terça-feira, 23 de julho de 2013

Igualdade: o ideal desconhecido



justiça.jpgTodos os homens são criados iguais.
Quando Thomas Jefferson, na Declaração de Independência dos EUA, enunciou os princípios filosóficos que fundamentaram a Revolução Americana, este foi o primeiro princípio que ele anunciou.  Tal princípio seria a base e a justificativa para todo o resto.  Igualdade — e não liberdade, como seria de se esperar.
A versão original da Declaração dava ênfase à importância da igualdade de forma ainda mais percuciente.  A versão final e mais conhecida declara:
Consideramos estas verdades como auto-evidentes: que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
Mas o que Jefferson originalmente escreveu foi isso:
Consideramos estas verdades sagradas e inegáveis: que todos os homens são criados iguais e independentes; que desta criação igual resulta que eles possuem direitos inerentes e inalienáveis, dentre os quais estão a preservação da vida e da liberdade, e a busca da felicidade.
Até onde sei, as palavras foram alteradas não por motivos substantivos, mas sim estilísticos.  A versão final de fato flui mais suavemente.  Porém, a versão original é mais filosoficamente precisa.  Em comparação à versão final, em que igualdade e liberdade são apresentados como sendo apenas dois princípios fundamentais — sendo que a relação de um com o outro é vaga e obscura —, na versão original o valor da liberdade é explicitamente formulado como sendo secundário ao valor da igualdade.  Mais ainda: é formulado como sendo derivado da igualdade.
No entanto, nós libertários não falamos tão frequentemente, ou tão calorosamente, sobre igualdade.  Em vez disso, falamos sobre liberdade; é por isso que nos chamamos de libertários, e não de igualitários.  Por outro lado, aqueles que com mais frequência invocam a questão da igualdade nos discursos políticos atuais tendem a ser inimigos dos princípios libertários que nós esposamos.  Sendo assim, e tomando por base as palavras de Jefferson, como pode a igualdade ser nosso ideal, se é também o ideal deles?
A resposta está no fato de que é necessário especificar conceitos: igualdade de quê?  Igualdade em relação a quê?  Nossos oponentes igualitários defendem a igualdade socioeconômica — algumas vezes interpretada como igualdade de oportunidades socioeconômicas, e algumas vezes interpretada como igualdade de resultadossocioeconômicos.  (Nos dias de hoje, a diferença entre as duas está cada vez mais obscura, uma vez que a desigualdade de resultados é interpretada como evidência indiscutível da desigualdade de oportunidades).  Que tipo de igualdade nós defendemos?
Com alguma frequência, sugere-se que a versão libertária de igualdade refere-se à igualdade legal — isto é, igualdade perante a lei.  De fato, é verdade que o ideal de igualdade legal é constantemente invocado por libertários contra vários programas que apresentam uma linhagem socioeconomicamente igualitária (tais como leis trabalhistas e leis antidiscriminação que dão aos empregados, ao mesmo tempo em que negam aos empregadores, o direito de terminar a relação empregador-empregado de acordo com sua vontade).
Porém, uma igualdade legal deste tipo é muito limitada para constituir o ideal libertário.  Assim como os igualitários socioeconômicos consideram que a igualdade legal é inadequada porque (na memorável frase de Anatole France) proíbe tanto os ricos quanto os pobres de dormir embaixo de viadutos, os libertários também não ganhariam muitos aplausos caso, por exemplo, ampliassem a injustiça do recrutamento militar obrigatório também para as mulheres — isso seria um avanço em termos de igualdade legal, mas dificilmente um avanço em termos de liberdade.  Como disse Murray Rothbard,
A justiça da igualdade de tratamento depende acima de tudo da própria justiça deste tratamento.  Suponhamos, por exemplo, que João, com sua comitiva, proponha-se a escravizar um grupo de pessoas.  Devemos afirmar que a "justiça" exige que cada um seja escravizado igualmente?  E suponhamos que alguém tenha a sorte de escapar.  Devemos condenar este fugitivo pelo fato de ele ter se esquivado da 'igualdade de justiça' dada aos seus companheiros?[1]
Similarmente, o conceito de igualdade de liberdade também é incapaz de capturar todo o ideal libertário.  Um mundo no qual todos os indivíduos tivessem uma ínfima e idêntica quantia de liberdade não seria um mundo libertário.  Podemos falar, como fez Herbert Spencer, sobre uma lei que estipulasse uma liberdade idêntica para todos (Lei de Igual Liberdade), mas tal lei especificaria não apenas a equalização da liberdade, mas também a suamaximização; não é o quesito 'igual' quem efetua o verdadeiro trabalho.  A lei da liberdade idêntica trata a igualdade como sendo, na melhor das hipóteses, uma restrição sobre a liberdade máxima, e não a sua base.
Digo "na melhor das hipóteses" porque a liberdade idêntica para todos é uma consequência lógica da liberdade máxima, e não algum tipo de restrição sobre ela.  Citando Rothbard novamente:
Caso uma pessoa deseje obrigar todos os homens a comprar um carro, ela pode formular tal objetivo da seguinte maneira: "Todo homem deve comprar um carro", em vez de usar termos como: "Todos os homens devem ter igualdade na compra de um carro". . . . A Lei de Igual Liberdade de Spencer é redundante.  Pois, se cada homem tem a liberdade de fazer tudo o que queira, infere-se desta mesma premissa que a liberdade de nenhum outro homem foi infringida ou invadida. . . . O conceito de "igualdade" não tem lugar legítimo na "Lei de Igual Liberdade", podendo ser substituído pelo determinante lógico "todo".  A "Lei de Igual Liberdade" poderia muito bem ser renomeada "Lei da Liberdade Total".[2]
Mas se nem a igualdade legal e nem a igualdade de liberdade são suficientes para uma sociedade livre, então em que sentido podemos deduzir que temos o direito à liberdade do mero fato de termos sido criados iguais?
Para obtermos a resposta a esta questão, temos de ir à fonte de Jefferson, John Locke, que nos diz exatamente o que é "igualdade" no sentido libertário: mais especificamente, trata-se de uma condição
onde a reciprocidade determina todo o poder e toda a jurisdição, ninguém tendo mais que os outros; evidentemente, seres criados da mesma espécie e da mesma condição, que, desde seu nascimento, desfrutam juntos de todas as vantagens comuns da natureza e do uso das mesmas faculdades, devem ainda ser iguais entre si, sem subordinação ou sujeição. . . .[3]
Em suma, a igualdade de que Locke e Jefferson falam é a igualdade de autoridade: a proibição de qualquer "subordinação ou sujeição" de um indivíduo a outro.  Dado que qualquer interferência de A na liberdade de B constitui uma subordinação ou sujeição de B a A, o direito à liberdade advém diretamente da igualdade de "poder e jurisdição".  Como explica Locke:
[S]endo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens. . . . Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma única comunidade da natureza, não se pode conceber que exista entre nós uma "hierarquia" que nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se tivéssemos sido feitos para servir de instrumento às necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criação são destinadas a servir de instrumento às nossas.[4]
Esta é uma notável declaração pré-kantiana do princípio de que seres humanos não devem ser tratados como meros meios para a consecução dos fins almejados por outros.  (Observe, também, como tanto Locke quanto Jefferson invocam a independência como sendo um corolário de igualdade de autoridade).
Podemos entender agora por que tanto a igualdade socioeconômica quanto a igualdade legal são insuficientes para se chegar ao radicalismo da igualdade lockeana.  Nenhuma destas duas formas de igualdade questiona a autoridade daqueles que administram o sistema legal; tais administradores são requeridos meramente para garantir igualdade entre os administrados.  Assim, comparada à igualdade legal, a igualdade socioeconômica, não obstante as arrojadas alegações de seus partidários, não representa nenhum desafio adicional ao poder vigente.  Ambas as formas de igualdade apelam a esta estrutura de poder para que ela tome determinadas medidas; e, ao fazerem isso, ambas pressupõem — na verdade, pedem por — uma desigualdade de autoridade entre aqueles que administram o arcabouço legal e aqueles que são os administrados.
A versão libertária da igualdade não é limitada desta maneira.  Na visão de Locke, igualdade de autoridade significa negar aos administradores do sistema legal — e consequentemente ao próprio sistema legal — quaisquer poderes além daqueles em posse dos indivíduos comuns:
[C]abe a cada um, neste estado, assegurar a "execução" da lei da natureza, o que implica que cada um tem o direito de punir os transgressores desta lei com uma severidade tal que venha a impedir sua violação.  . . . Pois nesse estado de perfeita igualdade, onde naturalmente não há superioridade ou jurisdição de um sobre o outro, o que um pode fazer para garantir essa lei, todos devem ter o direito de fazê-lo.[5]
A igualdade lockeana envolve não apenas uma igualdade perante os legisladores, os juízes e a polícia, como também, e de maneira ainda mais crucial, uma igualdade junto aos legisladores, juízes e policiais.
Por este critério, Murray Rothbard, em sua defesa do anarcocapitalismo, acaba se revelando um dos mais consistentes e completos teóricos igualitários de nossa era.  Sendo ele o autor do ensaio O igualitarismo é uma revolta contra a natureza, Rothbard pode muito bem estar se revirando em seu túmulo ao ouvir tal descrição a respeito de si próprio.  Porém, como veremos, aquilo que Ayn Rand costumava dizer sobre o capitalismo — que o capitalismo é um ideal desconhecido — se aplica a fortiori para a igualdade: o conceito de igualdade, propriamente entendido, é também de várias maneiras um ideal desconhecido — desconhecido tanto para seus defensores quanto para seus detratores.
