terça-feira, 20 de agosto de 2013

Quem realmente inventou a internet?



D6F22267090610B0419855BBFAC2515F_1.jpgUm momento significativo da atual corrida presidencial norte-americana ocorreu recentemente quando Barack Obama disse: "Se você tem um empreendimento, não foi você quem o construiu.  Foi outra pessoa quem o possibilitou."  Ele justificou este seu ato de elevar burocratas acima de empreendedores referindo-se também a pontes e estradas, dizendo que todas existem unicamente graças ao estado.  E, no final, arrematou: "A internet não foi inventada do nada.  A pesquisa governamental criou a internet, de modo que, só então, todas as empresas puderam ganhar dinheiro com ela."
O governo ter criado a internet é uma daquelas lendas urbanas que perduram até hoje.  O mito é que o Pentágono criou a internet com o intuito de poder manter operantes suas linhas de comunicação mesmo sob ataque nuclear.  A verdade, no entanto, é bem mais interessante, e mostra como as inovações ocorrem no mercado — e mostra também o quão difícil é criar empresas tecnológicas bem sucedidas mesmo quando o governo sai da frente.
Para muitos tecnólogos, a ideia da internet remonta a Vannevar Bush, conselheiro da presidência dos EUA para assuntos tecnológicos durante a Segunda Guerra Mundial.  Foi ele quem supervisionou o desenvolvimento do radar e do Projeto Manhattan.  Em 1946, em um artigo escrito para a revista The Atlantic chamado "As We May Think", Bush definiu um ambicioso objetivo tecnológico para aquele vindouro período de paz: construir o que ele chamou de "memex", por meio do qual "formas totalmente novas de enciclopédias surgirão, trazendo com elas uma malha de trilhas associativas prontas para ser adicionadas ao memex e então ampliadas."
Isso excitou imaginações e, na década de 1960, tecnólogos já estavam tentando fazer com que redes de comunicações fisicamente separadas fossem conectadas em uma só rede global — a "world-wide web" [rede de alcance mundial].  O governo americano estava envolvido no projeto, modestamente, por meio da ARPA (Advanced Research Projects Agency — Agência de Projetos de Pesquisa Avançados, agência do Departamento de Defesa americano).  A ARPA criou a ARPANET, que tinha o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo americano
Mas o objetivo do governo americano não era o de manter suas comunicações durante um ataque nuclear, e tampouco a ARPA criou a internet.  O próprio Robert Taylor, que comandou o programa ARPA na década de 1960, enviou um email para os colegas tecnólogos em 2004 esclarecendo a questão: "A criação da ARPANET não foi motivada por considerações sobre a guerra. A ARPANET não era uma internet.  A internet é uma conexão entre duas ou mais redes de computadores."
Se o governo não inventou a internet, então quem a inventou?  Vinton Cerf foi o sujeito que desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são espinha dorsal (ou, no contexto adequado, a rede de transporte) da internet.  E Tim Berners-Lee merece os créditos pelos hyperlinks.
Mas o crédito completo vai para a empresa na qual Robert Taylor trabalhou após ter saído da ARPA: a Xerox.  Foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para conectar diferentes redes de computadores.  Os pesquisadores de lá, além de terem desenvolvido o primeiro computador pessoal (o Xerox Alto), também desenvolveram a interface gráfica do usuário, a mesma que ainda conduz a utilização dos computadores atuais.
De acordo com um livro sobre a Xerox PARC, "Dealers of Lightning", de Michael Hiltzik, os pesquisadores perceberam que não poderiam ficar eternamente esperando o dia em que o governo finalmente decidiria conectar as diferentes redes.  Logo, eles resolveram fazer tudo por conta própria.  "Nós temos um problema mais imediato do que eles", disse Robert Metcalfe ao seu colega John Shoch em 1973.  "Nós temos mais redes do que eles."  Mais tarde, o Sr. Shoch contaria que os funcionários da ARPA "estavam trabalhando com financiamento do governo e com contratos com universidades.  Eles tinham de lidar com burocratas que estavam supervisionando o contrato... e com todo aquele comportamento lento e lúgubre típico dessa gente."
Mas então, tendo criado a internet, por que a Xerox não se tornou a maior empresa do mundo?  A resposta explica a discrepância que há entre uma visão empreendedorial pautada pelo estado e como as inovações realmente ocorrem.
