sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A filosofia da miséria e o novo nacional-desenvolvimentismo do governo brasileiro



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Dentre todas as inúmeras concepções erradas e falsas doutrinas que assombram o pensamento econômico, há uma que se destaca e que pode ser considerada, sem rivais próximos, a mais destruidora e nociva de todas elas: a ideia de que vivemos em um mundo de abundância, um mundo em que não há escassez.
Tal ideia se resume a crer que o principal problema de uma economianão é a criação de riqueza — isto é, a produção de bens e serviços.  O problema seria simplesmente estimular o consumo de maneira igualitária.  Por exemplo, peguemos o inevitável exemplo da "saúde gratuita e de qualidade para todos".  Seus defensores apenas exigem que todas as pessoas possam consumir esse bem gratuitamente.  Nenhum deles jamais se preocupa em explicar como tal bem será produzido e distribuído de maneira racional e gratuita entre todos os seus consumidores.  A produção e a criação não fazem parte da súmula de preocupações destas pessoas.  É como se serviços de saúde, remédios e todos os tipos de tratamento médico, desde cirurgias até engessamento de braço, fossem bens amplamente disponíveis na economia, bastando apenas que haja uma "distribuição correta" de dinheiro para que eles possam ser consumidos igualmente por todos.
Essa visão de mundo parte do princípio de que bens e serviços surgem do nada e estão ali, inertes na natureza, apenas esperando serem descobertos e consumidos — e para que isso ocorra, basta o governo tributar, imprimir dinheiro e gastar. 
Porém, como perfeitamente pode compreender qualquer ser que se disponha a fazer uso de sua razão, nenhum bem ou serviço surge pronto do nada.  Todos eles precisam ser criados e trabalhados.  Um carro não surge do nada.  É preciso trabalhar o aço, o alumínio, a borracha e o plástico que irão formá-lo.  E esses quatro componentes também não surgem do nada.  Eles precisam ser extraídos da natureza ou fabricados.  O mesmo é válido para todos os outros bens de consumo que você possa imaginar, de laptops a aviões, passando por parafusos, palitos de dente e fio dental.  Todos precisam ser trabalhados.  De nada adianta o Banco Central imprimir dinheiro ou o governo aumentar seus gastos — aumento da quantidade de dinheiro ou aumento dos gastos do governo não podem abolir a realidade da escassez; não podem driblar e contornar o problema da produção, fazendo com que os bens finais surjam como em um passe de mágica.
Vejamos um exemplo simples que, em sua essência, revela como é extremamente complexa a estrutura de produção de uma economia.  Imagine uma simples empresa que venda presuntos.  Tudo o que você precisa fazer para adquirir seus produtos é ir até a gôndola de um supermercado, pegar a iguaria com a marca dessa empresa, ir até o caixa e pagar.  Um cidadão comum dificilmente faz uma pausa para pensar em todo o processo produtivo por trás daquele simples presunto.  Muitos creem que fazer um presunto é algo simples.  Muito pelo contrário. 
Em primeiro lugar, a empresa que fabrica presuntos precisa ter instalações adequadas para mantê-los bem conservados enquanto estiverem estocados.  Isso significa ter um armazém com um bom sistema de refrigeração.  O sistema de refrigeração necessita de manutenção e reparos constantes.  Isso significa custos com mão-de-obra.  Esse sistema precisa também de peças de reposição, e tais peças são geralmente feitas de aço.  E como se obtém o aço?  Compra-se de uma siderurgia.  E como a siderurgia fabrica o aço?  Como o aço é uma liga de ferro e carbono, é preciso antes escavar minas para achar ferro.  Portanto, a siderurgia tem de comprar ferro das mineradoras, e as mineradoras têm todo o seu processo de produção.  Vamos parar por aqui, pois, caso contrário, poderíamos nos estender infinitamente.
Após ter sido produzido pela siderurgia, o aço precisa ser transportado para a empresa de refrigeração que irá montar todos os insumos para fazer o equipamento de refrigeração.  O transporte normalmente é feito por uma empresa terceirizada.
Observe que ainda estamos falando apenas do sistema de refrigeração que vai conservar o presunto.  Só aí já vimos várias etapas da cadeia produtiva; vários processos de produção, sendo que cada um desses processos tem várias etapas.  Agora vamos falar mais especificamente do presunto.  O presunto, obviamente, não surge do nada.  Quem o traz?  Uma empresa de transportes.  Ela o traz de onde?  De um frigorífico.  E onde o frigorífico arrumou a matéria-prima (porcos) que se transforma em presunto?  Em um abatedouro.  Quem fornece pro abatedouro?  Um suinocultor.  Qual a função do suinocultor?  Criar os porcos.  Como se cria porcos?  Com milho e soja.  Onde ele arruma milho e soja?  Com agricultores.  E estes precisam de fertilizantes, que precisam ser manufaturados por vários outros processos de produção, e assim por diante.
Ou seja, aquele simples presunto que você compra no supermercado só chegou àquela prateleira após passar por várias etapas de uma intrincada cadeia produtiva.  E todo esse longo processo não pode ser contornado, driblado, evitado ou abolido por meras políticas governamentais.  Tampouco políticas sociais ou redistributivas podem fazer com que haja presunto farto para todas as pessoas de uma economia.  Tudo precisa ser trabalhado e produzido para que venha a existir.
Quando se entende essa realidade de que vivemos na escassez e de que tudo precisa ser trabalhado e produzido para que possa existir, é fácil concluir que, sempre e em todo lugar, haverá trabalho a ser feito.  Seja na fabricação de um bem de consumo, seja na prestação de algum serviço.
E é justamente a ignorância tanto desta realidade — a de que vivemos na escassez — quanto de sua consequência direta — que tal escassez significa que há uma infinita necessidade de trabalho e produção — o que está por trás de absolutamente todas as políticas danosas que frequentemente são implementadas com o objetivo de "estimular a economia" ou "proteger os empregos". 
É essa ideia de que não há escassez — e que, logo, há um número fixo de empregos na economia — que está por trás de políticas inflacionistas, assistencialistas, regulatórias e de aumento gastos governamentais. 
E é também essa ideia que está por trás de todas as políticas protecionistas.
"As importações destroem empregos!"
Como todos que se dão ao trabalho — e ao desgosto — de acompanhar o noticiário econômico bem sabem, o governo brasileiro vem adotando políticas protecionistas de vários tipos, que vão desde o aumento de tarifas de importação até a surrada prática da substituição de importações (com a participação do BNDES, por favor).  A ideia que sustenta tais políticas é uma só: impedir que os chineses e os coreanos — que se atrevem a nos vender a preços baixos produtos que queremos comprar — destruam empregos aqui no Brasil, ou, o que dá no mesmo, impedir que "nossos empregos" sejam exportados.
É importante fazermos uma análise mais detalhada desta recente e vigorosa ascensão protecionista e nacionalista, pois a própria existência do livre comércio — e de toda a prosperidade por ele trazida — depende disso.
Considere esta notícia:
Em meio a uma invasão de importados, a indústria nacional de calçados enfrenta dificuldades para manter empregos e até transfere sua produção para outros países. Dois grandes grupos empresariais do Rio Grande do Sul, principal pólo do setor no país, fecharam fábricas e levaram a produção para a Nicarágua e para a República Dominicana. O objetivo é aproveitar acordos comerciais desses governos com os EUA e criar unidades voltadas ao mercado americano.
A Abicalçados (associação da indústria do setor) diz que outras dez empresas podem tomar o mesmo rumo. A Argentina também recebe empresas brasileiras, que planejaram a mudança devido às barreiras para vender ao país vizinho. O grupo Schmidt Irmãos, que tinha uma série de fábricas no interior gaúcho, transferiu a produção para a Nicarágua no ano passado. O governo nicaraguense divulgou que o investimento da empresa brasileira será de US$ 25 milhões. A unidade em uma zona franca da Nicarágua precisa receber até máquinas e insumos vindos do Brasil, devido à escassa estrutura industrial do país. Procurado, o grupo preferiu não se pronunciar.
