segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Condenar o lucro é defender o retrocesso da humanidade

Condenar o lucro é defender o retrocesso da humanidade
090904_retrocesso.jpgA economia e a abolição dos lucros
Aqueles que desdenham o lucro empreendedorial afirmando que ele é "imerecido" estão na realidade dizendo que tal lucro foi injustamente deduzido ou dos trabalhadores ou dos consumidores ou de ambos.  Tal é a ideia por trás do suposto "direito a todo o produto do trabalho" e da doutrina marxista da exploração.  Pode-se dizer que a maioria dos governos — se não todos — e a imensa maioria de nossos conterrâneos endossam esta opinião, embora alguns sejam generosos o bastante para consentir com a sugestão de que uma pequena fração dos lucros deveria de fato ficar com os "exploradores".
É inútil discutir a adequação de preceitos éticos.  Estes são derivados da intuição; eles são arbitrários e subjetivos.  Não há nenhum padrão objetivo disponível por meio do qual preceitos éticos possam ser julgados.  Objetivos finais são escolhidos de acordo com o juízo de valor de um indivíduo.  Eles não podem ser determinados por investigações científicas e raciocínio lógico.  Se um homem diz, "Isto é o que estou objetivando e pouco me importam as consequências de minha conduta e nem preço que terei de pagar para alcançar minha meta", ninguém está em posição de oferecer nenhum argumento contra ele.  Mas a questão é se realmente é verdade que este indivíduo esteja disposto a pagar qualquer preço pela consecução de seu objetivo estipulado.  Se esta última pergunta for respondida na negativa, então, aí sim, torna-se possível fazer um exame do assunto em questão.
Se realmente existissem pessoas genuinamente preparadas para tolerar todas as reais consequências da abolição dos lucros, estando elas perfeitamente conscientes do quão perniciosas seriam estas consequências, então não seria possível a ciência econômica lidar com este problema.  Mas não é isso o que ocorre.  Aqueles que querem abolir os lucros estão na realidade guiados pela ideia de que este confisco elevaria o bem-estar material de todos os não-empreendedores.  Em sua visão de mundo, a abolição dos lucros não é um objetivo final, mas sim um meio de se alcançar um objetivo específico — no caso, o enriquecimento dos não-empreendedores. 
Se este objetivo pode realmente ser alcançado pelo emprego deste meio e se o emprego deste meio irá gerar outros efeitos que podem, para algumas ou para todas as pessoas, parecer mais indesejáveis do que as condições vigentes antes do emprego destes meios — estas sim são questões que a ciência econômica de fato pode examinar.
As consequências da abolição dos lucros
A ideia de que a abolição dos lucros seria algo benéfico para os consumidores parte do pressuposto de que o empreendedor deveria ser obrigado a vender seus bens e serviços a preços que não excedam os custos de produção incorridos.  Porém, se isso acontecer, se os preços de fato ficarem abaixo de seu preço potencial de mercado — isto é, abaixo do preço que permita auferir lucros —, a oferta disponível de bens e serviços não mais será suficiente para atender a toda a demanda.  Todas aquelas pessoas que querem comprar determinados bens e serviços aos novos preços não mais encontrarão oferta, pois não mais será economicamente racional para os empreendedores ofertarem tais bens e serviços.  O mercado se tornará paralisado pela fixação de preços.  Ele estará incapacitado de alocar produtos aos consumidores.  Consequentemente, um sistema de racionamento terá de ser adotado. 
A ideia de se confiscar o lucro dos empreendedores em benefício dos empregados não tem como objetivo a real abolição dos lucros.  Seu objetivo verdadeiro é tirar os lucros das mãos dos empreendedores e entregá-los para seus empregados.  Sob tal esquema, eventuais prejuízos incorridos recairiam integralmente sobre o empreendedor, ao passo que todos os lucros iriam para os empregados. 
A ciência econômica explica que o efeito deste arranjo muito provavelmente seria o de fazer com que os prejuízos aumentassem e os lucros encolhessem; porém, mesmo que isso não ocorresse, o fato é que, sob tal arranjo, por definição, a maior fatia dos lucros não seria poupada e nem seria reinvestida na empresa, mas sim iria para os empregados, os quais iriam gastar em consumo.  Consequentemente, não haveria capital disponível para a expansão da empresa, para a criação de novos ramos de produção e para a transferência de capital daqueles setores que — de acordo com a demanda dos consumidores — devem encolher para aqueles que devem ser expandidos.  Afinal, seria contra os interesses daqueles que estão empregados em uma determinada empresa ou em um determinado setor desta empresa restringir o capital ali empregado para transferir uma parte para outra empresa ou outro setor.