Desde a época de Locke, libertários têm se dividido em dois campos.  Alguns, como Rothbard, adotaram a igualdade lockeana como sendo um padrão absoluto para todo e qualquer sistema legal.  Outros, seguindo o próprio Locke, consideraram que a igualdade lockeana pura gera uma restrição impraticável sobre um sistema legal.  Sendo assim, eles defenderam abrir mão de uma determinada quantidade de igualdade lockeana com o intuito de tornar praticável a proteção legal da igualdade lockeana que restasse.
Minha afinidade está com o primeiro grupo.  Da maneira como vejo, os argumentos de Locke para a incompatibilidade da igualdade lockeana com uma ordem legal operante incorrem na falácia da composição ou na falácia da reificação.  Por exemplo, da alegação de que todo mundo deveria submeter suas contendas a uma entidade externa, Locke falaciosamente infere que deveria haver uma entidade externa para quem todo mundo submeteria suas contendas. Isso é semelhante a dizer que da afirmação todo mundo gosta de pelo menos um programa de TV, pode-se inferir que existe apenas um programa de TV do qual todo mundo gosta.
No entanto, mesmo que o segundo grupo esteja certo, e de fato fosse necessário abrir mão de uma determinada quantidade de igualdade lockeana com o intuito de proteger o que restasse, ainda assim seria verdade que quaisquer poderes exclusivos do governo que fossem além do que é estritamente necessário para o funcionamento de um sistema legal constituiriam uma injustificável afronta à igualdade humana.  Ambos os grupos procuram, de qualquer forma, minimizar qualquer afastamento da igualdade lockeana.  Sendo assim, os libertários tradicionalmente direcionam sua ira contra as desigualdades de autoridade que existem entre, de um lado, o cidadão comum, e, do outro, os administradores do sistema legal (bem como os grupos de interesses privados que, por meio de lobbies e contratos, se beneficiam com os privilégios concedidos pelo governo).
A escritora Wendy McElroy pesquisou a interação dentro do movimento feminista de três ideais igualitários distintos: um ideal "convencional" — igualdade perante a lei — e dois ideais mais "radicais" — igualdade socioeconômica, a qual McElroy identifica como sendo um ideal socialista ou marxista, e aquilo que venho chamando de 'igualdade de autoridade', o qual McElroy identifica como sendo um ideal individualista ou libertário:
O significado de igualdade diverge dentro do movimento feminista.  Ao longo de grande parte de sua história, o feminismo convencional considerou a igualdade como sendo tratamento igualitário sob as leis vigentes e representação igualitária dentro das instituições vigentes.  O objetivo não era mudar o status quo, mas sim ser incluído nele.  As feministas mais radicais protestaram dizendo que as leis e as instituições vigentes eram a fonte de todas as injustiças, e, sendo assim, não poderiam ser reformadas. [...] 
Seus conceitos de igualdade refletiam isto.  Para o individualista, igualdade era um termo político que se referia à proteção dos direitos individuais; ou seja, proteção da jurisdição moral que todo ser humano possui sobre seu corpo.  Para as feministas-socialistas, era um termo sócio-econômico. ...  Ao passo que a análise de classe marxista utiliza como ponto de referência a relação de uma determinada classe para com o modo de produção, a análise de classe libertária utiliza como critério a relação de uma determinada classe para com os meios políticos.  A sociedade é dividida em duas classes: aqueles que utilizam os meios políticos — que é a força — para adquirir riqueza e poder, e aqueles que utilizam os meios econômicos, os quais requerem interação voluntária.  A primeira classe é a classe dominante, que vive à custa do trabalho e da riqueza da outra classe.[6]  
De uma perspectiva libertária, os igualitários socioeconômicos acabam se revelando, de forma muito embaraçosa, apologistas da classe dominante.
A resistência libertária a propostas socioeconomicamente igualitárias é ela própria baseada em um ideal igualitário.  Isso é algo raramente reconhecido, mas é uma verdade.  O único igualitário socioeconômico que sei que reconhece isto é Amartya Sen.  Não obstante, Sen é a exceção que comprova a regra.  Pois ele também não entendeu o ponto: ele interpreta igualdade libertária com igualdade de liberdade, uma interpretação que já vimos ser inadequada.  Eis como Sen vê a questão:
Os pensadores libertários [...] não apenas são vistos como anti-igualitários, como também são considerados anti-igualitários precisamente por causa do seu interesse prioritário na liberdade. ... [E]ste modo de ver a relação entre a igualdade e a liberdade é completamente inadequada.  Os libertários devem considerar importante que as pessoas devam ter liberdade.  Dado isso, imediatamente surgem perguntas como:quem, quanto, distribuída como, quão igual?  Por isso, o problema da igualdade aparece imediatamente como um complemento da afirmação da importância da liberdade.  A proposta libertária tem de ser complementada passando-se a caracterizar a distribuição de direitos entre as pessoas envolvidas.  Com efeito, as demandas libertárias por mais liberdade tipicamente incluem características importantes de "liberdade igual", por exemplo, a insistência na igual imunidade à interferência de terceiros. ... A liberdade está entre os possíveis campos de aplicação da igualdade, e a igualdade está entre os possíveis padrões de distribuição da liberdade.[7]
A análise de Sen é confusa neste ponto, e por dois motivos.  Primeiro, como já vimos, igualdade de liberdade não é um complemento ao valor da liberdade, mas simplesmente advém do ideal de liberdade total. (A incapacidade de Sen de reconhecer isto pode ser devido ao fato de ele pensar a liberdade em termos positivos, como liberdade de fazer isso ou aquilo, em cujo caso a necessidade de se respeitar a liberdade de terceiros seria uma limitação à própria liberdade do indivíduo, desta forma fazendo com que a liberdade para todos seja impossível.  Porém, se a liberdade for entendida em termos negativos, ou seja, liberdade de não sofrer interferências coercivas, então a liberdade total para todos é perfeitamente possível).  Segundo, Sen trata a liberdade como sendo algo que os libertários valorizam por algum acaso, e à qual subsequentemente aplicam considerações igualitárias — não reconhecendo que a própria liberdade está fundamentada em uma preocupação com a igualdade no sentido lockeano.
Como já dito, o argumento contra legislações socioeconomicamente igualitárias é, por si mesmo, igualitário; tais legislações invariavelmente envolvem a coerciva subordinação ou sujeição de indivíduos dissidentes aos tributos e regulamentações impostos pelas autoridades estatais, e desta forma pressupõem uma desigualdade de autoridade entre governantes e governados.  Como escreveu Ludwig Von Mises:
É importante lembrar que intervenção do governo significa sempre ou ação violenta ou ameaça de ação violenta. Os fundos gastos pelo governo em qualquer de suas atividades são obtidos por meio de impostos.  E os impostos são pagos porque os contribuintes não se atrevem a desobedecer aos agentes do governo; eles sabem que qualquer desobediência ou resistência seria inútil.  Enquanto perdurar esse estado de coisas, o governo tem a possibilidade de arrecadar tanto quanto queira para suas despesas.
Governo é, em última instância, o emprego de homens armados, de policiais, guardas, soldados e carrascos.  A característica essencial do governo é a de impingir os seus decretos por meio do espancamento, do encarceramento e do assassinato. Quem pede maior intervenção estatal está, em última análise, pedindo mais coerção e menos liberdade.[8]
Tampouco iria uma versão anarquista de socialismo funcionar melhor; enquanto algumas pessoas detiverem o privilégio de impor políticas redistributivas à força ou pela ameaça da força sobre terceiros que discordam de tal ideia, haverá desigualdade de autoridade entre os repressores e os coagidos, não importando se aqueles que estão praticando a coerção são cidadãos públicos ou indivíduos privados, e independentemente de eles representarem uma maioria ou uma minoria.  Tampouco iria uma selva hobbesiana, na qual qualquer um está livre para impor seu desejo sobre todos os outros, representar a igualdade de autoridade.  Pois sempre que uma pessoa for bem sucedida em subjugar uma outra, estará havendo uma desigualdade de autoridade.
A selva hobbesiana pode representar uma igual oportunidade de autoridade, mas neste contexto o libertário defende a igualdade de resultados. (Incidentalmente, é por isso que o direito à liberdade é inalienável).  Somente o uso defensivo de força é justificável, uma vez que tal uso, em vez de violar, restaura a igualdade de autoridade.  Da mesma maneira, uma democracia idealizada, na qual cada cidadão possui a mesma chance de ascender a uma posição de poder político, também representa apenas uma igual oportunidade de autoridade, e não uma igualdade de resultados; sendo assim, seria também uma afronta à igualdade lockeana.  Para um libertário, o ditado "qualquer um pode se tornar presidente", se fosse verdadeiro, teria o mesmo sentido de "qualquer um pode ser o próximo a assaltar você."
Desigualdade de autoridade é muito mais ofensivo, do ponto de vista moral, do que a mera desigualdade socioeconômica; logo, sempre que demandas por igualdade socioeconômica entrarem em conflito com demandas por igualdade libertária — algo que geralmente ocorre —, deve-se dar preferência a esta última.