Dona de marcas como a Ortopé, a empresa Paquetá, de 12.500 funcionários, fechou em agosto uma fábrica em Sapiranga (RS) e a transferiu para a República Dominicana. Centenas de vagas de trabalho foram perdidas. A empresa disse que tomou a medida para "manter a competitividade industrial e continuar crescendo". A valorização do real também influencia na decisão. A federação dos trabalhadores do setor no Estado fala em risco de desindustrialização e diz que há  debandada para locais que oferecem salários mais baixos. A produção no acumulado do ano no país caiu. Até agosto, a exportação de calçados brasileiros recuou 25% ante o mesmo período de 2010. Enquanto isso, o volume de mercadorias importadas subiu 18%. A Indonésia quase dobrou suas vendas ao Brasil.
Ou seja, além dos chineses e dos coreanos, agora pelo visto também temos de nos "proteger" dos nicaraguenses e dos dominicanos.  E não precisamos ficar apenas nos exemplos diretos de perda de empregos e transferências de indústrias para o exterior.  Podemos pegar também o exemplo da transferência virtual de empregos.  Por exemplo, quem é da área de Tecnologia da Informação sabe perfeitamente que sua maior concorrência não está aqui no Brasil, mas sim na Índia, onde há técnicos plenamente capazes dispostos a trabalhar por salários menores do que seus congêneres brasileiros (e principalmente americanos).  Este é um dos motivos de os salários desta área, como recentemente nos disse um leitor que atua neste setor, estarem relativamente estagnados, por mais crescente que seja a demanda por tais serviços.
E isso é fácil de entender.  Ao passo que um engenheiro de software americano exige um salário de pelo menos US$ 100.000 por ano, e um brasileiro se contenta com uns US$ 30.000 (R$ 52.000), um competente indiano fica plenamente satisfeito com um salário de US$ 20.000.  Fazendo uso de modernos equipamentos de telecomunicação, este indiano poderá trabalhar desde a Índia tão eficazmente quanto se estivesse fisicamente presente no Brasil ou nos EUA.  Nos EUA, inclusive, há um fenômeno que vem assombrando o establishmentmédico daquele país (e que rapidamente pode aportar aqui no Brasil): o número de radiologistas, segundo a imprensa, vem declinando significativamente.  Isso ocorre simplesmente porque as imagens por ressonância magnética podem perfeitamente ser enviadas pela internet para radiologistas da Ásia plenamente capazes de diagnosticar o problema, e que cobram por isso apenas uma fração do que cobra o altamente cartelizado setor médico americano.  Tem-se aí um ótimo exemplo de como o livre mercado trabalha para manter os custos sempre baixos.
O que nos interessa aqui é observar que não há diferença entre substituir um trabalhador no Brasil por outro na Ásia, ou transferir uma fábrica para a Nicarágua e para a República Dominicana, ou desempregar trabalhadores de indústrias cujos produtos não conseguem concorrer com produtos importados mais baratos — no final, o desemprego nestes setores aumentará. 
E é aí que surgem os protecionistas com suas lamúrias sobre o livre comércio gerar desindustrialização, perda de renda, miséria e estagnação econômica.
Donde vem a pergunta: quais são realmente os fenômenos gerados pelo livre comércio?  Eles devem ser temidos?  Seriam eles um ataque ao nosso padrão de vida e, consequentemente, justificariam intervenções governamentais concebidas para controlá-los?
Para responder a esta pergunta, temos acima de tudo de entender a lei das vantagens comparativas e a distinção entre 'valor' e 'riqueza', algo que David Ricardo já havia feito em seu "Princípios de economia política e tributação".  'Valor' deve ser entendido como a renda monetária, e 'riqueza' deve ser entendida como os bens e serviços que a renda monetária pode adquirir.  Ou, colocando de outra forma, 'valor' é o dinheiro utilizado em uma troca, e riqueza é aquilo que é recebido nessa troca.
Assim, comecemos abordando o exemplo mais fácil: engenheiros de software brasileiros sendo substituídos por asiáticos que recebem salários menores.  O motivo desta substituição estar ocorrendo é óbvio: os brasileiros não estão dispostos — ou os custos trabalhistas são maiores aqui, o que dá na mesma — a aceitar salários tão baixos quanto os de seus concorrentes asiáticos.  Logo, o custo de tal serviço é maior aqui do que na Índia. 
E o fato de os brasileiros não estarem dispostos a aceitar esta redução salarial implica que eles preferem ir para outras linhas de produção (isto é, outros empregos) que, embora ofereçam salários menores do que aqueles que receberiam nos empregos que acabaram de perder, não requerem reduções tão severas quanto as que seriam necessárias para que eles se tornassem competitivos nos empregos agora preenchidos por indianos.
Por exemplo, supondo que os engenheiros de software ganhavam R$ 6.000 por mês e não aceitaram reduções salariais, de modo que indianos e chineses foram contratados em seu lugar, eles agora terão de se mudar para empregos que irão pagar, digamos, R$ 5.000 ou R$ 4.000.  Estes engenheiros, ao se mudarem para outros ramos da economia, irão levar todo o seu conhecimento e aptidão para estes setores, aumentando a oferta e melhorando a qualidade dos serviços.  E, principalmente, a maior oferta de mão-de-obra nestes setores irá reduzir os custos.  Caso o fenômeno que está ocorrendo com radiologistas nos EUA ocorra aqui no Brasil, o efeito será o mesmo: uma maior oferta de médicos em outras áreas da saúde, o que levará a uma redução real (isto é, descontada a inflação gerada pelo aumento da oferta monetária) dos preços — algo sempre bem-vindo.
E, como explicado no início do texto, o fato de vivermos em um mundo de escassez implica que sempre haverá, em todo e qualquer lugar, serviços (empregos) a serem feitos.  Em teoria, não há por que haver desemprego.  Logo, o fato de haver desemprego no mundo real se deve às regulamentações governamentais, as quais geram esse descasamento entre a demanda por trabalho, sempre infinita, e oferta de mão-de-obra, naturalmente escassa (tal fenômeno foi explicado mais detalhadamente aqui).  Consequentemente, se são as regulamentações governamentais que atrapalham o remanejamento da mão-de-obra deslocada pelas forças de mercado, então são elas que deveriam ser abolidas, e não o livre comércio.
Expandindo o raciocínio
Toda a explicação acima pode ser expandida para a economia como um todo.  Basta generalizarmos a situação.  Assim, imagine que vários setores da economia brasileira — automotivo, calçados, siderúrgicos, têxteis etc. — sejam confrontados por concorrentes estrangeiros ofertando produtos baratos que os consumidores brasileiros voluntariamente optam por comprar.  Tal concorrência desemprega vários trabalhadores brasileiros, os quais terão agora de ir para outros setores.  Isso irá gerar uma redução na renda monetária destes indivíduos.  Porém, e isso é o mais importante, a redução na sua renda monetária sempre será menor do que a redução nos custos implantada por seus concorrentes.  Ou, colocando de outra forma, a redução nos custos será maior do que a redução na renda monetária.
E isso é fácil de entender.  Quando uma empresa busca reduções de custo (a genuína concorrência no mundo atual se dá por meio da redução de custos e não da redução de preços nominais) e consegue continuar produzindo o mesmo tanto de antes com uma mão-de-obra menos dispendiosa — ou com insumos mais baratos —, isso gera um aumento líquido na produção total de toda a economia.  Reduzir custos de produção significa, geralmente, encontrar uma maneira de produzir a mesma quantidade de bens com menos mão-de-obra.  Isso faz com que haja um aumento na produção total da economia, pois a mão-de-obra que foi dispensada deste setor está agora livre para ir produzir mais bens em outras áreas do sistema econômico. 