Se tal esquema houvesse sido adotado no início do século XX, todas as inovações alcançadas neste período teriam sido impossíveis.  Se, em prol do debate, ignorássemos qualquer referência à questão da acumulação de capital, ainda assim teríamos de consentir que entregar os lucros para os empregados irá inevitavelmente resultar em rigidez da atual estrutura de produção, o que irá obstruir e impossibilitar qualquer ajuste, aperfeiçoamento e progresso.
Com efeito, tal esquema transferiria a propriedade do capital investido nas empresas para as mãos dos empregados.  Isto seria equivalente à criação de um sindicalismo revolucionário e iria gerar todos os efeitos do sindicalismo, um sistema que nenhum autor ou reformista já teve a coragem de advogar abertamente.
Uma terceira solução apresentada é confiscar todos os lucros obtidos pelos empreendedores e transferi-los para o estado.  Um imposto de 100% sobre os lucros cumpriria este objetivo.  O que tal medida acarretaria seria transformar o estado no real proprietário de todas as indústrias e empresas, e os empreendedores — aqueles que aceitassem esta situação e continuassem empreendendo — em desleixados e desinteressados administradores destas indústrias e empresas.  Eles não mais estariam sujeitos à supremacia dos consumidores, pois não mais estariam interessados em agradá-los.  Para que se esforçar se você não poderá reter os frutos do seu esforço?  Eles se tornariam meras pessoas com o poder de fazer o que quiser com a estrutura de produção de suas indústrias e empresas, pois não mais teriam de se preocupar com as consequências desta sua negligência. 
As políticas de todos os governos da atualidade que não adotaram o socialismo completo recorrem a todos estes três esquemas conjuntamente.  Os governos confiscam, por meio de várias medidas de controle de preços e de regulamentações, uma fatia dos lucros potenciais, supostamente para beneficiar os consumidores.  Eles defendem os esforços dos sindicatos em arrancar, sob o princípio da "capacidade de pagamento" e da "determinação dos salários", uma fatia cada vez maior dos lucros dos empreendedores.  E por último mas não menos importante, eles estão decididos a confiscar, por meio de um imposto de renda progressivo, de impostos sobre a receita total e de "contribuições" sobre o lucro, uma fatia cada vez maior dos lucros para destiná-los ao financiamento da burocracia estatal.  É facilmente comprovável que, caso estas políticas continuem se intensificando, elas lograrão, em última instância, abolir completamente os lucros empreendedoriais.  Ou elas são interrompidas e arrefecidas, ou não mais haverá uma economia capitalista no futuro.
Na prática, o efeito conjunto da aplicação destas políticas já está hoje gerando caos.  O efeito final será a completa implementação do socialismo em decorrência da simples perseguição ao ato de empreender.  O capitalismo não pode sobreviver à abolição dos lucros.  É o sistema de lucros e prejuízos o que força os capitalistas a empregarem seu capital da melhor maneira possível com intuito de satisfazer os consumidores.  São os lucros obtidos por meio da decisão voluntária de consumidores em adquirir determinados bens e serviços o que possibilita a continuidade da oferta destes bens e serviços aos consumidores.  É o sistema de lucros e prejuízos o que gera excelência na conduta daqueles empreendimentos que estão mais bem capacitados para satisfazer o público.  Se os lucros forem abolidos, o resultado será o caos.
Os argumentos contra os lucros
Todos os motivos apresentados em favor de uma política que combata os lucros são decorrentes de uma interpretação totalmente equivocada do funcionamento de uma economia de mercado.  Os magnatas são muito poderosos, muito ricos e muito grandes.  Eles abusam de seu poder para o enriquecimento próprio.  Eles são déspotas irresponsáveis.  O tamanho de uma empresa é proporcional à sua perversidade.  Não há motivos que justifiquem alguns homens ganharem bilhões enquanto outros são muito pobres.  A riqueza de poucos é a causa da pobreza das massas. Etc.
Cada palavra destas veementes acusações é falsa.  Por uma questão de lógica, é impossível aplicar estes adjetivos a empresas e empreendedores que concorrem entre si em uma economia de mercado livre e desobstruída, na qual não há regulamentações estatais protegendo determinadas empresas e não há privilégios concedidos pelo governo.  Em economias amarradas por intervenções governamentais, nas quais os governos escolhem vencedores e perdedores, tais adjetivos de fato podem ser aplicados, mas, neste caso, e obviamente, não se trata de uma feição do capitalismo mas sim do intervencionismo estatal. 
