quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Drogas, adultério e a guerra sem fim

Drogas, adultério e a guerra sem fim
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drugsPor ser um pai adotivo, sempre me "acusam" de ser fanático por crianças. Nesse caso, confesso-me culpado. Minha filha adotiva de nove anos, Alexandra, é a menina dos meus olhos e do meu coração.
E como muitos outros pais, sempre me preocupo com o país que ela vai herdar. Quero que ela, bem como todas as outras crianças, viva em uma sociedade que seja moral e livre; uma que, ao contrário da atual, não se deixe corromper pelo estado assistencialista e belicista e pela apostasia cultural e religiosa.
Como um libertário, obviamente não vejo o governo federal como uma ferramenta útil para se atingir tal objetivo — antes, vejo-o como a própria fonte dos problemas. Mas, ao contrário de outros libertários, isso não significa que eu aprove todas as coisas que eu não criminalizaria. Por exemplo, eu vejo a família tradicional como a edificação essencial da sociedade. Por isso, gostaria que Elizabeth Taylor não tivesse se casado nove vezes. Mas eu jamais a colocaria na cadeia por isso, e a defenderia se alguém quisesse fazê-lo.
Preocupo-me com a relação entre as crianças e as drogas, mas estou convencido de que, quando as crianças não se tornam viciadas — e a vasta maioria não se torna —, isso está totalmente ligado a questões familiares ou religiosas, e pouco tem a ver com a questão da acessibilidade. Mesmo na minha pacata cidade, as drogas são acessíveis para qualquer jovem que as procure, a despeito da Guerra Contra as Drogas regida pelo governo. 
A escolha a ser feita não está entre uma sociedade livre das drogas e uma sociedade tomada pelas drogas. Aliás, já temos esta última, não obstante os bilhões gastos em milhares de policiais e burocratas, além das centenas de restrições impostas às nossas liberdades pessoais e financeiras. (Eu diria que, da mesma forma que a Lei Seca aumentou a embriaguez, a guerra contra as drogas aumentou o abuso de narcóticos). A escolha é entre uma sociedade em que esses problemas são exacerbados pelo governo e uma em que eles não são.
Se eu pudesse balançar uma varinha mágica e fazer todas as drogas ilegais desaparecerem, eu o faria de muito bom grado. Mas eu não tenho essa varinha, e o governo também não. O governo, no entanto, tem armas. Porém — assim como ocorreu durante a Lei Seca — ele não é capaz de usá-las de maneira a suprimir o tráfico de coisas que várias pessoas querem, sejam essas coisas para o bem ou para o mal.
O governo, por exemplo, não pode reprimir o adultério, mesmo quando se sabe que a quebra do pacto matrimonial — o que gera divórcios, crianças injuriadas e valores morais despedaçados — é ainda pior do que as drogas.
Suponhamos que, estando perfeitamente a par de todos os males do adultério, o governo lança a Guerra Contra a Infidelidade.
A Secretaria Federal da Fiscalização Marital — em parceria com departamentos de ética em níveis estaduais e municipais — iria instituir a espionagem e a delação em níveis nacionais, e impor longas sentenças de prisão para aqueles que fossem pegos. Os motéis ficariam sob vigilância cerrada, e os casais seriam obrigados a fornecer algum comprovante de casamento ao fazer o check-in. Cartas, correios eletrônicos e torpedos de celular teriam de ser rastreados, e os telefones estariam permanentemente grampeados. Haveria linhas 0-800 para denúncias. Até mesmo as festas teriam de ser vigiadas — afinal, são nelas que muitas coisas acontecem.
Depois viria um maciço programa federal de educação, com o Instituto Nacional do Matrimônio dando subsídios para os intelectuais e ativistas favoritos do governo. A primeira-dama iria pedir para que todo mundo "Diga Não" para as relações amorosas ilícitas, e a Receita Federal iria usar todos esses pretextos como desculpa para acabar com a privacidade financeira, uma vez que o dinheiro em espécie poderia ser utilizado para financiar adultérios sem deixar rastros em recibos ou transações bancárias.
Você realmente acredita que sob esse sistema os valores familiares seriam robustecidos? Será que eles seriam sequer protegidos? É claro que não. A tirania federal corrói todos os nossos valores, não importa qual seja a desculpa. Ainda assim, muitas pessoas apóiam lutar contra as drogas dessa maneira, obtendo exatamente o mesmo sucesso que uma cruzada federal marital obteria. Ou melhor, o sucesso é ainda menor, já que a guerra contra as drogas gera uma colheita maldita de crimes violentos.
Isso porque as drogas são um adversário muito mais ardiloso. A maioria das drogas recreativas advém de plantas que podem ser cultivadas em infindáveis extensões remotas, fora da jurisdição de um país. O produto final é importado através de diversos pontos de entrada, pelos mais engenhosos meios concebíveis. Não existe um centro de operações fixo; portanto, não há um alvo definido contra o qual se pode estabelecer uma tática efetiva de guerra. Somente um amplo, extenso e abrangente controle pode dar conta do problema.
Ou será que pode mesmo? As drogas ilícitas já se mostraram incontroláveis mesmo em nossos domínios mais intensamente controlados: as prisões. Ou seja: se nos transformássemos em um sistema totalitário, em que os poderes do estado fossem absolutamente ilimitados, o mercado negro das drogas ainda assim vicejaria. 
Uma questão importante, e quase sempre ignorada, é que indivíduos têm problema com drogas. Não faz sentido falar de um problema nacional de drogas. O que existe é um conjunto de malefícios individuais relacionados às drogas, mas que nós erroneamente estamos tratando como uma entidade única.
O mais proeminente destes males é a violência associada à distribuição e ao pagamento das drogas para uso pessoal. A violência das gangues durante a Lei Seca era, em termos comparativos, esporádica; e hoje, ainda que o consumo legal de álcool gere mais violência do que o uso legítimo de drogas jamais irá gerar (narcóticosretardam impulsos violentos), uísque é distribuído sem qualquer incidente. Mas o desejo ardente por drogas e, principalmente, pelos lucros gerados pelas drogas, um desejo duplo sustentado perversamente pela lei, resulta em milhões de crimes contra a pessoa e a propriedade — matanças diárias nas grandes cidades e milhões de assaltos e arrombamentos por ano, por exemplo. Mas esse, pelo menos, é um problema genuíno, no sentido de que é suscetível a melhoras. Há estudos que estimam que a descriminalização das drogas diminuiria a criminalidade urbana em 75%.
É claro que nada disso tem a intenção de fazer comercial das drogas. As pessoas têm preocupações legítimas quanto ao que significaria a descriminalização delas. O consumo aumentaria? Sim. As leis atuais de fato detêm algumas pessoas — portanto, há uma pequena fração da população que passaria a ter algum problema com as drogas caso a lei saísse da frente e parasse de impedi-las de experimentar. Isso é inegável. Sob esse aspecto, as pessoas podem ser enquadradas em quatro categorias: (1) aquelas que não usariam drogas mesmo que elas fossem legais e gratuitas; (2) aquelas que podem experimentar um pouco, de maneira limitada, mas sem jamais ficarem viciadas; (3) aquelas que podem se tornar usuárias contumazes, mas que também podem ser ajudadas por meio de aconselhamento moral e educacional; e (4) as viciadas "naturais".
As categorias um e dois não representam problema social. A categoria três deve ser o alvo de nossos esforços anti-drogas, bem como de acompanhamento médico e de ajuda moral. A categoria quatro provavelmente não pode ser ajudada por nenhum meio humano. E como as últimas décadas vêm mostrando, o governo não tem como fazer com que esses indivíduos patéticos se tornem abstêmios. Mas ele pode muito bem fazer com que esses indivíduos imponham miséria e sofrimento às pessoas inocentes.
(Ademais, pelo mesmo motivo que um Black Label é bem mais seguro do que qualquer bebida destilada clandestinamente, as drogas legalizadas serão menos letais que as drogas do mercado negro. O mercado inevitavelmente impõe qualidade aos produtos.)
Mas, e as crianças? Será que a descriminalização das drogas não faria com que mais jovens se tornassem viciados? Talvez não. Mas o oposto pode ser verdade. Se as drogas fossem legais para os adultos, mas proibidas para menores (com pesadas multas para quem vender ou simplesmente dar drogas para essa faixa etária), o preço das drogas iria ser tão baixo que os custos de se desobedecer tal restrição não compensariam os possíveis ganhos. Essa legalização estratificada por idade iria segregar os mais jovens em relação aos consumidores contumazes, algo que o mercado negro não faz.
Provavelmente a grande ressalva que a maioria das pessoas tem quanto à descriminalização advém da idéia de que só é moral aquilo que hoje é legítimo. Sentimos que o que é imoral tem de permanecer ilegal, e que aquilo que é legal só o é por ter sido moralmente aprovado. Mas, no entanto, a Lei Seca foi revogada sem que a embriaguez se tornasse um direito inalienável: motoristas bêbados vão pra cadeia e o abuso de álcool pode ser motivo para demissões e divórcios. Escondida dentro de cada um de nós está, como sempre esteve, a fantasia irracional de que o país vai se tornar uma nação de viciados idiotizados. Mas poucos são velhos o bastante para se lembrar da época em que as substâncias hoje controladas eram livres, e ninguém à época falava de problema nacional com as drogas. Ópio, cocaína e outras drogas estavam sempre prontamente disponíveis. Havia abusos de vez em quando, mas o público nunca os associava à violência. (Foi preciso a lei estatal para que tal associação fosse criada.) 
Naquela época, as sanções informais da sociedade fizeram, como sempre, a maior parte do trabalho de governar a sociedade. E elas voltarão a fazer o mesmo quando as pessoas forem novamente forçadas a assumir responsabilidade por seu próprio comportamento, sem agências federais babás vigiando seus hábitos voluptuários. A maioria de nós continuaria a viver normalmente, sem fazer qualquer uso das drogas atualmente banidas; a maioria do resto teria que se entender por conta própria com o uso de drogas, evitando abusos mais sérios.
Toda a gigantesca guerra contra as drogas, ainda que maciçamente financiada e repleta de espetáculos visuais, com tiroteios pelas ruas das cidades e invasões de um país por outro, não impediu que pessoa alguma tivesse o acesso que quisesse às drogas, e nem que outros seres indesejáveis se tornassem ricos fornecendo-as.
Desde o início do combate, a quantidade de drogas disponíveis só faz subir ano após ano, e isso de acordo com estatísticas dos próprios governos; e as substâncias estão cada vez mais potentes. Assim como a Lei Seca deu aos contrabandistas de bebida o incentivo para produzir álcool altamente retificado e com grande margem de lucro, ao invés das menos lucrativas (porém, mais suaves) cerveja e vinho, a guerra às drogas é um grande incentivo para que haja especialização em determinados tipos de cultivo. Por exemplo, a maconha mais potente do mundo não está na Jamaica ou na África. Está no norte da Califórnia.
Apesar de ser incapaz de acabar com essas substâncias, a ação do governo é muito eficiente para aumentar os preços delas, garantindo assim que todos os traficantes se enriqueçam enquanto inocentes são assaltados, seqüestrados, roubados e assassinados. O nível urbano da criminalidade relacionada às drogas só aumenta. Ela deteriora a vida das pessoas decentes, fazendo principalmente com que os pobres e os idosos vivam em estado de terror permanente.
Se a descriminalização das drogas significasse apenas uma drástica redução na violência urbana — e isso de fato aconteceria — já seria um motivo mais do que suficiente para apoiá-la. Não temos o poder de impedir que viciados usem drogas, mas podemos fazer com que apenas eles se dêem mal no processo, além de liberarmos a polícia para se concentrar no combate aos verdadeiros crimes: aqueles cometidos contra a pessoa e contra a propriedade.
Existem muitos vícios que não devem ser criminalizados. Impor a lei moral contra esses vícios é função das famílias e das igrejas, não de políticos. Mas, atualmente, quem está no comando dessa função são as inúmeras gangues urbanas das várias grandes cidades do mundo. Deixá-las no comando representa a completa abdicação das nossas responsabilidades individuais — uma humilhação suprema —, além de abrir caminho para um completo autoritarismo.
Não é coincidência que as leis anti-drogas tenham eliminado o pouco da privacidade bancária que existia, restringindo o uso honesto do dinheiro em espécie, e permitindo buscas e apreensões irracionais da propriedade privada, tendo cada cidadão um dossiê a seu respeito minuciosamente criado e guardado nos arquivos da Receita Federal. Um estado policial, enfim.
E, finalmente, é um grande acidente circunstancial que, quando a maioria de nós pensa em drogas ilegais, visualizamos estereotipicamente apenas aqueles fornecedores típicos: barões latino-americanos e bandidos do gueto. Essa associação automática faz com que toda a conversa sobre guerra contra as drogas seja emocionalmente poderosa. Mas hoje em dia ninguém coloca Al Capone e um gim-tônica lado a lado. O fim da Lei Seca quebrou a ligação entre o álcool e o crime organizado. Descriminalizar as drogas irá também quebrar esses mesmos links fatais. Continuar essa guerra falsa irá apenas nos enfraquecer, criando uma criminosa subcultura das drogas e uma inchada e destrutiva burocracia anti-drogas, ambas simbioticamente permanentes.
Quando as drogas não eram criminalizadas, o país tinha famílias mais fortes, igrejas mais sólidas, uma cultura mais vigorosa e uma ordem social mais robusta. Não era uma utopia, mas comparado a hoje era muito melhor. 
Os mais conservadores gostam da idéia de se sair decapitando traficantes. Essa sugestão repulsiva e mais do que inútil expressa perfeitamente a lógica irracional da guerra contra as drogas. Convém pensarmos a estrutura do mercado das drogas como uma hidra, cujas cabeças, quando cortadas, voltam a crescer duplicadas. A hidra das drogas tem muito mais cabeças hoje do que quando a guerra começou. Não podemos matá-la. Mas talvez possamos domesticá-la.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque

Criminalidade, drogas e proibição

Criminalidade, drogas e proibição

Tráfico-drogas-Rio.jpgContrariamente à crença popular, o governo não obstrui o surgimento do crime organizado; ele fomenta.
Pare por um momento e pense naqueles setores da economia tipicamente ocupados pelo crime organizado: prostituição, jogos, agiotagem, narcóticos e sindicatos.  O que todos esses setores têm em comum?  Simples.  Ou eles são fortemente regulados pelo estado, ou são pura e simplesmente proibidos por ele.  Em contraste, nos setores que estão relativamente livres da interferência governamental, o crime organizado não se estabelece.
A experiência clássica que comprova a validade dessa explicação é a Lei Seca que vigorou nos EUA no período 1919-1933.  Durante essa época, a produção, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas eram ilegais.  O que aconteceu?  Gangsteres como Al Capone entraram em cena e passaram a controlar o comércio ilegal, aniquilando seus concorrentes nas inevitáveis e infindáveis disputas territoriais.  Entretanto, assim que a Lei Seca foi revogada (em uma das poucas coisas decentes que Franklin Roosevelt fez em toda a sua presidência), o crime organizado abandonou a indústria do álcool e se voltou para os outros setores que continuavam proibidos.
O crime organizado se beneficiou com a Lei Seca porque a polícia efetivamente perseguia e afugentava os legítimos empresários da indústria de bebidas alcoólicas.  Aqui cabe um rápido exercício teórico: Se o estado literalmente declarasse que Al Capone tinha o monopólio da distribuição de bebidas em Chicago, e mandasse qualquer concorrente pra cadeia, então o preço das bebidas em Chicago iria disparar, e Capone obteria lucros exorbitantes em decorrência disso.  Isso é algo óbvio.  De maneira similar, quando o estado ameaça colocar na cadeia todos os distribuidores de bebidas — mas faz vista grossa para Capone, que paga suas propinas em dia —, isso é economicamente similar a um monopólio garantido pelo estado.
Estou utilizando Capone apenas para fazer um argumento ilustrativo.  Não fiz nenhuma pesquisa específica sobre ele, mas é certo que hoje em dia as grandes organizações criminosas pagam regularmente sua propina à polícia — cujo termo técnico é "taxa de proteção".  Se o leitor duvida disso, então é porque ele de fato não entende o essencial do comércio de drogas.  Para uma introdução básica, assista a Serpico, um ótimo filme com Al Pacino baseado na história verídica de um policial do departamento de narcóticos da polícia de Nova York que se recusava a aceitar dinheiro sujo.  (Pensando bem, você pode assistir a praticamente qualquer filme de Al Pacino para aprender que os grandes barões do tráfico rotineiramente subornam a polícia).
Os custos e benefícios marginais da violência nos mercados proibidos
Empiricamente, já deveria estar mais do que óbvio que a violência anda de mãos dadas com os mercados que sofrem de ampla proibição estatal.  Novamente, o experimento clássico é a Lei Seca.  Seria inconcebível imaginar os executivos da Budweiser ordenando um massacre — naquele estilo em que carros passam metralhando a fachada de um estabelecimento — dos seus rivais da Heineken.  Entretanto, quando o estado erradicou grande parte dos produtores dessa indústria, os massacres se tornaram comuns.  Essa constatação ajuda a entender algo maior: as disputas territoriais de gangues rivais que ocorrem atualmente nas grandes cidades são decorrência da proibição das drogas.  Essas disputas não ocorrem, como pensam alguns, porque o comércio de cocaína seja algo intrinsecamente "louco" ou "insensato".
Mas ainda que a maioria dos libertários reconheça a associação entre violência e proibição estatal, suas causas raramente são explicadas.  Bem resumidamente, a explicação é simples: a proibição estatal a qualquer tipo de comércio eleva os benefícios marginais e diminui os custos marginais de se utilizar de violência contra os concorrentes do setor econômico em questão.
Comecemos com os custos, que são mais fáceis de entender.  Nesse exato momento, se você se tornar um distribuidor de cocaína, você estará infringindo leis que podem mandar-lhe para a cadeia por um bom período de tempo.  Entretanto, se você for poderoso o suficiente, você pode dar sacos e mais sacos de dinheiro para a polícia local.  Dessa forma, na margem, o custo de você matar um traficante rival é bem menor do que seria se você gerisse um restaurante tailandês e matasse seu concorrente japonês. 
Por quê?
Quando você é um dono de restaurante qualquer, o pior que o governo pode fazer com você é auditar sua declaração de renda.  Porém, se você for um traficante de cocaína e descuidar da propina, isso pode lhe custar a simpatia dos policiais.  Resultado: você pode ir em cana.  Assim sendo, se você é um traficante e tiver condições de pagar religiosamente a propina da polícia, matar alguém deixa de ser uma medida temerária.  Por outro lado, se você for um dono de restaurante, ordenar a morte do sujeito que está abrindo uma casa de sushi na sua rua seria algo insano.  O traficante tem tiras corruptos na sua folha de pagamento, os quais presumivelmente estariam dispostos a fazer vista grossa a um homicídio caso recebessem uma grana extra.  Além disso, é bem provável que o traficante também tenha conexões ainda mais importantes, não sendo desarrazoado imaginar que ele possa também subornar juízes caso algum dia ele tenha de ir a julgamento.
Já os benefícios marginais da violência são muito maiores para o traficante de cocaína do que para o dono do restaurante tailandês.  Traficantes de drogas não são (completamente) imprudentes; eles operam pelo dinheiro.  Para compensar o alto risco, os retornos monetários do comércio de cocaína têm de ser astronômicos.  (Se você gosta de gráficos, quando o governo ameaça prender os vendedores de cocaína, a curva da oferta se desloca acentuadamente para a esquerda, ao passo que a curva da demanda também se desloca para esquerda, só que muito pouco.  Assim, o preço de equilíbrio do quilo da cocaína dispara, indo para um nível muito acima do seu custo monetário de produção).
Por causa das considerações acima, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado no comércio de cocaína é enorme.  Cada novo cliente pode significar um lucro extra de milhares de dólares por mês.  Em enorme contraste, se o dono do restaurante tailandês "roubar" um cliente do restaurante japonês, isso pode gerar-lhe um acréscimo de meros $100 por mês, pois a margem de lucro na indústria de restaurantes é muito menor que no tráfico de drogas.  Para os traficantes, pode fazer sentido ficar rondando portas de escola, vendendo seus produtos para adolescentes, ou até mesmo dando amostras grátis para novatos (embora eu não saiba se isso de fato ocorre; estou baseando-me nas propagandas antidrogas).  Por outro lado, você nunca vê representantes da Kellogg's vendendo caixas avulsas de Sucrilhos para as crianças.  Por causa dessa enorme diferença, conquistar novos clientes é algo muito mais valioso para quem opera nas indústrias proibidas do que para quem opera no setor livre.  É por isso que matar um rival — e com isso ganhar acesso a seus clientes — é muito mais lucrativo nos setores proibidos.
Portanto, quando o estado ameaça prender os produtores de um determinado bem, ele acaba alterando os incentivos de mercado, de modo que a violência passa a ser muito mais lucrativa para essa indústria. 
Naturalmente, no mundo real, as pessoas não são computadores que calculam robotizadamente suas funções de utilidade — ao contrário do que pensam os economistas neoclássicos.  Assim, não estou dizendo que o mesmo empreendedor vai agir de maneiras distintas, dependendo da política de combate às drogas.  Não estou dizendo que esse empreendedor irá escolher entre ser um homem reto ou um assassino perverso, tudo dependendo apenas do nível de repreensão ao tráfico.  Não.  O que ocorre é que aquelas pessoas que têm predisposição para ser assassinas cruéis ganham um incentivo adicional com a política de ilegalidade de certos mercados, o que permite que elas prosperem e se tornem muito ricas em uma sociedade cujas leis antidrogas são rigorosas. 
Logo, ao invés de ser apenas mais um sociopata — do tipo que mata um sujeito que olhou lascivamente para sua namorada num bar e que, por isso, vai para a cadeia —, as asininas leis antidrogas acabam por fazer com que esse sociopata possa ganhar milhões por ano vendendo cocaína — sendo que com esse dinheiro ele agora poderá comprar armas automáticas, contratar capangas, subornar policiais e se tornar o rei das ruas.
O argumento econômico padrão contra a proibição das drogas
Portanto, no típico argumento livre-mercadista em prol da legalização das drogas, o economista irá argumentar que a proibição gera violência desnecessária, uma vez que as quadrilhas entram em guerra entre si para disputar territórios lucrativos e estratégicos, frequentemente matando inocentes nesse processo.  Em seguida ele irá utilizar a ilustração clássica desse fenômeno como sendo a matança que ocorria no submundo americano durante a época da Lei Seca em Chicago.  Ao passo que, nos dias de hoje, seria inconcebível que executivos de cervejarias rivais saíssem por aí chacinando seus concorrentes, esse método fazia perfeito sentido para Al Capone em relação a seus competidores.
Até aí, o argumento está correto.  Entretanto, quando o economista tenta ir além dessa observação geral para explicar por que a proibição leva à violência, ele frequentemente diz algo mais ou menos assim: "Quando o álcool ou a cocaína são ilegais, os vendedores desses produtos não podem recorrer aos tribunais ou à polícia para protegerem sua propriedade e garantir que os contratos sejam honrados.  Consequentemente, eles têm de se armar até os dentes; e se alguém tentar trapaceá-los, eles têm de resolver as coisas por conta própria, pois chamar a polícia está fora de questão."
Tal explicação pode soar plausível para um liberal clássico, que acha que o governo faz um bom trabalho fornecendo serviços de judiciário e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Mas para um anarcocapitalista, que consistentemente diz que um governo corrupto e faminto por poder irá gerir um departamento de polícia tão bem quanto administraria uma montadora de automóveis, essa postura em relação à legalização das drogas parece um tanto esquisita.  Pois o que está sendo dito é que a violência é causada pela inação do governo, por sua recusa em utilizar seu monopólio da força e da justiça com mais frequência.  A implicação óbvia parece ser a de que, se a polícia nunca respondesse a nenhum pedido de ajuda, de quem quer que seja, a sociedade entraria em colapso.
Esse diagnóstico está totalmente invertido.  A razão por que a proibição das drogas produz enormes estragos nas relações sociais se deve ao fato de ela, a proibição, introduzir mais intervenções no mundo; o problema é que o governo está utilizando sua polícia e seus tribunais excessivamente.  
Por exemplo, imagine uma área pobre de uma grande cidade, infestada de quadrilhas de traficantes que aparentemente circulam por ali sem qualquer restrição, vendendo abertamente drogas nas ruas e becos e descarregando rajadas de metralhadora em qualquer um que apresente um comportamento minimamente suspeito.  A maioria das pessoas iria pensar: "Esse bairro é uma anarquia!  Está faltando estado aqui!  Se ao menos a polícia aparecesse de vez em quando para aplicar as leis...  Mas não, ela é totalmente indiferente ao sofrimento dessa comunidade!"
Novamente, esse diagnóstico está invertido.  A vizinhança está nessa situação terrível justamente porque a polícia opera ali com impunidade.  Se a polícia realmente nunca se preocupasse em impor qualquer lei naquela área, então ninguém teria de se preocupar com o risco de ir pra cadeia por estar vendendo drogas.  Consequentemente, empresas de fora poderiam ir se instalar naquele bairro, abrir lojas com janelas à prova de balas e vigiadas por seguranças muito bem armados, e vender cocaína e outras drogas para os moradores (ou, principalmente, para os clientes que vêm de outros bairros) por uma fração do preço vigente nas ruas.  Essas empresas iriam rapidamente quebrar todas as quadrilhas de traficantes que operam na região, uma vez que os clientes iriam correr em manada para aqueles empreendimentos profissionalmente geridos, principalmente por causa de seus preços baixos e pela qualidade de seus produtos.
Porém, por que isso não ocorre?  Porque se alguns empreendedores tentassem de fato implementar o plano acima, eles seriam rapidamente bloqueados pela polícia, que interromperia suas atividades (com o indisfarçável apoio dos traficantes locais).  Mais ainda: essas empresas teriam suas contas bancárias confiscados por ordem do judiciário, inviabilizando qualquer operação.  Líderes comunitários e religiosos iriam reclamar que uma farmácia não pode vender cocaína para adolescentes em plena luz do dia (embora os traficantes o façam imperturbáveis) e o chefe da delegacia encarregada da região iria concordar.  Com efeito, nem ocorre a qualquer empreendedor tentar fazer o que foi dito acima porque — duh! — seria algo totalmente ilegal.    
Portanto, não é difícil entender que não é a relutância ou a má vontade do governo em proteger certos direitos de propriedade que permite que determinadas comunidades permaneçam em um equilíbrio violento; ao contrário: é justamente o ataque do governo aos direitos de propriedade que faz com que bandidos detenham um poder permanente sobre determinadas regiões.
Similarmente, se um estabelecimento qualquer — um restaurante chinês ou uma lavanderia, por exemplo — em um bairro perigoso é assaltado, a polícia provavelmente também não irá fazer muita hora extra pra tentar resolver o caso.  Ainda assim, essa negligência da polícia para com o estabelecimento em questão (idêntica à negligência para com os bairros tomados por traficantes) não gera uma violência indômita na indústria de lavanderias da região; tampouco tem-se notícias de pessoas sendo mortas por motivo de disputa pelo mercado de rolinhos primavera e frango xadrez.
O motivo é simples: se, por um lado, a polícia não protege os comerciantes em bairros perigosos, por outro, ela também não os molesta, ou, pior ainda, não os sequestra sob a mira de uma arma e os joga em uma jaula por vários anos, pelo "crime" de estar comercializando alguma substância.  Essa é a diferença chave entre a indústria das drogas e todas as outras indústrias, e explica por que a indústria perseguida por agentes armados do governo acaba se tornando (fortemente) militarizada também.
Conclusão
Sabemos que o governo tem um desempenho horrível em todos os empreendimentos que executa, sejam eles educação, pavimentação de estradas, fornecimento de eletricidade e serviços de inteligência.  Considerando-se esse histórico, deveríamos acreditar que o governo é realmente bom em proteger as pessoas contra criminosos?  Se isso é verdade, então por que as pessoas cada vez mais recorrem aos tribunais de arbitramento privados?  Não é óbvio que os tribunais e a polícia estatais são tão ineficientes e contraproducentes quanto todas as outras atividades que o estado se arvora fazer?
Para realmente testarmos as diferentes teorias, precisamos pensar em uma atividade em que o governo (a) não crie empecilhos para os produtores, mas que também (b) não defenda os direitos de propriedade desses mesmos produtores.  Se essas áreas forem repletas de roubo e violência, então meus críticos estão certos.  Mas se esses setores forem geralmente ordeiros e pacíficos, então sou eu quem está certo.
Posso pensar em alguns exemplos em que eu estou certo.  Por exemplo, o comércio pela internet é bem pouco regulado.  Claro, se você comprou um livro de uma pessoa através da Amazon, e o cara não lhe enviou o produto, você pode levá-lo a um tribunal de pequenas causas.  Mas não é isso o que faz o sistema funcionar.  O sistema funciona porque se baseia claramente nos efeitos que uma boa reputação traz para um vendedor, e não porque haja uma ameaça de ações judiciais governamentais.
Da mesma forma, não é a timidez — ou mesmo a ausência — do governo o que permite que a violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes.  O que permite esse desvario é justamente o exercício governamental do seu monopólio sobre o uso legítimo da força.
Mesmo economistas pró-livre mercado frequentemente entram em uma espécie de ponto cego quando se trata do fornecimento de serviços estatais de justiça e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Porém, mesmo nessas áreas, monopólios exercidos por funcionários públicos corruptos são péssimos.  O setor privado poderia resolver vários conflitos violentos se apenas o governo concedesse liberdade para tal.
A teoria econômica padrão diz que os monopólios mantidos à base da violência (ou por sua ameaça) levam a serviços de baixa qualidade e preços altos.  Essa análise se mantém válida mesmo quando o monopólio se refere aos serviços judiciais, policiais e militares.  Os libertários geralmente reconhecem que o governo faz um péssimo trabalho quando tenta educar crianças, manter estradas e gerir hospitais.  Por que, então, alguém em sã consciência iria querer dar a políticos e burocratas a tarefa de nos proteger de ladrões e assassinos?