Vale a pena enfatizar esse fenômeno:  o que ocorre nestes casos é que a mão-de-obra e os insumos mais dispendiosos são liberados de um setor (calçadista, automotivo etc.) e, com isso, podem ser utilizados para expandir a produção de outros setores comparativamente mais importantes.  Ao mesmo tempo, mão-de-obra e insumos menos dispendiosos são retirados das linhas de produção comparativamente menos importantes e direcionados para este setor em que houve as demissões — e cujo tamanho agora foi reduzido.
Este contínuo processo de substituição de mão-de-obra e materiais mais caros por mão-de-obra e materiais menos caros gera um ganho econômico líquido, equivalente a um aumento na produção, pois a produção de algo considerado mais importante pelos consumidores está sendo aumentada em detrimento da produção de algo considerado menos importante.
As fronteiras geográficas que delimitam estes processos são irrelevantes.  O efeito de trabalhadores da indústria de calçados gaúcha sendo desalojados por sapatos chineses é o mesmo de uma padaria de bairro dispensar seus empregados porque uma grande rede varejista se instalou na vizinhança e está roubando clientes.  Em ambos os casos, desde que haja plena liberdade de comércio e desimpedida mobilidade da mão-de-obra, haverá uma maior produção em outros setores e uma consequente maior oferta de bens na economia como um todo.  É desta forma que as reduções de custo trazidas pelo livre comércio beneficiam os próprios brasileiros. 
Logo, vale repetir: se são as regulamentações estatais que atrapalham o remanejamento da mão-de-obra deslocada pelas forças de mercado, então são elas que deveriam ser abolidas, e não o livre comércio.
Apenas quando se entende todo esse processo é que se torna possível entender como as reduções de custos geradas pelo livre comércio aparecem como reduções reais de preços nos bens e serviços que os brasileiros compram.  Tais reduções de preços ocorrem porque as reduções nos custos são maiores do que o declínio nos salários.  Em outras palavras, os salários reais dos brasileiros — e não os salários nominais — aumentam.  E isso é algo totalmente visível.  O número de horas trabalhadas necessárias para se adquirir bens e serviços vem caindo ao longo dos anos, não obstante toda a inflação monetária e consequente aumento nominal dos preços gerados pelo governo.  Esse fenômeno representa bem o princípio ricardiano das vantagens comparativas e da distinção entre valor e riqueza.
Não obstante tudo o que foi dito, é claro que, se analisarmos exclusivamente a situação de um grupo isolado da economia, principalmente o daqueles assalariados que tendem a ganhar salários mais altos — como os engenheiros de software, os radiologistas ou mesmo os operários sindicalizados da indústria automotiva —, o declínio de sua renda é muito mais acentuado do que qualquer eventual declínio nos preços de bens e serviços que os membros destes grupos tendem a consumir.  Porém, da mesma maneira, para cada um destes exemplos pode-se citar inúmeros contra-exemplos de brasileiros que são beneficiados por reduções nos custos de serviços de informática e serviços médicos e nos preços de automóveis e sapatos.  E sem terem sofrido nenhuma redução salarial.
Conclusão
A divisão do trabalho é algo infinito, e o fato de vivermos em um mundo de escassez significa que sempre haverá serviços a serem feitos.  Consequentemente, sempre haverá empregos para todos.  O fato de isso não ocorrer hoje se deve às várias intervenções do governo no mercado de trabalho — são os encargos sociais (INSS, FGTS normal, FGTS/Rescisão, PIS/PASEP, salário-educação, Sistema S) e trabalhistas (13º salário, adicional de remuneração, adicional de férias, ausência remunerada, férias, licenças, repouso remunerado e feriado, rescisão contratual, vale transporte, indenização por tempo de serviço e outros benefícios), além do salário mínimo, que provocam esse descasamento entre demanda por trabalho e oferta de mão-de-obra.
O livre comércio por si só não gera desemprego.  Muito pelo contrário: ele possibilita a expansão do emprego e o consequente desenvolvimento de outros setores até então pouco ou nada explorados, além de gerar redução de custos e aumento dos salários reais na economia.  As pessoas que são demitidas das indústrias menos eficientes (que não conseguem concorrer com os produtos importados) e não conseguem outros empregos devem debitar ao estado e às suas regulamentações esse seu atual suplício.  O que elas não podem fazer é utilizar justamente o governo para impedir que outras pessoas voluntariamente adquiram os produtos de seus concorrentes.
Há também efeitos indiretos gerados pelo livre comércio.  Países que abrem suas economias expõem seus empreendedores ao mercado global, algo que os obriga a ser eficientes, inovadores e ousados.  De quebra, todo o país é obrigado a melhorar suas referências em educação e a aperfeiçoar seu ambiente burocrático, diminuindo impostos e regulamentações, e aprimorando sua infraestrutura — um setor em que, caso o estado se retirasse de cena, haveria grandes oportunidades para a livre concorrência fazer seu trabalho.
Por trás do protecionismo está justamente a ideia de que os empregos são limitados e de que não há a possibilidade de exploração de novas áreas da economia.  Fosse o governo habitado por seres minimamente racionais em termos econômicos, todas as leis anti-emprego e anti-empreendedorismo já teriam sido repelidas juntamente com todas as tarifas de importação e todas as regulamentações anti-comércio.  E isso traria um benefício enorme para toda a população, principalmente em termos de renda real.
Por fim, nunca é demais ressaltar que o desenvolvimento econômico da China, da Índia, dos países do leste asiático e de todos os países considerados como de terceiro mundo, em conjunto com sua total integração a um sistema de divisão global do trabalho, é algo que deve ser fervorosamente desejado por qualquer pessoa que genuinamente entenda os benefícios do livre comércio e reconheça toda a prosperidade por ele gerada.  Tal desenvolvimento econômico, se deixado livre, geraria, além de todos os benefícios das vantagens comparativas, a máxima economia de escala possível em cada setor da produção.  Mais ainda: cada ramo da ciência, da tecnologia, da invenção e da inovação empreendedorial passaria a ser buscado por um número cada vez maior de indivíduos inteligentes e altamente motivados.  O resultado inevitável seria um progresso econômico mais acelerado ao redor de todo o globo, o que elevaria o padrão de vida de todos para um nível muito acima do atual padrão vigente nos países mais ricos da atualidade — algo desesperadoramente necessário nesses tempos de crise econômica aguda.
O protecionismo nada mais é do que o medo dos incapazes perante a inteligência e as habilidades alheias.  Tal postura, além de moralmente condenável, por ser covarde, é também extremamente perigosa.  Como já alertava Bastiat, se, ao invés de nos permitirmos os benefícios da livre concorrência e do livre comércio, começarmos a atuar incisivamente para impedir o progresso de outras nações, não deveríamos nos surpreender caso boa parte daquela inteligência e habilidade que combatemos por meio de tarifas e restrições de importações acabe se voltando contra nós no futuro, produzindo armas para guerras ao invés de mais e melhores bens de consumo que eles querem e podem produzir, e os quais nós queremos voluntariamente consumir.
Como disse Bastiat, quando bens param de cruzar fronteiras, os exércitos o fazem.  O mundo seria incalculavelmente mais rico e desenvolvido caso as pessoas lessem mais Mises e Bastiat, e menos Marx e Keynes.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Parlamentares fazem farra com cota para aluguel de veículos



Câmara gasta R$21,3 mil por mês com aluguel
de cinco veículos para o deputado Arnon Bezerra.
Imagem: Congresso em Foco
Enquanto milhões de brasileiros 
dependem de um transporte de 
péssima qualidade para se 
locomoverem, como deixaram claro 
os protestos de junho em várias cidades 
brasileiras,os parlamentares federais 
contam com uma excepcional ajuda 
do contribuinte para nunca ficarem a pé.
Dos muitos benefícios a que os 
congressistas têm direito, que já colocam nosso Parlamento no topo do ranking 
mundial nessa área, destaca-se a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap). 
Ela confere em média a cada deputado – e, segundo o Senado, os valores são 
equivalentes para os senadores – cerca de R$ 400 mil por ano. O dinheiro serve, 
em tese, para bancar despesas necessárias ao bom exercício do mandato. 
