quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O desejo de “redistribuir riqueza” é uma fantasia impraticável

O desejo de “redistribuir riqueza” é uma fantasia impraticável
 

FeaturedImage.jpgAlguns temas abordados por Ludwig von Mises ainda em suas primeiras obras, há quase 100 anos, se tornaram ainda mais intelectualmente instigantes hoje do que eram naquela época, quando ainda estavam começando a ser discutidos.
Um desses temas é a questão da redistribuição de riqueza.  Mises, adepto do individualismo metodológico, sempre iniciava suas análises olhando para o indivíduo, e não para amplos agregados econômicos.  Na questão da redistribuição de renda, Mises diferenciou os indivíduos que têm bens daqueles que não têm.  Em específico, ele faz uma distinção entre bens de capital e bens de consumo. 
Bens de capital são os fatores de produção; são os bens que produzem outros bens e que também auxiliam os seres humanos em suas tarefas e, consequentemente, tornam o trabalho humano mais produtivo.  Já os bens de consumo, como o próprio nome diz, são todos os itens para consumo final — como alimentos, roupas, cadeiras, televisões —destinados a satisfazer as necessidades humanas.
Bens de consumo beneficiam amplamente apenas uma pessoa de cada vez.  Um indivíduo usufrui os benefícios trazidos por uma determinada camiseta apenas enquanto ele a está vestindo.  Bens de capital — o maquinário que produz as camisetas — geram benefícios para uma enxurrada de consumidores de uma só vez.
Por que, então, ainda há essa fixação marxista em relação ao, por exemplo, gerenciamento estatal de empresas geradoras de energia elétrica, quando se sabe que seus consumidores têm apenas eletricidade?  Mises observou que um consumidor não precisa ser o dono das instalações para ter eletricidade.
Tendo isso em mente, como o sentido convencional de distribuição de riqueza mudaria se excluíssemos os bens de capital dessa questão?  Por exemplo, nos EUA, 1% população é dona de 38% da riqueza, dados de 2001.  (No Brasil, 1% é dona de 13.3%).  Como ficaria essa distribuição de riqueza se os bens de capital forem excluídos?  O mais provável atualmente é que 95% da riqueza do 1% mais rico da população esteja atualmente ligada aos direitos de propriedade sobre esses bens de capital.  Logo, a distribuição de riqueza entre os consumidores é muito mais acirrada do que os acadêmicos imaginam.  Todos têm acesso a água corrente, telefones, comida e televisão.  É isso que interessa para um padrão de vida.
Mises nos ajuda a perceber que a ideia de obter igualdade pela redistribuição de riqueza nada mais é do que fantasia.  Você não pode redistribuir bens de consumo; como poderiam milhões de mulheres vestir o mesmo casaco de pele, as mesmas jóias e regalias, ou os mesmos sapatos que estão no armário de Imelda Marcos?  Como poderiam milhões de homens ficar dentro da banheira de hidromassagem de Hugh Hefner?  Um pedaço de pão não pode ser repartido infinitamente por várias bocas.
Da mesma maneira, você não pode fatiar um fogão em pedaços e dividir estas fatias igualitariamente entre as pessoas — e ainda esperar que o fogão funcione.  Você tem de respeitar a integridade de todos os bens de capital para que eles funcionem.  Uma central elétrica teria de ser triturada em átomos e repartida em pequenos envelopes para se obter uma distribuição igualitária.
Por sua natureza, bens de capital também não podem ser redistribuídos entre as pessoas de uma forma que resulte em igualdade e maior riqueza.  A redistribuição de riqueza, se levada a sério, significa necessariamente acompleta e absoluta destruição de riqueza.  Socialismo é niilismo, nada mais do que a destruição de valores.
