterizava Cantillon como um tipo de pensador diferente dos escolásticos medievais. Centrava sua análise econômica na ação humana e a abstraia de outras dimensões, procedimento que Mises caracterizaria mais tarde como "método Gedanken", assim podendo analisar as relações de causa e efeito existentes na vida econômica. Desse modo ele desenvolveu sucessivas aproximações e abstrações e explicar questões fundamentais da teoria econômica, como a do valor e preço, a da atividade empresarial, a da moeda e a da auto-regulação do mercado, entre outras questões.
O Professor Mark Thornton inicia o capítulo 2 do livro "The Great Austrian Economists", editado por Randall G. Holcombe (Ludwig von Mises Institute, 1999, iBooks), com a seguinte consideração;
Muitas das percepções austríacas foram estabelecidas na economia pelo banqueiro irlandês Richard Cantillon (168? — 1734) e sua publicação solitária, Essai sur la Nature du Commerce en Général. Parece claro que Cantillon foi uma importante influência sobre o desenvolvimento da economia austríaca, e que ele pode ser considerado um membro da Escola Austríaca. Carl Menger tinha uma cópia do Essai em sua biblioteca antes da publicação dos Princípios de Economia Política. 
Na verdade, as origens da própria teoria econômica podem ser atribuídas a Cantillon . William Stanley Jevons, um dos co-fundadores da revolução marginalista, e o economista que geralmente é creditado como o redescobridor de Cantillon, classificou o Essai como "um tratado sistemático e conectado, cobrindo, de uma forma concisa, quase todo o campo da economia. . . . É, portanto, o primeiro tratado sobre a economia". Ele chamou o trabalho de "berço da Economia Política". Joseph Schumpeter, o grande historiador do pensamento econômico e estudante de Eugen von Böhm-Bawerk, descreveu o Essaicomo "a primeira penetração sistemática do campo da economia", e Murray N. Rothbard, em seu tratado sobre a história do pensamento econômico, chama Cantillon de "o pai fundador da economia moderna" e chega a tratar deselegantemente Adam Smith como um "plagiador" de Cantillon.
E o Professor Thornton prossegue lembrando que o episódio de maior relevância na vida de Cantillon foi o seu envolvimento com John Law (1671—1729) e seus famosos esquemas monetários. Cantillon se opunha às teorias inflacionistas de Law, mas entendia como os esquemas funcionavam no mundo real e quais as suas falhas. Assim, ele foi capaz de criar uma grande fortuna a partir do Sistema de Mississippi e da famosa bolha de South Sea.
Durante o pesadelo e no rescaldo daqueles desastres financeiros, Cantillon escreveu seu famoso Essai, emancipando-se do pesadelo mercantilista predominante naqueles dias para fazer uma contribuição pioneira para o nosso conhecimento do método, teoria e política. Pouco depois de escrever o Essai, Cantillon foi assassinado em condições misteriosas e seu Essai permaneceu completamente desconhecido por mais de duas décadas.
É interessante notarmos que seu livro influenciou o desenvolvimento tanto dos fisiocratas quanto dos economistas clássicos, a ponto de ser um dos poucos autores mencionados por Adam Smith na Riqueza das Nações. No entanto, o escocês, que ficou com os louros de fundador da Ciência Econômica, teria deturpado as ideias de Cantillon, o que fez que este ficasse quase que esquecido durante o apogeu da economia clássica. O resgate da importância de sua obra deve-se aos franceses Turgot e Say, dois importantes precursores da moderna Escola Austríaca, bem como a John Stuart Mill, este já no apagar das luzes do século XIX.
Graças a Mill, quando da chamada Revolução Marginalista, ocorreu uma redescoberta de Cantillon e de muitas de suas proposições. Como escreveu Rothbard no capítulo 12 de seu tratado Economic Thought Before Adam Smith[páginas 343-62], "o filósofo escocês e 'cobrador de impostos' Adam Smith não deve ser considerado o pai da economia, pois esse título deve pertencer ao empresário irlandês e economista austríaco Richard Cantillon".
Controvérsias à parte,é indiscutível que Cantillon foi um economista e homem de negócios brilhante, que antecipou em dois séculos muitos insights austríacos, bem como algumas proposições de Milton Friedman, da Escola de Chicago, especialmente no que diz respeito aos efeitos diferentes que variações na oferta monetária provocam na economia no curto e no longo prazo.
2. BIOGRAFIA
Não há muitos pormenores sobre a vida de Richard Cantillon, mas sabe-se que ele nasceu durante a década de 1680, no Condado de Kerry, na Irlanda, filho de um proprietário de terras. Na primeira década do século XVIII, mudou-se para a França e obteve cidadania francesa. Em 1711, servindo ao governo da Espanha, organizou pagamentos para os prisioneiros de guerra britânicos durante a Guerra de Secessão Espanhola. Permanecendo na Espanha até 1714, estabeleceu um grande número de conexões empresariais e políticas, antes de retornar a Paris, onde passou a se envolver com a indústria bancária, trabalhando para um primo, que na época era um correspondente do ramo parisiense de um banco familiar.
Dois anos mais tarde, graças ao apoio financeiro de James Brydges, comprou a parte de seu primo e obteve a propriedade do banco. Dadas as conexões financeiras e políticas que foi capaz de obter através de sua família e de James Brydges, e principalmente a seus talentos, revelou-se um banqueiro de sucesso, especializando-se em transferências de dinheiro entre Paris e Londres.
Cantillon associou-se então com o mercantilista escocês John Law (1671-1729) que, com base na teoria monetária de William Potter em seu tratado de 1650, The Key of Wealth — no qual o economista inglês refutou a validade das teorias metalistas, propondo usar como moeda títulos de dívida emitidos por uma empresa de comerciantes e garantidos por imóveis — afirmou que os aumentos da oferta de moeda levariam ao emprego de terra e trabalho não utilizados, elevando a produtividade.
Em 1716, o governo francês deu-lhe permissão para fundar o Banque Générale e um monopólio virtual sobre o direito de desenvolver territórios franceses na América do Norte, criando-se então a Mississippi Company, com a promessa de Law de que financiaria a dívida do governo francês a baixas taxas de juros. Law criou, então, uma bolha financeira especulativa ao vender ações da Mississippi Company, usando o monopólio virtual do Banque Générale para emitir notas bancárias para financiar seus investidores.