Em uma economia de livre mercado, empreendedores simplesmente não têm como ser "déspotas irresponsáveis".  É justamente sua necessidade de auferir lucros e evitar prejuízos o que dá aos consumidores um firme controle sobre os empreendedores, forçando-os a atender aos desejos de consumo das pessoas.  No livre mercado, sem privilégios e proteções estatais, o que torna uma empresa grande e rica é justamente o seu sucesso em atender satisfatoriamente as demandas dos compradores.  Se os serviços de uma grande empresa se tornassem piores do que os de sua concorrente menor, não demoraria muito para que ela fosse reduzida à pequenez.  O único agente que pode impedir que uma empresa grande e ruim definhe e perca espaço no mercado é o governo e seus subsídios e regulamentações protecionistas.
Da mesma maneira, no livre mercado, os esforços de um empreendedor em aumentar seus lucros e enriquecer não prejudicam ninguém.  Para ser um real empreendedor, um indivíduo tem apenas uma tarefa: se esforçar para obter o máximo lucro possível.  Lucros altos são a evidência de um bom serviço prestado perante os consumidores.  Ao se esforçar para aumentar seus lucros, um empreendedor inevitavelmente terá de melhorar seus serviços prestados.  Caso contrário, qualquer melhora será efêmera.  Prejuízos, por outro lado, são a evidência de que erros graves foram cometidos, e de que houve falhas em se efetuar satisfatoriamente as tarefas que cabem especificamente a um empreendedor.
Neste cenário de livre concorrência, a riqueza de empreendedores bem-sucedidos não é a causa da pobreza de nenhuma outra pessoa; a riqueza destes é apenas a consequência do fato de que os consumidores estão mais bem servidos do que estariam na ausência dos esforços empreendedoriais destas pessoas.  O padrão de vida do cidadão comum é maior justamente naqueles países que possuem o maior número de empreendedores ricos.  Países que possuem poucos empreendedores ricos possuem um maior número de miseráveis.  É do total interesse material de todas as pessoas que o controle dos meios de produção esteja concentrado nas mãos daqueles indivíduos que sabem como utilizá-los da maneira mais eficiente possível.
Se a atual política de perseguir e confiscar a riqueza dos milionários houvesse sido implementada no início do século XX, tanto o crescimento das indústrias quanto a produção de bens de consumo de todos os tipos não teria ocorrido.  Automóveis, aviões, geladeiras, telefones, rádios, televisores, aparelhos elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos e centenas de outras inovações menos espetaculares mas ainda mais úteis não teriam se tornado corriqueiras no mundo atual.
O assalariado médio, o operário comum, acredita que para manter funcionando a atual estrutura de produção, para aprimorar e aumentar a produção, não é necessário mais do que a comparativamente simples rotina de trabalho atribuída a ele.  Ele não percebe que o mero trabalho exaustivo e rotineiro não é o suficiente.  Sua diligência e habilidade seriam qualidades totalmente vãs caso não houvesse um empreendedor presciente para direcioná-las para o seu mais importante objetivo e caso não houvesse capital acumulado pelos capitalistas para auxiliar nesta tarefa.
A pior ameaça para a prosperidade, para a civilização e para o bem-estar material dos assalariados é justamente a incapacidade de líderes sindicais, de sindicalistas em geral e das camadas menos inteligentes dos próprios trabalhadores de entender e apreciar o papel dos empreendedores e capitalistas na produção.  Esta falta de discernimento foi classicamente demonstrada nos escritos de Lênin. 
De acordo com a visão de mundo de Lênin, além do trabalho manual do operariado e dos projetos dos engenheiros, todo o necessário para a produção é simplesmente "o controle da produção e da repartição", uma tarefa que pode ser facilmente cumprida por "operários armados".  E ele faz uma importante ressalva: "É preciso não confundir a questão do controle e do recenseamento com a questão do pessoal técnico, engenheiros, agrônomos etc.: esses senhores trabalham, hoje, sob as ordens dos capitalistas; trabalharão melhor ainda sob as ordens dos operários armados". 
Adicionalmente, "essas operações de recenseamento e de controle já foram simplificadas ao máximo pelo capitalismo, que as reduziu às extraordinariamente simples operações de fiscalização, inscrição e emissão de recibos, algo que qualquer pessoa que saiba ler, escrever e fazer as quatro operações de aritmética pode fazer".[1]
Nenhum comentário adicional é necessário.

A busca pelo lucro levou ao fim da escravidão

A busca pelo lucro levou ao fim da escravidão
 

servitude.jpgHá quem jure que a busca pelo lucro é algo cruel, abusivo, ultrajante, imoral e maléfico.  É fato que há pessoas desonestas que recorrem a métodos inescrupulosos para obter lucros em seus empreendimentos, mas basear-se em tais pessoas para fazer uma condenação automática do lucro é uma postura ignorante.