Os comunistas nunca obtiveram êxito em distribuir riqueza igualitariamente.  Isso é inerente à natureza da riqueza.  Como a riqueza não pode ser subdivida entre as massas (somente a propriedade da riqueza pode), eles confiscam a riqueza alheia para benefício da própria camarilha.  Todo o resto fica à míngua, morrendo de fome.  É assim que a integridade da riqueza faz impor a realidade quando confiscada.  Os socialistas não brigam para ser donos do ar; eles brigam para tomar o controle desta estação de rádio, daquela impressora, deste automóvel, oudaquele pedaço de carne estragada.  A redistribuição de riqueza é criminalidade pura e ela exige um grau ainda maior de criminalidade após o confisco, como lobos brigando por uma carcaça ou rufiões eliminando seus cúmplices.
E, ainda assim, centenas de milhões de pessoas continuam achando que a redistribuição de riqueza irá gerar ganhos pessoais.  Quando um político difunde por seu rebanho a ideia de "espalhar a riqueza para todos", o que os eleitores imaginam?  No mundo perfeito, eles entenderiam que a riqueza deixaria de existir, mesmo que ela fosse confiscada e meticulosamente redistribuída — e caso realmente entendessem assim, o político será devidamente ridicularizado ainda em seus discursos.  A diferença entre um político populista ser venerado e ser chutado para fora do palanque em que discursa está no eleitorado ser educado por essa pequena fatia de racionalidade misesiana.
Mises abordou a distinção entre bens de capital e bens de consumo no debate sobre redistribuição; essa percepção é extremamente valiosa no atual mundo em que vivemos.  O debate sobre o cálculo econômico no mundo socialista já acabou, mas a noção de que a riqueza pode ser redistribuída e ainda continuar existindo não é amplamente reconhecida como uma contradição.  Espalhar coercivamente a riqueza para todos gera apenas a sua destruição.
Redistribuição de riqueza é uma expressão contraditória.  Esse fato reduz em cinzas o ímpeto do estado assistencialista.  O estado de bem-estar social é um rematado destruidor de riqueza.
O capitalismo resulta em ampla propriedade dos meios de produção porque a propriedade privada é a sua característica distintiva.  Somente em uma economia capitalista, em que os direitos de propriedade podem ser subdivididos em ações e livremente comercializados, pode uma ampla propriedade sobre os bens de capital manter inalterado seu caráter de riqueza.  Nesse arranjo, as pessoas voluntariamente vendem sua propriedade; os novos proprietários adquirem os direitos de propriedade sobre os bens de capital.  Há um genuíno mecanismo capitalista permitindo que isso aconteça.  Quase todo mundo pode comprar ações dos meios de produção sob o capitalismo.  Ninguém tem de morrer.  Nenhum sangue é derramado.
Onde no socialismo pode você, ó nobre camponês, reivindicar sua fatia das escolas públicas, dos Correios ou das prisões?  Não existe um mecanismo similar que permita a você ser dono da siderúrgica, da montadora, da mina, dos bancos e dos parques que foram todos estatizados — e não sobra muito da mina ou da siderúrgica após elas terem sido estatizadas.
Acabe com os direitos de propriedade privada e toda a riqueza desaparece.  Voltamos à era da pilhagem de todos sobre todos e da privação mutuamente garantida.  É isso que os governos e todos os que odeiam o mercado realmente querem.  Um slogan honesto para um sistema de saúde pública universal seria "uma nação, a mesma seringa".
Os redistributivistas não acreditam na fantasia de que redistribuir riqueza traz igualdade de resultados.  Eles apenas querem que você acredite nisso.



Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

Tradução de Leandro Roque

A espiral decadente da Venezuela

A espiral decadente da Venezuela
 

maduro.jpgÀ medida que a situação econômica da Venezuela vai degringolando, seu governo vai se tornando cada vez mais autoritário.  No momento, ele está fazendo de tudo para solapar as bases do já extremamente deteriorado tecido social do país.