Entre elas, auxílio para divulgação do mandato, passagens aéreas, aluguel de 
veículos e gastos com combustíveis. Estes últimos, limitados a R$ 4,5 mil mensais 
para o deputado e, para o senador, ilimitados desde que fiquem dentro do teto 
da Ceap, que é mais conhecida como cota parlamentar ou simplesmente “cotão”.
Como cada congressista tem total liberdade para usar essa verba, ela se transformou 
em um extraordinário ralo de desperdício de recursos públicos. Basta dizer que entre 2012 
e 2013, somente a Câmara dos Deputados já gastou mais de R$ 31 milhões em aluguéis 
de veículos e R$ 22,8 milhões com combustíveis e lubrificantes. Mas o valor pode ser 
ainda maior, pois os deputados têm até 90 dias para prestar contas. Ou seja, valores
gastos entre maio e julho deste ano ainda podem ser ressarcidos.
O montante é suficiente para comprar mil carros populares, o que daria quase dois 
carros por parlamentar (a Câmara tem 513 deputados). Ou 413 carros executivos de 
uxo, como os deputados demonstram preferir. É como se cada parlamentar, gastasse 
em média, todo mês, R$ 3,1 mil para alugar carros.  Apesar dos elevados gastos, as 
empresas contratadas, frequentemente, são pequenas e muitas sequer têm loja montada.
 Enfim, a inevitável conclusão é que o Congresso, que já protagonizou em ar a farra das 
passagens, também encena em terra uma outra folia com os reais que nos são 
retirados através dos impostos.
Arnon Bezerra, o campeão de gastos
Vários parlamentares chegam a desembolsar mais de R$ 15 mil mensais para ter 
à disposição carros executivos e de luxo.
É o caso do deputado Arnon Bezerra (PTB-CE), recordista no gasto com aluguel de 
carros. Desde 2012, ele gasta todo mês R$ 21,3 mil para locar cinco carros, sendo
 três de luxo. Segundo Arnon, o custo está dentro dos valores de mercado, mesmo 
tendo valor tão elevado. “Eu uso os carros e transporto também o pessoal que me 
acompanha sempre para o interior. Você não usa todo dia, mas eles têm que estar 
à disposição. Porque nem sempre quando precisa se tem os carros à disposição. E
eu consegui preços mais acessíveis para, justamente, ter os carros à disposição”, 
disse ele ao Congresso em Foco.
O próprio deputado confirma que aluga uma Toyota Hilux, uma Mitsubishi Pajero, 
uma Triton e dois carros populares cujos modelos o deputado não informou. Em 2010,
 quando concorreu a uma vaga na Câmara, Arnon declarou à Justiça eleitoral  possuir 
uma Toyota Hilux no valor de R$ 50 mil. Segundo o parlamentar, os carros são 
utilizados em Juazeiro do Norte e em outras cidades próximas, no interior do Ceará.
Desde o início do atual mandato até junho o deputado gastou nada menos que 
R$ 505,8 mil em aluguel de veículos, locados em duas empresas de Fortaleza – a 
Levita Locação de Veículos Ltda. e a Top Rent a Car Ltda. Ou seja: destinou, em
dois anos e meio, mais de meio milhão a esse tipo de despesa. O deputado discorda 
que seja muito.
“Considero, sim, que esse gasto é necessário para garantir o transporte, para fazer um
 trabalho confortável. Se não, eu teria que fazer a opção de ir com um avião pequeno 
para determinados lugares do interior. E eu não posso diminuir o meu trabalho. Se a gente
 não volta para a
 base, a gente não volta para Brasília. Temos que estar na base permanentemente, 
fazendo trabalhos, fazendo palestras, discutindo e recebendo críticas também”, justificou.
A maioria dos parlamentares prefere alugar os automóveis porque a verba indenizatória não
 permite a compra de automóveis. Além disso, os contratos, em geral, preveem a substituição
 dos carros em caso de defeitos ou desgaste.

Mariana Haubert
Congresso em Foco

A terceira revolução industrial



Telecommunications_cool.jpgEconomistas de vários países ocidentais, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, estão preocupados com a "ameaça" de perda de vários empregos no setor industrial em decorrência da avassaladora capacidade produtiva da China, da Índia e de outros países asiáticos, que exportam seus produtos a preços baixos, retirando assim competitividade da indústria nacional destes países ocidentais.  Muitos temem uma maciça transferência de empregos industriais para o Oriente, fazendo com que os ocidentais encontrem trabalho apenas no setor de serviços.  Já se fala em uma nova Revolução Industrial, a terceira desde o século XVIII, que irá transformar o comércio e a indústria, exigindo dolorosos ajustes internos.
A primeira revolução trouxe drásticas mudanças para a Inglaterra e durou de meados do século XVIII até meados do século XIX.  Durante esta época, algumas invenções e inovações tecnológicas originaram o sistema industrial, e a população economicamente ativa, que até então trabalhava na agricultura, encontrou empregos mais bem remunerados na produção industrial.  A revolução se espalhou para a Europa Ocidental e para os Estados Unidosuma ou duas gerações depois.  Desde então, ele se espalhou para a maioria dos países do globo.
Em suas vívidas descrições sobre os primórdios da industrialização, a maioria dos historiadores raramente faz alguma referência às mudanças políticas e ideológicas que de fato pavimentaram o caminho para a revolução.  Eles mostram alguma admiração pelas primeiras transformações ocorridas na indústria do algodão e aplaudem a indústria de ferro e aço, que se esforçou para atender à crescente demanda por todos os tipos de projeto de construção civil.  Porém, eles raramente mencionam os escritos dos economistas clássicos, de Adam Smith e de seus numerosos mestres e precursores, como Frances Hutcheson, David Hume, Josiah Tucker e vários outros.  Estes economistas clássicos escreveram numerosos ensaios sobre o comércio e a tributação, e apresentaram novas observações sobre os princípios básicos de uma ordem de mercado.  Eles foram bem sucedidos em persuadir seus governos a removerem restrições milenares e a permitirem que as pessoas buscassem livremente seus interesses econômicos.
Os historiadores econômicos também falam de uma segunda Revolução Industrial que deixou sua marca no século XX e que agora está se difundindo com muita intensidade para as outras partes do mundo industrial, inclusivepaíses em desenvolvimento.  Mais especificamente, eles estão se referindo à poderosa mudança ocorrida na base econômica destes países, que estão abandonando a indústria e indo em direção ao setor de serviços.  Por todo o velho mundo industrial, o número de empregos nas indústrias vem declinando lentamente ao passo que o número de empregos no setor de serviços vem aumentando continuamente.  Nos EUA, por exemplo, onde este fenômeno é mais evidente, apenas um sexto dos empregos não agrícolas está nas indústrias produtoras de bens, ao passo que cinco sextos estão no setor de serviços. [No Brasil, em 2011, a participação da indústria no PIB caiu para 14,6%, nível igual ao da década de 1950].
Muitos historiadores raramente, para não dizer nunca, mencionam a ordem de mercado que impeliu e facilitou esta mudança.  A proteção à propriedade privada dos meios de produção, o que estimulou o empreendedorismo e facilitou amplos investimentos em capital, elevaram a produtividade da mão-de-obra.  Menos trabalhadores se tornaram necessários para a produção de um mesmo volume de bens.  A oferta aumentou e os preços reais diminuíram.  Os salários reais subiram e o padrão de vida disparou, o que permitiu aos trabalhadores direcionar fatias cada vez maiores de sua renda para serviços como saúde, entretenimento e educação.
Simultaneamente, legislações trabalhistas, encargos sociais onerosos e carga tributária crescente, tudo obra dos governos, aceleraram a expansão do setor de serviços.  Tais medidas possibilitaram e encorajaram os sindicatos do setor industrial a elevar os custos trabalhistas para acima de sua produtividade, o que gerou um fenômeno econômico até então atípico para este setor, que sempre demandou mão-de-obra em massa: o desemprego e a consequente debandada desta mão-de-obra desempregada para o setor de serviços, fenômeno este que vem se intensificando desde então.  O setor de serviços passou a funcionar como uma grande rede, legal e ilegal, que absorve a mão-de-obra dos outros setores e as direciona para usos produtivos.