Os executivos da matriz da Xerox na cidade de Rochester, estado de Nova York, estavam concentrados em vender copiadoras.  Do ponto de vista deles, a Ethernet era importante apenas para que pessoas em um escritório pudessem conectar seus computadores para compartilhar uma copiadora.  Foi então que, em 1979, Steve Jobs negociou um acordo pelo qual o departamento de capital de risco da Xerox investiu US$1 milhão na Apple, com o requisito de que Jobs fosse completamente informado sobre todas as inovações da Xerox PARC. "Eles não faziam a menor ideia do que possuíam", Jobs diria mais tarde, após lançar seus extremamente lucrativos computadores Apple, nos quais ele utilizou os conceitos desenvolvidos pela Xerox.
O ramo de copiadoras da Xerox se manteve lucrativo por décadas, mas a empresa, no final, vivenciou anos de prejuízos gerados pela revolução digital.  Os administradores da Xerox podem se consolar com o fato de que é raro uma empresa conseguir fazer a transição de uma era tecnológica para outra.
Quanto ao papel do governo no processo, a internet foi completamente privatizada em 1995, quando uma fatia da rede que ainda estava sob o controle pela National Science Foundation (Fundação Nacional da Ciência) foi abolida — imediatamente quando a internet comercial começou a crescer.  O blogueiro Brian Carnell escreveu em 1999: "A internet, de fato, reafirma aquela crítica básica feita pelos defensores do livre mercado ao governo.  Por 30 anos, o governo deteve um protocolo imensamente poderoso de transferência de informações, o TCP/IP, mas ele ficou mofando sem ser utilizado. . . .  Em menos de uma década, empresas privadas assumiram o controle deste protocolo e criaram umas das mais importantes revoluções tecnológicas do milênio."
É importante entender a história da internet porque ela é, com muita frequência, citada enganosamente como exemplo e como justificativa para se ter um governo grande.  É importante também reconhecer que construir grandes empresas de tecnologia é algo que requer, além de inovações, a habilidade para saber levar estas inovações ao mercado.  Como nos mostrou o contraste entre a Xerox e a Apple, são poucos os empreendedores que obtêm sucesso nesse desafio.  Aquele que conseguem merecem o crédito por fazer isso acontecer — e não o governo.

Gordon Crovitz é executivo e conselheiro de mídia e da indústria de informação.  Foi editor do The Wall Street Journal e vice-presidente executivo da Dow Jones.  Formou-se na Universidade de Chicago e é bacharel em direito pelas universidades de Oxford e Yale.



Intelectuais e raça - o estrago incorrigível



ThomasSowell.jpgHá tantas falácias ditas sobre raça, que é difícil escolher qual é a mais ridícula.  No entanto, uma falácia que costuma se sobressair é aquela que afirma haver algo de errado com o fato de que as diferentes raças são representadas de forma numericamente desproporcional em várias instituições, carreiras ou em diferentes níveis de renda e de feitos empreendedoriais.
Cem anos atrás, o fato de pessoas de diferentes antecedentes raciais apresentarem taxas de sucesso extremamente discrepantes em termos de cultura, educação, realizações econômicas e empreendedoriais era visto como prova de que algumas raças eram geneticamente superiores a outras.
Algumas raças eram consideradas tão geneticamente inferiores, que a eugenia foi proposta como forma de reduzir sua reprodução.  O antropólogo Francis Galton chegou a exortar "a gradual extinção de uma raça inferior".
E as pessoas que diziam essas coisas não eram meros lunáticos extremistas.  Muitos deles eram Ph.D.s oriundos de várias universidades de ponta, lecionavam nas principais universidades do mundo e eram internacionalmente reputados.
Reitores da Universidade de Stanford e do MIT estavam entre os vários acadêmicos defensores de teorias sobre inferioridade racial — as quais eram aplicadas majoritariamente aos povos do Leste Europeu e do sul da Europa, uma vez que, à época, era dado como certo o fato de que os negros eram inferiores.
E este não era um assunto que dividia esquerda e direita.  Os principais proponentes de teorias sobre superioridade e inferioridade genética eram figuras icônicas da esquerda, de ambos os lados do Atlântico.