A verdade é que foi a busca pelo lucro o que aniquilou aquela milenar abominação que foi a escravidão humana.  Eliminar a capacidade das pessoas de buscar o lucro significaria reimplantar a escravidão no mundo.  E creio que nenhum de nós quer isso de volta.
A escravidão era um sistema econômico
O que até hoje ainda não é corretamente entendido é que a escravidão era a base do sistema econômico vigente no mundo antigo — como na Grécia e em Roma.
Todo o sistema escravocrata se baseava praticamente em um só objetivo: obter excedentes.  É claro que os defensores da escravidão sempre recorriam a justificativas criativas para defender o sistema escravocrata, mas, no final, tudo se resumia a obter excedentes.  Pode-se dizer, portanto, que a escravidão era uma espécie depoupança coercivamente impingida.
Um indivíduo rudimentar e despreparado irá, caso seja abandonado à própria sorte, gastar praticamente tudo o que ele ganha.  Se ele conseguir auferir algum excedente, ele provavelmente irá gastar este excedente em luxos, prazeres, frivolidades ou em coisas piores.  Enquanto ele não desenvolver um caráter mais forte, enquanto ele não adquirir uma personalidade mais estável, sobrará muito pouco de seu excedente para ser utilizado em outras coisas.
Um escravo, por outro lado, jamais aufere rendimentos e, consequentemente, não tem como gastá-los.  Todo o excedente produzido por um escravo é transferido para seu senhor.  Foi exatamente este tipo de arranjo gerador de excedentes o que tornou Roma um império rico.
Mas então surgiu a Europa cristã.  Antes do advento do cristianismo, não se encontra uma única cultura antiga que proibia a prática da escravidão; a escravidão era vista como algo absolutamente normal.  Sendo assim, a Europa abolir o sistema escravocrata que havia herdado de Roma foi uma mudança monumental.
Os europeus substituíram a escravidão — de maneira lenta e por causa de seus princípios cristãos, e não em decorrência de algum plano consciente e deliberado — adotando as seguintes posturas:
1. Desenvolvendo o hábito da frugalidade e da poupança em nível individual.  Isso requereu uma total mudança de postura e um enfoque vigoroso em virtudes como a temperança (autocontrole) e a paciência.
2. Substituindo o arranjo de "produção forçada de excedentes" pelo lucro.  Para isso, os europeus tiveram de recorrer à criatividade para alterar totalmente a natureza de suas atividades comerciais.  Eles tiveram de inovar, inventar e se adaptar para conseguir mais excedentes por meio do comércio.
Sob um novo sistema que acabou sendo rotulado de capitalismo, a poupança e a criatividade se tornaram os novos geradores de excedentes, e nenhum ser humano teve de ser escravizado.
Um mundo sem lucros
Por outro lado, temos exemplos bem recentes do que acontece quando uma cultura proíbe o lucro.  Pense em tudo o que ocorreu em paraísos socialistas como a URSS de Stalin, a China de Mao, e as nações escravizadas do Leste Europeu, e no que ainda ocorre na Coréia do Norte e em Cuba.
São exemplos lúgubres que ilustram exatamente o que ocorre quando toda uma população é escravizada pelo partido dominante.  Nestes sistemas, o indivíduo é obrigado a trabalhar e a produzir, mas é proibido de usufruir os frutos e os rendimentos de seu próprio trabalho, tendo até mesmo o seu consumo restringido pelo governo.
O lucro fornece incentivos para se trabalhar e empreender.  Quando ele é abolido, não apenas o ato de trabalhar e de empreender perde sua função, como também aqueles que querem prosperar não têm como fazê-lo de maneira honesta.  E isso leva ou ao desespero ou à criminalidade.
O lucro é obtido por meio de trocas comerciais inovadoras e recompensadoras.  Se o lucro é eliminado, tem-se a escravidão.  O formato dessa escravidão pode ser variável, mas será uma escravidão de algum tipo.
Com efeito, este resultado será o mesmo não importa se a eliminação do lucro ocorrer por meio do comunismo (em que o lucro é punido com a pena capital) ou do fascismo (em que todo o lucro é direcionado para os amigos do regime).
A questão principal é o excedente produzido:
  • Se o excedente pode ser produzido e acumulado pelo cidadão comum por meios honestos, a escravidão pode ser eliminada.
  • Se os cidadãos honestos não tiverem a permissão de produzir e de manter seus próprios excedentes (sendo seus excedentes confiscados ou pelo estado ou pelos parceiros do estado), o resultado será alguma forma de escravidão.
O lucro é simplesmente uma ferramenta — uma maneira de gerar excedentes sem a coerção imposta pela escravidão.