E agora uma terceira Revolução Industrial vem surgindo nos países mais ricos e industrializados.  E, assim como as duas primeiras, esta também está destinada a introduzir várias mudanças e forçar milhões de pessoas a fazerem ajustes dolorosos.  Trata-se de uma "revolução da informação", a qual expande enormemente o alcance dos serviços comercializáveis internacionalmente e tende a transferir mais empregos do setor de serviços para a Índia, a China e outros países em desenvolvimento recém-chegados aderidos à globalização, onde a mão-de-obra é muito mais barata. 
Este movimento é implacável.  Se antes eram os empregos industriais que estavam saindo dos países onde os custos trabalhistas eram mais altos e indo para os países onde estes custos eram menores, agora, com a terceira revolução, a tendência é que um número cada vez maior de empregos no setor de serviços também seja exportado para países de custo de produção menor.  É claro que empregos que prestam serviços pessoais não podem ser exportados; meu barbeiro não pode ir para a China, nem o meu lava-jato, minha oficina e meu restaurante.  Porém, novas tecnologias tornaram vários empregos comercializáveis, os quais podem agora ir para qualquer lugar onde os custos trabalhistas sejam menores.  Os serviços de contadores e de programadores de computadores são apropriados para entrega eletrônica, o que significa que eles podem ser exportados.  Qualquer país cujo setor de serviços possua uma fatia significativa destes empregos e os custos da mão-de-obra sejam elevados certamente passará por dolorosas transformações num futuro próximo.  Só nos EUA, um recente estudo da McKinsey constatou que 11% dos empregos correm o risco de serem exportados para outros países, algo que certamente será uma grande preocupação política no futuro.
Um mercado genuinamente livre, desobstruído de regulamentações, leis salariais e encargos sociais e trabalhistas, iria prontamente facilitar os reajustes necessários.  Sob a pressão da concorrência externa, com seus baixos custos, os salários tanto das indústrias quanto destes serviços comercializáveis internacionalmente iriam indubitavelmente ficar estagnados ou até mesmo cairiam, o que faria com que alguns trabalhadores destes setores se movessem para o mercado de serviços pessoais, o que iria pressionar para baixo os salários deste setor.  O programador de computadores pode ter de se tornar um técnico de computadores ou um reparador.  O ex-empregado da indústria pode ter de se tornar um mecânico ou um eletricista.  Ou até mesmo um barbeiro.  No entanto, sua renda real não necessariamente irá declinar, pois a maior oferta de bens e serviços importados, cujos custos agora são menores, tenderá a reduzir os preços.  Adicionalmente, enquanto a quantidade de capital investida no país continuar a subir em termos per capita, não haverá fatores concorrendo para uma queda em sua renda.  O setor de serviços pessoais pode se expandir tão rápido quanto, ou até mesmo mais rápido que, a contração do setor dos serviços impessoais e da indústria.
Os políticos irão interferir no processo de reajustamento econômico?  Sem dúvida.  Todas as forças protecionistas, das mais arcaicas imagináveis, não apenas irão encontrar meios de limitar as importações, como também se esforçarão para obstruir o capital nacional investido no exterior.
As forças da intervenção política, com o intuito de proteger e beneficiar a mão de obra nacional, irão apenas fazer com que haja uma elevação dos custos trabalhistas, o que invariavelmente gera ou desemprego ou estagnação salarial.  Afinal, cada centavo de custos trabalhistas que excede a produtividade da mão-de-obra está fadado a gerar desemprego ou estagnação salarial.  Os países com as mais fervorosas leis de proteção trabalhista, como os europeus, são aqueles que sempre apresentaram taxas de desemprego acima dos 10%.  Nos anos vindouros, a terceira revolução industrial irá exigir vários e dolorosos ajustes.  As taxas de desemprego e de estagnação econômica tenderão a ser proporcionais aos poderes políticos que exercerão a resistência e o controle da economia.
O processo de mudança industrial e de ajuste da mão-de-obra se torna ainda mais complexo e doloroso em decorrência de um outro fator político: a propensão dos atuais governos a apresentarem seguidos e altos déficits orçamentários, os quais, para serem financiados, consomem a maior parte da poupança das pessoas.  Todos os principais governos da atualidade, com seus gastos e déficits crescentes, estão consumindo recursos do setor privado que de outra forma poderiam estar sendo investidos e, com isso, criando empregos e pagando salários maiores.  Caso realmente quisessem evitar a perda de empregos em determinados setores para os concorrentes estrangeiros, a redução de gastos, déficits e impostos já permitiria um sensível aumento na acumulação de capital, o que traria maior competitividade a empresas e setores da economia.
Déficits e endividamentos sempre representam o pior tipo de pobreza.  Quanto mais altos, maiores serão os gastos dos governos apenas para financiá-los.  A terceira Revolução Industrial poderá confirmar este fato nos anos e décadas vindouros.

A política monetária no livre mercado


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A questão fundamental sobre o sistema bancário e a política monetária é se o governo pode aperfeiçoar as instituições monetárias de um mercado livre e desimpedido.  Toda e qualquer intervenção governamental nesta área se resume a esquemas de aumentar a quantidade de dinheiro para além daquela quantidade que existiria sem a intervenção estatal.  O argumento libertário a favor da abolição da intervenção governamental sobre a moeda e sobre o sistema bancário baseia-se na constatação de que este último serve apenas para propósitos redistributivos.
A política monetária está sempre dedicada a fazermodificações na quantidade de dinheiro da economia.  Embora as autoridades monetárias possam, em última análise, querer controlar as taxas de juros, o desemprego ou o índice da bolsa de valores, a tentativa de se alcançar qualquer um destes objetivos por meio da política monetária pressupõe a capacidade de modificar a quantidade de dinheiro.
Por exemplo, para reduzir as taxas de juros de curto prazo, as autoridades monetárias têm de produzir quantidades adicionais de dinheiro e oferecer este dinheiro no mercado interbancário, caso contrário elas não conseguirão exercer nenhuma pressão baixista sobre as taxas de juros.  Logo, a pergunta crucial é: quem deveria ter a permissão para criar e destruir dinheiro, e quais objetivos deveriam ser buscados por meio desta medida?
A política do sistema bancário está voltada para questões semelhantes.  Em vez de lidar com a produção de dinheiro, o sistema bancário lida com a produção de substitutos monetários, ou recibos de armazenamento de dinheiro, os quais podem ser instantaneamente redimidos em dinheiro — ao contrário de títulos de crédito ou notas promissórias, os quais poderão ser redimidos em dinheiro somente em algum ponto futuro determinado.  Um banco — no caso, um banco que participa do sistema bancário e influi em suas políticas — é uma empresa que emite recibos de armazenamento de dinheiro.   Estes podem ser talões de cheque, cartões de débito, cartões de crédito, contas de internet etc.  Quem deveria ter a permissão para emitir tais recibos?  Com quais propósitos e em quais quantidades?  Estas são as principais perguntas sobre o sistema bancário e sua política.
A livre e desimpedida produção de dinheiro
No livre mercado, todo e qualquer indivíduo teria o direito de investir seu trabalho e sua propriedade na produção de dinheiro, e fazer com seu produto o que bem entendesse — vender ou doar.  Cada produtor de dinheiro iria, neste sentido, adotar sua própria política monetária, assim como cada fabricante de tênis, ao vender seus produtos, está adotando sua própria "política calçadista".
Portanto, as duas principais questões sobre política monetária são respondidas pelo próprio princípio organizacional do mercado: propriedade privada.  Cada indivíduo é um elaborador de políticas, criando sua própria política para sua propriedade.  E cada indivíduo vai buscar aqueles objetivos que ele gostaria de alcançar.