John Maynard Keynes ajudou a criar a Sociedade Eugênica de Cambridge.  Intelectuais adeptos do socialismo fabiano, como H.G. Wells e George Bernard Shaw, estavam entre os vários esquerdistas defensores da eugenia.
Foi praticamente a mesma história nos EUA.  O presidente democrata Woodrow Wilson, como vários outros progressistas da época, eram sólidos defensores de noções de superioridade e inferioridade racial.  Ele exibiu o filme O Nascimento de uma Nação, que glorificava a Ku Klux Klan, na Casa Branca, e convidou vários dignitários para a sessão.
Tais visões dominaram as primeiras duas décadas do século XX. 
Agora, avancemos para as últimas décadas do século XX.  A esquerda política desta era já havia se movido para o lado oposto do espectro das questões raciais.  No entanto, ela também considerava que as diferenças de sucesso entre grupos étnicos e raciais era algo atípico, e clamava por uma explicação única, vasta e arrebatadora.
Desta feita, em vez de os genes serem a razão predominante para as diferenças nos êxitos pessoais, o racismo se tornou o motivo que explicava tudo.  Mas o dogmatismo continuava o mesmo.  Aqueles que ousassem discordar, ou até mesmo questionar o dogma predominante em ambas as eras, era tachado de "sentimentalista" no início do século XX e de "racista" na era multicultural.
Tanto os progressistas do início do século XX quanto os novos progressistas do final do século XX partiram da mesma falsa premissa — a saber, que há algo de estranho quando diferentes grupos raciais e étnicos alcançam diferentes níveis de realizações.
No entanto, o fato é que minorais raciais e étnicas sempre foram as proprietárias — ou gerentes — de mais da metade de todas as principais indústrias de vários países.  Dentre estas minorias bem-sucedidas, temos os chineses na Malásia, os libaneses na África Ocidental, os gregos no Império Otomano, os bretões na Argentina, os indianos em Fiji, os judeus na Polônia, os espanhóis no Chile — entre vários outros.
Não apenas diferentes grupos raciais e étnicos, como também nações e civilizações inteiras apresentaram níveis de realizações extremamente distintos ao longo dos séculos.  A China do século XV era muito mais avançada do que qualquer país europeu.  Com o tempo, no entanto, os europeus ultrapassaram os chineses — e não há nenhuma evidência de ter havido alterações nos genes de nenhuma destas civilizações.
Dentre os vários motivos para estes diferentes níveis de realizações está algo tão simples quanto a idade.  A média de idade na Alemanha e no Japão é de mais de 40 anos, ao passo que a média de idade no Afeganistão e no Iêmen é de menos de 20 anos.  Mesmo que as pessoas destes quatro países tivessem absolutamente o mesmo potencial intelectual, o mesmo histórico, a mesma cultura — e os países apresentassem rigorosamente as mesmas características geográficas —, o fato de que as pessoas de determinados países possuem 20 anos a mais de experiência do que as pessoas de outros países ainda seria o suficiente para fazer com que resultados econômicos e pessoais idênticos sejam virtualmente impossíveis.
Acrescente o fato de que diferentes raças se desenvolveram em diferentes arranjos geográficos, os quais apresentaram oportunidades e restrições extremamente diferenciadas ao seu desenvolvimento, e as conclusões serão as mesmas.
No entanto, a ideia de que diferentes níveis de realização são coisas atípicas — se não sinistras — tem sido repetida ad nauseam pelos mais diferenciados tipos de pessoas, desde o demagogo de esquina até as mais altas eminências do Supremo Tribunal.
Quando finalmente reconhecermos que as grandes diferenças de realizações entre as raças, nações e civilizações têm sido a regra, e não a exceção, ao longo de toda a história escrita, restará ao menos a esperança de que haja pensamentos mais racionais — e talvez até mesmo alguns esforços construtivos para ajudar todas as pessoas a progredirem.
Até mesmo um patriota britânico como Winston Churchill certa vez disse que "Devemos Londres a Roma" — um reconhecimento de que foram os conquistadores romanos que criaram a mais famosa cidade britânica, em uma época em que os antigos bretões eram incapazes de realizar esta façanha por conta própria.
Ninguém que conhecesse os iletrados e atrasados bretões daquela era poderia imaginar que algum dia os britânicos criariam um império vastamente maior do que o Império Romano — um império que abrangeria um quarto de toda a área terrestre do globo e um quarto dos seres humanos do planeta.