O que nos leva à conclusão definitiva: é impossível se livrar simultaneamente da escravidão e do sistema de lucros.  Você pode eliminar um dos dois, mas sempre que eliminar um, ficará inevitavelmente com o outro.
O lucro se baseia nas virtudes
Para se viver em uma civilização que prospera por meio do lucro, é necessário que o ser humano saiba domar todos aqueles seus instintos mais primitivos — algo típico dos animais —, como a inveja.  É necessário saber desenvolver o autocontrole, a paciência, a temperança e, principalmente, saber se concentrar em algo maior do que meras possessões materiais — afinal, é exatamente o materialismo o motor da inveja e do igualitarismo.
É vergonhoso que o Ocidente tenha, ao longo dos últimos séculos, se afastado de suas virtudes tradicionais, e passado a considerá-las vícios burgueses ou meras superstições.  Se algum dia finalmente perdermos todas as nossas virtudes, o sistema de lucros perderá sua proteção e não mais será visto como um motor da prosperidade, e a antiga e extinta prática da escravidão irá voltar.
Nossas ações têm consequências.
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Gastos governamentais sempre são ruins para a economia

Gastos governamentais sempre são ruins para a economia
moneysheep.jpgA atual e contínua crise econômica ressuscitou com novo vigor o infindável debate sobre se os gastos governamentais são uma ferramenta útil para fazer políticas contracíclicas.  Em muitos países, a discussão foi totalmente politizada e está centrada exclusivamente no tamanho da dívida do governo, enfocando toda a carga de impostos que o pagamento dos juros dessa dívida representará para as gerações futuras, bem como a questão de se mais endividamento vai ajudar ou não a estimular a economia.  Academicamente, o debate se divide entre escolas de pensamento keynesianas e livre-mercadistas, cada lado defendendo políticas bem diferentes daquelas que foram implantadas até agora.
A maioria dos economistas — exceto os austríacos, por motivos que serão discutidos abaixo — crê que uma redução nos gastos (tanto em investimento quanto em consumo) é o problema.  Normalmente, eles sugerem estímulos fiscais ou monetários como solução.  Ambas as soluções têm o objetivo de corrigir a chamada desigualdade de renda (frequentemente representada por uma queda no produto interno bruto real), seja por meio da criação de mais dinheiro para ser gasto, seja estimulando o gasto — por meio de uma redistribuição de renda — do dinheiro que já existe.  O objetivo final de ambas as formas de estímulo não é o gasto em si, mas o emprego de recursos atualmente ociosos que tais gastos promoveriam.
O argumento em prol dos estímulos fiscais baseia-se em duas suposições: que o investimento privado entrou em declínio e que os efeitos dos estímulos monetários (redução de juros, criação de dinheiro) estão obstruídos por algum tipo de barreira.  Para John Maynard Keynes, uma depressão resulta de uma queda nos investimentos, a qual é, por sua vez, causada por uma queda nos gastos em consumo (sendo esta queda causada por um aumento na poupança).  Ele considerava esse fenômeno um dos principais defeitos naturais do sistema capitalista, o que o levou a defender a "socialização" dos investimentos.
Se os atuais economistas pró-intervencionismo aceitam esse argumento de Keynes em sua totalidade é algo irrelevante.  Eles concordam com Keynes na medida em que enxergam os gastos governamentais como o mais eficaz método de recuperar a economia, a melhor maneira de levá-la novamente para o nível de criação de riqueza que vigorava antes da recessão.
Se uma economia saudável pudesse ser modelada por um simples diagrama de fluxo de gastos, em que o crescimento econômico fosse apenas uma função do nível de investimentos, então o debate realmente estaria acabado.  Levando tal conceito ao extremo, essa premissa poderia servir de argumento para uma economia completamente socializada: afinal, o crescimento econômico seria apenas uma função de se investir em processos de produção.
Sabemos, entretanto, que a economia de mercado nem de longe é tão simples e ordeira quanto esse modelo sugere.  O mercado é uma emaranhada rede de relações econômicas, é um processo caracterizado por várias forças coordenadoras e descoordenadoras.  Vivemos em uma sociedade acossada pela escassez, e é esse processo de coordenação feito pelo mercado que irá auxiliar o indivíduo a decidir como alocar corretamente os recursos necessários para se obter os fins desejados.  É por isso que o crescimento econômico, ou a criação de riqueza, não é apenas uma função do investimento.  O vago termo "investimento" deve ser incorporado a este mundo de escassez, preferências e coordenação.