Historicamente, vários diferentes tipos de mercadorias (ouro, prata, cobre, conchas, tabaco, algodão etc.) foram utilizados como dinheiro.  No entanto, ouro e prata sempre se sobressaíram como dinheiro, sobrepujando as outras moedas e retirando-as do mercado.  E tudo por causa de suas imbatíveis qualidades para a consecução de várias funções monetárias: ambos são homogêneos, duráveis, fáceis de serem reconhecidos, fáceis de serem moldados etc.
Sua produção está sujeita às mesmas leis que governam a produção de todas as outras mercadorias.  Logo, a "política monetária" dos proprietários de minas e de cada estabelecimento que faz a cunhagem de moedas será estritamente voltada para a satisfação do consumidor, e as quantidades produzidas irão depender apenas da demanda dos consumidores.
Dado que moedas de papel são o tipo dominante de dinheiro em nossa era, tem havido muita especulação sobre a possibilidade de um livre mercado para dinheiro de papel ou dinheiro eletrônico.  No entanto, não apenas não há nenhuma evidência histórica para respaldar tal possibilidade, como também há o lamentável fato de que o dinheiro de papel — isto é, o dinheiro que não é mercadoria — sempre, em todos os lugares e épocas, foi uma criatura do estado.
Foi algo ainda muito recente a introdução do papel-moeda na economia pelo estado.  Ele fez isso concedendo a uma entidade (o Banco Central) o privilegiado monopólio de emissão de dinheiro, bem como a permissão de suspender a restituição em ouro de seus recibos de armazenamento.  Embora o histórico não comprove ser impossível haver um dinheiro que não seja mercadoria em um livre mercado, os economistas austríacos argumentam que, para um dinheiro se estabelecer voluntariamente, ele tem de se originar como uma mercadoria.
Um sistema bancário de livre mercado
No livre mercado, cada indivíduo teria o direito de se tornar um banqueiro.  Qualquer pessoa poderia se oferecer para armazenar o dinheiro de terceiros e emitir recibos de armazenamento, os quais, por sua vez, iriam servir de registro do fato de que o dinheiro foi depositado em seu estabelecimento e que ele pode ser restituído a qualquer momento.
É perfeitamente concebível também que alguns banqueiros iriam propor esquemas de investimentos que possuíssem uma forte semelhança com a atividade de armazenar e emitir recibos de armazenamento.  Por exemplo, eles poderiam se oferecer para emitir notas promissórias em troca do dinheiro que fosse investido em seus bancos — dinheiro este o qual os bancos emprestariam a juros para terceiros — e tentariam tornar estas notas mais atrativas prometendo liquidá-las sob demanda ao seu valor de face.  Eles poderiam até emitir estas notas em formatos que fossem praticamente idênticos aos formatos dos recibos de armazenamento.  E isto, por conseguinte, poderia induzir alguns participantes de mercado a aceitar estas notas promissórias como sendo um genuíno meio de pagamento em suas rotineiras trocas de mercado, assim como eles ocasionalmente aceitam papeis de hipoteca ou de ações como meio de pagamento.
Alguns economistas creem que tais esquemas já foram feitos no passado e os rotulam de "sistema bancário de reservas fracionárias".  Eles também utilizam o termo "cédulas" para descrever as supracitadas notas promissórias.  Entretanto, é importante estar atento às essenciais diferenças que existem entre estas notas e os recibos de armazenamento.  Não obstante a semelhança na aparência e no uso, recibos de armazenamento são títulos de reivindicação sobre dinheiro, ao passo que a promessa de se restituir uma nota promissória em dinheiro permite uma boa margem de manobra para o banqueiro.  Ao passo que todos os recibos de armazenamento podem ser restituídos a qualquer momento, se vários portadores de notas promissórias decidirem liquidá-las ao mesmo tempo, apenas uma parte delas poderá de fato ser liquidada como havia sido prometido pelo banqueiro.
Nomes idênticos e aparências externas idênticas entre os recibos de armazenamento e as notas promissórias líquidas não são uma mera coincidência.  Na maioria dos exemplos históricos, banqueiros que emitiram notas promissórias líquidas se esforçaram enormemente para ocultar as reais diferenças que distinguiam seu produto de genuínos recibos de armazenamento.  Se tais esforços são empreendidos com a intenção de ludibriar outros participantes de mercado, então um sistema bancário de reservas fracionárias representa um esquema fraudulento que viola os princípios do livre mercado e serve meramente para enriquecer alguns indivíduos (os banqueiros e seus clientes) à custa de todos os outros.
Mais sobre o dinheiro e sobre recibos de armazenamento
Esta tendência de fundir dinheiro com recibos de armazenamento nunca mais foi interrompida desde que vários decretos dos governos do século XX transformaram de maneira fundamental a natureza dos bancos centrais e das cédulas que eles imprimem.  Tais decretos (a) deram aos bancos centrais nacionais o privilégio de poder negar restituições em metais para seus correntistas que quisessem redimir seus recibos de armazenamento em ouro ou prata e (b) garantiram privilégios monopolistas às cédulas criadas pelos bancos centrais, concedendo a elas o privilégio do curso forçado — o que significa que todas as pessoas eram agora obrigadas a aceitar tais cédulas.
Por falta de melhores alternativas no curto prazo, as cédulas dos bancos centrais permaneceram em circulação.  No entanto, estas cédulas agora não mais eram recibos de armazenamento, pois elas não mais poderiam ser apresentadas aos bancos e restituídas em metais.  Elas haviam se tornado bens independentes: dinheiro de papel.
Similarmente, os bancos centrais não mais eram bancos comuns; eles eram agora criadores de dinheiro.  Uma confusão a respeito desta transformação estava prestes a se espalhar, pois, fisicamente, tanto as cédulas do banco central quanto o próprio banco central continuaram existindo sem qualquer alteração em sua aparência — um interessante caso daquilo que poderia ser chamado de transubstanciação econômica.
Isto não significa que recibos de armazenamento deixaram de existir.  Com efeito, a instituição de moedas de papel decretada pelo governo transformou apenas os bancos centrais e seus produtos.  Todos os outros bancos continuaram emitindo recibos de armazenamento, com a única diferença que os recibos que eles emitiam não mais se referiam a uma commodity metálica, mas sim a uma nova moeda de papel.  Papel (recibos de armazenamento) era agora trocado por outro papel (dinheiro). Atualmente, o desprezo pela fundamental distinção entre dinheiro e recibos de armazenamento (os dígitos eletrônicos nas contas-correntes) tem gerado grandes especulações sobre a possibilidade de moedas puramente digitais cridas e gerenciadas na internet.
Produção de dinheiro, sistema bancário e governo
A grande questão sobre as políticas monetária e bancária é se um sistema bancário de livre mercado, com livre entrada e livre produção de dinheiro, pode ser aprimorado por esquemas baseados na coerção.  A história da análise monetária e das políticas monetárias é uma história de debates sobre as limitações e deficiências do mercado livre e desimpedido e sobre como estas limitações podem ser corrigidas com esquemas monetários estatistas.  Praticamente todas estas discussões têm girado ao redor do problema da suposta escassez de dinheiro; e a essência de todas as soluções criadas para superar estes problemas é produzir um volume de dinheiro maior do que aquele que seria produzido no mercado livre e desimpedido.
Escritores mercantilistas argumentavam que mais dinheiro significava juros menores e preços maiores, e que isto, por sua vez, estimulava o comércio e a indústria.  Além disso, tributos poderiam ser impostos mais facilmente em uma economia monetária do que em uma economia de escambo.  Assim, os mercantilistas exortavam que as importações de ouro e de prata fossem estimuladas tanto por meio de subsídios às exportações de produtos domésticos quanto por tarifas sobre a importação de bens estrangeiros.  Eles apoiavam o sistema bancário de reservas fracionárias, o qual beneficiava também a Coroa, e defendiam privilégios monopolistas especiais para os bancos "centrais" ou "nacionais".