Richard Cantillon acumulou uma grande fortuna a partir de sua especulação, comprando a preços baixíssimos as ações da Mississippi Company no início e as vendendo a preços bem maiores posteriormente. O sucesso financeiro e a influência crescente de Cantillon causaram atrito em seu relacionamento com John Law e algum tempo depois Law teria ameaçado prender Cantillon se ele não deixasse a França dentro de vinte e quatro horas. Cantillon respondeu: "Eu não vou embora, mas vou fazer seu sistema ter sucesso". Ao final, em 1718, Law, Cantillon e o rico especulador Joseph Gage fundaram uma companhia privada para financiar a especulação de imóveis da América do Norte.
Em 1719, Cantillon deixou Paris e foi para Amesterdam, retornando brevemente no começo de 1720. Realizando empréstimos em Paris, Cantillon tinha dívidas sendo quitadas em Londres e Amsterdam. Com o colapso da "bolha de Mississippi", Cantillon foi capaz de exigir altas taxas de juros. A maior parte de seus devedores tinham sofrido prejuízos financeiros no colapso da bolha e culpavam Cantillon, que se envolveu em inúmeros processos movidos por seus devedores, provocando  um grande número de planos de assassinatos e acusações criminais.
Em 16 de fevereiro de 1722, Cantillon casou-se com Mary Mahony, filha do Conde Daniel O'Mahony — um rico mercador e ex-general irlandês — passando grande parte do restante da década de 1720 viajando pela Europa com sua esposa. Embora ele frequentemente retornasse a Paris entre 1729 e 1733, sua residência permanente era em Londres. Em maio de 1734, sua casa em Londres sofreu um incêndio devastador, e presume-se que Cantillon tenha morrido no fogo. Apesar das causas do incêndio serem desconhecidas, a teoria mais aceita é a de que Cantillon foi assassinado.
Uma outra hipótese levantada por alguns historiadores é que Cantillon teria forjado sua própria morte para escapar do assédio de seus devedores, ressurgindo posteriormente no Suriname com o nome de Chevalier de Louvigny. Como vemos, uma biografia rica e cheia de peripécias e emoções fortes, entre as quais a de que, em certa ocasião, Cantillon teria feito uma oferta para comprar a Polônia, que foi rejeitada.
3. A TEORIA ECONÔMICA DE CANTILLON 
Em outro artigo, Cantillon on the cause of business cycle, o mesmo Thornton enfatiza que Cantillon foi o primeiro economista a examinar com sucesso a natureza cíclica da economia capitalista. Vivendo em um tempo (início do século XVIII) em que as instituições da economia capitalista moderna foram estabelecidas e os primeiros grandes ciclos de negócios ocorreram, ele foi o primeiro a identificar suas causas e seus efeitos com singular originalidade. Em contraste com os mercantilistas, Cantillon era um observador astuto que desenvolveu uma compreensão econômica clara sobre moeda, bancos, comércio internacional e mercados de ações, mercados em que arriscou seu capital e fez sua fortuna.
Cantillon foi o primeiro a modelar a economia como um todo interligado e a desenvolver o que hoje conhecemos como o modelo do "fluxo circular da riqueza", assim como o mecanismo de preços que regem os fluxos  internacionais de moeda. Ele percebeu que os mercados eram regulados pelos movimentos de preços com base na oferta e demanda e identificou tendências equilibradoras mediante as trocas voluntárias nos mercados.
Observemos que o gráfico do "fluxo secular da riqueza" de Cantillon, a seguir mostrado, é bem mais rico em pormenores e em realismo do que o apresentado comumente nos livros-texto de Economia.
fluxo circular.jpg
De fato, o Essai apresenta uma metodologia causal distintiva, separando Cantillon de seus antecessores mercantilistas e é uma obra em que a palavra "natural" é constantemente usada, tentando implicar uma relação de causa e efeito entre as ações econômicas e os fenômenos reais.
Murray Rothbard credita Cantillon como sendo um dos primeiros teóricos a isolar o fenômeno econômico com modelos simples, onde outras variáveis incontroláveis podem ser fixadas. Jörg Guido Hülsmann compara alguns dos modelos apresentados no Essai, que trabalha com a hipótese de um equilíbrio constante, ao conceito de Ludwig von Mises de "economia uniformemente circular" ("evenly rotating economy").
Cantillon faz uso frequente do conceito de coeteris paribus no Essai, em uma tentativa de neutralizar variáveis independentes, na linha seguida quase duzentos anos depois por Alfred Marshall.  Além disso, ele é creditado pelo emprego de uma metodologia semelhante ao individualismo metodológico de Carl Menger, ao deduzir fenômenos bastante complexos a partir de simples observações individuais.
Cantillon enxergava a economia como um sistema organizado de mercados interligados que operam no sentido de chegar a um equilíbrio. As instituições deste sistema organizado evoluiriam ao longo do tempo em resposta às necessidades, que por sua vez ligam todos os habitantes de uma sociedade em "uma rede de reciprocidade".  O sistema é mantido em ajuste pelo livre jogo dos auto-interesses, e a economia funciona mediante a ação de uma classe de empresários que realizam todas as trocas e a circulação do estado.
Cantillon tinha convicção de que um sistema de mercado funciona melhor sem a interferência do governo. Os empresários, assim como outros participantes do mercado, estão vinculados em reciprocidade, uma vez que na realidade são consumidores e clientes um em relação ao outro.  Seu número é, portanto, regulado pelo número de clientes, ou a demanda total e suas decisões são tomadas em condições de incerteza sobre o futuro.
Atividade empresarial
A segunda metade da primeira parte do Essai é onde Cantillon torna-se o primeiro economista a desenvolver as idéias austríacas sobre o empreendedor e seu papel na economia. O empreendedor para ele é o tomador dos riscos causados pelas mudanças na demanda do mercado. Este é um reflexo direto do próprio início da carreira de Cantillon como assistente de tesoureiro durante a Guerra da Sucessão Espanhola. Lá, ele aprendeu e se destacou no papel de contador e negociador de contratos, e aprendeu o básico do sistema bancário e financeiro internacional.
Na segunda parte do Essai, Cantillon expôs sua análise austríaca pioneira da economia monetária, expondo o grande erro do mercantilismo — a falsa ideia de que o dinheiro é riqueza.