Na sexta-feira, dia 8, o presidente Nicolás Maduro ordenou que o exército ocupasse as lojas de uma rede varejista de eletrônicos e confiscasse todos os bens com o intuito de vendê-los a "um preço justo".  Logo após esse confisco, multidões se aglomeraram, ao longo de todo o país, em frente às portas de várias lojas de eletrodomésticos com o intuito de saqueá-las, o que chegou a ocorrer em vários casos.  Esta ocupação ocorreu um dia após o Banco Central da Venezuela anunciar que a taxa de inflação de preços em outubro foi de 5%, o que dá uma inflação anualizada de 54%.  No entanto, a realidade é bem mais tenebrosa.
A história da economia venezuelana e de sua decadente moeda, o bolívar, pode ser resumida na seguinte frase: "De mal a pior".  Com efeito, a situação já extremamente deteriorada da Venezuela conseguiu dar uma guinada para pior.
Em uma reação estouvada e totalmente equivocada às aflições econômicas do país, Maduro exigiu que o Congresso lhe concedesse poderes emergenciais e ditatoriais sobre toda a economia.  Recentemente, o governo anunciou planos para instituir uma nova taxa de câmbio para turistas em uma tentativa de acabar com a alta arbitragem no mercado paralelo de câmbio.  Obviamente, isso de nada irá adiantar.  A economia do país está em declínio desde que Hugo Chávez impôs seu "socialismo moreno" à Venezuela, uma excentricidade que, à época, chegou a ser relativamente bem recebida por vários setores da grande mídia.
Durante anos, a Venezuela manteve um volumoso programa de gastos sociais combinado com controles de preços e salários e com um mercado de trabalho extremamente rígido, além de manter, como política externa, uma agressiva estratégia de ajuda internacional voltada majoritariamente para Cuba.  Todo este insano castelo de cartas conseguiu se manter solvente por um bom tempo unicamente por causa das receitas do petróleo.
Mas à medida que os custos deste populismo da dupla Chávez/Maduro foram crescendo, o país teve de recorrer com cada vez mais frequência aos cofres da estatal petrolífera PDVSA e à impressora do dinheiro do Banco Central da Venezuela.
Desde a morte de Chávez, no dia 5 de março de 2013, todo este castelo de cartas começou a desmoronar, e a taxa de câmbio do Bolívar no mercado paralelo ilustra bem essa história.  Desde aquele mês, o bolívar já perdeu 62,36% de seu valor em relação ao dólar no mercado paralelo, como mostra o gráfico abaixo.
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Gráfico 1: taxa de câmbio bolívar/dólar no mercado paralelo (linha azul) versus taxa de câmbio oficial declarada pelo governo (linha vermelha)
Essa acentuada desvalorização do bolívar, por sua vez, gerou uma extremamente alta inflação de preços na Venezuela.  O governo reagiu exatamente como todos os governos populistas reagem aos aumentos de preços causados por suas próprias políticas: impondo controle de preços cada vez mais rígidos.  Obviamente, comoLudwig von Mises já havia explicado há várias décadas, estas políticas não apenas fracassaram completamente, como geraram um grande desabastecimento nos supermercados e uma constrangedora escassez de vários produtos essenciais, como papel higiênico.  E nada foi feito para atacar a causa básica das aflições inflacionárias da Venezuela, que é o descontrole da oferta monetária.
O gráfico abaixo mostra a evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana (agregado M2) de acordo com as estatísticas do próprio Banco Central venezuelano.  Em sete anos, a quantidade de dinheiro na economia aumentou 10 vezes.
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Gráfico 2: evolução da quantidade de dinheiro na economia venezuelana
O governo Maduro reagiu a tudo isso recorrendo exatamente às mesmas táticas empregadas por outros regimes totalitários e com moedas destroçadas.  Do Zimbábue de Robert Mugabe à Coréia do Norte atual, o manual é simples: negar e enganar.