A história apresenta vários exemplos dramáticos de ascensão e queda de povos e nações, por uma variada gama de motivos conhecidos e desconhecidos.  Mas há um fenômeno que não possui confirmação histórica, um fenômeno que, não obstante esta ausência de exemplos práticos, é hoje presumido como sendo a norma: igualdade de realizações grupais em um dado período do tempo.
As conquistas romanas tiveram repercussões históricas por séculos após a queda do Império Romano.  Um dos vários legados da civilização romana foi o alfabeto latino, o qual gerou versões escritas dos idiomas da Europa ocidental séculos antes de os idiomas do Leste Europeu serem transformados em letras.  Esta foi uma das várias razões por que a Europa ocidental se tornou mais desenvolvida que a Europa Oriental em termos econômicos, educacionais e tecnológicos.
Enquanto isso, as façanhas de outras civilizações — tanto da China quanto do Oriente Médio — ocorreram muito antes das façanhas do Ocidente, embora a China e o Oriente Médio posteriormente viessem a perder suas vantagens.
Há tantas reviravoltas documentadas ao longo da história, que é impossível acreditar que um único fator sobrepujante seja capaz de explicar tudo, ou quase tudo, do que já aconteceu ou do que está acontecendo.  O que realmente se sabe é que raramente, para não dizer nunca, ocorreram façanhas iguais alcançadas por diferentes pessoas ao mesmo tempo.
No entanto, o que mais temos hoje são grupos de interesse e movimentos sociais apresentando estatísticas — que são solenemente repercutidas pela mídia — alegando que, dado que os números não são aproximadamente iguais para todos, isso seria uma prova de que alguém foi discriminatório com outro alguém.
Se os negros apresentam diferentes padrões ocupacionais ou diferentes padrões gerais em relação aos brancos, isso já basta para despertar grandes suspeitas entre os sociólogos — ainda que diferentes grupos de brancos sempre tenham apresentado diferentes padrões de realizações entre si.
Quando os soldados americanos da Primeira Guerra Mundial foram submetidos a exames mentais durante a Primeira Guerra Mundial, aqueles homens de ascendência alemã pontuaram mais alto do que aqueles de ascendência irlandesa, sendo que estes pontuaram mais alto do que aqueles que eram judeus.  Carl Brigham, o pioneiro do campo da psicometria, disse à época que os resultados dos exames mentais do exército tendiam a "desmentir a popular crença de que o judeu é altamente inteligente".
Uma explicação alternativa é que a maioria dos imigrantes alemães se mudou para os EUA décadas antes da maioria dos imigrantes irlandeses, os quais por sua vez se mudaram para os EUA décadas antes da maioria dos imigrantes judeus.  Alguns anos depois, Brigham viria a admitir que a maioria dos mais recentes imigrantes havia sido criada em lares onde o inglês não era a língua falada, e que suas conclusões anteriores, em suas próprias palavras, "não possuíam fundamentos".
Nessa época, os judeus já estavam pontuando acima da média nacional dos exames mentais, e não abaixo. 
Disparidades entre pessoas do mesmo grupo, em qualquer área que seja, não são obviamente uma realidade imutável.  Mas uma igualdade geral de resultados raramente já foi testemunhada em qualquer período da história — seja em termos de habilidades laborais ou em termos de taxas de alcoolismo ou em termos de quaisquer outras diferenças — entre aqueles vários grupos que hoje são ajuntados e classificados como "brancos".
Sendo assim, por que então as diferenças estatísticas entre negros e brancos produzem afirmações tão dogmáticas — e geram tantas ações judiciais e trabalhistas por discriminação — sendo que a própria história mostra que sempre foi comum que diferentes grupos seguissem diferenciados padrões ocupacionais ou de comportamento?
Um dos motivos é que ações judiciais não necessitam de nada mais do que diferenças estatísticas para produzir vereditos, ou acordos fora de tribunais, no valor de vultosas somas monetárias.  E o motivo de isso ocorrer é porque várias pessoas aceitam a infundada presunção de que há algo de estranho e sinistro quando diferentes pessoas apresentam diferentes graus de êxito pessoal.
O desejo de intelectuais de criar alguma grande teoria que seja capaz de explicar padrões complexos por meio de algum simples e solitário fator produziu várias ideias que não resistem a nenhum escrutínio, mas que não obstante têm aceitação generalizada — e, algumas vezes, consequências catastróficas — em vários países ao redor do mundo.