Os igualitários socioeconômicos comprovam — se não por suas palavras, por suas ações — que eles consideram a desigualdade de autoridade um mal maior do que a desigualdade socioeconômica.  A maioria dos igualitários socioeconômicos que conheço certamente ficaria mais ultrajada em ser assaltada por um colega do que em saber que tal colega está recebendo um salário maior.  Logo, na prática, eles claramente reconhecem qual destas desigualdades é um mal maior.  Com efeito, a maioria dos igualitários socioeconômicos conduz suas interações pessoais diárias de acordo com uma escrupulosa aderência a princípios libertários, e espera receber o mesmo tratamento em retorno.
Os igualitários socioeconômicos também dizem que a desigualdade socioeconômica é em si mesma uma forma de desigualdade de autoridade, tendo portanto de ser proibida.  Porém, como afirmou Rothbard, esta combinação de ideias é inconsistente:
O indivíduo A recusa-se a realizar uma troca com B.  O que devemos dizer ... caso B mostre uma arma e ordene A a realizar a troca? ... B está cometendo violência; não há dúvidas quanto a isso. ... [E]ssa violência tanto é invasiva e, portanto, injusta, ou defensiva, e portanto, justa.  Caso adotemos o argumento do "poder econômico", devemos escolher a última postura.  Caso o rejeitemos, temos de adotar a primeira. ... O estatista "moderado" não pode logicamente dizer que há "muitas formas" de coerção injustificada.  Ele deve escolher uma ou outra, e manifestar-se conforme a postura escolhida.  Ou ele deve dizer que há uma única forma de coerção ilegal — a violência física evidente — ou deve dizer que só há uma forma de coerção ilegal: a recusa de se fazer uma troca.[9]
Para expandir este argumento de Rothbard: uma proibição sobre todos — ou mesmo sobre quase todos — os casos de desigualdade lockeana não é consistente com o fato de que tanto a desigualdade socioeconômicaquanto a iniciação de força são formas de desigualdade lockeana, pois um banimento efetivo da desigualdade socioeconômica requer o endosso de uma sistemática iniciação de força em escala maciça.  Logo, igualitários socioeconômicos, caso queiram ser consistentes, podem oferecer seu ideal somente como um substituto para a igualdade lockeana, e não como uma extensão dela.  (O mesmo ponto se aplica àqueles estatistas que dizem que direitos negativos são muito bons, mas que precisamos também de direitos positivos — como se cada direito positivo acrescentado não significasse um direito negativo removido).
Dada a vasta desigualdade de autoridade entre o aparato estatal e seus súditos — ou seja, dada a vasta desigualdade socioeconômica entre eles —, como é possível que aqueles que se consideram tão dedicados à igualdade humana prontamente se tornem apologistas do estado?  Isso é algo que atordoa os libertários.  Não dá para entender como é que aqueles que demonstram tamanha sensibilidade em relação a restrições de escolha e a diferenças de poder de barganha, quando estas derivam de fatores de mercado, se tornam tão incrivelmente cegos para as restrições de escolha e os desiguais poderes de barganha gerados pelo braço armado do estado, o qual tem plenos poderes para impingir suas demandas por meio da violência legalizada.
O filósofo chinês do século V a.C., Mo-tzu, certa vez observou que, se alguém é capaz de reconhecer um ato de agressão injusta quando este é perpetrado por um indivíduo contra outro, mas não é capaz de reconhecer a mesma injustiça quando o mesmo ato é perpetrado por um grupo organizado de indivíduos, então tal pessoa deve ter uma mente confusa em relação ao que é certo e ao que é errado.[10]  Igualitários socioeconômicos, portanto, devem viver sob algum tipo de confusão mental.  Mas por quê?
Um cínico poderia responder dizendo que os igualitários socioeconômicos não são de modo algum confusos; sua suposta devoção à igualdade seria simplesmente um disfarce para se conseguir mais poder, sendo que eles isentam o estado de suas críticas porque planejam algum dia estar em seu comando, ou pelo menos estar em boas relações com quem está no comando.  Essa me parece ser uma análise sensata de alguns — mas somente de alguns — igualitários socioeconômicos.  A maioria dos igualitários socioeconômicos que conheço pessoalmente é sincera em seu igualitarismo e bem intencionada em seu estatismo.
Não estou com isso querendo dizer que eles são totalmente inocentes; afinal, um estatista inocente seria aquele que dissesse: "Eu reconheço — e quem não reconheceria? — que a coerciva subjugação de indivíduos ao estado por meio da violência legalizada ou da ameaça dela é um grande mal.  Mas este mal, infelizmente, é necessário para se prevenir males ainda maiores".  Um estatista que assumisse este ponto de vista não poderia se sentir jubiloso em relação ao seu estatismo; ao contrário, ele teria de se comportar com a trágica solenidade de Agamenon, que sacrificou sua filha para salvar a frota.
Igualmente, o inocente estatista dificilmente poderia se permitir chegar a esta lúgubre conclusão sem antes investigar as possíveis alternativas — as quais, para um estatista na academia, teria de envolver pesquisas cuidadosas e tentativas de refutação de (e ele desesperadamente esperaria não conseguir refutar) toda a rica literatura libertária que argumenta que a maioria dos outros males que ele cita pode ser evitada por meios não-estatistas.  Por estes critérios, poucos estatistas se qualificam como inocentes.  Buscar por alternativas à desigualdade de autoridade seria reconhecer que o estatismo envolve tal desigualdade.  Pior ainda: seria reconhecer isso antes de se certificar de que existem alternativas.  Isso forçaria o estatista a ter de fazer uma desagradável escolha, a qual ele prefere evitar.  Logo, considero o estatismo como sendo, pelo menos na maioria dos casos, um vício moral, e não um mero erro cognitivo, da mesma maneira que o racismo e o sexismo são vícios morais, e não meros erros cognitivos.
Porém — e, novamente, assim como o racismo e o sexismo —, o estatismo é um tipo de vício moral que tende a adentrar a alma por meio do auto-engano, por meio de uma osmose semi-consciente.  O estatismo é um tipo de banalidade arendtiana.  Não é algo que você abraça por meio da aceitação direta.  É uma forma de cegueira espiritual que pode, e de fato consegue, infectar até mesmo aqueles são realmente sinceros e bem intencionados (Não estou aqui sugerindo que libertários são geralmente mais virtuosos do que estatistas.  A justiça é apenas uma virtude dentre várias, e o libertarianismo é apenas uma aplicação da justiça; portanto, a única moral autocongratulatória que podemos nos permitir é que somos melhores do que nossos colegas em um aspecto de uma virtude).
Qual forma essa cegueira espiritual assume?  De um lado, a ideologia estatista tem de fazer com que a violência do estado se torne invisível.  Somente assim a afronta à igualdade que tal ideologia diz representar será encoberta.  Assim, estatistas tendem a tratar as ordens governamentais como se fossem feitiçarias, algo que passa diretamente do decreto para o resultado, sem a inconveniência dos meios; dado que, no mundo real, o principal meio empregado pelo governo é a violência — tanto sua ameaça quanto sua efetivação —, encarar os decretos estatais e sua violenta implantação como uma espécie de magia serve para disfarçar tanto a imoralidadequanto a ineficiência do estatismo, uma vez que tal postura simplesmente ignora todo o estrago deixado no caminho entre o decreto e o resultado.
No entanto, por outro lado, a efetividade de decretos governamentais depende exatamente de as pessoas estarem perfeitamente cientes da força que está por trás destes decretos.  Sendo assim, o estatismo pode manter sua plausibilidade somente ao implicitamente projetar um tipo de paródia grotesca da doutrina católica da transubstanciação: assim como o pão e o vinho devem ser transformados em sua essência no corpo e no sangue de Cristo para desempenharem seu papel espiritual necessário, ao mesmo tempo em que devem manter a aparência externa de pão e vinho para efetuarem seu papel prático necessário, a violência do estado, para ser justificada, tem de ser transubstanciada em sua essência em uma pacífica feitiçaria, ao mesmo tempo em que, para ser efetiva, deve manter a aparência externa de violência. (Esta sacralização da violência do estado explica como, por exemplo, os defensores do desarmamento se consideram genuínos oponentes da violência ao mesmo tempo em que ameaçam maciça e sistemática violência contra cidadãos pacíficos.)
erick.jpgPorém, ignorar ou mascarar a violência sobre a qual a legislação socioeconômica necessariamente se baseia é aquiescer à injusta subjugação e sujeição que tal violência personifica.  É tratar aqueles subjugados e sujeitados como meros meios para os fins almejados por aqueles que fazem a subjugação, e assim pressupor que há uma desigualdade legítima de poder e de jurisdição entre os dois grupos.  A repulsa libertária contra tal arrogante pressuposição é ipso facto um impulso igualitário.  Aqueles que não sentem nenhuma repulsa não devem esperar que suas credenciais igualitárias não sejam questionadas; eles podem até reverenciar a igualdade na teoria, mas são incapazes de reconhecê-la na prática.
Pois, à medida que passávamos, e contemplávamos a devoção daquelas pessoas, vimos um altar com esta inscrição: PARA O IDEAL DESCONHECIDO.  Aquilo que eles ignorantemente veneravam, era aquilo que nós havíamos imposto a eles.  Por muito tempo, permitimos que nossos confusos oponentes monopolizassem a bandeira da igualdade.  Temos mais direito a ela do que eles.  Já passou da hora de tomarmos essa bandeira de volta.