Robert P. Murphy 
é Ph.D em economia pela New York Universityeconomista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

O problema com o sistema penitenciário

O problema com o sistema penitenciário
abre14112007.jpgOs conservadores sempre tiveram uma visão romantizada do poder policial, vendo-o como se fosse uma linha divisória entre a liberdade e o caos, impedindo que este último prevaleça.  Embora seja verdade que a lei em si é algo vital para a liberdade, e que a polícia possa de fato defender os direitos à vida e à propriedade, disso não necessariamente se segue que qualquer indivíduo comedor de impostos portando uma arma autorizada pelo estado e calçando botas de cano alto esteja do lado do bem.
Todas as regulamentações estatais, bem como todo o tipo de tributação, são, em última instância, escorados e reforçados pelo poder policial, de modo que os defensores do livre mercado têm todos os motivos para sentir receio desse aparato de estilo socialista.
Uma postura não crítica em relação à polícia leva, ao fim e ao cabo, a um apoio irrestrito do estado policial.  E um ótimo exemplo disso é o atual regime iraquiano, cujo governo — apoiado pelos EUA, o maior estado policial do mundo ocidental — vem aplicando leis marciais desde a invasão.  Desnecessário dizer que os conservadores apóiam tais medidas, pois creem que esses métodos constituem passos firmes em direção à liberdade.
É o poder policial, cada vez mais militarizado e federalizado, quem irá, num futuro próximo, confiscar as armas dos cidadãos indefesos e entregá-las para a classe política, impor e executar o toque de recolher, instalar e comandar inúmeros postos de controle e checagem, e cercear nossa liberdade de expressão.
Se você quer ver como o poder policial irá tratar os cidadãos no futuro, quando estes se rebelarem contra seu governo, olhe cuidadosamente para como as tropas americanas tratam os civis iraquianos, ou como o governo norte-coreano lida com seus cidadãos.  As diferenças tendem a se convergir.
Porém, esse não é exatamente o assunto deste artigo.  A questão a ser abordada aqui jaz um pouco mais no âmago do estado policial: as prisões.  Trata-se de um problema inerentemente ligado à visão que os conservadores têm da lei e da justiça.
Construir e preservar todo um sistema carcerário é um dos principais gastos do governo, em todos os níveis.  A taxa de prisioneiros por 1.000 habitantes varia de um país para outro.  O que não varia são os gastos crescentes para sustentar esse regime.  Muitas pesquisas e estatísticas são divulgadas sobre a correlação entre a taxa de aprisionamento e os índices de criminalidade.  Embora a ideia dominante seja a de que quanto mais presos, menos crimes, há outras pesquisas que indicam que, nos EUA, a criminalidade explica apenas 12% do aumento do número de prisões, ao passo que mudanças nas condenações — com o endurecimento sobre os "crimes sem vítimas", como prostituição e drogas — explicam 88% do aumento.
No geral, os gastos com o sistema penitenciário, polícia, judiciário e outros itens relacionados à justiça estão completamente fora de controle.  E o que ganhamos com isso?  Mais justiça, mais segurança e melhor proteção?  Não.  Estamos comprando as correntes da nossa própria escravidão.
Podemos pensar nas cadeias como miniaturas de uma sociedade socialista, onde o governo exerce o controle total.  Exatamente por essa razão, o sistema penitenciário é um fracasso completo para todos — menos para os burocratas que lá trabalham e para as empresas que ganham as licitações para construir as cadeias, seguindo omodelo fascista das PPPs.
A maioria dos presidiários está lá por delitos relacionados a drogas, supostamente sendo punidos por seu comportamento.  Entretanto, o mercado de drogas viceja nas prisões.  Se isso não é a perfeita definição do fracasso, então não sei o que é.
No sistema penitenciário, nada ocorre fora do domínio do governo.  As pessoas encarceradas são completa e totalmente controladas pelos administradores estatais, o que significa que elas não têm valor algum e não podem oferecer nada de valor a ninguém.  Essa condição é certamente o caminho mais certo para se reduzir a vida humana à mais completa ruína.
As pessoas lá dentro são escravas do estado.  Após terem sido condenadas, elas passam a ser consideradas por seus apreensores como nada mais do que seres biológicos que ocupam espaço.  O fornecimento de todos os serviços a elas depende exclusivamente dos caprichos de seus mestres, que não têm nenhum interesse na condição final de seus cativos.
Agora, você pode dizer que esse é exatamente o tratamento que alguns tipos de pessoa merecem, porém esteja ciente de que este é o assalto derradeiro à dignidade humana.  Elas estão "pagando o preço" por seus delitos, só que ninguém está na posição de se beneficiar desse preço pago.  Elas não estão saldando suas dívidas ou recompensando suas vítimas ou mesmo lutando para superar alguma coisa.  Elas estão apenas "cumprindo tempo", custando aos contribuintes quase US$ 25.000 ao ano por presidiário [no Brasil esse valor está em R$ 18.000].  Isso é tudo o que essas pessoas são para a sociedade: um custo — e elas são tratadas como tal.
E nas prisões, as comunidades nas quais essas pessoas vivem são formadas por outras pessoas também desprezadas — e todas elas, em conjunto, formam uma massa socializada nessa mentalidade que é totalmente contrária a toda noção de civilização.  Sem mencionar a impiedosa violência (tanto a ameaça física quanto a real), os barulhos horríveis e a abundância de todo o tipo de perversidade moral.  Em resumo, as prisões são a representação mais próxima do inferno na terra.  Não é de se estranhar que elas não reabilitem ninguém.  Como disse George Bernard Shaw, "o encarceramento é tão irreversível quanto a morte."
Ademais, tudo o que conhecemos sobre o governo é elevado ao paroxismo quando aplicado a esse supremo programa governamental.  Ele é caro, ineficiente, brutal e irracional.  O atual sistema penitenciário é um fenômeno relativamente novo na história — ele é utilizado principalmente para impor e reforçar as prioridades políticas (a guerra às drogas), e não para punir os crimes reais contra a propriedade.  O sistema é manipulado por paixões políticas e não por uma genuína preocupação com a justiça.  Os resultados da guerra contra as drogas falam por si: ao invés de reduzir o consumo, houve um aumento.
Enfim, conhecendo-se essa realidade, não é surpresa alguma que as prisões sejam lugares caóticos onde corrupção e abusos monstruosos imperam.  Tampouco é de se estranhar que as pessoas saiam das prisões piores do que entraram, sem nada a perder e traumatizadas para o resto da vida.
No sistema jurídico e carcerário, não há absolutamente qualquer ênfase na ideia da restituição.  E a restituição não é apenas uma parte importante da ideia de justiça; ela é sua própria essência.  Se uma pessoa é roubada e seu ofensor é preso, que justiça há em se roubar a vítima novamente para pagar pela total desumanização do seu ofensor?
Como disse Rothbard: "A vítima não apenas perde seu dinheiro, como também é obrigada a pagar novamente pela dúbia emoção da captura, condenação e consequente sustento do criminoso; e o criminoso será mantido escravo, mas não pelo bom propósito de recompensar sua vítima."
Mesmo os defensores do livre mercado há muito já aceitaram a ideia de se ter o atual sistema penitenciário, sob a justificativa de que o estado deve ter o monopólio da justiça.  Mas, por favor me digam, onde está a justiça desse sistema?  E quantas cadeias é preciso ter para que o número possa ser considerado excessivo?  Quantos prisioneiros é preciso haver para que se reconheça que o governo extrapolou?  Portanto, não vamos mais celebrar a expansão desse sistema socialista, na crença de que a aplicação cada vez maior de força é algo capaz de solucionar todos os problemas sociais.
Sim, um sistema de livre mercado iria enfatizar a punição; porém, ele daria ainda mais atenção para a restituição.  E toda a população não seria tributada a fim de pagar pelos crimes de alguns poucos.  O custo do crime recairia sobre aqueles que o cometeram, de modo que a vítima fosse recompensada.  Isso não significa que os criminosos passariam a ser empregados contratuais das vítimas, prestando-lhes vários serviços.  Haveria uma indústria especializada em justiça criminal da mesma forma que há indústrias especializadas em todos os outros serviços requeridos pelo mercado.
Não podemos saber de antemão como exatamente esse sistema se desenvolveria em um mercado — afinal, ninguém pode planejar o mercado.  A grande tragédia é que o governo monopolizou por tanto tempo esse serviço — ao contrário das escolas e dos serviços postais — que nenhum sistema concorrencial de justiça privada teve a permissão de surgir.  Mas podemos, por exemplo, considerar a maneira como o sistema de crédito financeiro tem aplicado suas regras, em sua maioria voluntariamente.  Aqueles que se comportam bem, são beneficiadas; e aquelas que não, são prejudicadas.  Os danos causados pelas trapaças se voltam para aqueles que tentam fraudar o sistema.
A justiça pode ser ofertada pelo livre mercado?  Tenho toda a confiança que sim, porque se há algo que a história da oferta de serviços já nos ensinou é que, sempre que a sociedade precisa de algo, o mercado o fornece de maneira muito superior ao governo.  Esse princípio se aplica tanto para a justiça criminal quanto para qualquer outro setor da economia.  Bens e serviços em uma sociedade livre são fornecidos pelo mercado, e não pelo governo.
E quanto àquela linha divisória entre a civilização e o caos?  Frequentemente, os defensores das cadeias e polícia estatais assumem uma forma cruenta de hobbesianismo, a filosofia política moldada pelo inglês Thomas Hobbes no século XVII.  Seu livro Leviatã foi publicado em 1651 durante a Guerra Civil Inglesa com o intuito de argumentar que um governo central tirânico era o preço a se pagar pela paz.  O estado natural da sociedade, disse ele, era o de guerra de todos contra todos.  Nesse mundo, a vida é "solitária, pobre, sórdida, bestial e curta".  O conflito é a única forma de compromisso humano.  A sociedade está repleta dele, e não poderia ser de outra forma.
O que impressiona nesse caso é o contexto do livro.  Os conflitos de fato eram onipresentes.  Mas qual o motivo desses conflitos?   Um só: decidir quem iria controlar o estado e como esse estado iria operar.  Tal cenário de modo algum representava o estado natural da sociedade, mas sim uma sociedade sob o controle do Leviatã.  Foi exatamente o Leviatã quem gerou esse conflito do qual falava Hobbes — e a cura que ele propôs era essencialmente idêntica à doença.
Com efeito, o resultado da Guerra Civil foi a brutal ditadura de Oliver Cromwell, que governava sob slogans democráticos.  Esse regime foi um presságio de algumas das piores violências políticas que o século XX viria a experimentar.  Foram o nazismo, o fascismo e o comunismo que transformaram sociedades outrora pacíficas em comunidades violentas nas quais a vida de fato se tornou "solitária, pobre, sórdida, bestial e curta".  O Leviatã não consertou o problema; ele o fomentou — e o arraigou na sociedade como condição permanente.
O que também impressionava em Hobbes é que em momento algum ele pensou em questões econômicas.  A questão do bem-estar material humano não fazia parte de seu aparato intelectual.  Por causa dessa deficiência, ele não foi capaz de prever o que a Inglaterra viria a ser dali a apenas um século e meio: um bastião da liberdade, uma terra de crescente prosperidade para todos.
Ele escreveu sua obra exatamente no final de uma época que precedeu a ascensão do liberalismo clássico.  Na Inglaterra de 1689, John Locke publicava seu Dois Tratados Sobre o Governo, um livro que viria a fornecer a estrutura básica para a Declaração da Independência americana e que levaria à formação da mais livre e próspera sociedade na história do mundo.
Como Hobbes não pensava em questões econômicas, uma essencial constatação liberal não entrava em sua estrutura mental.  E qual era essa constatação?  Ela está resumida na frase de Frédéric Bastiat: "as grandes tendências sociais são harmoniosas."  O que ele quis dizer com isso é que uma sociedade contém dentro de si a capacidade de resolver conflitos e de criar e sustentar instituições que fomentem a cooperação social.  Ao buscar seus próprios interesses, as pessoas podem chegar a acordos mútuos e praticarem trocas que lhes trarão benefícios recíprocos.
Bastiat em momento algum supôs que todas as pessoas de uma sociedade são espertas, iluminadas, talentosas, educadas e pacíficas.  Ele apenas estava dizendo que a sociedade pode lidar com a malevolência por meio da economia de mercado, e exatamente da maneira como vemos hoje: empresas de segurança privadas, produção privada de armas, trancas e cadeados, tribunais de arbitramento privados e empresas de seguro privadas. 
O livre mercado pode organizar a proteção de maneira muito superior ao estado.  A iniciativa privada pode fornecer — e de fato fornece — serviços policiais superiores aos do estado.  Como argumentou Hayek, o estado é amplamente superestimado como um mecanismo mantenedor da ordem.  O estado é — e sempre foi ao longo da história — uma fonte de desordem e caos, e esse problema só piora à medida que o estado cresce.  Se você duvida disso, apenas olhe para as cadeias, um lugar onde o estado está no total controle da situação.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque

Como a guerra às drogas está destruindo o México

Como a guerra às drogas está destruindo o México

2010-09-15-mexico-drug-war.jpgO México está se definhando rapidamente.  Tanto a vida de sua população quanto a própria vivacidade do país estão sendo aniquiladas por uma desesperadora e desesperançada guerra contra as drogas ilegais.  Quem estiver à procura de um exemplo abjeto de teimosia e estupidez governamental, não encontrará nada melhor do que essa ridícula insistência em querer banir o "imbanível".
Nos últimos cinco anos, o México contabilizou 34.600 homicídios relacionados à guerra do governo mexicano às drogas ilegais.  Essa é a contabilidade oficial.  A contabilidade não oficial — provavelmente a mais acurada — eleva o número para acima de 40.000. [No Brasil, o número oficial de homicídios por ano é de 50.000, porém a população brasileira é 1,7 vezes maior que a mexicana].
Qualquer que seja o número escolhido, trata-se de uma cifra pavorosa, ainda mais quando se considera a maneira como as vítimas foras despachadas.  Esqueça esfaqueamentos, açoitamentos, tiros e estrangulamentos — coisas cotidianas que a maioria de nós imagina quando pensamos em homicídios.  Não.  No México, os homicídios relacionados às drogas estão mais para reencenações de atrocidades — decapitações, mutilações e enforcamentos — que remontam à era dos teatros romanos sob o império de Cláudio.  Seja bem-vindo ao ano 10 d.C. e à carnificina da era dos gladiadores.
A sorte dos barões da droga é que homicídios pavorosos não seguem as leis dos retornos marginais decrescentes: quanto mais os barões da droga aterrorizam, mais os mexicanos se sentem intimidados.  O estilo retrógrado dos assassinatos praticados pelos barões da droga forçou vários mexicanos pacíficos e trabalhadores a se recolher, se esconder e a finalmente se retirar da sociedade.  E nenhuma sociedade pode durar sem uma base pacífica e industriosa.
E, pra piorar, o fato é que não há escassez de opressores no México: a própria polícia contribui com o seu quinhão.  As forças federais paramilitares e seus soldados de uniformes negros, com suas metralhadoras pendendo ao longo do torso e com seus indicadores em contínuo contato com os gatilhos, além de seus olhares frios e mortíferos que instilam muito mais insegurança do que medo; em termos de em quem confiar, a maioria dos mexicanos não distingue entre o policial e o barão da droga.  O fato é que as forças policiais são vistas como sendo apenas uma classe distinta de bandidos, o que exacerba o desespero.
O medo, estimulado pela confusão, pela ignorância e pela constante violência, acaba servindo para formar e moldar a opinião pública em favor da classe política.  Durante décadas, os oponentes da legalização das drogas vêm repetindo o mesmo argumento escorregadio, sempre com grande apelo: se as drogas ilegais forem legalizadas, o país irá se afundar em uma espiral incontrolável e inevitável de iniquidade e violência.  Embora, no geral absurda, o fato é que a mensagem é concisa, provocativa e incrivelmente persuasiva.  Uma guerra deveria ser declarada — isto é, uma guerra unilateral que favorecesse a classe política.
Os líderes políticos queriam apenas uma publicidade favorável para seus atos de "valentia".  Porém, no México, a guerra às drogas tem sido menos unilateral do que os próprios políticos haviam imaginado: rolaram mais cabeças de políticos — literalmente e figurativamente — nessa guerra do que em qualquer outro período da história.
Quem conhece a ciência econômica, sabe que tudo tem um custo — e negligenciar os potenciais custos da legalização das drogas ilegais seria uma atitude intelectualmente desonesta.  Vício, dependência, incapacidade para arrumar emprego, overdoses, violência doméstica e acidentes de trânsito são possibilidades muito reais, e elas poderiam muito bem aumentar ao se legalizar o ilegal.
Entretanto, há uma razão para se acreditar que tais custos são evitáveis.  Portugal serve como uma intrigante situação teste sobre a legalização das drogas.  O país descriminalizou (não legalizou) as drogas ilegais há uma década; e pesquisas conduzidas pelo advogado Glenn Greenwald, sob os auspícios do Cato Institute, são encorajadoras.  Greenwald constatou que "embora o uso e o vício, bem como as patologias concomitantes, continuem em forte ascensão em vários países da União Europeia, esses mesmos problemas ... estão contidos ou até mesmo apresentaram melhoras mensuráveis em Portugal desde 2001."
Essas descobertas de Greenwald na verdade são bem intuitivas: as normas sociais, os costumes e as tradições funcionam como inibidores do uso de drogas (e, por sinal, de praticamente qualquer tipo de comportamento).  O álcool é uma substância difusa e generalizada não por causa de sua legalidade, mas sim por causa de sua aceitação.  Uma Stella Artois ou um Jack Daniel's são aceitáveis como lubrificantes sociais; maconha e cocaína, não.  Na esmagadora maioria dos círculos sociais, este paradigma continuará intacto se as drogas forem legalizadas.
Mesmo que o uso de drogas e suas consequências negativas viessem a aumentar, os benefícios da legalização ainda assim sobrepujariam os atuais custos de se manter o status quo.  Nos EUA, por exemplo, desde 1971 o governo já gastou mais de US$ 1 trilhão intensificando a guerra às drogas.  Deste US$ 1 trilhão, US$ 121 bilhões foram gastos apenas para encarcerar mais de 37 milhões de pessoas por crimes não violentos relacionados às drogas, sendo que 10 milhões de pessoas foram presas pelo simples porte de maconha.  US$ 450 bilhões desse US$ 1 trilhão foram gastos para trancafiar essas pessoas em penitenciárias federais.  No ano passado, metade de todos os prisioneiros federais dos EUA estava cumprindo penas relacionadas às drogas.  O sofrimento não é uma variável quantificável, mas os indícios casuais sugerem que a guerra às drogas nos EUA intensificou sobremaneira essa variável.
Washington e a Cidade do México são parceiras na perpetuação da fraude da guerra às drogas assim como os consumidores de drogas americanos são parceiros dos fornecedores mexicanos no comércio de entorpecentes, de modo que é natural que os mais bem financiados políticos americanos ofereçam generosamente o dinheiro dos pagadores de impostos americanos para seus colegas mais pobres da Cidade do México.  De acordo com aCNSNews.com, "O Departamento de Defesa dos EUA irá aumentar o financiamento antinarcóticos do México ... em 17 vezes.  Os níveis de financiamento, que estavam em $3 milhões por ano antes de 2009, irão para $51 milhões em 2011."
Olhando o quadro mais amplo, $51 milhões em um orçamento de $3 trilhões é uma mixaria, mas certamente não será uma mixaria por muito tempo.  Há simplesmente muito demanda e muito empreendedorismo no ramo das drogas, o que significa que o único rumo que os gastos do governo podem tomar é para o alto.  Uma pesquisa deMilton Friedman revelou que a proibição das drogas estimula os fornecedores a desenvolver e a incitar o consumo de drogas mais pesadas, assim como a Lei Seca empurrou as pessoas para misturas mais fortes de álcool (as horríveis e hoje ubíquas bebidas misturadas, criadas justamente para disfarçar o sabor repulsivo do álcool fabricado clandestinamente). Os contrabandistas e distribuidores de rum daquela época não lidavam com cerveja; a cerveja é volumosa e possui baixa potência.  Já o rum é compacto e de alta potência.  A Lei Seca simplesmente empurrou os beberrões para o consumo de substâncias tóxicas mais pesadas e mais debilitantes, afastando-os das mais suaves e inócuas.
Folhas de coca, mascadas e fervidas como chá, há muito têm sido utilizadas por peruanos e bolivianos que querem aliviar os sintomas da hipoxia provocada pela altitude.  O ópio, em sua forma bruta, já foi muito utilizado como analgésico.  Maconha, folhas de coca e ópio são volumosos, o que implica altos custos de transportação e estocagem.  Para driblarem esse empecilho, os distribuidores optaram por cultivar linhagens mais potentes de maconha e a destilar as folhas de coca e ópio, o que gerou a cocaína e a heroína.
Mesmo em sua forma concentrada, as drogas ilegais são caras de ser transportadas e comercializadas.  Isso requer que os barões da droga tenham de fazer constantes investimentos para aprimorar o seu capital e, com isso, operar mais lucrativamente.  Esse alto custo funciona como uma barreira à entrada no mercado, o que atenua a concorrência, reduz a oferta e joga os preços para o alto.  Nem se os barões da droga quisessem poderiam eles ter criado um modelo de negócios tão rendoso.
Zombar da lei e escarnecer moralistas e cumpridores da ordem são atitudes que glorificam os barões da droga, algo muito parecido com a maneira como a Lei Seca glamourizou os chefões das máfias.  Apesar de toda a matança e terrorismo associados ao tráfico de drogas, os plebeus ignorantes e politicamente desiludidos veem o barão mexicano das drogas Joaquín "Chapo" Guzmán com grande respeito e veneração.  "As pessoas consideram Chapo Guzmán uma espécie de bandido social, um Robin Hood", explica Victor Hugo Aguilar, professor da Universidad Autónoma de Sinaloa, sobre a influência que Guzmán exerce sobre as pessoas e a cultura da região.  "Ele conserta os problemas das cidades e coloca luzes nos cemitérios.  Ele já é parte do folclore de Sinaloa".
São apenas negócios, imaginam os apologistas.  Guzmán é um homem de negócios como qualquer outro — apenas um que se sobressai em um comércio brutal.  Cocaína foi o negócio escolhido, assim como o álcool foi o negócio escolhido por Al Capone.  Os Guzmáns e os Capones do mundo seriam apenas variações dos Rockefellers e dos Gates.  Um instinto perspicaz para os negócios que transcende as áreas de empreendimento.
Mas é claro que a realidade é outra.  Rockefeller e Gates nunca fizeram uso da persuasiva ferramenta da violência; tampouco desfrutaram de privilégios monopolísticos.  Rockefeller e Gates operaram do lado legal da lei, mesmo que a lei fosse imoral, assim como os presidentes da Jack Daniel's e da Anheuser Busch também operaram do lado legal da lei durante a Lei Seca, ainda que isso fizesse com que seus clientes sofressem enormemente em decorrência dessa aquiescência.
Os consumidores são as verdadeiras vítimas da guerra contra as drogas.  Guzmán não é nenhum gênio dos negócios; ele é simplesmente um oportunista que aproveitou um monopólio garantido pelo governo e passou a utilizá-lo tiranicamente, fazendo com que um empreendimento que poderia ser gerido muito mais seguramente e eficientemente por empreendedores genuínos operando concorrencialmente dentro da lei fosse transformado em um negócio sanguinolento e sem lei, no qual só sobrevivem os mais poderosos, ricos e bem armados. 
Ninguém morre repentinamente de um copo de uísque ou de cigarros "batizados".  A legalidade desses produtos estimula empreendedores sérios a construir marcas de reconhecida qualidade.  Por outro lado, cheire uma carreira de cocaína ou injete alguns miligramas de heroína e a sua sobrevivência passará a ser uma questão de sorte.
Já o comércio ilegal de drogas não é nenhuma aposta especulativa.  Todos os monopólios garantidos pelo governo são coisas tão certas e garantidas quanto a meritocracia reversa do serviço público: eles fazem com que os menos dignos e meritórios se transformem nos mais ricos.  A revista Forbes estima que o patrimônio líquido de Chapo Guzmán esteja na casa de $1 bilhão de dólares.
Todo monopólio gera uma sensação de direito adquirido, o que explica por que o Señor Guzmán aparentemente ainda não atentou para a ironia de matar políticos que defendem a proibição das drogas — são exatamente eles que tornam possível a sua fortuna.  Muito embora ele provavelmente esteja mais ciente dessa ironia do que os próprios políticos que ele mata.