Na parte três, Cantillon aborda as questões de comércio exterior e taxas de câmbio, bem como o papel dos bancos. Nesta parte, Cantillon faz algumas de suas mais importantes contribuições para a compreensão da economia. Esta seção é uma crítica das políticas mercantilistas e das inovações financeiras de John Law nas bolhas do Sistema de Mississippi e da South Sea. Isto é um reflexo do terceiro período na carreira de Cantillon, durante o qual ele fez fortuna através da compreensão do sistema financeiro e suas consequências inevitáveis.
De 1721 até sua morte em 1734, Cantillon, como vimos, foi envolvido em disputas legais. Ele estava envolvido com diversos processos envolvendo seus negócios bancários e a South Sea Bubble. Foi também acusado de tentativa de homicídio e preso duas vezes, embora por pouco tempo. É importante atentarmos para o fato de que o Essai foi escrito neste momento e há indícios para suspeitar que Cantillon tenha desenvolvido sua teoria econômica como parte de sua defesa legal contra as acusações de usura.
O papel do empresário é uma das grandes contribuições de Cantillon à teoria econômica. Ele fala do empresário, no sentido clássico do agente de grandes aventureiros de negócios, mas também faz uma distinção teórica entre aqueles que trabalham para um retorno fixo ou salário e aqueles que enfrentam os retornos incertos, incluindo os agricultores independentes, artesãos, comerciantes e fabricantes. Esses empresários compram insumos a um determinado preço para produzir e vender mais tarde a um preço incerto. Em busca do lucro, o empresário deve suportar os riscos que ele enfrenta com a incerteza generalizada do mercado.
Sobre as origens da teoria econômica
Cantillon envolveu-se de corpo e alma nos acontecimentos cruciais de sua época e conheceu muitos grandes intelectuais, incluindo vários escritores mercantilistas importantes. Por essa razão, não escapou completamente da mentalidade mercantilista então em moda, mas é realmente incrível como ele claramente rompeu com esse passado por conta própria, para produzir o primeiro trabalho coerente e abrangente de teoria econômica.
As contribuições de Cantillon ao método da economia, enquanto não apreciadas em seu tempo e em grande parte esquecidas, são verdadeiramente notáveis quando colocadas no contexto histórico. O que impressionou economistas importantes, como Jevons, Schumpeter, Hayek e Rothbard foi a abordagem científica de Cantillon e a teorização lógico-dedutiva, tão característica da Escola Austríaca e da revolução marginal. Ao longo do Essai, Cantillon está permanentemente preocupado com o fornecimento de explicações científicas para os fenômenos econômicos. Suas investigações mostram sempre preocupação com o estabelecimento de causas e efeitos. Cantillon, como já escrevemos, muitas vezes expressa a relação causal com o termo "natural", que ele usou trinta vezes no Essai e que foi utilizada com o mesmo significado por Knut Wicksell no século XX.
Outra característica marcante de sua análise austríaca é a sua intenção de limitar-se à economia positiva de cada tema, um atributo que Hayek considerou especialmente notável para um economista de sua época.
Cantillon também emprega o método de abstração ou construção imaginária para teorizar sobre a economia. Ele usa a cláusula coeteris paribus, por exemplo, quando se discute a produtividade do trabalho: "Quanto mais trabalho é gasto nela (terra), outras coisas sendo iguais, mais ela produz"
Ele usa a ferramenta teórica do país pequeno e isolado, como os teóricos modernos da Economia Internacional fazem para eliminar fatores complicadores, tais como distúrbios monetários e comércio internacional. Mais importante, ele usou esta construção ou modelo para deduzir o ponto central austríaco de que a produção depende da demanda, neste caso, a demanda do proprietário da grande propriedade. Além disso, como o proprietário contrata a produção de suas terras aos agricultores, ele "cria" empresários e uma economia se desenvolve com a troca, os preços, o dinheiro e a competição.
Cantillon tem uma compreensão sofisticada do sistema de preços e sua análise contém a maioria dos elementos da análise austríaca moderna. O preço é determinado pela demanda e escassez relativa. A demanda é um conceito subjetivo com base nos "humores" e "fantasias" do povo. É o "consentimento do povo", juntamente com a relativa escassez de um produto, o que determina o preço de mercado, entendendo-se por preço de mercado o preço pago ao vendedor. Do mesmo modo, o valor dos metais no mercado "varia de acordo com a sua escassez ou abundância ou de acordo com a demanda."
Cantillon faz uma distinção importante entre 'preço' e 'preço de mercado' e entre 'valor' e 'valor de mercado', que tem servido como fonte de confusão sobre o significado de sua economia.  Preço de mercado e valor de mercado são os preços reais que ocorrem no mercado com base em forças de oferta e demanda. Preço e valor são conceitos distintos e separados de preços de mercado. Eles estão relacionados com o que ele chamou de "valor intrínseco", e são usados para descrever o custo de oportunidade dos recursos utilizados para produzir o bem particular em questão, a terra e o trabalho específico que foram sacrificados para produzir o bem.
Custos de oportunidade
Como observou Hayek, [Richard Cantillon, Journal of Libertarian Studies 7, n 2, outono de 1985, p. 263], o aspecto mais importante no Essai no campo do valor e teoria dos preços é a sua busca por regras e fórmulas que podem explicar a relação "normal" entre o valor ou o preço de vários bens, concentrando-se nas forças e mecanismos consistentes em restaurar a normalidade destas relações.
Mais importante ainda foi Cantillon nomear e descrever um conceito para o qual não exista um termo no mundo porque Cantillon dominava diversas línguas fluentemente. Sua concepção de custo como o sacrifício de terra e trabalho é muito mais avançada do que a teoria da terra e do valor dos fisiocratas, ou a teoria do custo e do valor-trabalho dos economistas clássicos, entre eles, claramente, Adam Smith. Mas Cantillon tinha uma compreensão muito mais rica de custos do que uma simples medida da quantidade de terra e trabalho que entram em produção.