CRER NOS POLÍTICOS



MARIA ROSINÊIDE REZENDE DE MATOS

O Brasil é uma república federal presidencialista, de regime democrático-representativo. É uma democracia representativa porque o povo dificilmente exerce sua soberania, apenas elegendo o chefe do poder executivo e os seus representantes nos órgãos legislativos, como também diretamente, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. O dilema atual da política mundial e brasileira é precisamente a impossibilidade de crer na ação política contaminada pela mentalidade capitalista de vitória a qualquer preço; combinada com a comercialização publicitária na luta pelo Poder. Nessas condições nenhuma ética é possível, posto que sua construção só pode derivar da moral comunitária, que busca o bem público. Diante destes fatos se faz necessário avalia a posição do Brasil com relação ao grau de corrupção existente. Segundo dados:
O Brasil é percebido como um país extremamente corrupto, ocupando o 69° índice de percepção, sendo o 1° e menor, a Dinamarca. Perde para países Africanos como Botsuana (33°), Namíbia (56°) e Ruanda (66°) e está distante enormemente até de seu parceiro Chile (21°) na América do Sul. Porém encontra-se em posição melhor que alguns outros países sul-americanos como Colômbia (78°),Argentina (105°), Bolívia (110°) e Venezuela (164°) na região. O Brasil ainda está em situação melhor que todos os outros países do BRIC. A China se encontra 78° lugar, a Índia em 87° e a Rússia em 154°.
A partir destes dados passemos analisar o cenário político a partir da sua definição. O que é um político? - Um político é um indivíduo ativo na política de um grupo social. Pode ser formalmente reconhecido como membro ativo de um governo, ou uma pessoa que influencia a maneira como a sociedade é governada por meio de conhecimentos sobre poder político e dinâmica de grupo. Essa definição inclui pessoas que estão em cargos de decisão no governo, e pessoas que almejam esses cargos tanto por eleição, quanto por indicação, fraude eleitoral, hereditariedade, etc. Alguns cargos políticos são:Congressista; GovernadorDeputado; Senador; Parlamentar; Ministro; Prefeito; Presidente; Primeiro-ministro; Vereador.
Um indivíduo candidato à eleição para qualquer um desses cargos é geralmente definido como político.
Apesar da política ter historicamente sido considerada uma profissão honrada, muitas pessoas hoje, mesmo em países democráticos, têm uma opinião negativa a respeito dos políticos como classe. Eles são vistos, às vezes, como pessoas inescrupulosas, cujas promessas não são verdadeiras. Também são, ocasionalmente, acusados de desvios de verba para o seu próprio interesse e não para o interesse do povo e demais desvios de caráter. De fato, casos de corrupção política não são raros. Hoje em dia tem sido a coisa mais comum na política principalmente no Brasil.
Em muitos países, a classe política é composta de pessoas ricas, ou de indivíduos que dependem da classe mais rica da sociedade para se eleger. Esse fato não se restringe a um partido político, sistema de governo ou país específicos; é, ao contrário, um problema altamente difundido na política da maioria dos países democráticos, e é considerado um problema por muitos.
Uma outra crítica aos políticos é em relação àqueles chamados "políticos profissionais", políticos que exercem diversos mandatos e ganham dinheiro unicamente com esses mandatos.
Outra frequente crítica aos políticos, e à política em geral, é a incapacidade de muitos políticos em entender conceitos básicos da economia. Muitos cargos políticos não têm pré-requisitos de formação educacional, e muitos políticos têm pouca ou nenhuma formação na área de administração. Mesmo assim, os políticos têm responsabilidades em áreas de gestão e de tomada de decisão que exigem conhecimentos em economia, finanças e administração pública.
No Brasil, eles são vistos como ladrões do dinheiro público, pois praticam nepotismo, desvio de verba, quebra de decoro parlamentar, quebra de sigilo bancário, superfaturamento de obras, licitações fraudulentas. Além disso, o parlamentar brasileiro é o mais caro do mundo.
Mesmo com todos os contras, os políticos brasileiros ainda se mantém no poder, principalmente porque o poder acaba passando de pai para filho.
A vulgata de Maquiavel lhe atribui a frase: “Os fins justificam os meios”. Caso aceitemos tal afirmação, somos obrigados a concordar com qualquer um que afirme que sua finalidade última é boa e justa. Esse paradoxo coloca a política no limiar da falsificação, da mentira e da corrupção. Se o ato político esconde sempre algo por trás do que é dito ou feito, crer no político é uma questão de fé – ética privada é ato de fé e ética pública construção social. 
O dilema atual da política mundial e brasileira é precisamente a impossibilidade de crer na ação política contaminada pela mentalidade capitalista de vitória a qualquer preço; combinada com a comercialização publicitária na luta pelo Poder. Nessas condições nenhuma ética é possível, posto que sua construção só pode derivar da moral comunitária, que busca o bem público. O raciocínio na vulgata maquiaveliana seria então eticamente correto, pois é hipocrisia jurídica dizer que o crime de caixa dois não é praticado e sancionado nos bastidores da mentalidade capitalista globalizada. A ética, desde Aristóteles, se constrói no respeito pelo outro público, portanto não é discurso ou retórica para fins eleitorais, mas conceito necessário do político. A presente campanha eleitoral no Brasil já revela essa assombrosa gelatinização, que abre dois principais caminhos abomináveis: o incremento da corrupção e o sectarismo estreito de direita e de esquerda. A política precisa urgentemente de uma injeção de utopia.