Oficialmente, os dados do governo venezuelano afirmam que a taxa de inflação de preços no país é de apenas 50%, um valor totalmente irreal.  E, para aumentar o escárnio, no dia 22 de outubro, o ministro das finanças Nelson Merentes enviou ao Congresso uma proposta orçamentária para 2014 que projetava uma inflação de preços de aproximadamente metade da inflação oficial atual.  Apenas mais uma tentativa jocosa e inócua de mascarar a realidade do grave problema inflacionário do país.
Mas então, quão grande é a inflação da Venezuela?  Utilizando a desvalorização do bolívar no mercado paralelo — que é o mensurador que melhor estima o real valor de uma moeda —, é possível inferir que a inflação de preços "reprimida" na Venezuela está atualmente nos três dígitos, alcançando o estonteante valor anual de 283%, como mostra o gráfico abaixo.
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Gráfico 3: inflação de preços oficial (linha vermelha) versus inflação de preços implícita (linha azul) acumuladas em 12 meses.
Pior ainda: a taxa de inflação implícita mensal alcançou 36%, como mostra a figura abaixo.  Tal valor está perigosamente próximo do limite de 50% ao mês, que é o valor que simbolicamente caracteriza uma hiperinflação. 
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Gráfico 4: taxa de inflação de preços mensal (implícita) na Venezuela
A acelerada depreciação do bolívar nada mais é do que um reflexo da deterioração das perspectivas econômicas da Venezuela.  Tudo indica que o governo Maduro está determinado a não apenas insistir em suas políticas fracassadas, como também em intensificá-las.  Preços estão sendo reduzidos por decreto, empresários estão sendo presos e a margem de lucro das empresas passou a ser estritamente controlada
Embora o congelamento mantenha os preços dos bens em níveis ostensivamente baixos no mercado oficial, eles inevitavelmente geram prateleiras vazias, privando vários consumidores de ter acesso a bens essenciais.  Controle de preços em conjunto com uma regulação da margem de lucro não pode gerar outra coisa senão o desabastecimento.  Como resultado, a escassez de produtos bateu recordes na Venezuela
O governo venezuelano alega que a alta inflação de preços e o desabastecimento generalizado de produtos básicos são resultado tanto de uma "guerra econômica" feita pelos EUA quanto de maquinações maquiavélicas da "classe burguesa parasítica" da Venezuela.  Por isso, Maduro começou a mobilizar suas tropas contra estes "inimigos" e passou a encarcerar todos os comerciantes que pudessem ser enquadrados no crime de "usura" e "extorsão".
Veja no vídeo abaixo o desespero de um comerciante ao ser preso pelo governo pelo simples fato de não ter reduzido seus preços como ordenava o governo:
Comprovando sua ignorância econômica, Maduro disse que o Banco Central venezuelano tem de estar mais atento às maquinações dos empresários do país e divagou: "Se estamos baixando os preços dos produtos em quase 100%, isso deveria impactar a taxa de inflação, não?"  É claro que não.  Enquanto o Banco Central continuar criando dinheiro para financiar o governo (ver o gráfico 2), a inflação de preços continuará subindo.  E ao ativamente estimular os saques aos comerciantes, o governo está deliberadamente desestabilizando a sociedade venezuelana, muito provavelmente com o intuito de ter a justificativa para adotar medidas ainda mais radicais.
Em abril, quando Nicolás Maduro oficialmente assumiu a presidência após uma vitória bastante questionável nas urnas, várias pessoas especularam que ele seria mais conciliador e moderado que seu antecessor Chávez.  Ledo engano.  Já está claro agora que, sob Maduro, o chavismo foi elevado ao paroxismo e que o pior ainda está por vir na Venezuela.
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Há 90 anos: o fim da hiperinflação na Alemanha

Há 90 anos: o fim da hiperinflação na Alemanha
6588.jpgNo dia 15 de novembro de 1923, medidas decisivas foram adotadas para acabar com o pesadelo da hiperinflação na República de Weimar: o Reichsbank, o banco central alemão, simplesmente parou de monetizar a dívida do governo, e um novo meio de troca, orentenmark, começou a ser emitido paralelamente ao papiermark (que, como diz o nome, era uma moeda de papel sem absolutamente nenhum lastro em ouro). 