Armas, drogas, distintivos e cartéis

Armas, drogas, distintivos e cartéis
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carteis.jpg"Será que existe alguém que realmente acredita que indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o homicídio irão obedecer às leis de desarmamento?" — Thomas Sowell
Sempre observo com grande interesse todos os debates sobre desarmamento e controle de armas, e venho fazendo isso há praticamente 50 anos.  Já ouvi os oponentes do desarmamento invocarem este argumento de Sowell.  Não me lembro de ter ouvido nenhuma resposta a ele.  Nenhum desarmamentista jamais forneceu uma resposta.  Eles simplesmente ignoram o desafio.  Eles fingem que ninguém fez uma pergunta.
Curiosamente, eleitores contrários ao desarmamento seguem votando em políticos desarmamentistas, políticos que não respondem ao desafio de Sowell.  Os eleitores nem sequer questionam essa postura fugidia dos políticos.  É verdade que, no geral, os eleitores defendem algum tipo de controle de armas.  A maioria não defende o desarmamento completo, mas eles defendem severas restrições à venda de armas e aos modelos que podem ser comercializados.  E, com isso, políticos desarmamentistas seguem sendo reeleitos, e sem jamais serem questionados acerca de sua postura racionalmente contraditória.
A lei do desarmamento é tão eficaz quanto as leis anti-drogas: ninguém realmente espera que leis anti-drogas irão eliminar o uso de drogas ilegais.  Porém, como os eleitores não querem admitir que a intervenção estatal no mercado de drogas é uma ilusão mais delirante do que a provocada pelo LSD, o ataque estatal a este mercado segue impávido, com a mesma eficiência de um gelo sendo enxugado.  E o mesmo raciocínio é válido para o desarmamento. 
Os eleitores não querem admitir que a intervenção estatal em ambos estes mercados só faz destruir ainda mais a liberdade dos indivíduos, a qual é diariamente sacrificada em nome do aumento do poder e do controle do estado.  A crença é a de que o estado é paradoxalmente capaz de deter o poder de controlar atividades que, em privado, as pessoas aceitam, mas que, em público, são obrigadas a condenar.
Sendo assim, reformulo a pergunta de Sowell:
Será que existe alguém que realmente acredita que indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o consumo de maconha irão obedecer às leis que os proíbem de utilizar um papel para enrolarem por conta própria um baseado?
Defensores das leis anti-drogas — pessoas que normalmente são contra o desarmamento — respondem a esta pergunta da mesma maneira que os defensores do desarmamento respondem à pergunta de Sowell: com silêncio.
Resultados: mais leis, mais intrusão estatal, mais gastos governamentais, orçamentos mais polpudos para os burocratas, menos liberdade, e mais discussões vápidas.
No final, tudo se reduz a isso: traficantes de drogas não irão obedecer às leis que supostamente restringem o uso de armas.
Se você quiser que traficantes de drogas parem de comprar armas, então é melhor você acabar com os traficantes, defendendo a descriminação das drogas.  Porém, os progressistas querem criminalizar as armas e os conservadores querem criminalizar as drogas.
E, se você pensa que este argumento não faz sentido, então não espere que os progressistas respondam ao argumento de que "indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o homicídio não irão obedecer às leis de desarmamento".
Você por acaso já parou para pensar na cronologia das leis anti-drogas?  Ela se assemelha à criação de licenças para médicos, uma regulamentação que criou um cartel extremamente rentável.  O cartel dos médicos é justificado com este argumento: "Não queremos que o público em geral saia comprando remédios (que são drogas).  Portanto, é necessário que o estado imponha leis e regulamentações para que apenas médicos diplomados possam prescrever receitas".
Tudo se resume a cartéis.  Se você quer criar um cartel extremamente rentável, é fácil.  Eleja um político influente, faça lobby, consiga que o estado torne ilegal um bem ou serviço que a maioria das pessoas quer, e então estipule que apenas um determinado grupo de especialistas tenha a licença para vender este bem ou serviço.  Pronto. 
O problema é que tal medida levará à criação de um cartel paralelo, não-autorizado e ilegal, o qual também venderá o bem ou serviço em questão.  E isso gerará um inevitável conflito: o primeiro cartel, ávido para defender sua reserva de mercado, irá enviar funcionários públicos com distintivos e armas para atacar este segundo cartel, o qual, por conseguinte, irá comprar armas para defender seu terreno e se proteger dos ataques do primeiro cartel.
Cartéis querem uma renda artificialmente elevada em decorrência de restrições colocadas sobre o livre mercado.  Cartéis querem uma renda artificialmente elevada em decorrência de uma reserva de mercado protegida pelo estado.  O verdadeiro debate gira em torno de quem irá portar armas legalmente e quem irá portá-las ilegalmente.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