OBAMA CHORA LOUCURA AMERICANA


AuthorAutor: Valton Miranda    CategoryMarcadores: ,
O presidente dos EUA, Obama, ao comentar o mais recente morticínio no seu país não conteve as lágrimas. A imprensa mundial se resume a mostrar a repetição de atrocidades, que quase já são anunciadas para o mês seguinte. Creio que existe uma espécie de furor assassino e guerreiro inscrito na mentalidade cultural norte-americana. O assassinato de presidentes desde Lincoln a Kennedy não inclui outros que morreram em consequência de atentados, mostrando a dimensão da belicosidade na intimidade política daquele país.

A nação líder do capitalismo mundializado lidera as guerras de dominação no mundo, possui a estrutura militar mais sofisticada do planeta, enquanto sua indústria supre a maior parte do mercado mundial de armas. A consciência social impregnada de competitividade destrutiva transforma cada indivíduo num Narciso, em cujo espelho está a imagem de James Bond.

A violência brasileira tem origem na pobreza, a violência islâmica mistura política, pobreza e religião, enquanto nos EUA é a riqueza armada até os dentes que transtorna a mente narcísico-fetichista. Os fetiches da arma e do dinheiro são alimentos ingeridos pela mente, onde predomina a vaidosa arrogância. Qualquer descontentamento pode açular o guerreiro vingador que mata para gratificar a constante frustração, produzida na sociedade do trauma por diferenças mínimas.

Em 1927, um homem matou 57 pessoas numa escola americana, inconformado com as notas que o colégio atribuíra ao filho. O número exato de soldados americanos que após retornarem das inúmeras guerras promovidas pelo seu país, que matam a família inteira por qualquer discussão trivial, nunca foi exposto pela imprensa americana desde a Proclamação da Independência. O mercado interno da indústria armamentista nutre clubes de tiro e colecionadores de arma, espalhados por todo o território nacional, estimulando constantemente o narcisismo assassino latente na sociedade e no indivíduo.

O instinto de morte, “sempre prestes a explodir”, é encoberto pela superficialidade no consumo, ao lado da permanentemente proclamada defesa da liberdade e do direito individual. O individualismo e narcisismo exacerbados combinam-se com a ideia de aumento do patrimônio e da riqueza como único objetivo da vida. O economista americano Gary Becker, prêmio Nobel, demonstrou segundo o gosto acadêmico nacional pelas estatísticas, que as relações afetivas familiares e entre marido e mulher são substituídas pelo puro interesse custo-benefício, portanto, a mulher passa a valer pelo dote em dinheiro, enquanto o homem é prestigiado pelo patrimônio familiar.

Dentro desse sistema político, cuja virulenta cultura se espalha pelo mundo como american way of life, o ser humano busca abrigo nas religiões salvacionistas que também trocam o céu pelo dinheiro! O presidente Obama, que já esbarrou no conservadorismo político ao tentar implementar seu programa de saúde, agora esbarra na indústria bélica, ao propor a limitação de vendas de armas aos cidadãos. O caldeirão da bruxa armamentista produz fetiches, mas o feitiço se volta contra o feiticeiro.

SIGNIFICADO DE POLÍTICA


MARIA ROSINÊIDE REZENDE DE MATOS

Para compreendermos a amplitude do termo política se faz necessário buscarmos o seu significado e a amplitude do mesmo a partir da sua origem. Portanto, o termo política é derivado do grego antigo πολιτεία (politeía), que indicava todos os procedimentos relativos à pólis, ou cidade-Estado. Mais não fica por ai. No sentido comum, vago e às vezes um tanto impreciso, política, como substantivo ou adjetivo, compreende arte de guiar ou influenciar o modo de governo pela organização de um partido político, pela influência da opinião pública, pela aliciação de eleitores. Se aprofundarmos iremos descobrir que na sua conceituação erudita, política "consiste nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem", segundo Hobbes ou "o conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados", para Russel ou "a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo", que é a noção dada por Nicolau Maquiavel, em O Príncipe. Desta forma fica claro que a expressão política pode ser ainda a orientação ou a atitude de um governo em relação a certos assuntos e problemas de interesse público: política financeira,política educacionalpolítica socialpolítica do café com leite.
Numa conceituação moderna, política é a ciência moral normativa do governo da sociedade civil.
Com o passar dos tempos o termo política, que se expandiu graças à influência de Aristóteles, para aquele filósofo categorizava funções e divisão do Estado e as várias formas de Governo, com o significado mais comum de arte ou ciência do Governo; desde a origem ocorreu uma transposição de significado das coisas qualificadas como político, para a forma de saber mais ou menos organizado sobre esse mesmo conjunto de coisas. A partir daí a  expressão política passa a assumir novos significados. Novas conotações. Pois a política, como forma de atividade ou de práxis humana, está estreitamente ligada ao poder. Sendo que o poder político é o poder do homem sobre outro homem, descartados outros exercícios de poder, sobre a natureza ou os animais, por exemplo. Poder que tem sido tradicionalmente definido como "consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem" (Hobbes) ou, como "conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados" (Russell). Com o aprofundamento dos estudos relativos a política destacam-se novas posturas e surgem as mais variadas formas de exercícios de poder de um indivíduo sobre outro; o poder político é apenas uma delas.

O que a política pretende alcançar pela ação dos políticos, em cada situação, são as prioridades do grupo (ou classe, ou segmento nele dominante): nas convulsões sociais, será a unidade do Estado; em tempos de estabilidade interna e externa, será o bem-estar, a prosperidade; em tempos de opressão, a liberdade, direitos civis e políticos; em tempos de dependência, a independência nacional. A política não tem fins constantes ou um fim que compreenda a todos ou possa ser considerado verdadeiro: "os fins da Política são tantos quantas são as metas que um grupo organizado se propõe, de acordo com os tempos e circunstâncias". A política se liga ao meio e não sobre o fim, corresponde à opinião corrente dos teóricos do Estado, que excluem o fim dos seus elementos constitutivos. Para Max Weber: "Não é possível definir um grupo político, nem tampouco o Estado, indicando o alvo da sua ação de grupo. Não há nenhum escopo que os grupos políticos não se hajam alguma vez proposto(…) Só se pode, portanto, definir o caráter político de um grupo social pelo meio(…) que não lhe é certamente exclusivo, mas é, em todo o caso, específico e indispensável à sua essência: o uso da força". Portanto, o fim essencial da política é a aquisição do monopólio da força. Hoje em dia não é muito diferente. A prática política está muito longe da realidade. E a sociedade tem clamado por uma reforma imediata em todo o contexto político. Não discuto a técnica jurídica, mas a flagrante contradição e potencial de manipulação midiática quando habilmente manejada. Certo é que a reforma política que tramita no Congresso Nacional talvez atenue o dinamismo corruptor, mas certamente não impedirá que o pensamento conservador continue a se proclamar dono da ética. Reforma política já.