A teoria do determinismo genético, que predominou no início do século XX, levou a várias consequências desastrosas, desde a segregação racial até o Holocausto.  A teoria atualmente predominante é a de que algum tipo de maldade explica as diferenças nos níveis de realizações entre os vários grupos étnicos e raciais.  Se os resultados letais desta teoria hoje em voga gerariam tantas mortes quanto no Holocausto é uma pergunta cuja resposta requereria um detalhado estudo sobre a história de rompantes letais contra determinados grupos odiados por causa de seu sucesso.
Estes rompantes letais incluem a homicida violência em massa contra os judeus na Europa, os chineses no sudeste asiático, os armênios no Império Otomano, e os Ibos na Nigéria, entre outros.  Exemplos de chacinas em massa baseadas em classes sociais e voltadas contra pessoas bem-sucedidas vão desde os extermínios stalisnistas do kulaks na União Soviética até a limpeza promovida por Pol Pot de pelo menos um quarto da população do Camboja pelo crime de serem pessoas cultas e de classe média, crime este que era evidenciado por sinais tão tênues quanto o uso de óculos.
Minorias que se sobressaíram e se tornaram mais bem-sucedidas do que a população geral são aquelas cujo progresso provavelmente em nada está ligado ao fato de terem ou não discriminado as maiorias politicamente dominantes.  No entanto, foram exatamente estas minorias que atraíram as mais violentas perseguições ao longo dos séculos e dos países ao redor do mundo.
Todos os negros que foram linchados durante toda a história dos EUA não chegam ao mesmo número de homicídios cometidos em apenas um ano contra os judeus na Europa, contra os armênios no Império Otomano ou contra os chineses no sudeste asiático.
Há algo inerente aos sucessos de determinados grupos que inflama as massas em épocas e lugares tão distintos.  O que seria?  Esse fenômeno inflama não apenas as massas, como também leva a genocídios cometidos por governos, como os da Alemanha nazista ou o regime de Pol Pot no Camboja.  Podemos apenas especular as razões, mas não há como fugir desta realidade.
Aqueles grupos que ficam para trás frequentemente culpam seu atraso nas malfeitorias cometidas por aqueles grupos mais bem-sucedidos.  Dado que a santidade não é comum a nenhum ramo da raça humana, é óbvio que nunca haverá escassez de pecados a serem mencionados, inclusive a arrogância e a insolência daqueles que calham de estar no topo em um determinado momento.  Mas a real pergunta a ser feita é se esses pecados — reais ou imaginários — são de fato o motivo destes diferentes níveis de êxitos pessoais.
O problema é que os intelectuais — pessoas de quem normalmente esperaríamos análises racionais que se contrapusessem à histeria das massas — frequentemente sempre estiveram na vanguarda daqueles movimentos que promovem a inveja e o ressentimento contra os bem-sucedidos.  Tal comportamento é especialmente perceptível naquelas pessoas que possuem diplomas mas que não possuem nenhuma habilidade economicamente significativa que lhes permita obter aquele tipo de recompensa que elas esperavam ou julgavam ter o direito de auferir.
Tais pessoas sempre se destacaram como líderes e seguidoras de grupos que promoveram políticas anti-semitas na Europa entre as duas guerras mundiais, o tribalismo na África, e as mudanças sociais no Sri Lanka, um país que, outrora famoso por sua harmonia intergrupal, se rebaixou, por influência de intelectuais, à violência étnica e depois se degenerou em uma guerra civil que durou décadas e produziu indescritíveis atrocidades.
Intelectuais sempre estiveram por trás da inflamação de um grupo contra outros, promovendo a discriminação e a violência física em países tão díspares quanto Índia, Hungria, Nigéria, Tchecoslováquia e Canadá.
Tanto a teoria do determinismo genético como sendo a causa dos diferentes níveis de realizações pessoais quanto a teoria da discriminação como o motivo destas diferenças, ambas contraditórias e criadas por intelectuais, geraram apenas polarizações raciais e étnicas.  O mesmo pode ser dito da ideia de que uma dessas teorias tem de ser a verdadeira.