Como o governo gera mão-de-obra para o tráfico de drogas

Como o governo gera mão-de-obra para o tráfico de drogas
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tráfico4.jpgSempre que você encarece artificialmente o custo de um bem, a tendência é que a demanda legal por esse bem diminua acentuadamente.  Como consequência, esse bem será empregado em outras atividades até então pouco atrativas.
Em termos práticos, se o governo encarece artificialmente o custo da mão-de-obra menos produtiva — por meio de encargos sociais e trabalhistas elevados, salário mínimo oneroso e tributação pesada sobre as receitas e os lucros das empresas —, a tendência é que esta mão-de-obra pouco produtiva seja menos demandada por empreendimentos legais e, consequentemente, seja canalizada para mercados mais desregulados — e quase sempre ilegais.
O mesmo ocorre quando o estado dificulta o empreendedorismo dos mais pobres, que não têm como arcar com a burocracia, com as licenças, com as regulamentações e com as inúmeras outras exigências impostas pelo estado que obstaculizam qualquer ato empreendedorial.  Tais pessoas são atraídas para aqueles mercados em que as imposições estatais são menores — para não dizer nulas — e a possibilidade de lucros, mais altas.
Dado que o governo bloqueou todos os métodos legais para o indivíduo sair da pobreza, recorrer a uma atividade ilícita torna-se uma opção viável para aqueles que não sofrem de restrições morais.
Um setor que atrai a imensa fatia desta mão-de-obra pouco produtiva e destas pessoas de espírito empreendedorial, mas que não têm dinheiro, é o mercado das drogas.  Se você mora nos subúrbios e não há opções legais para ascender socialmente — porque o governo criou várias imposições —, uma das maneiras mais fáceis e rápidas de enriquecer é se tornando um traficante.
Por quê?
Porque as regulamentações, as burocracias e os impostos do governo não se aplicam ao mercado das drogas.  Não há leis de salário mínimo, não há exigências burocráticas, não há taxas de licenciamento, não há um Ministério do Trabalho dando batidas e impondo requerimentos.  Principalmente, não há imposto de renda. 
Por se tratar de um mercado criminalizado pelo governo, as margens de lucro são enormes, pois elas embutem todo o risco empreendedorial — o risco de ter sua carga confiscada pelo governo e ter sua mão-de-obra encarcerada.  Essas altas margens de lucro, que possibilitam altos salários, são um atrativo irresistível para aquelas pessoas desiludidas que não conseguiram trabalhar nem empreender legalmente por causa das restrições estatais.  Nos subúrbios, é difícil resistir a essa tentação do enriquecimento fácil.  Jovens sem perspectivas e que não conseguem empregos legais são facilmente contratados pelos barões do tráfico, pois a burocracia exigida para se contratar esse tipo de mão-de-obra é nula.  Adicionalmente, o fato de o salário neste mercado ser integral, sem deduções previdenciárias e sem imposto retido na fonte, garante uma oferta contínua e crescente de mão-de-obra para o setor.
Da mesma maneira, pessoas de espírito empreendedorial também se aventurarão no mercado das drogas porque poderão reter para si todos os lucros auferidos, que não estão sujeitos a imposto de renda.  Além disso, um chefão do tráfico não tem de se preocupar com greves e outras exigências trabalhistas.  Também não há o risco de ele ser levado à Justiça do Trabalho por ter pedido hora extra.
Este é o tipo de empreendedorismo que floresce naqueles subúrbios em que não há perspectivas econômicas e não há possibilidades de ascender na vida por meios legais, pois o governo bloqueou todas as avenidas legítimas que retiram as pessoas da pobreza.  O empreendimento criminal voltado para o mercado de drogas é atraente porque opera como se estivesse em um paraíso fiscal.
Sim, trata-se de um mercado violento.  Como não há leis e os tribunais estatais não reconhecem os contratos verbais feitos no submundo, os indivíduos deste mercado sempre recorrem à justiça com as próprias mãos.  Não há outra maneira de impor o cumprimento de contratos.  Os gastos com segurança pessoal também são altos.  Os custos marginais de se eliminar fisicamente um concorrente são baixos e os benefícios, extremamente altos.  Você assume o mercado do seu concorrente eliminado e, como consequência, seus lucros se tornam ainda mais elevados.
Mas tudo isso também é consequência direta da proibição das drogas.  O governo, ao tornar ilegal tal mercado, faz com que seus integrantes não possam recorrer aos meios legais para fazer cumprir seus contratos.  E como empresas de arbitramento também estão proibidas de fazer tal serviço, a única opção que resta é recorrer à violência.  Todas essas proibições servem apenas para elevar os lucros de quem opera neste mercado e, consequentemente, a atratividade deste mercado para a mão-de-obra mais despreparada e menos produtiva.
Se não houvesse uma guerra às drogas, se as drogas não fossem criminalizadas, se elas fossem legais, não haveria todas essas oportunidades irresistíveis.  E sem essas oportunidades artificialmente criadas pela proibição estatal, e, principalmente, sem os impedimentos burocráticos, trabalhistas e tributários criados pelo governo no mercado legal, estes empreendedores dos subúrbios canalizariam sua criatividade, seu trabalho duro, sua iniciativa e seu empreendedorismo para outras atividades mais benéficas para a sociedade; vidas e recursos não seriam direcionados para esta atividade contraproducente que é o mercado de drogas.
Foi o governo quem criou este mercado paralelo, foi o governo quem dificultou ao máximo que as pessoas dos subúrbios ascendessem por meios legais, e é o governo a fonte desta criminalidade específica do mercado das drogas; e mais governo não será a solução.  Mais intervenção governamental poderá apenas perpetuar a pobreza e a fonte de mão-de-obra para o tráfico de drogas.
Por fim, para agravar a situação, o governo atua em outra ponta que faz com que a mão-de-obra para o mercado das drogas se torne crescentemente especializada: o sistema penitenciário. 
indefensável.jpgComo consequência de toda esta criminalidade criada pelo governo, vários integrantes do tráfico de drogas — mais especificamente, os "peixes pequenos" — são capturados e enviados para penitenciárias.  Deixando de lado toda a questão dos custos de se gerir estas enormes excrescências burocráticas que são as penitenciárias federais e estaduais, vamos nos concentrar nos resultados.  O que são as prisões atuais se não genuínas universidades do crime? 
Um garoto pobre que vendia drogas e que foi capturado pela polícia e enviado a uma penitenciária, o que acontecerá a ele?  Entrará em contato com todos os tipos de criminosos, todos eles mais experientes.  Esse convívio prolongado fará com que o garoto adquira malícia, aperfeiçoe suas habilidades criminais e ganha mais intimidade com o mundo do crime. 
Ao sair da cadeia, após anos de imersão com os especialistas, ele será um pós-graduado em criminalidade.  Ele agora estará a par de todos os truques das ruas; conhecerá todas as "manhas" da criminalidade.
Traficantes jovens que cumprem pena não são reabilitados.  Também não são necessariamente punidos.  Ao saírem da cadeia, eles são vistos como heróis por seus pares; eles se tornam um modelo para seus amigos.  Eles cumpriram pena, saíram ilesos e, por isso, adquirem mais respeito.  Estarão prontos e ainda mais preparados para ascender na carreira criminosa.  Graças ao governo e a todas as suas proibições.
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Criminalidade, drogas e proibição