As raízes escolásticas da Escola Austríaca e o problema com Adam Smith



JuanDeMariana.jpg
Juan de Mariana
Apesar de existir acordo generalizado quanto ao fato de a Escola Austríaca ter nascido em 1871, com a publicação do livro de Carl Menger (1840-1921) intitulado Princípios deEconomia Política, na realidade, o principal mérito deste autor consistiu em ter sabido recolher e impulsionar uma tradição do pensamento de origem católica e européia continental que se pode fazer remontar até ao nascimento do pensamento filosófico na Grécia e, de forma ainda mais intensa, até à tradição de pensamento jurídico, filosófico e político da Roma clássica. 
Efetivamente, na Roma clássica descobriu-se que o direito é basicamente consuetudinário e que as instituições jurídicas (assim como as linguísticas e as econômicas) surgem como resultado de um longo processo evolutivo, incorporando um enorme volume de informação e conhecimentos que supera, e muito, a capacidade mental de qualquer governante, por mais sábio e bem intencionado que ele possa ser. 
Assim, sabemos graças a Cícero (De republica, II, 1-2), a forma como, para Catão: "o motivo pelo qual o nosso sistema político foi superior ao de todos os outros países é este: os sistemas políticos dos países restantes foram criados introduzindo leis e instituições de acordo com o parecer pessoal de indivíduos específicos, tais como Minos em Creta e Licurgo em Esparta. De forma diferente, a nossa república romana não se deve à criação pessoal de um homem, mas de muitos.  Não foi fundada durante a vida de um indivíduo particular, mas sim durante uma sucessão de séculos e gerações.  Porque nunca houve no mundoum homem com inteligência suficiente para tudo prever, e porque mesmo se pudéssemos concentrar todos os cérebros na cabeça de um mesmo homem, lhe seria impossível considerar tudo ao mesmo tempo sem ter acumulado a experiência que deriva da prática ao longo de um largo período da história"
O núcleo desta ideia essencial constituirá o ponto fulcral do argumento de Ludwig von Mises sobre a impossibilidade teórica da planificação socialista, e será conservado e reforçado na Idade Média graças ao humanismo cristão e à filosofia tomista do direito natural, concebido como um corpo ético prévio e superior ao poder de cada governo terreno.  Pedro Juan de Olivi, São Bernardino de Sena e Santo António de Florença, entre outros, teorizaram sobre o papel protagonista que a capacidade empresarial e criativa do ser humano tem como impulsionadora da economia de mercado e da civilização.  No entanto, o testemunho principal desta linha de pensamento foi recolhido, divulgado e aperfeiçoado pelo conjunto de grandes teóricos constituído pelos escolásticos do Século de Ouro espanhol os quais, sem qualquer dúvida, deverão ser considerados como os principais precursores da Escola Austríaca de Economia. 
Os escolásticos do Século de Ouro espanhol como precursores da Escola Austríaca
Para Friedrich A. Hayek, os princípios teóricos da economia de mercado, assim como os elementos básicos do liberalismo econômico, não foram concebidos, como geralmente se acredita, pelos calvinistas e protestantes escoceses, sendo que, pelo contrário, são o resultado do esforço doutrinário empreendido pelos dominicanos e jesuítas membros da Escola de Salamanca durante o Século de Ouro espanhol.  Hayek chegou mesmo ao extremo de citar dois dos nossos escolásticos, Luís de Molina e Juan de Lugo, no seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel da Economia em 1974.  Este economista austríaco começou a convencer-se da origem católica e espanhola da análise econômica austríaca a partir dos anos de 1950, graças à influência do professor italiano Bruno Leoni.  Leoni convenceu Hayek de que as raízes da concepção dinâmica e subjetivista da economia eram de origem continental e de que, portanto, deveriam ser procuradas na Europa mediterrânica e na tradição grega, romana e tomista, mais do que na tradição dos filósofos escoceses do século XVIII.  Além disso, Hayek teve a sorte de, durante esses anos, ter uma das suas melhores alunas, Marjorie Grice-Hutchinson, que se especializara em latim e literatura espanhola, levando a cabo, sob a orientação de Hayek, um trabalho de investigação sobre as contribuições dos escolásticos espanhóis no âmbito da economia, trabalho esse que, com o tempo, se converteu num pequeno clássico.
Quem foram estes precursores intelectuais da moderna Escola Austríaca de Economia?  A maioria deles foram dominicanos e jesuítas, professores de moral e teologia em universidades que, como a de Salamanca e a de Coimbra, constituíram os focos mais importantes do pensamento durante o Século de Ouro espanhol.  Analisaremos em seguida, de forma sintética, quais foram as suas principais contribuições para o que mais tarde seriam os elementos básicos da análise econômica austríaca.
Talvez devamos começar fazendo menção a Diego de Covarrubias y Leyva.  Covarrubias (1512-1577), filho de um famoso arquiteto, chegou a bispo da cidade de Segóvia (em cuja catedral se encontra enterrado), sendo durante vários anos ministro do rei Filipe II.  Em 1555, Covarrubias expôs melhor do que ninguém até então a essência da teoria subjetiva do valor, em torno da qual gira todo o enquadramento da análise econômica da Escola Austríaca, ao afirmar que "o valor de uma coisa não depende da sua natureza objetiva, mas, antes, da estimação subjetiva dos homens, mesmo que tal estimação seja insensata"; aludindo para ilustrar a sua tese ao fato de que "nas Índias o trigo vale mais do que na Espanha porque ali os homens o estimam mais, e isso apesar de a natureza do trigo ser a mesma em ambos os lugares". 
Covarrubias escreveu também um estudo sobre a evolução histórica da diminuição do poder aquisitivo do maravedí, antecipando muitas das conclusões teóricas sobre a teoria quantitativa da moeda que posteriormente seriam expostas por Martín de Azpilcueta e Juan de Mariana, entre outros.  O estudo de Covarrubias incorpora um grande volume de dados estatísticos sobre a evolução dos preços no século precedente àquele em que viveu, e foi publicado em latim com o título de Veterum collatio numismatum.  Esta obra de Covarrubias é muito significativa, não apenas por ter sido citada de maneira laudatória em séculos posteriores pelos italianos Davanzati e Galiani, mas sobretudo por ser um dos livros citados por Carl Menger nos seus Princípios de Economia Política.
A tradição subjetivista iniciada por Covarrubias é continuada por outro notável escolástico, Luis Saravia de La Calle, que é o primeiro a tornar clara a verdadeira relação que existe entre preços e custos no mercado, no sentido de que, em todas as situações, são os custos que tendem a seguir os preços e não o contrário, antecipando-se assim na refutação dos erros da teoria objetiva do valor que seria posteriormente desenvolvida pelos teóricos da escola clássica anglo-saxônica, e que viria a se converter no fundamento da teoria da exploração de Karl Marx e dos seus sucessores socialistas. 
Assim, Saravia de la Calle, na sua obra Instrucción de mercaderes, publicada em castelhano em Medina del Campo em 1544, escreveu que "os que medem o preço justo de uma coisa segundo o trabalho, custos e riscos em que incorre quem produz a mercadoria cometem um grave erro; porque o preço justo nasce da abundância ou falta de mercadorias, de empresários e de moeda, e não dos custos, trabalhos e riscos".
Além disso, todo o livro de Saravia de la Calle está centrado na função do empresário, que ele denomina "mercader", seguindo assim a já mencionada tradição escolástica sobre o papel dinamizador do empresário que remonta a Pedro João de Olivi, Santo António de Florença e, principalmente, São Bernardino de Sena.
Outra notável contribuição dos nossos escolásticos foi a introdução do conceito dinâmico de concorrência (em latim, concurrentium), entendida como o processo empresarial de rivalidade que move o mercado e impulsiona o desenvolvimento da sociedade.  Esta ideia, que haverá de converter-se no coração da teoria do mercado da Escola Austríaca, contrasta radicalmente com os modelos de equilíbrio de concorrência perfeita, monopolística e de monopólio analisados pelos neoclássicos, e levou também os escolásticos a concluir que os preços do modelo de equilíbrio (que eles denominaram "preços matemáticos"), que os teóricos neoclássicos socialistas pretenderam utilizar para justificar o intervencionismo e a planificação do mercado, nunca poderiam chegar a ser conhecidos.  Assim, Raymond de Roover atribui a Luis de Molina o conceito dinâmico de concorrência entendida como "o processo de rivalidade entre compradores que tende a elevar o preço", e que nada tem a ver com o modelo estático de "concorrência perfeita" que, no século XX, os denominados "teóricos do socialismo de mercado" ingenuamente acreditaram poder ser simulado num regime sem propriedade privada.  Apesar disso, é Jerónimo Castillo de Bovadilla quem melhor expõe esta concepção dinâmica da livre concorrência entre empresários no seu livro Política para corregidores, publicado em Salamanca em 1585, onde ele afirma que a característica mais positiva da concorrência é conseguir "emular" o concorrente.  Castillo de Bovadilla enuncia ainda a seguinte lei econômica, base da defesa do mercado por parte de todo o economista austríaco: "os preços dos produtos baixarão com a abundância, emulação e concorrência de vendedores".