Essa falsa dicotomia de que uma delas tem de ser a verdadeira deixa aos grupos mais bem-sucedidos duas opções: ou eles se assumem arrogantes ou se assumem culpados criminalmente.  Da mesma forma, deixa aos grupos menos exitosos a opção entre acreditar que sempre foram inerentemente inferiores durante toda a história ou que são vítimas da inescrupulosa maldade de terceiros.
Quando inumeráveis fatores fazem com que a igualdade de resultados seja virtualmente impossível, reduzir estes fatores a uma questão de genes ou de maldade é a fórmula perfeita para se gerar uma desnecessária e perigosa polarização, cujas consequências frequentemente são escritas em sangue ao longo das páginas da história.
Dentre as várias e ignaras ideias a respeito de grupos raciais e étnicos que polarizaram as sociedades durante séculos e ao redor de todo o mundo, poucas foram mais irracionais e contraproducentes do que os atuais dogmas do multiculturalismo.
Aqueles intelectuais que imaginam que, ao utilizar uma retórica multicultural que redefine e até mesmo revoga o conceito de atraso, estarão ajudando grupos raciais e étnicos que ficaram para trás estão, na realidade, levando estas pessoas para um beco sem saída.
O multiculturalismo é um tentador paliativo aplicado àqueles grupos que ficaram para trás porque ele simplesmente afirma que todas as culturas são iguais, ou "igualmente válidas", em algum sentido vago e sublime.  De acordo com este dogma, as características culturais de todas as etnias e raças seriam apenas diferentes — nem melhores nem piores.
No entanto, tomar emprestadas características particulares de outras culturas — como os algarismos arábicos que substituíram os algarismos romanos, mesmo nas culturas ocidentais oriundas de Roma — implica que algumas características não são simplesmente diferentes, mas sim melhores, inclusive os números utilizados.  Algumas das mais avançadas culturas de toda a história pegaram emprestados comportamentos e características de outras culturas; e isso pelo simples fato de que até hoje nenhuma coleção única de seres humanos foi capaz de criar as melhores respostas para todas as questões da vida.
Todavia, dado que os multiculturalistas veem todas as culturas como sendo iguais ou "igualmente válidas", eles não veem nenhuma justificativa para as escolas insistirem, por exemplo, que as crianças negras aprendam seu idioma materno.  Em vez disso, cada grupo é estimulado a se apegar ferreamente à sua própria cultura e a se orgulhar de suas próprias glórias passadas, reais ou imaginárias.
Em outras palavras, membros de grupos minoritários que são atrasados educacionalmente e economicamente devem continuar se comportando no futuro como sempre se comportaram no passado — e, se eles não conseguirem os mesmos resultados dos outros, então a culpa é da sociedade.  Essa é a mensagem principal do multiculturalismo.
George Orwell certa vez disse que algumas ideias são tão insensatas, que somente um intelectual poderia acreditar nelas.  O multiculturalismo é uma dessas ideias.  A intelligentsia sempre irrompe em indignação e ultrajes a qualquer "diferença" ou "disparidade" de resultados educacionais, econômicos ou outros — e denuncia qualquer explicação cultural para esta diferença de resultados como sendo uma odiosa tentativa de "culpar a vítima".
Não há dúvidas de que algumas raças ou até mesmo nações inteiras foram vitimadas por terceiros, assim como não há dúvida de que câncer pode causar morte.  Porém, isso é muito diferente de dizer que as mortes podem automaticamente ser imputadas ao câncer.  Você pode pensar que intelectuais seriam capazes de fazer essa distinção.  Mas muitos não são.
Ainda assim, intelectuais se veem a si próprios como amigos, aliados e defensores das minorias raciais, ao mesmo tempo em que empurram as minorias para a estagnação cultural.  Isso permite à intelligentsia se congratular e se lisonjear de que estão ao lado dos anjos contra as forças do mal que estão conspirando para manter as minorias oprimidas.
Por que pessoas com altos níveis de capacidade mental e de talentos retóricos se entregam a este tipo de raciocínio deturpado é um mistério.  Talvez seja porque elas não conseguem abrir mão de uma visão social que é extremamente lisonjeira para eles próprios, não obstante quão deletéria tal visão possa ser para as pessoas a quem elas alegam estar ajudando.
O multiculturalismo, assim como o sistema de castas, encurrala e amarra as pessoas naquele mesmo segmento cultural e social no qual elas nasceram.  A diferença é que o sistema de castas ao menos não alega beneficiar aqueles que estão na extremidade inferior.