Cantillon ressaltou dois conceitos importantes no Essai que fornecem maior profundidade à sua concepção de custo. Primeiro, ele via todos os recursos como heterogêneos. Cada pedaço de terra era de uma qualidade diferente, e cada trabalhador também de uma qualidade diferente. Ou seja, antecipou elementos importantes da Teoria do Capital Austríaca esboçada por Menger e desenvolvida por Böhm-Bawerk. Por isso, enquanto o valor intrínseco era uma medida de custo, não era possível simplesmente contar o número de horas e acres, exceto de um modo abstrato ou em ilustrações simples. Na verdade, depois de estabelecer uma teoria preliminar da terra e trabalho de valor na primeira parte, ele observa, no início da segunda parte, que para determinadas mercadorias na economia real, é impossível fixar os seus respectivos valores intrínsecos.
O outro conceito que ele ressaltou foi o uso alternativo de recursos. A terra poderia ser usada para o cultivo de milho ou para fornecer feno para os cavalos. E o trabalho poderia ser realizado na fazenda ou treinado em um ofício. Cantillon viu claramente que quando um proprietário escolhe possuir mais cavalos, ele está abrindo mão da produção (e venda) de grãos, e que se a França desejava importar rendas finas, então ela teria que renunciar a uma certa quantidade de vinho produzido em seus vinhedos.
Cantillon entendeu perfeitamente o conceito de custo de oportunidade e seu Essai foi uma tentativa de construir o conceito para explicar escolhas econômicas. A descoberta do custo de oportunidade por este importante precursor da Escola Austríaca marca sem dúvida a origem da teoria econômica.
Outro ponto da teoria de Cantillon a ser ressaltado, especialmente em sua teoria monetária e bancária, é o dos custos de transporte, porque o banqueiro (como o próprio Cantillon) serve como intermediário para reduzir os custos de risco e de transporte de enviar grandes quantidades de dinheiro ao longo de grandes distâncias. Cantillon foi o primeiro economista a aplicar os princípios da economia espacial em um tratado econômico geral. Deu contribuições originais e universais para a economia espacial sobre a natureza de princípios facilmente aplicáveis para os campos da teoria da localização e de preços internacionais.

Contra o Marco Civil e a neutralidade de rede

Contra o Marco Civil e a neutralidade de rede

internet1.pngMuitas pessoas têm alertado para os perigos ocultos no projeto de lei em tramitação no Congresso chamado de Marco Civil da Internet (Projeto de Lei nº 2.126 de 2011) — que está na iminência de ser votado pela Câmara dos Deputados —, especialmente no que diz respeito às ameaças reais de cerceamento da liberdade de expressão.
No entanto, uma questão não menos controversa e bastante perigosa para o futuro da Internet é a chamada 'neutralidade de rede', ou Internet aberta.  O próprio relator do projeto, Dep. Alessandro Molon (PT-RJ), afirma que a neutralidade de rede é "o coração do Projeto de Lei".
Diante disso, este texto tem por objetivo (i) apresentar de forma simplificada os fenômenos concretos decorrentes da ideia de neutralidade de rede, (ii) expor os efeitos nocivos decorrentes de sua implementação compulsória pelo estado e (iii) tecer comentários acerca da proposta de Marco Civil da Internet.
Antes de explorar as redes de dados em si, permita-me recorrer a um exemplo que nos ajudará mais adiante. Suponha uma auto-estrada puramente privada, sem nenhum tipo de regulação estatal ou barreira à entrada de novos concorrentes.  São três faixas em cada sentido, ligando duas grandes cidades.  O proprietário dessa estrada pode extrair lucros de diversas formas: cobrando pedágio, alugando ou vendendo terrenos marginais, permitindo placas de publicidade.  Qualquer que seja a forma de obtenção de receitas, quanto mais veículos trafegarem por sua rodovia, maior será o fluxo de caixa gerado por cada uma das alternativas acima. Como se trata de uma auto-estrada, a velocidade de tráfego é importante para os consumidores.
O proprietário da estrada pode adotar diferentes soluções de gestão de tráfego, tais como: qualquer veículo pode trafegar por qualquer faixa; caminhões só podem trafegar nas duas faixas à direita; cobrança diferenciada de pedágio conforme o veículo e o horário.  Pode inclusive não cobrar nada de nenhum veículo, e não praticar qualquer política de gestão de tráfego.
Eventualmente, uma transportadora de grande porte, que utilizasse o trecho com frequência, poderia celebrar um contrato diferenciado com a auto-estrada.  Seus caminhões poderiam trafegar por qualquer faixa, a qualquer hora do dia, com pedágio livre, mediante, por exemplo, o pagamento de um determinado valor mensal.  Carros de passeio poderiam ter passagem livre pelo pedágio, desde que instalassem sensores e o pagamento fosse feito por meio de fatura mensal (como já acontece em muitas concessões de estradas no Brasil).
Enfim, o fato de a estrada ser uma propriedade privada permite que os gestores tenham liberdade para gerenciá-la da melhor forma possível.
O arranjo descrito no exemplo acima não aparenta problemas.  O proprietário voltado para o lucro está interessado em prover mais capacidade de tráfego, e não menos.  Como os usuários financiam direta ou indiretamente o serviço oferecido, é natural que os lucros sejam reinvestidos para a conservação do pavimento e para a expansão da capacidade de tráfego, não havendo, portanto, conflito entre os consumidores e o provedor da infra-estrutura.  Contratos diferenciados podem ser celebrados com usuários diferenciados, algo muito corriqueiro em qualquer ramo de negócio.  Mais ainda: ao contrário do que se pode imaginar, a empresa em questão não está livre para cobrar preços absolutamente impeditivos e "fazer o que ela quiser".  O fato de não haver qualquer restrição à entrada de novos concorrentes (outras rodovias, trens, dutos etc.) pressiona a mesma a fornecer serviços de qualidade e a preços competitivos (se é que será cobrado algum valor pelo tráfego).
Os ensinamentos fornecidos pela Escola Austríaca acerca do processo de mercado mostram que não há melhor controle do "poder de mercado" e das "práticas anti-competitivas" do que a livre concorrência.
As redes de dados — que num passado não muito distante prestavam outros serviços, como telefonia fixa, celular e TV por assinatura — não se diferenciam em essência do exemplo descrito acima, por mais complexo que seja o aparato técnico presente nas telecomunicações.  Elas são as rodovias.  Os provedores de conteúdo — ou geradores de tráfego — são sites, aplicativos, data-centers, serviços de video on demandvideo streaming, voz sobre IP etc. Podem ser comparados com os veículos que trafegam pelas estradas.