Quanto à impossibilidade de os governantes ou os analistas chegarem a conhecer os preços de equilíbrio e os demais dados de que necessitam para intervir no mercado ou para elaborar os seus modelos, destacam-se as contribuições dos cardeais jesuítas espanhóis Juan de Lugo e Juan de Salas.  O primeiro, Juan de Lugo (1583-1660), questionando-se sobre a determinação do preço de equilíbrio, já em 1643 havia concluído que depende de uma tão grande quantidade de circunstâncias específicas que apenas Deus o pode conhecer ("pretium iustum mathematicum licet soli Deo notum").  O segundo, Juan de Salas, em 1617, referindo-se à possibilidade de que um governante possa chegar a conhecer a informação específica que dinamicamente se cria, descobre e usa no mercado, afirma que "quas exate comprehendere et ponderare Dei est non hominum", ou seja, que apenas Deus, e não os homens, pode compreender e ponderar exatamente toda a informação e o conhecimento que são usados no processo de mercado pelos agentes econômicos com todas as suas circunstâncias particulares de tempo e de espaço (Salas, 1617: 4, nº 6, 9).  Como veremos, tanto Juan de Lugo como Juan de Salas antecipam, em mais de três séculos, as mais refinadas contribuições dos mais destacados pensadores austríacos (especialmente Mises e Hayek).
Outro dos elementos essenciais do que depois se converterá na análise econômica da Escola Austríaca é o princípio da preferência temporal, segundo o qual, tudo o resto constante, os bens presentes são sempre mais valorizados do que os bens futuros.  Esta doutrina foi redescoberta por Martín de Azpilcurta (o famoso doutor Navarro) em 1556, que por sua vez a tomou de um dos melhores discípulos de São Tomás de Aquino, Giles de Lessines que, já em 1285, havia afirmado que "os bens futuros não são tão valorizados como os mesmos bens disponíveis de imediato, nem têm a mesma utilidade para os seus proprietários.  Por esta razão, o seu valor de acordo com a justiça há de ser mais reduzido".
Os efeitos distorcivos da inflação, entendida como toda a política estatal de crescimento da oferta monetária, foram também estudados analiticamente pelos escolásticos.  Neste âmbito, destaca-se o trabalho do padre Juan de Mariana intitulado De monetae mutatione, traduzido para castelhano posteriormente pelo autor com o título de Tratado y discurso sobre la moneda de vellón que al presente se labra en castilla y de algunos desórdenes y abusos (Mariana, 1987).  Neste livro, publicado pela primeira vez em 1605, Mariana critica a política seguida pelos governantes da sua época de baixar de forma deliberada o valor da moeda, embora não utilize o termo "inflação", desconhecido na época, explica a forma como os efeitos da mesma são o incremento dos preços e a desorganização geral da economia real. 
Mariana critica também a política de estabelecimento de preços máximos para lutar contra os efeitos da inflação, política que ele considera não só incapaz de produzir efeitos positivos, mas também altamente danosa para o processo produtivo.  Melhora-se assim a análise muito mais simplista, por ser exclusivamente macroeconômica, efetuada anteriormente por Martín de Azpilcueta em 1556, e antes dele por Copérnico no seu livro Monetae cudendae ratio, onde foi exposta pela primeira vez a típica versão, muito simplificada e mecanicista, da teoria quantitativa da moeda hoje tão divulgada.  São também importantes as contribuições dos nossos escolásticos para a teoria bancária. 
Assim, por exemplo, é claríssima a crítica do Doutor Saravia de la Calle ao exercício do sistema bancário com reserva fracionária, no sentido de que a utilização em benefício próprio mediante concessão de empréstimos a terceiros, de dinheiro que é depositado à vista nos bancos é ilegítima e implica um pecado grave, doutrina que coincide plenamente com a que foi estabelecida pelos autores clássicos do direito romano, e que surge naturalmente da própria essência, causa e natureza jurídica do contrato de depósito irregular de dinheiro. 
Também Martín de Azpilcueta e Tomás de Mercado desenvolveram uma análise rigorosa e muito exigente sobre a atividade bancária que, embora não chegue aos níveis críticos de Saravia de la Calle, inclui um excelente tratamento das exigências que a justiça impõe que se observem no contrato de depósito bancário de dinheiro.  Uns e outros, portanto, exigem implicitamente que a atividade bancária se exerça com um coeficiente de caixa de cem por cento, proposta esta que haverá de converter-se num dos elementos fundamentais da análise austríaca relativa à teoria do crédito e dos ciclos econômicos. 
Menos rigorosa e, portanto, mais compreensiva com o exercício do sistema bancário de reserva fracionária, é a análise de Luis de Molina e Juan de Lugo, ainda que, de acordo com Dempsey, se estes autores tivessem conhecido detalhadamente o funcionamento e as implicações teóricas do sistema bancário com reserva fracionária, tal como os mesmos foram desenvolvidos por Mises, Hayek e o resto dos teóricos da Escola Austríaca, o processo de expansão do crédito e inflação fiduciária originado pelo sistema bancário com reserva fracionária teria sido considerado, pelos próprios Molina, Lesio e Lugo como um vasto e ilegítimo processo de usura institucional
Interessa, não obstante, ressaltar como Luis de Molina foi o primeiro teórico a salientar que os depósitos e o dinheiro bancário em geral, que ele denomina em latim chirographis pecuniarum, é parte integrante, da mesma forma que o dinheiro em espécie, da oferta monetária.  De fato, Molina expressou em 1597, muito antes de Pennington em 1826, a ideia essencial de que o volume total de transações monetárias que se efetua numa feira não poderia ser pago com a quantidade de dinheiro metálico que na mesma muda de mãos, se não fosse pela utilização do dinheiro que os bancos geram através do registro dos seus depósitos e da emissão de chequessobre os mesmos por parte dos depositantes.  De tal forma que, como resultado da atividade financeira dos bancos, se cria a partir do nada uma nova quantidade de dinheiro sob a forma de depósitos que é utilizada nas transações. 
Finalmente, o padre Juan de Mariana escreveu outro livro intitulado Discurso sobre las enfermedades de Lacompañia, publicado com caráter póstumo em 1625.  Neste livro, Mariana realiza uma análise puramente austríaca relativa à impossibilidade de um governo poder organizar a sociedade civil com base em ordens coercivas, e isto devido à falta de informação.  De fato, é impossível ao Estado obter a informação de que necessita para dar um conteúdo coordenador às suas ordens, pelo que a sua intervenção tende a criar desordem e caos.  Assim, Mariana, referindo-se ao governo, disse que "é um grande desatino que o cego queira guiar aquele que vê", frisando que os governantes "não conhecem as pessoas, nem os fatos, pelo menos, com todas as circunstâncias que os envolvem, de que depende uma decisão acertada.  É forçoso que se caia em muitos e graves erros, e que isso cause descontentamento às pessoas e as leve a menosprezar um governo tão cego"; conclui Mariana que "é louco o poder e o mando", e que quando "as leis são muitas e em demasia, como não se podem preservar todas, nem sequer saber, a todas se perde o respeito".
Em suma, os escolásticos espanhóis do nosso Século de Ouro foram já capazes de articular o que depois viriam a ser os princípios mais importantes da Escola Austríaca de Economia e, em concreto, os seguintes: primeiro, a teoria subjetiva do valor (Diego de Covarrubias y Leyva); segundo, a descoberta da relação correta que existe entre os preços e os custos (Luis Saravia de la Calle); terceiro, a natureza dinâmica do mercado e a impossibilidade de alcançar o modelo de equilíbrio (Juan de Lugo e Juan de Salas); quarto, o conceito dinâmico de concorrência entendida como um processo de rivalidade entre os vendedores (Castillo de Bovadilla e Luis de Molina), quinto, a redescoberta do princípio da preferência temporal (Martín de Azpilcueta); sexto, o efeito profundamente distorcivo que a inflação tem sobre a economia real (Juan de Mariana, Diego de Covarrubias e Martín de Azpilcueta); sétimo, a análise crítica do sistema bancário exercido com reserva fracionária (Luis Saravia de la Calle e Martín de Azpilcueta); oitavo, a descoberta de que os depósitos bancários são parte da oferta monetária (Luis de Molina e Juan de Lugo); nono, a impossibilidade de organizar a sociedade através de ordens compulsivas, por falta da informação necessária para dar um conteúdo coordenador às mesmas (Juan de Mariana), e décimo, a tradição liberal de que toda a intervenção injustificada no mercado constitui uma violação do direito natural (Juan de Mariana).
Existem, portanto, razões fundadas para concluir que a concepção subjetivista e dinâmica do mercado, ainda que tenha sido retomada e definitivamente impulsionada por Menger em 1871, teve início na Espanha.  A tradição do pensamento econômico da Escola Austríaca tem, pois, a sua origem intelectual na Espanha e mais concretamente numa escola, a de Salamanca, que, da mesma forma que a moderna Escola Austríaca, e em profundo contraste com o paradigma neoclássico, se caracteriza sobretudo pelo grande realismo e rigor dos seus pressupostos analíticos.