O multiculturalismo não serve apenas aos interesses ególatras dos intelectuais; ele serve também aos interesses de políticos que têm todos os incentivos para promover uma sensação de vitimização — e até mesmo de paranóia — entre grupos de cujos votos eles precisam em troca de apoio material e psicológico.
A visão multicultural do mundo também serve aos interesses daqueles que estão na mídia e que prosperam ao explorar os melodramas morais.  O mesmo pode ser dito de todos os departamentos universitários voltados para estudos étnicos e sociais, bem como de toda a indústria de assistentes sociais, de especialistas em "diversidades" e da ampla gama de vigaristas que prosperam ao fazer proselitismo racial.
Os maiores perdedores de toda essa história são aqueles membros das minorias raciais que se permitem ser conduzidos para esse beco sem saída do ressentimento e da raiva, mesmo quando há várias outras avenidas de oportunidades disponíveis.  E todos nós perdemos quando a sociedade fica polarizada.

Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford.  Seu website: www.tsowell.com.

Tradução de Leandro Roque

A tragédia do isolamento


Spotlight_PB.jpgNo século XX, dentre todas as explicações inventadas pelos intelectuais ocidentais para explicar as disparidades econômicas, educacionais e empreendedoriais dos indivíduos, duas se sobressaíram: nas primeiras décadas do século, dizia-se que a explicação estava no fato de haver diferenças raciais e inatas de destreza, talento e aptidão; já nas últimas décadas, dizia-se que a explicação estava na discriminaçãoracial.
A maioria de nós consideraria ambas estas duas explicações ridículas.  No entanto, genes e discriminação eram as explicações predominantes para as diferenças entre brancos e negros oferecidas pelos intelectuais no século XX.
Em nenhuma dessas duas épocas a intelligentsia aceitava qualquer outra explicação.  Tais explicações não foram oferecidas como sendo apenas uma possibilidade dentre várias outras.  Não.  Elas foram fornecidas como sendo a verdade predominante, quando não exclusiva.  Em cada uma dessas épocas, os intelectuais estavam plenamente convencidos de que tinham a resposta correta, e rejeitavam e menosprezavam qualquer um que tentasse oferecer outras respostas.  Qualquer indivíduo que dissesse algo em contrário se arriscava a ser visto como um "sentimentalista", no início do século, ou como um "racista", no final do século. 
Desta dogmática insistência em uma teoria generalista surgiram aberrações como as quotas raciais e toda essa infinidade de processos judiciais por racismo que superlotam os tribunais atualmente.  Tudo se baseia na presunção de que diferenças nos êxitos pessoais entre pessoas de cores distintas é uma prova de que alguém prejudicou outra pessoa.
No início do século, a teoria de que o determinismo genético explicaria as diferenças nos êxitos pessoais e seria uma prova de que algumas raças são inferiores às outras levou à defesa de coisas como a segregação racial, a eugenia e, mais tarde, culminaria no Holocausto.  A teoria atualmente predominante — a de que algum tipo de maldade explica as diferenças nos níveis de realizações entre os vários grupos étnicos e raciais — nos trouxe a era dos privilégios e do vitimismo.
Em ambas as eras, as teorias predominantes amaciaram e lisonjearam os egos dos intelectuais — no primeiro caso, eles foram vistos como salvadores da raça humana; no segundo caso, como libertadores das vítimas do racismo.
Dentre as ignoradas explicações alternativas para os diferentes níveis de êxito pessoal e grupal estavam a geografia, a demografia e a cultura.
Por exemplo, pessoas com a desvantagem geográfica de viverem isoladas em vales montanhosos raramente — para não dizer nunca — produziram façanhas de nível internacional.  Elas raramente geraram algum avanço para a ciência, para a tecnologia ou até mesmo para a filosofia.  Muito pelo contrário: as pessoas de tais localidades invariavelmente ficaram para trás em termos de progresso em relação ao resto mundo — inclusive em relação às pessoas da mesma raça que viviam nas planícies logo abaixo.  Montanheses sempre foram conhecidos por sua pobreza e atraso em todos os países ao redor do mundo, especialmente no milênio anterior à criação dos modernos meios de transporte e de comunicação, os quais aliviaram seu isolamento.