Quando os gastos governamentais são integrados a essa realidade mais ampla do processo de mercado, torna-se claro que a questão toda envolve variáveis muito além da simplista noção de gastos e produção.  Tudo deixa de ser apenas uma questão que envolve uma relação direta entre investimento e criação de riqueza, e passa a ser sobre se o governo pode ou não participar de maneira eficaz no processo de coordenação do mercado.
Ao se analisar detalhadamente, surgem razões convincentes para se acreditar que os gastos governamentais são, na realidade, uma força descoordenadora, e que, consequentemente, tais gastos não podem representar uma política contracíclica eficaz.  Com efeito, não se trata de uma questão de eficácia; trata-se, isto sim, de um comentário sobre as consequências nocivas de se "socializar o investimento".
Escassez, preferência e coordenação
Tipicamente, os críticos dos gastos governamentais argumentam que, na melhor das hipóteses, esse tipo de gasto simplesmente substitui os gastos que teriam ocorrido no setor privado na ausência destes gastos governamentais — é como tirar dinheiro do seu bolso direito e colocá-lo no esquerdo.  Na pior das hipóteses, dizem eles, os gastos governamentais geram o efeito colateral negativo de desestimular a produção por causa da maior tributação (no caso, a ameaça de uma maior tributação futura para financiar esse aumento de gastos do presente).
Estas críticas aos gastos governamentais são corretas e poderosas, porém, em última instância, elas são insuficientes para explicar o problema fundamental.  Os gastos governamentais são, por natureza, inferiores aos gastos privados e não operam dentro da esfera das forças coordenadoras do mercado.
Uma das principais e exclusivas contribuições da Escola Austríaca para a ciência econômica foi o fornecimento de um arcabouço que aborda as questões econômicas precisamente do ângulo da escassez e da coordenação.  Foi com essa visão que Ludwig von Mises originalmente contestou a viabilidade de uma economia socialista.  Foi com essa mesma visão que ele e Friedrich Hayek, e mais tarde Murray Rothbard, construíram uma detalhada caracterização da arquitetura destas forças coordenadoras: isto é, como se dá o processo de precificação.
O termo "forças", quando utilizado para descrever as tendências de coordenação ou descoordenação, é um tanto capcioso, pois pode dar a ideia de alguma forma de misticismo.  Porém, os processos de mercado que coordenam a interação entre poupadores e investidores, consumidores e produtores, são extremamente reais.
Todas as forças macroeconômicas remetem a um "fundamento microeconômico" essencial: a economia de recursos escassos.  Sabemos que o denominador comum de toda a atividade microeconômica é o fato de que o indivíduo age — que os indivíduos que participam da economia empregam determinados meios para se alcançar os fins desejados.  Cada indivíduo possui a sua escala subjetiva de utilidades, de desejos, os quais estão listados em ordem de sua preferência; cada indivíduo irá empregas meios de produção escassos visando a atingir os fins escolhidos, tudo com base em suas preferências.  Indivíduos agem assim para tentar remover uma "insatisfação", um "desconforto", ou seja, para tentar atingir uma situação mais preferível.
Logo, o contínuo processo de alocação de recursos que ocorre ao longo de toda a sociedade é simplesmente o agregado desse mesmo processo de cálculo que ocorre continuamente em termos individuais.  Essas ações individuais se harmonizam em escala macroeconômica por meio do processo de precificação e da divisão do trabalho.  Produtores são premiados ou punidos por meio de lucros e prejuízos, criando uma tendência para que o capital flua para aqueles que sabem como utilizá-lo da maneira mais eficaz (aqueles que melhor satisfazem os consumidores).  Esta é a maneira como o mercado recompensa a "eficiência".
As consequências dos gastos governamentais somente podem ser analisadas dentro de um contexto de coordenações de mercado.  Se a socialização dos investimentos realmente for justificável, então os resultados desses investimentos têm de ser melhores do que os resultados que teriam ocorrido caso esses mesmos recursos tivessem sido economizados pelos indivíduos no mercado.
Em outras palavras, o método governamental de decidir sobre os investimentos a serem feitos teria ou de usufruir as mesmas características dos métodos utilizados pelo mercado, o que faria com que o governo fosse um melhor empreendedor, ou o método do governo teria de ser ele próprio superior ao método do mercado.  Esta última hipótese pode ser imediatamente descartada tomando-se por base o fato de que sabemos que o único método de cálculo econômico é aquele feito por indivíduos, no mercado, por meio do processo de precificação de bens e serviços.  Portanto, os investimentos do governo são necessariamente e inerentemente inferiores aos investimentos realizados no livre mercado.