E isso fazia sentido para eles: os reis lucravam enormemente com este aumento da circulação de dinheiro, pois tornava mais fácil espoliar seus súditos.  No entanto, os fisiocratas franceses e os economistas clássicos britânicos demoliram completamente o resto do esquema mercantilista.  Tarifas de importação e subsídios às exportações não podiam aumentar permanentemente a oferta monetária doméstica, e a quantidade de dinheiro circulando na economia não gera impacto positivo no comércio e na indústria como um todo.
A grande contribuição da Escola Monetária para a teoria da política monetária foi mostrar que aumentos na quantidade de dinheiro na economia não aumentam a quantidade de bens e serviços na nação como um todo.  Uma maior oferta monetária irá meramente elevar os preços, mas não irá afetar a indústria como um todo e nem a produto real agregado da economia.  Isto é o que eles tinham em mente quando falaram que o dinheiro era um "véu" que era colocado por cima da economia física.
Mas tarde, outros economistas refinaram esta análise dando a ela uma explicação mais sofisticada sobre impacto do dinheiro na economia real.  Eles demonstraram que aumentos na oferta monetária geram duas formas deredistribuição de renda.  De um lado, um aumento na quantidade de dinheiro significa que o poder de compra de cada unidade monetária está sendo diluído.  Se esta perda de poder de compra não for antecipada, os tomadores de empréstimos se beneficiarão à custa de seus credores.
Por outro lado, e independentemente das antecipações dos participantes de mercado, o dinheiro recém-criado irá chegar primeiro apenas a alguns poucos indivíduos, cujo poder de compra aumentará, de modo que eles agora poderão comprar mais bens — mas sem que tenha havido um aumento na oferta dos mesmos.  Consequentemente, todas as outras pessoas irão comprar menos bens e a preços maiores, dado que o gasto deste dinheiro adicional irá elevar os preços.  Logo, embora variações da quantidade de dinheiro não tragam nenhuma melhoria generalizada para a economia, elas irão beneficiar algumas pessoas, indústrias e regiões à custa de todos os outros participantes do mercado.
Por mais de cem anos, a ideia de que uma economia poderia promover o bem-estar de seus cidadãos aumentando a oferta monetária para um nível além daquele que vigoraria em um mercado livre e desimpedido era algo desacreditado entre economistas profissionais, ainda que o influente J.S. Mill houvesse solapado esta ortodoxia monetária fazendo várias concessões.
E então surgiu John Maynard Keynes, que, praticamente sozinho, deu nova vida às velhas políticas mercantilistas.  O carismático Keynes era o mais conhecido economista do mais conhecido departamento de economia de sua época.  Em seus escritos, palestras e conversas privadas, ele utilizava seu prestígio pessoal e institucional para promover a ideia de que a multiplicação do dinheiro poderia fazer mais do que simplesmente redistribuir a renda em favor do governo e dos grupos que o controlam.
O keynesianismo logrou aumentar enormemente o controle governamental sobre a economia.  Ele forneceu aos estados modernos a justificativa para que implementassem políticas de engenharia social em uma escala totalmente inaudita e transformassem profundamente as relações sociais, a alocação geográfica de recursos e a psicologia das massas.  No entanto, o maior legado de Keynes é o fato de que suas ideias continuam pautando as discussões econômicas atuais, tanto em termos fiscais quanto monetários.
Hoje, praticamente todas as publicações em jornais acadêmicos aceitam como fato consumado que Keynes estava certo e a ortodoxia monetária estava errada.  Baseando-se na tácita suposição de que o governo pode aprimorar o sistema monetário e o sistema bancário, desta forma elevando o produto agregado da economia, os debates convencionais conseguem obscurecer as questões que são de interesse das autoridades governamentais, como, por exemplo, a definição dos vários agregados monetários, o comportamento das autoridades do banco central e os sinais que elas enviam ao mercado, e os indicadores de previsão do impacto da política monetária sobre os preços, as taxas de juros, a produção e o emprego.
Existem também economistas pró-livre mercado que rejeitam a ortodoxia monetária e tentam argumentar em prol de um livre mercado para a moeda e para o sistema bancário baseando-se em premissas mercantilistas-keynesianas.  Estes economistas afirmam que a oferta de dinheiro tem de ser constantemente adaptada para corresponder às necessidades do comércio ou para gerar o equilíbrio monetário (ver mais aqui).  No entanto, eles creem que as instituições necessárias para garantir esta permanente adaptação irão muito provavelmente surgir no mercado livre e desimpedido.
É difícil prever qual caminho o pensamento convencional sobre sistema bancário e política monetária irá tomar.  Para economistas libertários, há amplas e vastamente inexploradas oportunidades de pesquisa relacionadas particularmente ao impacto de uma oferta monetária controlada pelo governo sobre a economia e sobre a sociedade como um todo, e às melhores maneiras de se abolir a intervenção governamental na moeda e no sistema bancário.

Jörg Guido Hülsmann é membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism e e The Ethics of Money Production.  Ele leciona na França, na Université d'Angers.

Tradução de Leandro Roque

Explicando o que é o governo para um “forasteiro”



alien_governo.jpgPerambulando despreocupadamente por sua vizinhança, um homem pacato se depara com um curioso e inofensivo alienígena que está visitando nosso planeta para observar melhor oprogresso de nossa espécie.  Abaixo, uma transcrição do diálogo entre o humano (H) e o alienígena (A).

H: Nossa, um alienígena!
A: Sim, mas não se assuste.  Estou aqui apenas para observar.  Viajei por todo o espaço para vir aqui à Terra com o objetivo de estudar como a espécie humana está progredindo.
H: Ah, legal! Ei, sendo assim, vou tentar levar você até nosso líder.  Quer?
A: Seu o quê?
H: Nosso líder.  A pessoa que está no comando.
A: A pessoa que está no comando de quê?
H: Ora, no comando de tudo.
A: Vocês têm uma pessoa que está no comando de tudo?
H: Não, não, essa pessoa está no comando apenas do governo.
A: O que é o governo?
H: Bom, o governo é uma entidade que cria regras para nós obedecermos.  Ele nos diz o que podemos e o que não podemos fazer.
A: Então o governo é muito sábio?  Ele cria regras sábias e sensatas para vocês seguirem?
H: Bem… digamos que na maioria das vezes sim, mas o problema é que algumas de suas regras são completamente idiotas.
A: E vocês ignoram estas regras que são completamente idiotas?
H: Não, não podemos fazer isso.  Temos de obedecer todas as regras, mesmo que elas sejam estúpidas e discordemos delas.  O governo pune qualquer um que desobedeça suas regras.
A: Então vocês são escravos do governo?
H: Não, não, não.  Não é bem assim.  O governo trabalha para nós, o povo.  Ele serve a nós.  Nós somos os chefes do governo.
A: Ele diz a vocês o que fazerem, ele pune vocês com violência caso desobedeçam, e ainda assim vocês é que são os chefes dele?
H: Sim...
A: Mas existem coisas que o governo faz e que vocês não gostam, certo?
H: Bom, sim... Nem tudo o que o governo faz é popular.  Por exemplo, quando ele toma uma quantidade excessiva do nosso dinheiro, ou quando ele usa esse dinheiro para privilegiar determinados grupos de pessoas, ou quando ele prende inocentes, ou quando ele mata inocentes, ou quando é flagrado fazendo corrupção.  Não gostamos quando isso acontece.
A: É muita coisa....  O que é corrupção?
H: É quando o governo utiliza nosso dinheiro para fins ilícitos, visando ao seu proveito próprio.  Ele pega nosso dinheiro e não dá nada em troca.  É praticamente como se fosse um roubo.
A: Hum... Vocês dão dinheiro para o governo?
H: Sim.  Bom, na verdade, nós não "damos".  Ele toma da gente.  E usa esse dinheiro para financiar absolutamente tudo o que ele faz.