Essas comunidades montanhesas não apenas eram isoladas do resto do mundo, como também eram isoladas umas das outras.  Mesmo quando, em uma linha reta, a distância entre elas não era significativa, elas eram separadas por terrenos extremamente acidentados e escarpados.
Como bem observou o ilustre historiador francês Fernand Braudel, "a vida na montanha era persistentemente mais atrasada em relação à vida da planície".  Um padrão de pobreza e atraso podia ser percebido das Montanhas Apalaches nos EUA às Montanhas Rife no Marrocos; dos Montes Pindo na Grécia às montanhas e planaltos do Sri-Lanka, de Taiwan, da Albânia e da Escócia.
Da mesma maneira, pessoas geograficamente isoladas em ilhas distantes ou pessoas isoladas por desertos ou por outras características geográficas raramente apresentaram — ou ao menos conseguiram imitar — os progressos da população continental.  Novamente, isso era especialmente notável antes de os modernos sistemas de transporte e comunicação terem-nas colocado em contato com o resto do mundo.
O atraso em relação às pessoas com um universo cultural mais amplo ocorria independentemente da raça das pessoas que viviam em localidades isoladas.  Por exemplo, quando os espanhóis descobriram as Ilhas Canárias no século XV, encontraram pessoas de raça caucasiana vivendo um nível de vida da idade da pedra.
Inversamente, pessoas urbanizadas quase sempre se mostraram na vanguarda do progresso, contribuindo muito mais para os avanços históricos da raça humana do que um número similar de pessoas dispersas pelas terras do interior — mesmo quando ambos os grupos eram da mesma raça.
Tão importante quanto o isolamento cultural, especificidades geográficas e geológicas são um fator igualmente importante, uma vez que nem todas as áreas geográficas são igualmente aptas à construção de grandes cidades.  Por exemplo, a esmagadora maioria das cidades foi construída sobre cursos d'água navegáveis — e não são todas as regiões do globo que possuem cursos d'água navegáveis.  Até mesmo a ausência de transporte animal fazia diferença.  Esta era a situação do hemisfério ocidental quando os europeus chegaram e trouxeram cavalos, animais desconhecidos pelos nativos da região.
Assim como é criado pela natureza, o isolamento também pode ser criado artificialmente pelo homem.  No século XV, quando a China era a nação mais avançada do mundo, seus líderes decidiram isolar o país em relação aos outros povos, todos eles considerados meros bárbaros.  Após alguns séculos de isolamento, a China se surpreendeu negativamente ao ver sua liderança ser sobrepujada por outros povos, chegando em alguns casos a ficar à mercê deles.  O Japão cometeu o mesmo erro no século XVII.
Em alguns casos, o isolamento se deve a uma cultura que resiste obstinadamente a absorver traços de outras culturas.  O Oriente Médio, por exemplo, já foi mais avançado que a Europa.  Porém, ao passo que os europeus aprenderam bastante com o Oriente Médio, os árabes não tiveram o mesmo interesse em aprender com os europeus.  A quantidade de livros que a Espanha traduzia do arábico em apenas um ano era maior do que a quantidade de livros que os árabes verteram para o arábico em mil anos.
A demografia também é outra característica crucial.  Dentre os vários motivos para os diferentes níveis de avanços e conquistas está algo tão simples quanto a idade.  A média de idade na Alemanha e no Japão é de mais de 40 anos, ao passo que a média de idade no Afeganistão e no Iêmen é de menos de 20 anos.  Mesmo que as pessoas destes quatro países tivessem absolutamente o mesmo potencial intelectual, o mesmo histórico, a mesma cultura — e os países apresentassem rigorosamente as mesmas características geográficas —, o fato de que as pessoas de determinados países possuem 20 anos a mais de experiência do que as pessoas de outros países ainda seria o suficiente para fazer com que resultados econômicos e pessoais idênticos sejam virtualmente impossíveis.
Ao se analisar os êxitos econômicos dos diferentes povos e das diferentes raças, é possível constatar várias diferenças que não têm nada a ver com genes ou com discriminação, mas sim com questões culturais, geográficas e demográficas.  No entanto, é muito mais trabalhoso examinar estes fatores e suas complexas interações do que simplesmente ser um oportunista e se agarrar à teoria predominante da época, e então se auto-congratular por ser um protetor dos oprimidos.