Por fim, temos os consumidores finais, presentes em qualquer setor da economia.  Os indivíduos que trafegam pelas rodovias e que consomem os produtos que circularam por elas são análogos aos que leem notícias nos jornais eletrônicos, mandam e recebem e-mails, assistem a vídeos no celular ou em casa.
Com esse esquema em mente, podemos voltar para a questão da neutralidade de rede, ou, como preferem outros, da Internet aberta.  Pode-se definir uma rede neutra como aquela em que não há qualquer discriminação de tráfego com base em aspectos comerciais, técnicos ou de conteúdo.  Em outras palavras, uma situação em que nenhum bit deve ter prioridade sobre outro.  Em termos de engenharia este é um caso muito particular de arquitetura e gestão de rede.  
Os defensores da imposição da neutralidade de rede por meio de legislação estatal argumentam que esse é o único arranjo que permite a livre circulação de informações e a efetiva liberdade de escolha por parte dos usuários finais.  Ainda, sustentam que caso as empresas de infra-estrutura operem sem qualquer tipo de restrição, estas usarão todo seu "poder de mercado" para escolher qual tipo de conteúdo pode trafegar, para privilegiar os produtores de conteúdo ligados aos seus grupos econômicos e para dificultar a operação de pequenos geradores de tráfego.
Em um recente artigo publicado na Folha de S. Paulo, o Dep. Alessandro Molon (PT-RJ) apresenta sua defesa para a neutralidade de rede.  Segundo Molon, as empresas provedoras forçariam os consumidores a ter um contrato para e-mails, outro para vídeos, outro para redes sociais e assim por diante, cobrando preços cada vez mais caros, claro.
Evidentemente que sob um regime de livre competição, de respeito à propriedade privada e de liberdade de gestão empresarial esses temores não passariam de retórica política.  Quando os consumidores contratam um serviço de banda larga, eles querem ter acesso à Internet como um todo, e não a aplicações específicas, escolhidas pelas empresas.  Caso a prestadora com a qual está vinculado passe a praticar qualquer tipo de compartimentalização, restrição, boicote ou censura, rapidamente isso seria percebido, o que geraria ampla insatisfação entre os clientes.  A própria tendência a consumir os serviços de telecomunicações em formato de "combos" mostra como o mercado tem caminhado no sentido de simplificar e agrupar os contratos com os consumidores, ou seja, na direção contrária à apontada pelo deputado no artigo.
Reiterando, a não existência de qualquer tipo de barreira governamental para a construção e gestão de novas redes é crucial para a mitigação dos comportamentos contrários aos desejos dos consumidores.  Se existem indícios (os quais eu desconheço) do cenário tenebroso descrito pelo deputado, sua ocorrência se deve às restrições à concorrência e ao nada atrativo ambiente de negócios existente no Brasil.
Por outro lado, a imposição governamental da rede neutra implicaria uma série de consequências, a maioria delas não premeditada ou não esclarecida pelos proponentes.  E seria assim porque as propostas de neutralidade padecem de uma espécie de "falácia do nirvana": a ideia é definida em termos utópicos, algo como "todos os bits devem trafegar livremente por todas as redes, sem qualquer tipo de gerenciamento de tráfego".  Os desvios entre a realidade — sempre imperfeita — e o nirvana cibernético sonhado pelos partidários da Internet aberta serão usados como justificativa para as devidas "correções das falhas". Qualquer semelhança com a enganosa ideia de 'concorrência perfeita' não é mera coincidência.
A seguir, comento as três principais consequências nocivas decorrentes de leis que imponham a neutralidade das redes. Antes, porém, peço licença para transcrever todo o artigo do Projeto de Lei do Marco Civil da Internet que trata da neutralidade de rede.
Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada por Decreto e somente poderá decorrer de:
I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e
II – priorização a serviços de emergência.
§ 2º Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1º, o responsável mencionado no caput deve:
I – abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 do Código Civil;
II – agir com proporcionalidade, transparência e isonomia;
III – informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e
IV– oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais.
§ 3º Na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.
Primeiro, redes de dados são muito mais complexas que estradas.  Backbones, satélites, cabos submarinos intercontinentais, roteadores, pontos de troca de tráfego, linhas dedicadas, redes de acesso, data-centers, centros de monitoramento e vários outros componentes são mantidos em funcionamento pelo estado-da-arte em termos de engenharia.  Os investimentos em equipamentos cada vez mais especializados, o aumento da capacidade de tráfego, o treinamento e a contratação de mão-de-obra altamente qualificada crescem ano após ano. Nesse contexto, a própria definição do que efetivamente é uma rede "neutra" já se apresenta como um desafio ao intelecto humano. Este vídeo ilustra bem a questão.
O que aconteceria é o estabelecimento de normas altamente detalhistas, que necessariamente abordariam as minúcias técnicas do negócio.  Um considerável contingente de burocratas seria designado para definir os conceitos e certificar quais redes são e quais não são neutras.  Leiam o § 1º e fiquem à vontade para imaginar o que poderia sair de um decreto presidencial regulamentando o tráfego da Internet.
Ademais, o que vem a ser "indispensável", "agir com proporcionalidade", "abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais"?  Prato cheio para a promulgação de mais algumas centenas de leis, decretos, regulamentos e contendas judiciais.  De todo modo, dado o caráter estático de qualquer aparato legal, o progresso tecnológico ficaria numa zona cinzenta, entre a legalidade e a ilegalidade.  O processo de mercado no setor mais dinâmico da economia seria fatalmente prejudicado.
Segundo, como foi dito anteriormente, uma rede neutra, na qual o tráfego não sofre nenhum tipo de controle, perfaz um caso particular de arquitetura e gestão.  Como qualquer tipo de negócio, há infinitas outras formas de se gerir uma rede de dados.  Uma lei que obrigue a neutralidade implicaria uma "estatização branca" das empresas provedoras de rede.  Para não deixar dúvida, o Projeto de Lei chega a incluir a "finalidade social da rede" (Art. 1º, inciso VI), o que explicitamente representa um cheque em branco nas mãos do estado.  Toda e qualquer intervenção, incluindo a própria encampação das firmas, poderia ser justificada com base nesse absurdo jurídico. Nem precisamos nos aprofundar nos efeitos desastrosos que tal medida acarretaria.  De pronto haveria uma retração nos investimentos no setor em decorrência da ausência de garantias acerca da propriedade privada.  E em função da crescente demanda e da implacável necessidade de aumento de capacidade, em pouco tempo os consumidores notariam a degradação da qualidade dos serviços.