A decadência da tradição escolástica e a influência negativa de Adam Smith
Para compreender a influência dos escolásticos espanhóis sobre o posterior desenvolvimento da Escola Austríaca de Economia é preciso recordar, antes de tudo, que no século XVI, o imperador e rei de Espanha Carlos V enviou o seu irmão Fernando I para ser rei da Áustria.  "Áustria" significa, etimologicamente, "parte este do Império", Império que nessa altura compreendia praticamente a totalidade da Europa continental, com a única exceção importante da França, que permanecia isolada e rodeada por forças espanholas.  É assim fácil compreender a origem da influência intelectual dos escolásticos espanhóis sobre a Escola Austríaca, e que não foi uma simples coincidência ou um mero capricho da história, mas que foi o produto de íntimas relações históricas, políticas e culturais que se desenvolveram entre a Espanha e a Áustria a partir do século XVI.  Estas relações haveriam de manter-se durante vários séculos e nas mesmas também teve um papel importantíssimo a Itália, como ponte cultural através da qual fluíram as relações intelectuais entre ambos os extremos do Império (Espanha e Áustria).  Por tudo isto, existem importantes argumentos para defender a tese de que, pelo menos nas suas origens, a Escola Austríaca é, em última instância, uma escola de tradição espanhola. 
De fato, pode-se afirmar que o principal mérito de Carl Menger consistiu em redescobrir e impulsionar esta tradição católica continental de origem espanhola que, praticamente, estava esquecida e havia caído em decadência como consequência, por um lado, do triunfo da reforma protestante e da lenda negra contra tudo o que fosse espanhol e, por outro lado e, sobretudo, devido à muito negativa influência que as teorias de Adam Smith e do resto dos seus seguidores da Escola Clássica da Economia tiveram na história do pensamento econômico.  Com efeito, como indica Murray N. Rothbard, Adam Smith abandonou as contribuições anteriores centradas na teoria subjetiva do valor, a função empresarial e o interesse em explicar os preços que se verificam no mercado real, substituindo a todas pela teoria do valor trabalho, sobre a qual Marx construirá, como conclusão natural, toda a teoria socialista da exploração. 
Além disso, Adam Smith concentra-se preferencialmente na explicação do "preço natural" de equilíbrio no longo prazo, um modelo de equilíbrio em que a função empresarial prima pela sua ausência e se supõe que toda a informação necessária já está disponível, o que virá depois a ser utilizado pelos teóricos neoclássicos do equilíbrio para criticar supostas "falhas de mercado" e para justificar o socialismo e a intervenção do estado sobre a economia e a sociedade civil. 
Por outro lado, Adam Smith impregnou a ciência econômica de calvinismo, por exemplo, ao apoiar a proibição da usura e ao distinguir entre ocupações "produtivas" e "improdutivas".  Finalmente, Adam Smith rompeu com olaissez-faire radical dos seus antecessores jusnaturalistas do continente (espanhóis, franceses e italianos) introduzindo na história do pensamento um "liberalismo" muito tíbio e tão empestado de exceções e relativizações que muitos teóricos "social-democratas" de hoje poderiam inclusivamente aceitar.
A influência negativa que, do ponto de vista da Escola Austríaca, teve o pensamento da escola clássica anglo-saxônica sobre a Ciência Econômica acentua-se com os sucessores de Adam Smith e, em especial, com Jeremy Bentham, que inoculou o bacilo do mais estreito utilitarismo na nossa disciplina, impulsionando com ele o desenvolvimento de toda uma análise pseudocientífica de custos e benefícios (que se acredita que possam ser conhecidos), e o surgimento de toda uma tradição de "engenheiros sociais" que pretendem moldar a sociedade à sua vontade utilizando o poder coercivo do estado. 
Na Inglaterra, Stuart Mill culmina esta tendência com o seu abandono do laissez-faire e as suas numerosas concessões ao socialismo, e na França, o triunfo do racionalismo construtivista de origem cartesiana explica o domínio dos intervencionistas da École Polytechnique e do socialismo cientifista de Saint-Simon e Comte.  Afortunadamente, e apesar do obscurecedor imperialismo intelectual que os teóricos da escola clássica anglo-saxônica exerceram sobre a evolução da nossa disciplina, a tradição continental de origem católica impulsionada pelos nossos escolásticos do Século de Ouro espanhol nunca foi totalmente esquecida.  Assim, esta corrente doutrinal influenciou dois notáveis economistas, um irlandês, Cantillon, e outro francês, Turgot, que podem em grande medida ser considerados os verdadeiros fundadores da Ciência Econômica. 
De fato, Cantillon, por volta do ano de 1730, escreve o seu Ensaio sobre a natureza do comércio em geral, que, segundo Jevons, é o primeiro tratado sistemático de economia.  Neste livro, Cantillon realça a figura doempresário como motor do processo de mercado e explica ainda que o aumento da quantidade de dinheiro não afeta de imediato o nível geral de preços, uma vez que o seu impacto na economia real se dá por etapas, ou seja, sucessivamente e através de um processo que inevitavelmente afeta e distorce os preços relativos que surgem no mercado.  Trata-se do famoso efeito Cantillon, logo copiado por Hume, e que foi depois retomado por Mises e Hayek na sua análise sobre a teoria do capital e dos ciclos.
Posteriormente, o marquês D'Argenson em 1751 e, sobretudo, Turgot, muito antes que Adam Smith, já haviam articulado perfeitamente o caráter disperso do conhecimento incorporado nas instituições sociais entendidas como ordens espontâneas, e cuja análise se haveria de converter num dos elementos essenciais do programa de investigação hayekiano.  Assim, Turgot, no seu Elogio de Gournay, já em 1759, concluiu que "não é preciso provar que cada indivíduo é o único que pode julgar com conhecimento de causa o uso mais vantajoso das suas terras e do seu esforço.  Somente ele possui o conhecimento específico sem o qual até o homem mais sábio se encontraria às cegas.  Aprende com os seus intentos repetidos, com os seus êxitos e com os seus fracassos, e assim vai adquirindo um sentido especial para os negócios que é muito mais engenhoso do que o conhecimento teórico que pode ser adquirido por um observador indiferente, porque é impelido pela necessidade".  Refere-se igualmente Turgot, e neste aspecto segue o padre Juan de Mariana, à "completa impossibilidade de dirigir através de regras rígidas e de um controlo contínuo a multiplicidade de transações que, além de nunca poderem chegar a ser plenamente conhecidas devido à sua imensidade, também dependem continuamente de uma multiplicidade de circunstâncias em constante mudança que não podem controlar-se nem sequer prever-se". 
Mesmo na Espanha, e durante a longa decadência dos séculos XVIII e XIX, a tradição dos nossos escolásticos não desapareceu completamente, e isto apesar do enorme complexo de inferioridade face ao universo intelectual anglo-saxônico típico daquela época.  Prova disso é que outro autor espanhol de tradição católica foi capaz de resolver o paradoxo do valor e de enunciar com toda a clareza a lei da utilidade marginal vinte e sete anos antes de Carl Menger publicar os seus Princípios de Economia Política.  Trata-se do catalão Jaime Balmes (1810-1848), que durante a sua curta vida se tornou o mais importante filósofo tomista na Espanha do seu tempo.  Assim, em 1844, publicou um artigo intitulado "Verdadeira ideia do valor ou reflexões sobre a origem, natureza e variedade dos preços", em que ele não só resolveu o paradoxo do valor, como também expôs com toda a clareza a lei da utilidade marginal. 
Balmes questiona-se "Como é que uma pedra preciosa vale mais do que um pedaço de pão, do que um cômodo vestido, e talvez até do que uma saudável e grata vivenda?"; e responde: "não é difícil explicá-lo; sendo o valor de uma coisa a sua utilidade, ou aptidão para satisfazer as nossas necessidades, quanto mais precisa for para a satisfação delas maior será o seu valor; deve-se considerar também que se o número de meios aumenta, diminui a necessidade de cada um deles em particular, porque podendo-se escolher entre muitos, nenhum é indispensável.  Aqui está por que razão há uma dependência necessária entre o aumento e diminuição do valor e a escassez e abundância de uma coisa.  Um pedaço de pão tem pouco valor, mas é porque tem relação necessária com a satisfação das nossas necessidades, porque há muita abundância de pão.  Porém, diminuam a sua abundância, e o seu valor rapidamente crescerá, até atingir um nível qualquer, fenômeno que se verifica em tempo de escassez, e que se torna mais palpável em todos os gêneros durante as calamidades da guerra numa praça acossada por um muito prolongado assédio". 
Desta forma, Balmes foi capaz de fechar o círculo da tradição continental e deixá-lo preparado para que a mesma fosse completada, aperfeiçoada e impulsionada, poucas décadas depois, por Carl Menger, e pelo resto dos seus discípulos da Escola Austríaca de Economia.

Tradução de André Azevedo Alves