Indivíduos economizam e alocam recursos baseando-se em suas próprias preferências, em seus próprios objetivos e nas preferências esperadas de terceiros, as quais são parcialmente refletidas pelo mecanismo de preços e também são frequentemente prognosticadas através de outros meios de informação.  Mesmo os produtores daqueles bens de capital mais distantes do consumidor final derivam seus lucros da satisfação dos consumidores, uma vez que demanda por seus produtos é decidida pelos empreendedores que estão diretamente atendendo a estes consumidores.
A capacidade que um indivíduo tem de adquirir os meios necessários para a consecução de um determinado fim é influenciada pelas capacidades de outros indivíduos que estão competindo para obter estes mesmos meios.  E desta forma, também, o mercado reforça a tendência de economizar os meios e alocá-los eficientemente para os mais importantes fins.
O governo não tem de lidar com estas mesmas restrições ou motivações quando gasta.  Com efeito, se o governo fosse submetido às mesmas restrições e motivações do mercado, ele não poderia fornecer para a sociedade aquilo que o mercado não produz (para o bem ou para o mal).
Dado que o estado, em teoria, não tem restrições de receita, ele pode efetivamente superar todos os seus concorrentes em potencial na aquisição por quaisquer recursos necessários para levar a cabo seu programa de gastos.  Não há necessidade de economizar dinheiro, pois o estado pode tomar emprestado, tributar e simplesmente criar mais dinheiro para financiar suas compras.  No final, isso distorce toda a noção de escassez, pois o governo pode adquirir qualquer bem econômico a qualquer custo.  O papel dos preços em auxiliar os indivíduos a tomarem suas decisões no que diz respeito a que meios utilizar para atingir determinados fins acaba sendo efetivamente anulado, pois, para o governo, os preços são variáveis econômicas praticamente irrelevantes.
Similarmente, a restrição imposta pelo sistema de lucros e prejuízos não é aplicável às operações do governo.  Governos operam com o dinheiro de outros — a fonte de receitas do governo não é o lucro, mas a tributação —, o que significa que não há a necessidade de se operar lucrativamente.  Ademais, os tipos de investimentos que o governo faz tendem a requerer grandes quantias iniciais, pois os custos tendem a ser elevados.  Se os indivíduos no mercado investem com o intuito de alcançar os fins que consideram ser os mais altos em sua escala de valores, conclui-se que o governo tende a investir com o intuito de alcançar aqueles fins que são negligenciados pelos indivíduos (por serem menos econômicos).
As consequências dos gastos governamentais são mais bem entendidas quando se toma como pano de fundo as atividades de mercado.  Vivemos sob o espectro da escassez — um corolário da ação humana e da fundamental escassez da mão-de-obra —, o que faz com que todos os bens econômicos, os quais são por definição escassos, sejam alocados no mercado por meio dos processos mencionados acima.  Os gastos governamentais, sejam eles feitos diretamente ou por meio de subsídios, acabam por fazer uma redistribuição de recursos, retirando-os daqueles indivíduos que os teriam economizado e alocando-os para fins menos desejados.  Assim, mesmo queum programa governamental acabe gerando algum lucro, o custo de oportunidade representado pela produção privada que poderia ter ocorrido, mas que não houve, representa uma perda líquida para a sociedade.
Recursos ociosos
Sabemos que, se os recursos estiverem sendo economizados e alocados de acordo com as preferências dos indivíduos no mercado, os gastos governamentais irão perturbar e desorganizar esse processo, fazendo com que os recursos sejam redistribuídos para a consecução de fins considerados menos importantes.  Entretanto, pode parecer que esse argumento não ataca adequadamente a questão das políticas fiscais contracíclicas que normalmente são implantadas durante períodos de recessão, uma vez que é durante este período que, dizem, há um excesso de "recursos ociosos".
Recursos ociosos são aqueles meios de produção que aparentemente não estão sendo utilizados — um exemplo óbvio é o da mão-de-obra desempregada.  Já que estes meios de produção estão "ociosos", que mal há em o governo empregá-los?
Há várias respostas plausíveis para essa questão.  Vale mencionar que o governo sempre tende a exacerbar o grau em que tais recursos realmente estão "ociosos"; assim, é possível argumentar que o problema da ociosidade é em grande medida artificial.  Entretanto, isso implicaria que ainda assim poderia haver algum grau de ociosidade no mercado, e que isso representaria algum tipo de problema.  A resposta correta a essa questão é aquela que explica por que o suposto problema dos "recursos ociosos" na realidade não representa problema nenhum, pois os recursos não são deixados ociosos em vão.