Estas medidas foram bem-sucedidas em acabar com a hiperinflação, mas o poder de compra dopapiermark já estava totalmente arruinado.  Para entender como e por que tudo isso aconteceu, é necessário analisar tudo o que ocorreu imediatamente antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Foi em 1871 que o marco se tornou a moeda oficial do Império Alemão (Deutsches Reich).  Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a conversibilidade do reichsmark em ouro foi suspensa no dia 4 de agosto de 1914.  Sendo assim, o reichsmark, que até então era lastreado em ouro (e que, por isso, também era chamado degoldmark), se transformou no papiermark, uma moeda de papel puramente fiduciária, sem nenhum lastro.  Inicialmente, o Reich financiou suas despesas de guerra majoritariamente por meio do endividamento.  A dívida pública total subiu de 5,2 bilhões de papiermark em 1914 para 105,3 bilhões em 1918.[1] 
Em 1914, a quantidade de papiermark em circulação era de 5,9 bilhões; já em 1918, era de 32,9 bilhões.  De agosto de 1914 a novembro de 1918, os preços no atacado subiram 115%, o que significa que o poder de compra do papiermark caiu mais de 50%.  Neste mesmo período, a taxa de câmbio do papiermark se depreciou 84% em relação ao dólar americano.
A nova República de Weimar enfrentou desafios econômicos e políticos magnânimos.  Em 1920, a produção industrial havia despencado para apenas 61% do nível alcançado em 1913, e em 1923 caiu ainda mais, para 54%.  Os terrenos perdidos após a promulgação do Tratado de Versalhes haviam enfraquecido consideravelmente a capacidade produtiva do Reich: o Império perdera aproximadamente 13% de suas terras e, em decorrência disso, aproximadamente 10% da população alemã viva agora fora das fronteiras.  Adicionalmente, a Alemanha tinha de fazer vários pagamentos indenizatórios para os países vencedores da Primeira Guerra.  Ainda mais importante, no entanto, foi o fato de que os novos e inexperientes governos democráticos da Alemanha queriam atender ao máximo possível os desejos de seus eleitores.  Dado que as receitas tributárias eram insuficientes para financiar estas despesas, o Reichsbank teve de recorrer à impressora de dinheiro.
De abril de 1920 a março de 1921, a proporção de receitas tributárias em relação aos gastos totais do governo era de apenas 37%.  Após isso, a situação melhorou um pouco, de modo que, em junho de 1922, os impostos chegaram a cobrir 75% dos gastos totais.  Mas então a situação voltou a deteriorar.  E de maneira pavorosa.  Já no final de 1922, a Alemanha foi acusada de atrasar seus pagamentos indenizatórios.  Para reforçar suas reivindicações, tropas belgas e francesas invadiram e ocuparam o Vale do Ruhr, o coração industrial do Reich, em janeiro de 1923.  O governo alemão, então sob o comando do chanceler Wilhelm Kuno, conclamou os trabalhadores do Vale do Ruhr a resistir a toda e qualquer ordem dos invasores, prometendo que o Reich continuaria pagando seus salários.  Para manter todo esse arranjo, o Reichsbank começou a imprimir ainda mais dinheiro para financiar os gastos do governo (em termos técnicos, o Reichsbank estava "monetizando as dívidas do governo").  O intuito era utilizar o dinheiro recém-criado para compensar a queda da arrecadação tributária e pagar os salários, as transferências sociais e os subsídios. 