Vale mencionar o irresistível impulso ao riso provocado pelo Art. 3º, Inciso VIII.  Somos informados que um dos princípios da Internet no Brasil é a 'liberdade de modelos de negócios', desde que os negócios não conflitem com o estabelecido na lei, a qual, se considerada ao pé da letra, só permite um único modelo de negócio.  Eis aí mais um importantíssimo ponto sobre os qual os legisladores e juízes teriam de se debruçar: definir o que é 'liberdade de modelo de negócio'.
Terceiro, uma vez imposta a neutralidade das redes, as grandes empresas estabelecidas pressionariam para que as diferentes interpretações convergissem para o interesse particular de seus negócios.  Em qualquer setor da economia, grandes companhias são capazes de suportar melhor as exigências legais, seja em termos de custos de adaptação técnica, seja em termos de contratação de lobistas e de gastos com publicidade para compensar eventuais danos a marca.  O mesmo não acontece com empresas de pequeno porte, para as quais cada centavo conta e a gestão diferenciada é na maioria das vezes a razão de seu sucesso. Esse é o caráter protecionista de qualquer regulamentação imposta pelo governo: ela protege as empresas estabelecidas e as blinda de qualquer concorrência efetiva e potencial.
Por exemplo, uma nova companhia poderia decidir atender a um determinado nicho de consumidores, com perfil de uso da rede mais ou menos específico.  Facilmente essa conduta seria interpretada como contrária ao "princípio" da neutralidade de rede.  O Art. 9º permite qualquer tipo de interpretação acerca da diferenciação dos serviços oferecidos aos consumidores.  Isso é um terreno fértil para a judicialização e a burocratização das relações de mercado, que antes aconteciam de maneira contratual e orientada pelo sistema de preços.
Em suma, a bem-intencionada proposta de "abertura" da Internet na verdade provocaria a redução da concorrência, o que não tardaria a prejudicar os consumidores.
Um recente acordo entre Netflix e Comcast, a maior operadora de TV a cabo e de serviço de acesso à Internet dos EUA, chamou a atenção daqueles que acompanham o assunto.  No segundo semestre de 2013, os clientes da Comcast relataram certas dificuldades para começar a assistir aos vídeos da Netflix.  Claramente a Comcast estava gerindo sua rede, restringindo a banda para a Netflix.  Nada mais natural para um serviço que corresponde a 31,6% de todo o tráfego da Internet nos EUA no horário de pico, segundo relatório Global Internet PhenomenaO acordo no qual a Netflix remunerará a Comcast atende aos interesses das duas empresas: a empresa de filmes não quer perder seus clientes para os concorrentes, e a Comcast não quer ser reconhecida como uma rede lenta, em que os vídeos da Netflix e outros provedores de conteúdo não funcionam direito, o que também provocaria uma fuga de consumidores.  Os usuários finais saem ganhando sem pagar um centavo a mais, e novos investimentos em aumento de capacidade de tráfego podem ser feitos, uma vez que foi dada a sinalização de que os geradores de alto tráfego pagarão aos detentores da rede para manter sua qualidade.
Uma lei de rede neutra, aplicada na sua totalidade, impediria tal contrato, bem como a própria alocação de banda feita pela Comcast.  Os investimentos em aumento de capacidade seriam desestimulados, ou seu financiamento cairia diretamente sobre os ombros dos consumidores, por meio de preços maiores pelo acesso.  O crescimento de um determinado serviço, como video streaming, seria algo ameaçador para a percepção e qualidade de toda a rede. Reiterando o que foi dito acima, seriam deflagradas intermináveis batalhas judiciais envolvendo todos os agentes desse mercado.
No Brasil, temos o caso da operadora de telefonia móvel Claro.  Ela oferece gratuitamente a seus clientes acesso às redes sociais Facebook e Twitter.  Desconheço os detalhes do negócio, mas é muito provável que as duas redes sociais remuneram a empresa de telefonia para compensar a gratuidade percebida pelos consumidores. Aprovada a rede neutra, a Claro não poderia continuar com tal prática, uma vez que sua rede não é "neutra" com relação a outras redes sociais.  Ou a gratuidade é para todas ou que se faça a cobrança de forma igualitária.  A diferenciação, um dos mais usuais mecanismos de concorrência, seria virtualmente proibida.
Em qualquer arranjo, o aparato estatal, na condição atual de supremo mediador dos conflitos, na prática assumiria o controle dos negócios, inclusive da circulação do conteúdo.  Pior: impedida a livre celebração de contratos, o sistema de preços e os incentivos não trariam as informações necessárias para o bom funcionamento daquele que provavelmente é o mais complexo arranjo já produzido pela ação humana: a Internet.
Concluindo, não restam dúvidas de que a ideia de rede neutra representa uma grave ameaça ao futuro da Internet, seja nos aspectos tecnológicos, empresariais ou de liberdade de fluxo de informações.  Sua aprovação representaria o início de uma espiral intervencionista: as primeiras interferências gerariam distúrbios no setor, o que seria usado como justificativa para mais e mais intervenções.  Pouco impacto seria percebido no curto prazo, mas no médio e longo prazo seriam inevitáveis a redução dos investimentos e o aumento da insatisfação dos consumidores.  Veríamos o surgimento de uma pletora de leis definindo parâmetros técnicos, de qualidade, de atendimento e de conteúdo nacional mínimo, mais ou menos como já acontece com os serviços tradicionais de telecomunicações.
O estado se transformaria paulatinamente no ente central de todo o setor, do provedor de rede ao consumidor final, passando pelos geradores de conteúdo e fabricantes de equipamentos.  Isso afetaria o sistema de preços e prejudicaria o cálculo econômico dos agentes privados, o que seria a própria pavimentação do caminho para o caos nas redes.