Bens econômicos são constantemente economizados e alocados dentro da estrutura de meios-fins do indivíduo no mercado.  Que determinados bens possam não ser aplicados para a consecução de um fim específico não significa que esses recursos agora estejam ociosos e sem valor; simplesmente sugere que esses recursos estão mais bem poupados para a consecução de outro fim.  Se a atividade econômica é definida como a consecução de fins e a alocação de meios para estes fins, e dado que certos meios de produção são considerados em melhor situação quando não utilizados, que sentido faz utilizar forçosamente estes "recursos ociosos" por meio de gastos governamentais?  A redistribuição de supostos "recursos ociosos" sofre o mesmo problema da redistribuição de "recursos não ociosos" — o custo de oportunidade da atividade de mercado que poderia ter ocorrido, mas que não houve, é maior do que qualquer benefício supostamente trazido pelo programa governamental realizado.
Pode-se sensatamente esperar um aumento na quantidade de "recursos ociosos" durante os períodos que vêm após fases de prolongada descoordenação intertemporal.  Durante toda a fase da descoordenação intertemporal, a estrutura de produção vai crescendo ao redor dos distorcidos sinais de lucro criados pela expansão monetária.  Os bens de capital desenvolvidos e produzidos durante esse período tendem a variar em especificidade, com alguns sendo muito indefinidos (como, por exemplo, a mão-de-obra de baixa habilidade), outros sendo altamente específicos (como, por exemplo, uma máquina criada para produzir apenas um único tipo de bem), e a maioria estando em algum ponto intermediário.
O necessário reajustamento da estrutura de produção que ocorre quando essas distorções são reveladas (naquilo que é chamado de recessão) irá necessariamente gerar um aumento no volume de recursos ociosos.  Bens de capital de maior especificidade ficarão ociosos, pois nesta fase da economia eles inevitavelmente serão parcial ou totalmente inaproveitáveis em outras linhas de produção.  Empreendedores individuais terão de planejar suas ações utilizando as sobras destes investimentos errôneos, e baseando-se nas preferências dos consumidores e nos seus próprios prognósticos em face da incerteza.  Estes bens de capital "ociosos" não estão ociosos de maneira alguma; eles estão, isto sim, sendo poupados durante este período de reajustamento estrutural.
Durante este período de reajustamento, a redistribuição de riqueza por meio de gastos governamentais pode empregar estes recursos considerados ociosos.  A estrutura de produção pode se ajustar ao redor das várias e novas linhas de produção ressuscitadas ou financiadas pelo governo.  Entretanto, o formato dessa estrutura de produção será inferior àquela que teria se desenvolvido sem a interferência do governo.  Logo, ainda assim haverá uma perda líquida para a economia.
Governo: a grande força desequilibradora
Os gastos governamentais não são uma maneira de se aprimorar a eficiência do mercado; tampouco são um método para se empregar recursos supostamente ociosos.  O resultado dos gastos governamentais são as oportunidades perdidas, aquelas que poderiam ter ocorrido, mas que não puderam ser concretizadas.  O custo é o ganho de riqueza que teria ocorrido caso estes recursos pudessem ter sido alocados pelo mercado menos o produto do gasto governamental.  Pode-se facilmente concluir que a noção de que estímulos fiscais contracíclicos são positivos para a economia é altamente duvidosa, e que uma melhor alternativa seria permitir que os indivíduos atuando no livre mercado economizassem e alocassem os bens de acordo com sua escala de valores.
Esse argumento não pressupõe que os indivíduos atuando no livre mercado atinjam o "grau ótimo" de alocação, ou que o mercado seja absolutamente eficiente.  Pode haver casos em que um indivíduo irá fazer um investimento errôneo, fazendo com que o capital investido seja consumido sem nenhuma produção de riqueza.  Esses casos, entretanto, não chancelam os gastos governamentais.  Em uma escala macroeconômica, existem tendências e forças, criadas pelos indivíduos que agem na sociedade, que recompensam aqueles que investem bem e punem aqueles que investem mal.  Este tipo de tendência distribucional não afeta os gastos governamentais, pois o governo necessariamente opera fora do escopa das forças coordenativas do mercado — o estado não está restringido a uma dada quantia de receitas; tampouco ele reage a lucros e prejuízos.  Portanto, não há medidas corretivas que possam fazer com que os gastos do governo estejam de acordo com as preferências dos consumidores.
O governo, de fato, é uma enorme força desequilibradora que atua sobre o mercado.  Ele forçosamente redistribui bens econômicos, retirando-os de um processo de economização e alocação racional para investi-los na consecução de fins menos importantes ou menos preferidos.  Em outras palavras, ele distorce o contínuo processo de coordenação feito pelo livre mercado.
No geral, podemos concluir com segurança que os gastos governamentais causam mais danos do que benefícios; eles redistribuem os meios de produção, alocando-os para a consecução de fins considerados inferiores pelos próprios indivíduos que formam a mesma sociedade que o governo está supostamente tentando melhorar.
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