De maio de 1923 em diante, a quantidade de papiermark começou a ficar fora de controle.  Subiu de 8,610 bilhões em maio para 17,340 bilhões em abril, para 669,703 bilhões em agosto até alcançar 400 quintilhões (ou seja, 400 seguido de 18 zeros) em novembro de 1923.  Os preços no atacado dispararam para níveis astronômicos, aumentando 18.000.000.000.000% (dezoito trilhões por cento) desde o final de 1919 até novembro de 1923.  Para se ter uma noção deste valor, com a quantidade nominal de dinheiro necessária para se comprar um ovo em novembro de 1923 era possível comprar 500 bilhões de ovos em 1918, ao final da Primeira Guerra.  Apenas em novembro de 1923, o preço do dólar em termos de papiermark subido 8,9 trilhão por cento.  Em suma, o papiermark havia afundado e não comprava nem poeira.
Com o colapso da moeda, o desemprego disparou.  Desde o final da Primeira Guerra, o desemprego havia se mantido em níveis consideravelmente baixos, uma vez que os governos de Weimar mantiveram a economia artificialmente aditivada por meio de vigorosos déficits e impressão de dinheiro.  Ao final de 1919, a taxa de desemprego estava em 2,9%; em 1920, em 4,1%; em 1921, em 1,6%; e em 1922, em 2,8%.  Com o colapso do papiermark, no entanto, a taxa de desemprego chegou a 19,1% em outubro, a 23,4% em novembro e a 28,2% em dezembro de 1923.  A hiperinflação empobreceu a esmagadora maioria da população alemã, especialmente a classe média.  As pessoas passaram a sofrer com a escassez de alimentos e com a falta de proteção contra o frio.  O extremismo político passou a ficar em evidência e se tornou plenamente aceitável.
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Alemães indo comprar pão em 1923
Para acabar com a bagunça monetária, o problema central a ser resolvido era o próprio Reichsbank.  O mandato de seu presidente, Rudolf E. A. Havenstein, era vitalício, e o cidadão era literalmente irrefreável: sob o comando de Havenstein, o Reichsbank emitia quantias cada vez maiores de papiermark para manter o Reich financeiramente solvente.  E então, no dia 15 de novembro de 1923, o Reichsbank foi obrigado (1) a interromper a impressão de dinheiro e a monetização da dívida do governo, e (2) a começar a emitir uma nova moeda, o rentenmark  Foi decidido que, dali em diante, um trilhão de papiermark seria igual a um rentenmark. 
No dia 20 de novembro de 1923, Havenstein morreu repentinamente em decorrência de um ataque cardíaco.  Naquele mesmo dia, Hjalmar Schacht, que viria a se tornar presidente do Reichsbank em dezembro, tomou medidas e estabilizou o papiermark em relação ao dólar: o Reichsbank, por meio de intervenções no mercado de câmbio, fez com que 4,2 trilhões de papiermark se tornassem igual a um dólar.  E dado que um trilhão de papiermark era igual a um rentenmark, a taxa de câmbio passou a ser de 4,2 rentenmark por dólar.  Esta era exatamente a taxa de câmbio vigente entre o reichsmark e o dólar antes da Primeira Guerra Mundial.  O "milagre do rentenmark" marcou o fim da hiperinflação.[2]
Como foi possível que um desastre monetário desta magnitude ocorresse em uma sociedade tão civilizada e avançada, levando à total destruição da moeda?  Várias explicações já foram apresentadas.  Por exemplo, já foi argumentado que os pagamentos de indenização, os crônicos déficits no balanço de pagamentos, e até mesmo a depreciação do papiermark no mercado de câmbio foram as reais causas do colapso da moeda alemã.  Entretanto, essas explicações não são nada convincentes.  Como explicou o grande economista alemão Hans F. Sennholz:
Todos os marcos foram impressos por alemães e emitidos por um banco central gerenciado por alemães em um governo puramente alemão.  Eram partidos políticos alemães — tais como os Socialistas, o Partido Católico de Centro, e os Democratas, formando várias coalizões governamentais — os responsáveis exclusivos pelas políticas que conduziam. Mas é claro que admitir a responsabilidade por qualquer calamidade não é algo que se deve esperar de qualquer partido político.