A: Mas você havia dito que vocês são o chefe do governo.  Como pode o governo tomar dinheiro de seus chefes?
H: Porque ele nos obriga a dar dinheiro a ele.
A: E se vocês não quiserem dar?
H: Aí ele nos prende.
A: E se você resistir à prisão?
H: Aí ele pode nos matar.
A: Isso está meio confuso para mim.  Acho que ainda estou sob o efeito da minha longa viagem... Vocês humanos por acaso já chegaram ao estágio em que, de uma forma geral, consideram que roubar, escravizar e matar sejam atitudes ruins?
H: Ah, sim, todos nós pensamos assim.  Não roubar.  Não agredir.  Não matar.
A: Mas vocês dão dinheiro para o governo e ele não apenas rouba esse dinheiro, como também o utiliza para privilegiar, prender e matar pessoas?
H: Bom, sim, mas o governo também faz coisas boas com nosso dinheiro.
A: E por que vocês não param de pagar pelas coisas de que não gostam e pagam apenas pelas coisas de que gostam?
H: Não, não podemos fazer isso.  Você não pode simplesmente decidir que não irá mais pagar impostos, pois as regras dizem que todo mundo tem de pagar impostos.
A: Mas as regras foram feitos pelo governo, não foram?
H: Sim.
A: Então o governo criou uma regra dizendo que todo mundo tem de dar dinheiro para ele?  Então todo mundo paga impostos porque se não pagarem o governo irá puni-las utilizando de violência?
H: Bom, sim, mas a maioria das pessoas não liga de pagar impostos; a maioria se sente obrigada a pagar impostos e a se submeter às leis do governo, pois é para o bem da sociedade.  A sociedade precisa de governo, e isso significa que todos nós temos de pagar impostos.
A: Ok, então deixe-me ver se entendi corretamente.  O governo cria as regras e vocês se sentem obrigados a seguir estas regras, mesmo aquelas de que vocês não gostam.  O governo também diz a vocês o que vocês devem fazer, e ameaça punir vocês caso não façam o que ele ordenou.  E ele também usa parte do dinheiro que tomou de vocês — utilizando de ameaça de violência — para pagar por coisas de que vocês não gostam e as quais na realidade pensam ser imorais, como roubo, assassinatos e privilégios.
H: Bom, sim, mas nós podemos pedir a ele que nos dê apenas ordens sensatas, e que pare de tomar nosso dinheiro para utilizá-lo em coisas ruins.  Nós temos a permissão para pedir ao governo para que ele nos dê apenas as ordens que queremos que ele nos dê.
A: Só de curiosidade, vocês não têm medo desta coisa, não?  Pelo que visualizo, o governo é um monstro enorme capaz de esmagar você pelo simples fato de você tê-lo desobedecido.  É isso?
H: Não, o governo não é um monstro.
A: Ok, então o que é o governo?  Você poderia me descrevê-lo em mais detalhes?
H: Na verdade, o governo não é bem o tipo de coisa que você pode descrever em detalhes.
A: Bom, então talvez você possa me levar até ele.  Onde fica o governo?
H: Você se refere ao prédio?
A: O governo é um prédio?
H: Não, mas os políticos que controlam o governo ficam dentro de prédios.  É nesses prédios que eles trabalham.
A: Então o governo é um grupo destes políticos?
H: É... de certa forma.
A: Ok, mas de qual espécie são estes políticos?
H: Bom, eles são... humanos.
A: Iguais a você?!
H: Sim...
A: Então políticos são humanos e eles são o governo.  Você é humano, mas você não é o governo.
H: Certo.
A: Então são os políticos que estão por trás de tudo.  São eles que dão ordens a vocês, são eles que obrigam vocês a fazerem coisas contra suas vontades, e são eles que tomam seu dinheiro usando de ameaças de violência.  No entanto, muito embora vocês todos sejam humanos, vocês não podem dar ordens a eles e tomar o dinheiro deles?
H: Não.  Eles nos mandariam para a cadeia se fizéssemos isso.  Mas olha só, você está tendo uma ideia errada. Políticos não podem simplesmente sair fazendo tudo o que eles quiserem.  Tipo, um político não pode simplesmente me abordar na rua e me obrigar a dar dinheiro para ele.  Eles não podem fazer isso.  Políticos só podem fazer esse tipo de coisa se estiverem no seu trabalho, se estiverem trabalhando para o governo.
A: Ah, então políticos não são o governo.  Eles apenas trabalham para o governo.
H: Correto.
A: Ok, então o governo não é nenhum monstro enorme. E também não é um prédio.  E tampouco são os políticos.  O governo é algo mais.  E ele emprega políticos que são apenas humanos normais, mas que têm o poder de dar ordens gerais e de tomar o dinheiro de todo mundo.  Como um humano comum se torna um político?
H: Bom, esta é a coisa mais sensacional a respeito de nosso governo.  Temos uma democracia, e isso significa que são as pessoas que de fato detêm o poder, pois somos nós que decidimos quem entre nós poderá ser um político.  Somos nós que votamos.  E se um político começar a fazer coisas de que não gostamos, podemos simplesmente substituí-lo por outra pessoa na próxima eleição.
A: Então aqueles que são escolhidos para serem políticos somente podem dar ordens e tomar o dinheiro das outras pessoas durante um pequeno período de tempo.  Após esse período, eles voltam a ser humanos normais?
H: Exatamente.
A: Isso me parece uma posição muito poderosa para se conceder a alguém.  Mas se vocês podem escolher os humanos que serão os políticos, suponho então que os políticos sejam sempre os mais sábios, mais honestos, mais afetuosos e mais respeitados humanos entre vocês.
H: Bem, não, na verdade não.  Eu diria que os políticos não são exatamente conhecidos por serem honestos, sábios e afetuosos.  E eles certamente não estão dentre os mais respeitáveis de nós humanos.  Pensando bem, quase todos os políticos são safados e mentirosos; meros desonestos ávidos por poder.
A: Aqueles que vocês escolhem?
H: É.  Eles estão sempre fazendo coisas de que não gostamos.  Eles usam o dinheiro do contribuinte para se enriquecerem a si próprios e seus amigos, e eles nunca cumprem as promessas que fizeram aos eleitores.  Eles frequentemente são flagrados roubando, mentindo e aceitando propinas, e eles quase sempre fazem tudo aquilo que os grandes empresários, que são os grandes doadores de suas campanhas, querem.   Sim, eles estão sempre fazendo coisas erradas.  Elas são totalmente corruptos.  São um bando de vigaristas mentirosos.
A: Mas você disse que a maioria dos humanos sabe que roubar e agredir são coisas erradas.  E você também disse que vocês, o povo, têm o poder porque podem mudar quem está no comando.  Então por que vocês não simplesmente tiram os mentirosos e ladrões e os substituem por pessoas comuns?  
H: Bom, a verdade é que nós não escolhemos os vigaristas mentirosos para votar neles.  Eles simplesmente se revelam assim quando chegam ao governo.  Mas nós temos de ter um governo porque alguns humanos são maldosos e podem matar ou roubar ou escravizar outros humanos.  A civilização simplesmente não poderia viver sem governo.
A: Tá, então deixe-me novamente ver se entendi.  Dado que vocês estão preocupados com um pequeno número de humanos malvados que estão dispostos a matar, escravizar e roubar, vocês pensam ser necessário para a sua sobrevivência ter um sistema no qual alguns dos humanos entre vocês, por um pequeno período de tempo, passam a se chamar de governo, adquirem o poder de dar ordens a todos os outros humanos como se estes fossem escravos, e passam a roubar e a usar de violência porque, se eles não fizerem isso, outras pessoas poderiam fazer?  E vocês tentam eleger pessoas boas e honestas para serem políticos, mas o que realmente acontece é que as pessoas que vocês elegem se revelam corruptas, maldosas, vigaristas e mentirosas.  Este é o seu sistema?
H: É... é bem assim que funciona o nosso governo.

Graham Wright  é ativista libertário e dono do blog Man Against The State.