Hoje, se considerarmos as definições postas pelos defensores da Internet aberta, as redes não são neutras.  Dito de outra forma, mesmo com toda regulamentação sobre os serviços tradicionais de telecomunicações, as empresas de infra-estrutura gozam de certa liberdade para gerir suas redes, celebrar contratos diferenciados, inovar.  O mesmo acontece com os serviços prestados sobre as redes.  Os temores de que as companhias farão controle de conteúdo, de que usarão seu "poder de mercado" contra os consumidores e de que a liberdade de expressão na Internet corre perigo sob o atual arranjo não passam de discurso político.
Todas essas ameaças são afastadas com mais respeito à propriedade privada e mais liberdade empresarial, não com menos.  Se os digníssimos congressistas de Brasília estiverem realmente preocupados com a liberdade, com a privacidade e com o desenvolvimento da Internet no Brasil, o melhor que eles podem fazer é rechaçar por completo qualquer proposta de Marco Civil.
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O New Deal ridicularizado (novamente)

O New Deal ridicularizado (novamente)
por Thomas DiLorenzo

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howcapitalism.gifCriadores de modelos macroeconômicos finalmente descobriram aquilo que Henry Hazlitt e John T. Flynn (entre outros) já sabiam desde os anos 1930: o New Deal de Franklin Delano Roosevelt (FDR) alongou e aprofundou a Grande Depressão. Não passa de mito a tese de que FDR "nos tirou da Depressão" e "salvou o capitalismo de si próprio", como tem sido ensinado a gerações de americanos (e, conseqüentemente, ao resto do mundo) em todas as instituições educacionais estatais.
A descoberta de tal fato da parte dos macroeconomistas vem na forma de um artigo, de agosto de 2004, no Journal of Political Economy intitulado "New Deal Policies and the Persistence of the Great Depression:  A General Equilibrium Analysis", pelos economistas Harold L. Cole e Lee E. Ohanian, ambos da UCLA. E isso é de grande importância, dado que o JPE é tido como o periódico acadêmico mais importante do mundo econômico.
"O produto interno bruto real por adulto, que estava 39 por cento abaixo da média histórica no auge da Depressão em 1933, permaneceu 27 por cento abaixo dessa mesma média histórica em 1939", escrevem os autores. E "De maneira similar, as horas de trabalho na iniciativa privada estavam 27 por cento abaixo da média em 1933 e permaneceram 21 por cento abaixo da média em 1939".
Isso não deve ser nenhuma surpresa para qualquer um que tenha estudado a realidade da Grande Depressão, já que as estatísticas do U.S. Census Bureau mostram que a taxa oficial de desemprego ainda era de 17,2 por cento em 1939, não obstante os sete anos de "salvação econômica" implementados pela administração Roosevelt (a taxa de desemprego normal, antes da Depressão, era de aproximadamente 3 por cento). O PIB per capita era menor em 1939 do que em 1929 ($847 vs. $857), bem como os gastos pessoais em consumo ($67,6 bilhões vs. $78,9 bilhões), tudo de acordo com os dados do Census Bureau. O investimento privado líquido no período de 1930-1940 foi negativo, de -$3,1 bilhões.
Cole e Ohanian escrevem como se estivessem muito surpresos - até mesmo chocados - em descobrir esses fatos; não porque se sentissem enganados pelo Mito do New Deal, mas por causa de sua devoção irrestrita aos "modelos neoclássicos" em oposição ao mero estudo daquilo que verdadeiramente constitui a realidade econômica. Eles consideram "surpreendente" o fato de que a recuperação da Grande Depressão foi "muito fraca" (uma declaração dramaticamente suavizada). E por que é tão surpreendente? Porque "esses dados se contrastam fortemente com a teoria neoclássica . . ."
A teoria neoclássica sobre depressões pode muito bem ser pensada como uma teoria Frankenstein. De acordo com Cole e Ohanian, "Essa fraca recuperação é algo enigmática porque os grandes choques negativos que segundo alguns economistas causaram a recessão de 1929-1933 - incluindo os choques monetários, os choques de produtividade e os choques do sistema bancário - se tornaram positivos após 1933". Assim, de acordo com a teoria neoclássica, a economia durante uma depressão é como se fosse um Frankenstein debilitado, com os economistas atuando no papel dos cientistas loucos que aplicam choques na besta até que ela se torne um ser vivo novamente. Eles fazem isso com várias "injeções" de gastos governamentais e crédito fácil que supostamente irão provocar uma estrondosa recuperação (assim como a besta rejuvenescida urrou quando deixou o laboratório para ir aterrorizar os habitantes da cidade no filme "O Jovem Frankenstein", comédia de Mel Brooks.)
"A base monetária aumentou mais de 100 por cento entre 1933 e 1939", escrevem os autores, argumentando que tal "choque monetário" deveria ter devolvido a economia à sua normalidade. Eles invocam a autoridade de macroeconomistas famosos como Robert Lucas e Leonard Rapping, que certa vez proclamou que "choques monetários positivos deveriam ter produzido uma forte recuperação, e o emprego deveria ter retornado ao seu nível normal até 1936".
Mas como Murray Rothbard mostrou em sua obra America's Great Depression, foram as políticas de crédito fácil do início e meados dos anos 1920 que criaram todos os maus investimentos que provocaram a Grande Depressão. A única atitude correta teria sido permitir a liquidação de centenas de negócios sobrecapitalizados. Ao invés disso, o banco central (Federal Reserve) aumentou a base monetária em 100 por cento em um período de cinco anos, causando mais dos mesmos problemas de sobrecapitalização que foram justamente as causas do problema.
Para complementar tudo isso, praticamente cada uma das políticas do New Deal de FDR apenas piorou as coisas e prolongou ainda mais a Depressão. Os economistas austríacos já sabem disso há décadas, mas ao menos parece que os modeladores neoclássicos finalmente perceberam o óbvio - pelo menos é o que se espera.
Cole e Ohanian aparentemente emergiram daquele rarefeito mundo das modelagens macroeconômicas por um período suficiente para descobrir que o chamado Primeiro New Deal (1933-1934) foi um gigantesco esquema de cartel, pelo meio do qual o governo tentou impor uma cartelização dos preços e uma redução do nível de produção em centenas de indústrias e na agricultura. Obviamente isso já foi bem documentado no livro de John T. Flynn, The Roosevelt Myth, publicado inicialmente em 1948. Henry Hazlitt também já havia escrito sobre isso 15 anos antes. "As políticas de cartelização do New Deal são um fator chave por trás da fraca recuperação, sendo responsáveis por aproximadamente 60 por cento da diferença entre o nível de produção da época e a média histórica", escrevem os autores.