De fato, a hiperinflação alemã foi produto dos próprios alemães; foi resultado da deliberada decisão política de se aumentar a quantidade de dinheiro na economia sem nenhuma limitação.
Quais são as lições a serem aprendidas com a hiperinflação alemã?  A primeira lição é que até mesmo um banco central politicamente independente não é garantia de proteção confiável contra a destruição da moeda de papel.  O Reichsbank havia se tornado politicamente independente ainda no início de 1922 — a mando das forças aliadas e em troca de um adiamento temporário nos pagamentos de indenização.  Ainda assim, a cúpula do Reichsbank optou por hiperinflacionar a moeda.  Vendo que o Reich estava cada vez mais dependente da impressão de dinheiro do Reichsbank para se manter solvente, a cúpula do Reichsbank optou por fornecer quantias ilimitadas de dinheiro ao governo.  É claro que o apetite dos políticos de Weimar por este dinheiro fácil acabou se mostrando ilimitado.
A segunda lição é que um papel-moeda fiduciário não dura para sempre.  Hjalmar Schacht, em sua biografia lançada em 1953, observou que: "A introdução do rentenmark só foi possível porque o governo e o banco central prometeram que a cédula de papel seria conversível em ouro sempre que o portador assim exigisse.  Garantir a possibilidade de ser conversível em ouro deve ser o compromisso de todos os emissores de dinheiro de papel".[3]
As palavras de Schacht contêm uma constatação econômica primordial: papel-moeda que não é lastreado por uma commodity é apenas um dinheiro político e, como tal, é um elemento que gera perturbações em um sistema de livre mercado.  Os representantes da Escola Austríaca de Economia apontaram este fato ainda no século XIX.
Dinheiro de papel, produzido "do nada" e injetado na economia por meio do crédito bancário, não apenas é cronicamente inflacionário, como também gera ciclos econômicos, investimentos errados e insustentáveis, e endividamento excessivo da população.  Tão logo governo e população começam a sofrer as consequências de seu alto endividamento, o crédito bancário se reduz e a economia entra em recessão.  Ato contínuo, a criação de mais dinheiro passa a ser vista como uma solução política fácil e tentadora demais para ser evitada.  Este é o caminho politicamente mais palatável para se tentar fugir dos problemas que foram criados justamente pela criação de dinheiro via expansão do crédito. 
Olhando para o mundo atual — no qual várias economias vêm há décadas usado papel-moeda produzido via expansão do crédito (endividamento) e no qual o endividamento está atingindo níveis incontornáveis —, os desafios correntes são, de certa forma, muito similares àqueles observados na República de Weimar há 90 anos.  Tanto agora quanto naquela época, uma reforma do sistema monetário se faz urgente; e quanto mais cedo o desafio da reforma monetária for encarado, menores serão os custos deste reajuste.



[1] Ver em H. James, "Die Reichbank 1876 bis 1945," in: Fünfzig Jahre Deutsche Mark, Notenbank und Währung in Deutschland seit 1948, Deutsche Bundesbank, ed. (München: Verlag C. H. Beck, 1998), pp. 29 – 89, esp. pp. 46 – 54; C. Bresciani-Turroni, The Economics of Inflation, A Study of Currency Depreciation in Post-War Germany (Northampton: John Dickens & Co., 1968 [1931]); também F.D. Graham, Exchange, Prices, And Production in Hyper-Inflation: Germany, 1920 — 1923 (New York: Russell & Russell, 1967 [1930]).
[2] Para mais detalhes ver Bresciani-Turroni, Economics of Inflation, chap. IX, pp. 334–358.
[3] H. Schacht, 76 Jahre meines Lebens (Kindler und Schiermeyer Verlag, Bad Wörishofen, 1953), pp. 207-208.

Thorsten Polleit  é economista-chefe da empresa Degussa, especializada em metais precisos, e co-fundador da firma de investimentos Polleit & Riechert Investment Management LLP.  Ele é professor honorário da Frankfurt School of Finance & Management.