Criminalidade, drogas e proibição

Tráfico-drogas-Rio.jpgContrariamente à crença popular, o governo não obstrui o surgimento do crime organizado; ele fomenta.
Pare por um momento e pense naqueles setores da economia tipicamente ocupados pelo crime organizado: prostituição, jogos, agiotagem, narcóticos e sindicatos.  O que todos esses setores têm em comum?  Simples.  Ou eles são fortemente regulados pelo estado, ou são pura e simplesmente proibidos por ele.  Em contraste, nos setores que estão relativamente livres da interferência governamental, o crime organizado não se estabelece.
A experiência clássica que comprova a validade dessa explicação é a Lei Seca que vigorou nos EUA no período 1919-1933.  Durante essa época, a produção, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas eram ilegais.  O que aconteceu?  Gangsteres como Al Capone entraram em cena e passaram a controlar o comércio ilegal, aniquilando seus concorrentes nas inevitáveis e infindáveis disputas territoriais.  Entretanto, assim que a Lei Seca foi revogada (em uma das poucas coisas decentes que Franklin Roosevelt fez em toda a sua presidência), o crime organizado abandonou a indústria do álcool e se voltou para os outros setores que continuavam proibidos.
O crime organizado se beneficiou com a Lei Seca porque a polícia efetivamente perseguia e afugentava os legítimos empresários da indústria de bebidas alcoólicas.  Aqui cabe um rápido exercício teórico: Se o estado literalmente declarasse que Al Capone tinha o monopólio da distribuição de bebidas em Chicago, e mandasse qualquer concorrente pra cadeia, então o preço das bebidas em Chicago iria disparar, e Capone obteria lucros exorbitantes em decorrência disso.  Isso é algo óbvio.  De maneira similar, quando o estado ameaça colocar na cadeia todos os distribuidores de bebidas — mas faz vista grossa para Capone, que paga suas propinas em dia —, isso é economicamente similar a um monopólio garantido pelo estado.
Estou utilizando Capone apenas para fazer um argumento ilustrativo.  Não fiz nenhuma pesquisa específica sobre ele, mas é certo que hoje em dia as grandes organizações criminosas pagam regularmente sua propina à polícia — cujo termo técnico é "taxa de proteção".  Se o leitor duvida disso, então é porque ele de fato não entende o essencial do comércio de drogas.  Para uma introdução básica, assista a Serpico, um ótimo filme com Al Pacino baseado na história verídica de um policial do departamento de narcóticos da polícia de Nova York que se recusava a aceitar dinheiro sujo.  (Pensando bem, você pode assistir a praticamente qualquer filme de Al Pacino para aprender que os grandes barões do tráfico rotineiramente subornam a polícia).
Os custos e benefícios marginais da violência nos mercados proibidos
Empiricamente, já deveria estar mais do que óbvio que a violência anda de mãos dadas com os mercados que sofrem de ampla proibição estatal.  Novamente, o experimento clássico é a Lei Seca.  Seria inconcebível imaginar os executivos da Budweiser ordenando um massacre — naquele estilo em que carros passam metralhando a fachada de um estabelecimento — dos seus rivais da Heineken.  Entretanto, quando o estado erradicou grande parte dos produtores dessa indústria, os massacres se tornaram comuns.  Essa constatação ajuda a entender algo maior: as disputas territoriais de gangues rivais que ocorrem atualmente nas grandes cidades são decorrência da proibição das drogas.  Essas disputas não ocorrem, como pensam alguns, porque o comércio de cocaína seja algo intrinsecamente "louco" ou "insensato".
Mas ainda que a maioria dos libertários reconheça a associação entre violência e proibição estatal, suas causas raramente são explicadas.  Bem resumidamente, a explicação é simples: a proibição estatal a qualquer tipo de comércio eleva os benefícios marginais e diminui os custos marginais de se utilizar de violência contra os concorrentes do setor econômico em questão.
Comecemos com os custos, que são mais fáceis de entender.  Nesse exato momento, se você se tornar um distribuidor de cocaína, você estará infringindo leis que podem mandar-lhe para a cadeia por um bom período de tempo.  Entretanto, se você for poderoso o suficiente, você pode dar sacos e mais sacos de dinheiro para a polícia local.  Dessa forma, na margem, o custo de você matar um traficante rival é bem menor do que seria se você gerisse um restaurante tailandês e matasse seu concorrente japonês. 
Por quê?
Quando você é um dono de restaurante qualquer, o pior que o governo pode fazer com você é auditar sua declaração de renda.  Porém, se você for um traficante de cocaína e descuidar da propina, isso pode lhe custar a simpatia dos policiais.  Resultado: você pode ir em cana.  Assim sendo, se você é um traficante e tiver condições de pagar religiosamente a propina da polícia, matar alguém deixa de ser uma medida temerária.  Por outro lado, se você for um dono de restaurante, ordenar a morte do sujeito que está abrindo uma casa de sushi na sua rua seria algo insano.  O traficante tem tiras corruptos na sua folha de pagamento, os quais presumivelmente estariam dispostos a fazer vista grossa a um homicídio caso recebessem uma grana extra.  Além disso, é bem provável que o traficante também tenha conexões ainda mais importantes, não sendo desarrazoado imaginar que ele possa também subornar juízes caso algum dia ele tenha de ir a julgamento.
Já os benefícios marginais da violência são muito maiores para o traficante de cocaína do que para o dono do restaurante tailandês.  Traficantes de drogas não são (completamente) imprudentes; eles operam pelo dinheiro.  Para compensar o alto risco, os retornos monetários do comércio de cocaína têm de ser astronômicos.  (Se você gosta de gráficos, quando o governo ameaça prender os vendedores de cocaína, a curva da oferta se desloca acentuadamente para a esquerda, ao passo que a curva da demanda também se desloca para esquerda, só que muito pouco.  Assim, o preço de equilíbrio do quilo da cocaína dispara, indo para um nível muito acima do seu custo monetário de produção).
Por causa das considerações acima, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado no comércio de cocaína é enorme.  Cada novo cliente pode significar um lucro extra de milhares de dólares por mês.  Em enorme contraste, se o dono do restaurante tailandês "roubar" um cliente do restaurante japonês, isso pode gerar-lhe um acréscimo de meros $100 por mês, pois a margem de lucro na indústria de restaurantes é muito menor que no tráfico de drogas.  Para os traficantes, pode fazer sentido ficar rondando portas de escola, vendendo seus produtos para adolescentes, ou até mesmo dando amostras grátis para novatos (embora eu não saiba se isso de fato ocorre; estou baseando-me nas propagandas antidrogas).  Por outro lado, você nunca vê representantes da Kellogg's vendendo caixas avulsas de Sucrilhos para as crianças.  Por causa dessa enorme diferença, conquistar novos clientes é algo muito mais valioso para quem opera nas indústrias proibidas do que para quem opera no setor livre.  É por isso que matar um rival — e com isso ganhar acesso a seus clientes — é muito mais lucrativo nos setores proibidos.
Portanto, quando o estado ameaça prender os produtores de um determinado bem, ele acaba alterando os incentivos de mercado, de modo que a violência passa a ser muito mais lucrativa para essa indústria. 
Naturalmente, no mundo real, as pessoas não são computadores que calculam robotizadamente suas funções de utilidade — ao contrário do que pensam os economistas neoclássicos.  Assim, não estou dizendo que o mesmo empreendedor vai agir de maneiras distintas, dependendo da política de combate às drogas.  Não estou dizendo que esse empreendedor irá escolher entre ser um homem reto ou um assassino perverso, tudo dependendo apenas do nível de repreensão ao tráfico.  Não.  O que ocorre é que aquelas pessoas que têm predisposição para ser assassinas cruéis ganham um incentivo adicional com a política de ilegalidade de certos mercados, o que permite que elas prosperem e se tornem muito ricas em uma sociedade cujas leis antidrogas são rigorosas. 
Logo, ao invés de ser apenas mais um sociopata — do tipo que mata um sujeito que olhou lascivamente para sua namorada num bar e que, por isso, vai para a cadeia —, as asininas leis antidrogas acabam por fazer com que esse sociopata possa ganhar milhões por ano vendendo cocaína — sendo que com esse dinheiro ele agora poderá comprar armas automáticas, contratar capangas, subornar policiais e se tornar o rei das ruas.
O argumento econômico padrão contra a proibição das drogas