Que tenha demorado tanto para que o "mainstream" da economia neoclássica reconhecesse este fato é realmente assombroso. Por várias gerações seus próprios livros-textos vêm ensinando que cartéis "restringem a produção" para poder aumentar os preços. Também nunca foi nenhum segredo o fato de que a essência do Primeiro New Deal se baseava no uso dos poderes coercivos do governo para se elevar salários e preços através da cartelização de toda a economia.
FDR e seus conselheiros erroneamente acreditavam que a Depressão foi causada por uma queda nos preços; sendo assim, preços mais altos - sustentados por ameaças de violência, coerção e intimidação pelo estado - seriam a "solução". Além do mais, não é nenhum mistério que, se houver menos produção, será necessário um número menor de trabalhadores, o que, consequentemente, levará a uma alta do desemprego. Assim, a teoria econômica neoclássica padrão já deveria há muito ter percebido que o Primeiro New Deal nada mais foi do que um colossal esquema produtor de desemprego.
A triplicação de impostos feita por FDR, sua regulamentação dos negócios, e sua implacável propaganda anti-iniciativa privada também contribuíram para piorar a Grande Depressão, mas nada supera suas políticas trabalhistas, que provavelmente foram as mais danosas para as perspectivas de emprego dos trabalhadores americanos. Sob esse aspecto, a parte mais desapontadora do artigo de Cole e Ohanian é que eles sequer citam o trabalho pioneiro de Richard Vedder e Lowell Gallaway, Out of Work: Unemployment and Government in Twentieth Century America, publicado em 1993.
E é realmente vergonhoso que eles não mencionem esse renomado trabalho ao mesmo tempo em que usam essencialmente os mesmos argumentos de Vedder e Gallaway. Eles recitam muitos dos mesmos fatos sobre política trabalhista: leis do NIRA (National Industrial Recovery Act) que estabeleceram salários mínimos similares tanto para os trabalhadores pouco qualificados como para os de alta qualificação; os empregadores que receberam ordens de negociar coletivamente com os sindicatos, aos quais foram dados uma miríade de vantagens legislativas nos processos de acordos trabalhistas, todos reforçados pela recém criada NLRB (National Labor Relations Board). Todas estas políticas encareceram a mão-de-obra. Conseqüentemente, como a lei econômica da demanda já nos ensinou, o inevitável resultado só poderia ser o aumento do desemprego.
Entre 1936 e 1937, as atividades grevistas dobraram. Em 1936 ocorreram greves equivalentes a uma perda de 14 milhões de dias de trabalho, valor esse que apenas um ano depois dobrou para 28 milhões. E somente em 1937 os salários subiram quase 15 por cento. A diferença salarial entre trabalhadores sindicalizados e não-sindicalizados, que era de 5 por cento em 1933, foi para 23 por cento em 1940. A recém-criada Previdência Social, bem como outros impostos sobre a folha de pagamento criados para bancar o seguro-desemprego, encareceram ainda mais o custo de se empregar alguém. O que tudo isso mostra é que durante um período de fraca e declinante demanda por trabalho, as políticas do governo empurraram significativamente para o alto os custos da mão-de-obra, fazendo com que os empregadores a demandassem cada vez menos.
Vedder e Gallaway conduziram uma avaliação econométrica dessas custosas políticas trabalhistas e concluíram que grande parte do desemprego anormal ocorrido nessa década de 30 não teria ocorrido não fossem essas políticas governamentais. Eles estimaram que em 1940 a taxa de desemprego foi oito pontos percentuais mais alta do que teria sido caso não tivesse havido esse crescimento do sindicalismo, induzido pelas legislações criadas, e caso não houvesse esses custos trabalhistas recém ordenados pelo governo. Eles então concluem que "A Grande Depressão foi significativamente prolongada, tanto em sua duração como em sua magnitude, pelo impacto dos programas do New Deal" (pág. 141).
Cole e Ohanian chegaram exatamente às mesmas conclusões, mas expressaram-nas naquele linguajar tipicamente convoluto que sempre é utilizado nos "principais periódicos econômicos": "As políticas industriais e trabalhistas do New Deal não tiraram a economia da Depressão . . . . Ao contrário, as políticas coligadas de aumento do poder de barganha da mão-de-obra e da articulação de conluios com o pagamento de maiores salários impediram que houvesse uma recuperação normal, criando-se cismas e um ineficiente atrito entre os que estavam dentro dos sindicatos com os que estavam fora, o que levou a um aumento significativo dos salários e a uma restrição do emprego . . . .  o abandono dessas políticas coincidiu com a forte recuperação econômica da década de 1940".
Esta última conclusão - que o abandono das políticas de FDR "coincidiu" com a recuperação dos anos 40 - foi muito bem documentada por um outro autor que também foi ignorado por Cole e Ohanian: Robert Higgs. Em "Regime Uncertainty:  Why the Great Depression Lasted So Long and Why Prosperity Resumed after the War" (Independent Review, 1997), Higgs mostrou que foi a relativa esterilização das políticas do New Deal, junto com uma redução (em dólares absolutos) do orçamento federal de $98,4 bilhões em 1945 para $33 bilhões em 1948, que permitiu a recuperação econômica. A produção do setor privado aumentou quase um terço apenas no ano de 1946, o que fez com que o investimento do capital privado aumentasse pela primeira vez em dezoito anos.
Em resumo: foi o capitalismo que realmente encerrou a Grande Depressão, não a cartelização desmiolada promovida por FDR, seus aumentos salariais, sua sindicalização maciça, e suas políticas de expansão do assistencialismo. É bom ver que o Journal of Political Economy, a Universidade de Chicago e a UCLA estão finalmente abraçando a erudição libertária de Richard Vedder, Lowell Gallaway, Robert Higgs, Jim Powell (autor de FDR's Folly) e os predecessores destes, tais como Henry Hazlitt, John T. Flynn, Murray Rothbard,  F.A. Hayek, William H. Hutt, Benjamin Anderson, e outros associados à Escola Austríaca.
Antes tarde do que nunca.