Portanto, no típico argumento livre-mercadista em prol da legalização das drogas, o economista irá argumentar que a proibição gera violência desnecessária, uma vez que as quadrilhas entram em guerra entre si para disputar territórios lucrativos e estratégicos, frequentemente matando inocentes nesse processo.  Em seguida ele irá utilizar a ilustração clássica desse fenômeno como sendo a matança que ocorria no submundo americano durante a época da Lei Seca em Chicago.  Ao passo que, nos dias de hoje, seria inconcebível que executivos de cervejarias rivais saíssem por aí chacinando seus concorrentes, esse método fazia perfeito sentido para Al Capone em relação a seus competidores.
Até aí, o argumento está correto.  Entretanto, quando o economista tenta ir além dessa observação geral para explicar por que a proibição leva à violência, ele frequentemente diz algo mais ou menos assim: "Quando o álcool ou a cocaína são ilegais, os vendedores desses produtos não podem recorrer aos tribunais ou à polícia para protegerem sua propriedade e garantir que os contratos sejam honrados.  Consequentemente, eles têm de se armar até os dentes; e se alguém tentar trapaceá-los, eles têm de resolver as coisas por conta própria, pois chamar a polícia está fora de questão."
Tal explicação pode soar plausível para um liberal clássico, que acha que o governo faz um bom trabalho fornecendo serviços de judiciário e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Mas para um anarcocapitalista, que consistentemente diz que um governo corrupto e faminto por poder irá gerir um departamento de polícia tão bem quanto administraria uma montadora de automóveis, essa postura em relação à legalização das drogas parece um tanto esquisita.  Pois o que está sendo dito é que a violência é causada pela inação do governo, por sua recusa em utilizar seu monopólio da força e da justiça com mais frequência.  A implicação óbvia parece ser a de que, se a polícia nunca respondesse a nenhum pedido de ajuda, de quem quer que seja, a sociedade entraria em colapso.
Esse diagnóstico está totalmente invertido.  A razão por que a proibição das drogas produz enormes estragos nas relações sociais se deve ao fato de ela, a proibição, introduzir mais intervenções no mundo; o problema é que o governo está utilizando sua polícia e seus tribunais excessivamente.  
Por exemplo, imagine uma área pobre de uma grande cidade, infestada de quadrilhas de traficantes que aparentemente circulam por ali sem qualquer restrição, vendendo abertamente drogas nas ruas e becos e descarregando rajadas de metralhadora em qualquer um que apresente um comportamento minimamente suspeito.  A maioria das pessoas iria pensar: "Esse bairro é uma anarquia!  Está faltando estado aqui!  Se ao menos a polícia aparecesse de vez em quando para aplicar as leis...  Mas não, ela é totalmente indiferente ao sofrimento dessa comunidade!"
Novamente, esse diagnóstico está invertido.  A vizinhança está nessa situação terrível justamente porque a polícia opera ali com impunidade.  Se a polícia realmente nunca se preocupasse em impor qualquer lei naquela área, então ninguém teria de se preocupar com o risco de ir pra cadeia por estar vendendo drogas.  Consequentemente, empresas de fora poderiam ir se instalar naquele bairro, abrir lojas com janelas à prova de balas e vigiadas por seguranças muito bem armados, e vender cocaína e outras drogas para os moradores (ou, principalmente, para os clientes que vêm de outros bairros) por uma fração do preço vigente nas ruas.  Essas empresas iriam rapidamente quebrar todas as quadrilhas de traficantes que operam na região, uma vez que os clientes iriam correr em manada para aqueles empreendimentos profissionalmente geridos, principalmente por causa de seus preços baixos e pela qualidade de seus produtos.
Porém, por que isso não ocorre?  Porque se alguns empreendedores tentassem de fato implementar o plano acima, eles seriam rapidamente bloqueados pela polícia, que interromperia suas atividades (com o indisfarçável apoio dos traficantes locais).  Mais ainda: essas empresas teriam suas contas bancárias confiscados por ordem do judiciário, inviabilizando qualquer operação.  Líderes comunitários e religiosos iriam reclamar que uma farmácia não pode vender cocaína para adolescentes em plena luz do dia (embora os traficantes o façam imperturbáveis) e o chefe da delegacia encarregada da região iria concordar.  Com efeito, nem ocorre a qualquer empreendedor tentar fazer o que foi dito acima porque — duh! — seria algo totalmente ilegal.    
Portanto, não é difícil entender que não é a relutância ou a má vontade do governo em proteger certos direitos de propriedade que permite que determinadas comunidades permaneçam em um equilíbrio violento; ao contrário: é justamente o ataque do governo aos direitos de propriedade que faz com que bandidos detenham um poder permanente sobre determinadas regiões.
Similarmente, se um estabelecimento qualquer — um restaurante chinês ou uma lavanderia, por exemplo — em um bairro perigoso é assaltado, a polícia provavelmente também não irá fazer muita hora extra pra tentar resolver o caso.  Ainda assim, essa negligência da polícia para com o estabelecimento em questão (idêntica à negligência para com os bairros tomados por traficantes) não gera uma violência indômita na indústria de lavanderias da região; tampouco tem-se notícias de pessoas sendo mortas por motivo de disputa pelo mercado de rolinhos primavera e frango xadrez.
O motivo é simples: se, por um lado, a polícia não protege os comerciantes em bairros perigosos, por outro, ela também não os molesta, ou, pior ainda, não os sequestra sob a mira de uma arma e os joga em uma jaula por vários anos, pelo "crime" de estar comercializando alguma substância.  Essa é a diferença chave entre a indústria das drogas e todas as outras indústrias, e explica por que a indústria perseguida por agentes armados do governo acaba se tornando (fortemente) militarizada também.
Conclusão
Sabemos que o governo tem um desempenho horrível em todos os empreendimentos que executa, sejam eles educação, pavimentação de estradas, fornecimento de eletricidade e serviços de inteligência.  Considerando-se esse histórico, deveríamos acreditar que o governo é realmente bom em proteger as pessoas contra criminosos?  Se isso é verdade, então por que as pessoas cada vez mais recorrem aos tribunais de arbitramento privados?  Não é óbvio que os tribunais e a polícia estatais são tão ineficientes e contraproducentes quanto todas as outras atividades que o estado se arvora fazer?
Para realmente testarmos as diferentes teorias, precisamos pensar em uma atividade em que o governo (a) não crie empecilhos para os produtores, mas que também (b) não defenda os direitos de propriedade desses mesmos produtores.  Se essas áreas forem repletas de roubo e violência, então meus críticos estão certos.  Mas se esses setores forem geralmente ordeiros e pacíficos, então sou eu quem está certo.
Posso pensar em alguns exemplos em que eu estou certo.  Por exemplo, o comércio pela internet é bem pouco regulado.  Claro, se você comprou um livro de uma pessoa através da Amazon, e o cara não lhe enviou o produto, você pode levá-lo a um tribunal de pequenas causas.  Mas não é isso o que faz o sistema funcionar.  O sistema funciona porque se baseia claramente nos efeitos que uma boa reputação traz para um vendedor, e não porque haja uma ameaça de ações judiciais governamentais.
Da mesma forma, não é a timidez — ou mesmo a ausência — do governo o que permite que a violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes.  O que permite esse desvario é justamente o exercício governamental do seu monopólio sobre o uso legítimo da força.
Mesmo economistas pró-livre mercado frequentemente entram em uma espécie de ponto cego quando se trata do fornecimento de serviços estatais de justiça e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Porém, mesmo nessas áreas, monopólios exercidos por funcionários públicos corruptos são péssimos.  O setor privado poderia resolver vários conflitos violentos se apenas o governo concedesse liberdade para tal.
A teoria econômica padrão diz que os monopólios mantidos à base da violência (ou por sua ameaça) levam a serviços de baixa qualidade e preços altos.  Essa análise se mantém válida mesmo quando o monopólio se refere aos serviços judiciais, policiais e militares.  Os libertários geralmente reconhecem que o governo faz um péssimo trabalho quando tenta educar crianças, manter estradas e gerir hospitais.  Por que, então, alguém em sã consciência iria querer dar a políticos e burocratas a tarefa de nos proteger de ladrões e assassinos?

Robert P. Murphy 
é Ph.D em economia pela New York Universityeconomista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque