sábado, 26 de outubro de 2013

Protecionismo

Protecionismo

N. do T.: o texto a seguir, da década de 1980, ainda se mantém atualíssimo. Naquela época, o fantasma era o Japão; hoje, a China.

protecionismo.jpgO protecionismo, que era frequentemente refutado e parecia abandonado, retornou com força total. Os japoneses — que se recuperaram das dolorosas perdas da Segunda Guerra Mundial e atualmente estão aturdindo o mundo produzindo produtos inovadores, baratos e de alta qualidade — estão servindo de alvo perfeito para a artilharia protecionista. Relembrar os mitos da época da guerra virou o passatempo amargo dos protecionistas, que nos alertam sobre esse novo "imperialismo japonês", que é até mesmo "pior do que Pearl Harbor." Só que esse "imperialismo" consiste em vender aos americanos maravilhosos aparelhos de TV, automóveis, microchips, etc., a preços mais do que competitivos em relação às empresas americanas.
Será que essa "enxurrada" de produtos japoneses é realmente uma ameaça que deve ser combatida pelo governo do EUA? Ou seria esse novo Japão uma dádiva para os consumidores americanos?
Ao escolhermos nosso lado nessa questão, devemos antes de tudo reconhecer que toda a ação do governo significa coerção, de tal maneira que pedir ao governo dos EUA que intervenha significa incitá-lo a usar força e violência para restringir um comércio pacífico. Confia-se que os protecionistas não estão dispostos a levar a lógica da força ao paroxismo, na forma de um outro Hiroshima e Nagasaki.
Fique de Olho no Consumidor
Ao destrincharmos todo o imbróglio que é o argumento protecionista, devemos ter em mente duas coisas: (1) protecionismo significa o uso da força para restringir as trocas; e (2) o que interessa é o que acontece ao consumidor. Invariavelmente, vamos perceber que os protecionistas estão aí para arruinar, explorar e impor severas perdas não apenas aos consumidores estrangeiros, mas especialmente aos americanos. E já que cada um de nós é um consumidor, isso significa que o protecionismo está aí para espoliar a nós todos em benefício de alguns poucos privilegiados, subsidiados e — principalmente — incompetentes: pessoas essas que não conseguiriam se estabelecer em um mercado livre e totalmente desimpedido.
Peguemos, por exemplo, a alegada ameaça japonesa. Toda a troca é mutuamente benéfica para ambos os lados — nesse caso, os produtores japoneses e os consumidores americanos —, pois, caso contrário, essas trocas não ocorreriam. Ao tentar impedir essas trocas, os protecionistas estão tentando evitar que os consumidores americanos desfrutem de um melhor padrão de vida ao comprarem produtos japoneses baratos e de alta qualidade. Ao invés disso, somos forçados pelo governo a recorrer aos produtos ineficientes e mais caros que já havíamos rejeitado. Ou seja: produtores ineficientes estão tentando privar todos nós dos produtos que desejamos, de tal forma que tenhamos que recorrer a suas empresas ineficientes. Os consumidores americanos devem ser pilhados.
Uma Outra Visão das Tarifas e Cotas
A melhor maneira de entender as tarifas ou as cotas de importação ou quaisquer outras medidas protecionistas é ignorar as fronteiras políticas dos países. As fronteiras entre as nações podem ser importantes para outras razões, mas elas não têm qualquer significado político. Suponhamos, por exemplo, que cada estado dos EUA fosse uma nação. Certamente ouviríamos várias lamúrias protecionistas das quais felizmente estamos poupados agora. Mas imagine a gritaria que haveria dos fabricantes têxteis de Nova York ou Rhode Island — que cobram um preço mais alto — contra a competição "injusta" e a "mão-de-obra barata" dos países "estrangeiros" Tennessee e Carolina do Norte. Ou vice-versa.
Felizmente, o absurdo de se preocupar com o balanço de pagamentos se torna evidente quando nos focamos no comércio intra-estados. Ninguém se preocupa com o balanço de pagamentos entre Nova York e Nova Jersey, ou entre Manhattan e o Brooklyn, porque não existem agentes da alfândega monitorando tais trocas e, portanto, fazendo tais balanços.
Se pensarmos a respeito, fica claro que um pedido de tarifas por parte das empresas de Nova York contra a Carolina do Norte é puramente uma extorsão dos consumidores de Nova York (bem como dos da Carolina do Norte), um privilégio especial e descarado para as empresas menos eficientes. Se os 50 estados fossem nações separadas, os protecionistas estariam aptos a usar os adornos do patriotismo e da desconfiança dos estrangeiros como camuflagem para poder pilhar os consumidores de sua própria região.
Felizmente, tarifas intra-estaduais são inconstitucionais. Mas mesmo sem essa barreira, e mesmo sem poderem se enrolar no manto do nacionalismo, os protecionistas têm conseguido impor tarifas intra-estaduais sob um outro disfarce. Parte do esforço de se aumentar continuamente o salário mínimo federal é para impor um aparato protecionista contra a Carolina do Norte e outros estados do sul — que têm baixos salários e baixo custo de mão-de-obra. Nesse caso, os grandes interessados nessa barreira protecionista são seus competidores na Nova Inglaterra e no estado de Nova York.
Por exemplo, em 1966, durante a batalha no Congresso pelo aumento do salário mínimo federal, o falecido senador Jacob Javits (R-NY) admitiu abertamente que uma de suas principais razões para apoiar esse aumento era prejudicar os concorrentes sulistas da indústria têxtil de Nova York. Já que os salários no sul são geralmente menores que no norte, as empresas que seriam mais fortemente abaladas por um aumento no salário mínimo (e cujos trabalhadores sofreriam um maior aumento no desemprego) estariam localizadas no sul.
Um outro jeito que tem sido utilizado para impor restrições no comércio entre os estados ganhou o elegante nome de "segurança". No estado de Nova York, por exemplo, produtores de leite organizaram um cartel bem sucedido, com o apóio do governo do estado, para impedir a importação de leite do estado vizinho de Nova Jersey. O motivo patentemente espúrio seria o de que a viagem através do Hudson tornaria o leite de Nova Jersey "inseguro."
Se tarifas e restrições são coisas boas para um país, então por que não seriam para um estado ou região? O princípio é precisamente o mesmo. Na primeira grande depressão americana, o Pânico de 1819, Detroit era uma diminuta cidade fronteiriça com apenas algumas centenas de pessoas. Ainda assim, houve choradeiras protecionistas — felizmente não obedecidas — para se proibir todas as "importações" de fora de Detroit. Os cidadãos foram incitados a comprar apenas produtos de Detroit. Se essa tolice tivesse sido posta em prática, a fome generalizada e o alto índice de mortalidade resultantes teriam liquidado todos os outros problemas econômicos dos cidadãos de Detroit.
Então por que não restringir e até mesmo proibir o comércio, ou seja, as "importações", para uma cidade, ou para uma vizinhança, ou mesmo para um quarteirão, ou, para resumir tudo à conclusão lógica, para uma família? Por que a família Jones não deveria expedir um decreto dizendo que, de agora em diante, nenhum membro da família pode comprar quaisquer bens ou serviços produzidos fora de casa? A fome rapidamente aniquilaria essa ridícula tentativa de auto-suficiência.
E ainda assim devemos perceber que toda essa absurdidade é inerente à lógica do protecionismo. O protecionismo padrão é tão insensato quanto, mas a retórica do nacionalismo e das fronteiras nacionais tem sido capaz de obscurecer esse fato vital.
O resultado final é que o protecionismo não é apenas uma tolice, mas uma tolice perigosa, destruidora de toda a prosperidade econômica. Nós não somos, e creio que nunca fomos, um mundo de fazendeiros auto-suficientes. A economia de mercado é uma vasta rede entrelaçada pelo mundo afora, na qual cada indivíduo, cada região, cada país, produz aquilo que ele faz melhor, com maior eficiência relativa, e então troca esse produto pelos bens e serviços de outros. Sem a divisão do trabalho e o comércio baseado nessa divisão, o mundo inteiro iria passar fome. Restrições coercivas nas trocas — tais como o protecionismo — mutilam, dificultam e destroem o comércio, que é a fonte de vida e prosperidade. O protecionismo é simplesmente um pretexto para que consumidores, bem como a prosperidade geral, sejam prejudicados apenas para garantir privilégios especiais e permanentes para um grupo menos eficiente de produtores, às custas de empresas mais competentes e às custas dos próprios consumidores. Mas é também um tipo de salva-guarda peculiarmente destruidor, porque ele permanentemente amarra o comércio, sob o manto do patriotismo.
A Estrada de Ferro Negativa
O protecionismo também é peculiarmente destrutivo porque ele gera um coercivo e artificial aumento no custo do transporte entre regiões. Um dos grandes resultados da Revolução Industrial, uma das maneiras em que ela trouxe prosperidade para as massas famintas, foi a redução drástica do custo do transporte. O desenvolvimento das estradas de ferro no início do século XIX, por exemplo, significou que, pela primeira vez na história da raça humana, bens poderiam ser transportados pela terra de maneira barata. Antes disso, as águas — rios e oceanos — eram o único meio de transporte economicamente viável. Ao tornarem o transporte terrestre acessível e barato, as estradas de ferro permitiram que o transporte terrestre inter-regional quebrasse os custosos e ineficientes monopólios locais. O resultado foi uma grande melhora no padrão de vida de todos os consumidores. E, apesar disso, o que os protecionistas querem fazer é descer o machado nessa extraordinária ferramenta de progresso.
Não é à toa que Frederic Bastiat, o grande economista laissez-faire francês de meados do século XIX, chamou as tarifas de "estradas de ferro negativas." Protecionistas são tão economicamente destrutivos quanto se estivessem fisicamente fatiando estradas de ferro, ou aviões, ou navios, e nos forçando a retroceder aos custosos transportes do passado — trilhas pelas montanhas, jangadas, ou embarcações à vela.
Comércio "Justo"
Vamos agora considerar alguns dos principais argumentos protecionistas. Tomemos, por exemplo, a reclamação padrão de que, conquanto os protecionistas "prezem a competição", essa competição deve ser "justa." Sempre que alguém começar a falar sobre "competição justa" ou qualquer coisa nesse sentido, fique de olho na sua carteira porque ela está prestes a ser batida. O genuinamente "justo" é simplesmente a troca se dar em termos voluntários, mutuamente acordados entre o vendedor e o comprador. Como a maioria dos escolásticos medievais foi capaz de perceber, não existe um preço "justo" fora do preço de mercado.
Então o que poderia ser "injusto" a respeito do preço de livre-mercado? Uma acusação protecionista comum é a de que é "injusto" para uma empresa americana competir com, digamos, uma empresa taiwanesa que paga apenas a metade dos salários da concorrente americana. O governo dos EUA é então chamado a intervir e "igualar" os salários impondo uma tarifa equivalente sobre os taiwaneses. Mas será que os consumidores nunca poderão desfrutar de empresas de baixo custo porque seria "injusto" elas terem custos mais baixos do que seus concorrentes ineficientes? Esse é o mesmo argumento que seria utilizado por uma empresa de Nova York contra sua concorrente na Carolina do Norte.
O que os protecionistas não se incomodam em explicar é por que os salários nos EUA são muito maiores do queem Taiwan. Eles não são impostos pela Divina Providência. Os salários são altos nos EUA porque os empregadores americanos os elevaram. Como todos os outros preços no mercado, os salários são determinados pela oferta e pela demanda, e a alta demanda por trabalhadores nos EUA fez que com os empregadores elevassem os salários. E o que determina essa demanda? A "produtividade marginal" do trabalhador.
A demanda por qualquer fator de produção, incluindo a mão-de-obra, depende da produtividade daquele fator: a quantidade de receita que aquele trabalhador — ou quilo de cimento, ou acre de terra — vai trazer marginalmente. Quanto mais produtiva for a fábrica, maior será a demanda dos empregadores, e maior será o preço dessa demanda, ou seja, os salários. A mão-de-obra americana é mais cara que a taiwanesa porque ela é bem mais produtiva. O que a torna produtiva? Em boa parte, sua melhor qualidade comparada, habilidade e educação. Mas a maior diferença não se deve às qualidades pessoais dos trabalhadores em si, mas ao fato de que o trabalhador americano, em sua maioria, está munido de mais e melhores equipamentos (bens de capital) do que seus equivalentes taiwaneses. Quanto maior e melhor for o investimento em capital por trabalhador, maior será a produtividade do trabalhador e, portanto, maior será seu salário.
Portanto, se o salário americano é o dobro do taiwanês, é porque o trabalhador americano é mais fortemente capitalizado, é equipado com mais e melhores ferramentas, e, por isso, é duas vezes mais produtivo, na média. De uma certa maneira, eu suponho, é correto considerar que não seja "justo" que o trabalhador americano ganhe mais que o taiwanês, já que o primeiro simplesmente se beneficiou do fato de poupadores e investidores terem-no suprido com mais ferramentas (ignorando aqui suas qualidades pessoais). Mas um salário não é determinado apenas pelas qualidades pessoais, mas também pela escassez relativa, e nos EUA há muito mais escassez de trabalhadores em relação ao capital do que em Taiwan.
Colocando de outra maneira, o fato de os salários americanos serem, na média, duas vezes maiores do que os salários taiwaneses, não significa que o custo da mão-de-obra nos EUA seja o dobro da de Taiwan. Como a mão-de-obra americana é duas vezes mais produtiva, isso significa que o salário americano duplamente maior é compensado pela produtividade também duplamente maior, de tal maneira que o custo da mão-de-obra por unidade produzida tende, na média, a ser o mesmo nos EUA e em Taiwan. Uma grande falácia protecionista é confundir o preço da mão-de-obra (salários) com seu custo, o qual também depende de sua produtividade relativa.
Assim, o problema dos empregadores americanos não é realmente com a "mão-de-obra" barata taiwanesa, uma vez que a "cara mão-de-obra" americana é precisamente o resultado da disputa dos empregadores por essa mão-de-obra, que é escassa. O problema vivido pelas indústrias têxteis e automotivas americanas menos eficientes não advém realmente da mão-de-obra barata em Taiwan ou no Japão, mas, sim, do fato de que outras indústrias americanas são eficientes o suficiente para bancar essa mão-de-obra, elevando os salários a um patamar mais alto.
Então, ao impor tarifas protecionistas e cotas para salvar, ajudar, e manter operando empresas americanas menos eficientes — sejam elas têxteis, automotivas ou de microchips —, os protecionistas não estão apenas lesando o consumidor americano. Eles estão também prejudicando as empresas e indústrias americanas eficientes, as quais são impedidas de empregar recursos que agora estão presos nas empresas incompetentes. Essas empresas eficientes poderiam, se não fosse por isso, se expandir e vender seus eficientes produtos em casa e no exterior.
"Dumping"
Uma outra linha contraditória de ataque protecionista ao livre mercado afirma que o problema não é tanto os baixos custos desfrutados pelas empresas estrangeiras, mas a "injustiça" de elas venderem seus produtos a preços "abaixo dos custos" para os consumidores americanos, praticando, dessa forma, o pernicioso e pecaminoso "dumping." Ao praticar esse dumping, essas empresas podem obter uma vantagem injusta sobre as empresas americanas que presumivelmente nunca fazem tal prática e que sempre se certificam de que seus preços são sempre altos o suficiente para cobrir os custos. Mas se vender abaixo dos custos é uma arma tão poderosa, por que é que tal prática nunca é feita por empresas dentro do país?
Nossa primeira resposta a esse ataque é que, novamente, mantenhamos o olho nos consumidores em geral e nos consumidores americanos em particular. Por que deveríamos reclamar de algo que beneficia os consumidores tão claramente? Suponhamos, por exemplo, que a Sony está a fim de prejudicar suas concorrentes americanas e, assim, ela começa a vender aparelhos de TV por um centavo cada. Não deveríamos nos regozijar com essa absurda política da Sony, de sofrer severos prejuízos simplesmente para subsidiar a nós, consumidores americanos? E a nossa resposta não deveria ser: "Vamos lá, Sony, nos subsidie mais!"? No que se refere ao consumidor, quanto mais "dumping" houver, melhor.
Mas e quanto às pobres empresas americanas que produzem aparelhos de TV, cujas vendas irão sofrer enquanto a Sony estiver praticamente dando seus aparelhos? Bem, certamente, uma política sensata para a RCA, Zenith, etc. seria parar a produção e as vendas até que a Sony fosse à falência. Mas suponhamos que o pior acontecesse, e a RCA, a Zenith, etc. fossem elas próprias levadas à falência pela guerra de preços feita pela Sony. O que aconteceria? Bem, nesse caso, nós consumidores ainda assim estaríamos melhores, já que as plantas das empresas que faliram ainda existiriam e seriam compradas por um preço irrisório em um leilão — e os compradores americanos desse leilão estariam aptos a entrar no ramo de TV e bater a Sony, pois esses novos competidores agora gozam de custos de capital bem mais baixos.
Na verdade, durante décadas os opositores do livre mercado alegaram que muitas empresas ganharam poder no mercado praticando aquilo que chamam de "cortes de preços predatórios", isto é: essas empresas forçariam seus concorrentes menores à falência vendendo produtos abaixo do custo, e, logo em seguida, colheriam a recompensa desse método injusto aumentando seus preços e, assim, cobrando "preços de monopólio" dos consumidores. A alegação é que mesmo que os consumidores tenham algum benefício no curto prazo — com guerras de preços, "dumping", e vendas abaixo dos custos —, eles perderiam no longo prazo com esse alegado monopólio. Mas, como temos visto, a teoria econômica mostra que isso seria um empreendimento inútil, onde essas empresas praticantes de "dumping" perderiam dinheiro e nunca atingiriam o preço de monopólio. Além disso, uma investigação histórica não encontrou um único caso em que preços predatórios, quando tentados, foram bem sucedidos. Na verdade, há poucos casos em que eles realmente foram tentados.
Outra acusação diz que empresas japonesas e outras estrangeiras têm condições de fazer "dumping" porque seus governos estão dispostos a subsidiar seus prejuízos. Mas, novamente, deveríamos ainda assim dar boas vindas a tal absurda política. Se o governo japonês está realmente disposto a gastar escassos recursos subsidiando as compras dos consumidores americanos de aparelhos da Sony, quanto mais, melhor! Essa política seria tão auto-destrutiva para as empresas japonesas, que seria como se suas perdas fossem privadas.
Há ainda um outro problema com a acusação de "dumping", mesmo quando esta é feita por economistas ou outros "experts" alocados em comissões tarifárias independentes ou escritórios governamentais. Não há maneira alguma de observadores de fora — sejam eles economistas, executivos ou outros peritos — decidirem quais podem ser os "custos" de outras empresas. "Custos" não são entidades objetivas que podem ser aferidas ou mensuradas. Custos são subjetivos ao próprio executivo, e eles variam continuamente, dependendo de qual o horizonte temporal do executivo, ou o estágio de produção ou o processo de venda com o qual ele esteja lidando em um dado momento.
Suponhamos, por exemplo, que um negociante de frutas comprou uma caixa de pêras por $20, ao preço de $1 o quilo. Ele espera conseguir vender essas peras por $1,50 o quilo. Mas se algo acontecer ao mercado de pêras, e ele descobrir que é impossível vender a maioria das pêras por qualquer valor perto daquele preço, ele vai perceber que terá que vendê-las pelo preço que conseguir antes que elas apodreçam. Agora suponha que ele descubra que só poderá vender seu estoque de pêras por $0.70 o quilo. O observador de fora poderá dizer que o fruteiro praticou "preços predatórios", vendendo "injustamente" suas pêras a preços "abaixo dos custos," imaginando que os custos do fruteiro foram de $1 o quilo.
Indústria "Infante"  
Outra falácia protecionista diz que o governo deveria garantir uma tarifa protecionista temporária para ajudar, ou mesmo criar, uma "indústria infante." E então, quando a indústria estivesse bem estabelecida, o governo iria, e deveria, remover a tarifa e jogar a agora "amadurecida" indústria para o mundo competitivo.
A teoria é falaciosa, e essa política já se provou desastrosa na prática. Além do mais, a necessidade que haveria para o governo proteger essa nova e jovem indústria da competição estrangeira deveria ser a mesma para protegê-la da competição doméstica.
Nas décadas recentes, as indústrias "infantes" de plástico, televisão e computadores se saíram muito bem sem tal proteção. Qualquer subsídio governamental para uma nova indústria vai canalizar muito mais recursos para essa indústria em relação às empresas mais velhas, e também vai inaugurar distorções que podem persistir e deixar a empresa ou a indústria permanentemente ineficiente e vulnerável para a concorrência. Como resultado, essas tarifas para proteger a "indústria infante" tendem a se tornar permanentes, independentemente da "maturidade" da indústria. Os proponentes dessas tarifas se deixaram enganar por uma analogia biológica, pensando que elas são "infantes" que precisam de cuidados adultos. Mas uma empresa não é uma pessoa, nem nova, nem velha.
Indústrias Mais Velhas
Também é verdade que, em anos recentes, indústrias mais velhas que são notoriamente ineficientes começaram a usar o que pode ser chamado de argumento para proteção da "indústria senil." Siderúrgicas, automotivas e outras indústrias sem competitividade têm reclamado que precisam de "espaço para respirar" para poderem se re-equipar e se tornarem competitivas contra suas rivais estrangeiras. Segundo elas, esse espaço para respiração pode ser providenciado com vários anos de tarifas e cotas de importação. Esse argumento é tão cheio de furos quanto a abordagem da indústria infante, exceto pelo fato de que será muito mais difícil determinar quando é que a indústria senil terá magicamente rejuvenescido. De fato, a indústria siderúrgica tem sido ineficiente desde sua concepção, e sua idade cronológica não parece ter feito diferença. O primeiro movimento protecionista nos EUA foi lançado em 1820, liderado pela indústria de ferro (que depois se tornou ferro e aço) da Pensilvânia. Essa indústria foi artificialmente alimentada pela Guerra de 1812 e, em 1820, já se encontrava em grave perigo frente os concorrentes estrangeiros bem mais eficientes.
O Problema Inexistente do Balanço de Pagamentos
O conjunto final de argumentos, ou alarmes, está centrado nos mistérios do balanço de pagamentos. Protecionistas se concentram no horror que seria se as importações superassem as exportações, insinuando que se as forças de mercado continuarem desimpedidas, os americanos podem acabar comprando tudo de fora, e sem vender nada aos estrangeiros, de tal maneira que os americanos teriam se fartado a si próprios, às custas da permanente ruína das empresas americanas. Mas se as exportações realmente caíssem para perto de zero, onde os americanos iriam achar dinheiro para comprar bens estrangeiros? Como dissemos antes, o balanço de pagamentos é um pseudo-problema criado pela existência de estatísticas alfandegárias.
Durante a era do padrão-ouro, um déficit no balanço de pagamentos nacional era um problema, mas somente devido ao fato de os bancos praticarem o sistema de reservas fracionárias. Se os bancos americanos, estimulados pelo Fed ou por formas anteriores de bancos centrais, inflassem a moeda e o crédito, essa inflação americana levaria a preços mais altos nos EUA, e isso desestimularia as exportações e estimularia as importações. O déficit resultante teria que ser pago de alguma maneira, e durante a era do padrão-ouro isso significava que ele seria pago em ouro, a moeda internacional. Então, assim que o crédito bancário se expandisse, ouro começava a fluir para fora do país, o que debilitava ainda mais a situação dos bancos que operavam com reservas fracionárias. Para contornar essa ameaça à sua solvência trazida por essa saída de ouro, os bancos eventualmente eram forçados a contrair o crédito, precipitando uma recessão e revertendo o déficit do balanço de pagamentos, trazendo assim o ouro de volta para o país.
Mas atualmente, na era do papel-moeda (dinheiro fiduciário), déficits no balanço de pagamentos são verdadeiramente sem significado, pois o ouro já não mais é um "item de equilíbrio." Na verdade, não existe déficit no balanço de pagamentos. É verdade que, nos últimos anos, as importações foram mais altas que as exportações em aproximadamente $150 bilhões por ano. Mas nenhum ouro saiu do país por causa disso. Nem mesmo dólares "vazaram" para fora. O alegado "déficit" foi pago por estrangeiros investindo essa mesma quantia de dólares americanos: em imóveis, bens de capital, títulos e contas bancárias.
E, na realidade, nos últimos anos, estrangeiros têm investido boa parte de seus fundos em dólares para manter a cotação do dólar alta, permitindo assim que nós efetuemos importações mais baratas. Ao invés de nos preocuparmos e reclamarmos desse acontecimento, deveríamos nos regozijar com o fato de que os investidores estrangeiros estão dispostos a financiar nossas importações baratas. O único problema é que essa bonança já está chegando ao fim, com o dólar se desvalorizando e as exportações ficando mais caras.
Concluímos assim que todo o molho de argumentos protecionistas, à primeira vista muito plausível, é na verdade um tecido de falácias conspícuas. Esses argumentos mostram uma completa ignorância da mais básica teoria econômica. Na verdade, alguns dos argumentos são quase que réplicas constrangedoras das alegações mais ridículas do mercantilismo do século XVII: por exemplo, dizer que, de alguma maneira, é um problema calamitoso que os EUA tenham um déficit na balança comercial, não no geral, mas com apenas um país em especial — por exemplo, o Japão.
Será que devemos reaprender as réplicas dos mais sofisticados mercantilistas do século XVIII? Mais especificamente, aquelas que dizem que balanças com países individuais vão se cancelar mutuamente, e que, assim sendo, devemos nos preocupar apenas com o balanço geral? (Sem falar que devemos entender que o balanço geral também não será problema algum). Mas não precisamos reler a literatura econômica para perceber que o ímpeto protecionista não vem de teorias econômicas insensatas, mas, sim, da busca por privilégios especiais e coercivos e da restrição do comércio às custas dos competidores mais eficientes e dos consumidores. No exército daqueles que têm interesse especial em usar o processo político para reprimir e saquear o resto de nós, os protecionistas estão entre os mais veneráveis. Já passou da hora de tirarmos essas criaturas das nossas costas de uma vez por todas, e então tratá-los com a indignação adequada que eles tão fartamente merecem.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

Por que os salários são baixos nos países em desenvolvimento?

Por que os salários são baixos nos países em desenvolvimento?

IndianTextileWorkers.jpgOs baixos salários nos países em desenvolvimento estão entre os muito pecados alegadamente cometidos pelo capitalismo global, mas poucas das pessoas que fazem tal acusação de fato chegam a parar para pensar por que os salários são tão baixos em alguns desses países.
Em seu livro de 2007, The Myth of the Rational Voter, o economista Bryan Caplan propõe um interessante exercício mental que sugere que as pessoas implicitamente aceitam os resultados dos mercados competitivos. Caplan pergunta se aqueles que criticam as empresas que pagam baixos salários nesses países acham que poderiam enriquecer rapidamente caso investissem todos os seus recursos na abertura de empresas nesses países - mais especificamente, abrindo empresas nos países mais pobres. Afinal, é uma questão de lógica: se os trabalhadores de países em desenvolvimento são mal pagos e explorados, qualquer homem de negócios em busca de lucro poderia colher belos e imediatos lucros caso contratasse esses trabalhadores atualmente mal pagos e os reempregasse em outros lugares.
Se essas pessoas declinam da oportunidade, argumenta Caplan, então elas implicitamente aceitam o fato trágico, porém verdadeiro, de que os trabalhadores dos países muito pobres simplesmente não são muito produtivos. Os salários baixos, portanto, não são uma criação das corporações multinacionais exploradores; são, sim, os frutos de uma produtividade extremamente baixa. A questão relevante para aqueles que se preocupam com os muito pobres não é "como convencer (ou obrigar) as corporações multinacionais a pagarem mais", mas sim "como aprimorar a produtividade dos trabalhadores mais pobres do mundo".
É aí que há espaço para melhorias, e essas melhorias deveriam advir do aperfeiçoamento das instituições empregadoras dos países pobres. Não tenho o conhecimento local ou cultural específico para saber exatamente como essas instituições irão progredir, mas investidores e ativistas socialmente conscientes deveriam tentar encorajar o desenvolvimento de instituições que restrinjam a coerção e limitem as fraudes.
É suficiente dizer que a estratégia de se bloquear investimentos estrangeiros é, na melhor das hipóteses, ineficaz; na pior, extremamente prejudicial. Estou disposto a conceder a possibilidade de que os mercados globais de trabalho são monopsônicos[1] ao invés de concorrenciais, mas o fluxo internacional de capital sugere que esse não é o caso.
Em um estudo sobre salários e condições de trabalho em países em desenvolvimento, os economistas Benjamin Powell e David Skarbek descobriram que os sweatshops[2] onde se manufaturam produtos têxteis oferecem salários mais altos e melhores condições de trabalho do que as alternativas disponíveis nos países muito pobres. Ou seja, ao contrário do que os ocidentais ricos pensam, as pessoas nos países em desenvolvimento precisam de ainda mais sweatshops.
Nos países desenvolvidos é comum as pessoas dizerem que são favoráveis ao "livre comércio", porém desde que os padrões ambientais sejam aprimorados de forma a garantir que os trabalhadores dos países pobres não sejam explorados e seu meio ambiente, saqueado. Mas isso eliminaria justamente a vantagem competitiva desses trabalhadores pobres, reduziria os possíveis ganhos do comércio e os relegaria ao mercado de trabalho informal da prostituição ou à mera coleta de resíduos de lixo para o auto-sustento.
Regulamentações também não irão alterar a produtividade dos trabalhadores muito pobres. Irão apenas alterar os incentivos, e isso provavelmente irá produzir conseqüências indesejáveis. Regulamentações ambientais e leis trabalhistas onerosas irão distorcer os incentivos de tal forma que aumentará a lucratividade relativa de se burlar as leis, o que irá desequilibrar a concorrência em favor do mais inescrupuloso.
"Isso pode até ser verdade", as pessoas responderiam, "mas será mesmo que as multinacionais multibilionárias não podem pagar salários melhores? Você não acha injusto que os presidentes dessas empresas levem pra casa milhões enquanto os trabalhadores nos países subdesenvolvidos ganham poucos centavos por hora?"
Isso é triste? Sim. É injusto? Não. Será que as empresas "podem pagar melhores salários"? Novamente, a resposta é não. Empresas até podem pagar salários que estejam acima do nível de mercado no curto prazo, mas além de operarem em mercados de trabalho internacionalmente competitivos, elas também operam em mercados de capitais internacionalmente competitivos e em mercados de bens internacionalmente competitivos. E isso significa que as empresas que sacrificarem os lucros para poder pagar salários mais altos irão reduzir seu poder de obter lucros futuros, de atrair capital e de se expandir. Ou seja: no curto prazo, de fato pode-se melhorar o padrão de vida de algumas pessoas; mas no longo prazo essa prosperidade se revelará insustentável e, caso seja mantida a todo custo, se dará ao custo de um aumento na pobreza futura.
A atual crise por que passa as montadoras americanas é um ótimo - e trágico - exemplo prático dessa situação. Por anos, as três grandes fabricantes (GM, Ford, Chrysler) pagaram aos seus trabalhadores sindicalizados uma escala salarial generosa acoplada a vários benefícios exigidos pelos sindicatos. Após algum tempo, entretanto, elas foram solapadas por concorrentes que, por não terem tais custosas restrições, podiam vender produtos melhores e bem mais baratos. Sem sobras de caixa, as três grandes se viram completamente impedidas de se expandir. Agora, aparentemente já depenadas, parece não ter restado muita coisa que ainda possa ser pilhada pelos sindicatos.
Finalmente, quando se trata de decisões de produção de uma empresa, salários não são tudo o que importa. As empresas irão investir em insumos - digamos, "mão-de-obra não qualificada" e "mão-de-obra qualificada" - até que a razão entre o produto marginal dos fatores e o preço desses fatores seja igual para todos os insumos. Assim, se um trabalhador americano ganha $30 por hora enquanto um trabalhador chinês ganha $1 por hora, isso por si só não é suficiente para mostrar que investir na China é a solução mais economicamente sensata para empresa. Se o trabalhador americano puder produzir 120 unidades por hora e o trabalhador chinês apenas duas, então produzir nos EUA é na verdade mais barato. Em um hora, o americano produz 4 unidades por dólar pago, ao passo que o chinês produz 2 unidades por dólar pago. Ou seja: cada unidade produzida nos EUA custa $0,25, enquanto cada unidade produzida na China custa $0,50.
A idéia de que expandir e integrar o mercado global explora os pobres é um mito que provoca uma evitável miséria. Protestar e tentar diminuir o avanço do capitalismo internacional não é a solução. Estimular o desenvolvimento de instituições que ajudem os pobres do mundo a aumentar sua produtividade, é.
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[1] Em economia, um monopsônio ocorre quando há um só comprador para vários vendedores. Ou seja: há um monopólio do comprador.[N. do T.]
[2] Sweatshop é um termo pejorativo ("fábrica de suor") utilizado para se referir a estabelecimentos e/ou confecções cujas condições de trabalho são tidas como precárias e cujos funcionários têm longa jornada de trabalho a baixos salários. São muito comuns na China. [N. do T.]


Art Carden é professor-assistente de economia e finanças no Rhode Island College em Memphis, Tenessee, além de ser membro adjunto do Independent Institute, localizado em Oakland, Califórnia. Seus papers podem ser encontrados na sua página no Social Science Research Network. Ele também escreve regularmente nos blogs Division of Labour e The Beacon.

Consumidores não provocam recessões

Consumidores não provocam recessões

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Há pelo menos uma coisa extremamente positiva nas colunas de Paul Krugman no TheNew York Times: quando um economista austríaco quiser explicar para alguém como a ciência econômica convencional causa destruição em massa, ele poderá sempre contar com Krugman, que inevitavelmente estará fornecendo um exemplo de maneira clara e concisa. Isso é ótimo porque nos poupa muito trabalho, já que não precisaremos primeiro descrever a argumentação para depois derrubá-la.
Até mesmo o leitor ocasional da imprensa financeira sabe que ela é dominada pelo pensamento keynesiano "do lado da demanda". Por exemplo, ainda no início do ano, durante o debate sobre o pacote de estímulo do governo americano — aquele que consistia na devolução de parte do dinheiro de impostos para que os cidadãos pudessem gastar mais —, a principal preocupação dos keynesianos e monetaristas era que os contribuintes resolvessem utilizar parte desse reembolso para pagar as faturas do cartão de crédito, ao invés de torrarem tudo nos shopping centers, como esses economistas queriam. Porem, ao leitor nunca foi dada uma explicação meticulosa e clara da visão de mundo que gera essas noções malucas.
Entra em cena Paul Krugman. Em um recente artigo, "Quando os Consumidores se Rendem", o mais recente ganhador do Nobel finalmente esclarece qual a metodologia por trás dessa loucura. Vamos então aproveitar essa oportunidade para mostrar por que esse foco no gasto do consumidor não só é errôneo, como também é totalmente perigoso.
"O paradoxo da poupança"
Krugman primeiro nos informa das (supostamente) más notícias: "A capitulação dos consumidores americanos, há muito temida, enfim chegou... [O] gasto real com consumo caiu a uma taxa anual de 3,1 por cento no último trimestre; o gasto real em bens duráveis (coisas como carros e TVs) caiu a uma taxa anual de 14 por cento".
Paremos aqui por um momento. Muitos economistas de esquerda — inclusive Krugman — viviam nos avisando, durante anos, que o déficit comercial americano estava muito alto, e que a taxa de poupança do país estava muito baixa. Portanto, seria o caso de alguém pensar que uma queda nos gastos com consumo seria uma coisa boa. Bem, parece que não funciona bem assim: Krugman nos informa que "o momento escolhido para essa nova sobriedade foi completamente infeliz.... Os consumidores estão cortando gastos exatamente quando a economia americana caiu numa armadilha da liquidez".
E agora vem a teoria por trás de todas essas ponderações. De acordo com Krugman,
[U]m dos pontos altos do semestre, se você é um professor de macroeconomia introdutória, ocorre quando você explica como a virtude individual pode ser um vício público; como que as tentativas dos consumidores de fazer a coisa certa — ou seja, poupar mais — pode acabar fazendo com que todos piorem. A questão é que se os consumidores cortam seus gastos, e nada entra para substituir esses gastos, a economia irá cair numa recessão, reduzindo a renda de cada um.
Na realidade, a renda dos consumidores pode até cair mais do que seus gastos, o que significa, portanto, que sua tentativa de poupar foi um tiro que saiu pela culatra — uma possibilidade conhecida como o paradoxo da poupança.
Por onde começar?
A questão mais central da ciência econômica — voltando a uma época ainda anterior à metáfora de Adam Smith sobre a "mão invisível", a pelo menos até o livro de Bernard Mandeville, a Fábula das Abelhas, de 1732 — é que, em um sistema baseado na propriedade privada, os vícios privados podem ser aproveitados em benefício de todo o público. Mais especificamente, uma economia de mercado faz com que os gananciosos homens de negócio tenham de ficar acordados a noite toda pensando num jeito melhor de satisfazer seus clientes.
Além dessa verdade (que foi descoberta recentemente (em termos relativos) na história humana), as pessoas sempre souberam que um indivíduo sábio se abstém do consumo quando quer acumular poupança. A razão por que os humanos do século XXI são tão fantasticamente ricos comparados àqueles do século XInão é meramente por uma questão de inovação tecnológica. É também o resultado do crescente estoque de máquinas, ferramentas e equipamentos (isto é, "bens de capital") que veio sendo transmitido de geração para geração. "Todo mundo sabe" que a parcimônia leva à prosperidade, ao passo que a gastança pródiga leva à ruína. Há até uma passagem famosa na Bíblia sobre esse tópico.
É verdadeiramente chocante saber que Krugman não apenas ensina a seus alunos o exato oposto — a saber, que as virtudes privadas geram vícios públicos, e que poupar empobrece a todos da comunidade —, mas também se regozija com a sua demonstração. Felizmente para o bem da sanidade, é muito fácil expor suas falácias.
O enganoso modelo do "fluxo circular"
De forma resumida, o problema com a análise keynesiana de Krugman é que ela é estática, o que significa que ela não leva em consideração a passagem do tempo, e consequentemente é incapaz de abordar a estrutura do capital de uma economia moderna. O "diagrama do fluxo circular" ilustra a maneira como Krugman vê a economia:
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Assim, durante uma recessão, Krugman acha que (por alguma razão) os consumidores ficam esquisitos, perdem o bom senso e começam a gastar menos. Isso reduz as receitas obtidas pelas empresas com a venda de bens e serviços. E isso significa que as empresas passam a ter menos dinheiro para gastar com fatores de produção (recursos naturais, horas de trabalho e bens de capital). Isso significa que a renda obtida pelos proprietários desses itens — isto é, por todos na economia — inevitavelmente cai. E com uma renda menor, as pessoas — em  seus papéis de consumidores — não podem mais gastar com bens e serviços da maneira como gastavam antes, o que faz com que as receitas das empresas caiam ainda mais. E por aí vai até que a economia de mercado se afunde em uma grande depressão. Repetindo: Krugman acredita que o livre mercado não é capaz de resolver esse problema porque os indivíduos racionalmente reagem ao início de uma crise aumentando seu efetivo em caixa (isto é, eles passam a poupar mais, retendo mais o dinheiro que possuem), o que só faz piorar a crise.
De acordo com Krugman, para a economia sair desse círculo vicioso, o governo deve persuadir os consumidores a voltar a gastar mais. Para atingir esse intento, o governo pode cortar a taxa de juros ou fazer programas de devolução de dinheiro de impostos. Mas, algumas vezes (como na atual situação), esses remédios são insuficientes, e então passa a ser função dos políticos virarem adultos e começarem a gastar dezenas de bilhões de dinheiro emprestado. Apenas isso poderá dar um Ctrl-Alt-Del na economia, que voltará a ter um crescimento sustentável.
Há tantas falhas e falácias nesse pensamento krugmaniano que é difícil saber por onde começar. Primeiramente, se a gastança estatal pode turbinar as receitas de todas as empresas, o que fará aumentar a renda nacional, o que irá permitir mais expansões dos negócios, etc. etc., então por que utilizar essa técnica apenas durante recessões? Por que não recomendar que o governo esteja sempre praticando déficits orçamentários, para assim poder criar empregos e aumentar o PIB?
"Bem", diriam os keynesianos, "em uma situação de pleno emprego, um estímulo à demanda agregada não faria com que as empresas contratassem mais trabalhadores. Uma nova demanda por produtos ou serviços a essa altura serviria apenas para aumentar os preços, e não para aumentar o produto real".
Ah, agora estamos chegando a algum lugar. Com toda essa conversa sobre gastos do consumidor e renda nacional, havíamos nos esquecido de que a produção deve ocorrer antes de as pessoas poderem consumir alguma coisa. Não importa quantas cédulas de dinheiro haja na sua carteira, você não pode "demandar" um aparelho de TV a menos que a loja de fato tenha uma unidade na prateleira. Retrocedendo uma etapa, não importa quantos consumidores estejam fazendo fila na porta da loja, o gerente só poderá abastecer suas prateleiras com aparelhos de TV se o fabricante já as tiver produzido anteriormente. E, é claro, o fabricante só poderá atingir esse objetivo se ele encontrar mão-de-obra suficiente, bem como os componentes necessários para se fabricar as TVs. E isso independe da quantidade de dinheiro que o gerente da loja lhe ofereça. Cédulas de dinheiro, por si só, não criam os insumos — e nem a qualificação — necessários para a fabricação de bens de capital.
Agora podemos ver por que o diagrama de fluxo circular acima é um modelo bem enganador da economia. Ele nos faz pensar que a produção de bens de consumo final pode imediatamente aumentar e cair de acordo com o "gasto". Essa estrutura seria válida caso não houvesse bens de capital, o que significa que todos os bens de consumo e serviços seriam produzidos imediatamente, como se os trabalhadores fossem capazes de pegar os bens da natureza e os transformar imediatamente em bens de consumo final.
Por exemplo, em uma economia composta de massagistas e malabaristas, o diagrama do fluxo circular poderia ser útil. Se alguém quisesse uma massagem e tivesse o dinheiro, o massagista poderia prontamente iniciar o trabalho. A única restrição física sobre a produção do "setor massagista" seria o número de massagistas e o fato de que eles precisam dormir em algum momento. Além do insumo "mão-de-obra", o único outro item envolvido é uma mesa de massagem, mas a mesma mesa pode ser utilizada na produção de milhares de massagens antes de precisar ser trocada.
Mas as coisas são diferentes com a maioria dos bens e serviços produzidos em uma economia moderna. Em quase todos os setores, os trabalhadores se apresentam no local de trabalho e utilizam ferramentas e equipamentos que ampliam enormemente sua produtividade. Ademais, a esmagadora maioria dos trabalhadores não utiliza suas ferramentas diretamente nos recursos naturais em estado bruto. Ao invés disso, eles utilizam suas ferramentas para transformar os materiais que lhe são enviados por outrasempresas.
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  Há tantas falhas e falácias nesse pensamento krugmaniano que é difícil saber por onde começar.

Seria interessante retroceder uma etapa e considerar o que acontece diariamente no mercado mundial. Há bilhões de seres humanos espalhados pelo planeta. Alguns trabalham em plataformas de petróleo, extraindo vários barris da commodity. Outros trabalham na agricultura, plantando e colhendo trigo. Outros mais trabalham em navios petroleiros ou dirigem carretas, transportando as matérias primas (ou os produtos já acabados) para os mais diferentes lugares. Como consumidores, vemos apenas a ponta final de uma estrutura de produção que pode ter começado muitos anos antes. Os bens finais que você compra na loja são feitos de componentes que provavelmente passaram por várias mãos diferentes, em dezenas de países, antes de tudo ser combinado num só item que você coloca no seu carrinho de supermercado.
Uma vez que entendemos a assombrosa complexidade do verdadeiro "problema econômico" — como que toda essa entrelaçada atividade humana é coordenada de modo a fazer a produção fluir suave e previsivelmente —, podemos ver a absurdidade das receitas keynesianas que exigem gastança pura e simples. Durante uma recessão, não é verdade que toda a produção em todos os setores irá cair exatamente na mesma percentagem. Pelo contrário, alguns setores encolhem mais do que outros. Isso ocorre porque alguns setores sofreram prejuízos enormes e precisam liberar uma parte (ou o todo) de seus trabalhadores e recursos para setores mais lucrativos. Esse rearranjo leva tempo, principalmente porque alguns bens intermediários críticos precisam ser produzidos para que as operações mais ao final da estrutura de produção possam recomeçar. (Nesse artigo, eu conto uma rápida história descrevendo esse processo para uma hipotética ilha de 100 pessoas.)
Os keynesianos estão certos quando dizem que, em uma situação de "pleno emprego", suas propostas não farão com que sejam construídas mais TVs e mais caminhões para desafogar a linha de montagem. Mas mesmo em uma situação de desemprego maciço, as soluções keynesianas não ajudam. Para enfatizar: simplesmente não é possível aumentar do nada a atividade de todos os setores em, digamos, 1%, de modo a elevar o produto novamente aos níveis pré-recessão; isso é fisicamente impossível, pois, não importa quanto dinheiro os consumidores joguem na economia, a Ford só vai conseguir produzir 1.000 Rangers a mais se ela comprar 4.000 pneus específicos a mais. E o produtor de pneus, por sua vez, só será capaz de atender as encomendas da Ford se puder comprar a quantidade necessária de borracha extra. E o produtor de borracha só vai atender as encomendas se.... e por aí vai.
Quando a recessão é resultado de um boom artificial induzido pelo banco central (como ocorreu na recentebolha imobiliária), o declínio econômico é um período de reajustamento, que é quando os recursos que foram mal alocados são canalizados de volta para usos mais apropriados, consistentes com as preferências do consumidor e com a realidade tecnológica. Quando o governo intervém, tentando impedir esse reajustamento, ele acaba simplesmente mantendo essa distribuição insustentável dos recursos escassos. Os gargalos passam a ser freqüentes nas milhões de diferentes estruturas por onde "escorre" o fluxo de recursos naturais, que vão desde inúmeras mãos de trabalhadores até as prateleiras das lojas.
Não há nada de paradoxal quanto à poupança
Para finalizar, seria útil esclarecer exatamente o que acontece em uma economia de mercado quando os consumidores decidem poupar mais da sua renda. A primeira coisa a ser percebida é que as pessoas não decidem se vão "gastar" ou não; elas decidem se vão gastar no presente ou no futuro. Por exemplo, imagine que milhares de casais vivendo em uma grande cidade decidam, num belo dia, parar com suas saídas semanais para jantar em restaurantes com o intuito de poupar dinheiro para um cruzeiro de verão. À primeira vista, parece que isso iria afetar a economia. Afinal, os restaurantes locais irão ver suas vendas caírem, o que fará com que eles comprem menos itens de seus fornecedores e demitam alguns empregados. Os fornecedores e trabalhadores, consequentemente, terão menos renda pra gastar, o que afetará as vendas em outros setores também.
Entretanto, desde que os empreendedores envolvidos na indústria de cruzeiros navais antecipem o eventual aumento na demanda por seus serviços, eles irão contrabalancear exatamente os efeitos citados acima ao contratarem mais trabalhadores e outros itens para se prepararem para os atarefados meses de verão. A nova poupança acumulada (que antes era gasta em restaurantes) leva a uma diminuição da taxa de juros, o que talvez permita às operadoras de cruzeiros contraírem mais empréstimos para pagar por um navio adicional. Portanto, a decisão de poupar mais não reduziu a renda ou o emprego total, uma vez que todos se ajustaram aos novos padrões de gastos. E não seria diferente em qualquer outro cenário, como um em que milhares de pessoas se tornam adeptas de uma vida saudável e decidem gastar seu dinheiro em vegetais ao invés de em fast food.
Por outro lado, é verdade que, nas circunstâncias do atual pânico financeiro, os gastos com consumo caíram por causa do temor e da insegurança, e não por causa de alguma alteração fundamental no timingdo consumo. Mas, ainda assim, a questão permanece a mesma: as pessoas reduzem o atual nível de consumo com a intenção de poderem "gastar dinheiro" no futuro. A diferença entre a nossa atual situação e a história do cruzeiro relatada acima é apenas que as pessoas nesse momento não estão muito certas sobre quando, e nem com o quê, irão gastar essa poupança extra.
Todavia, a melhor solução ainda é impedir o governo de se intrometer e deixar que as pessoas encontrem a solução dos problemas voluntariamente. A incerteza não é falsa; as pessoas realmente não sabem o que irá acontecer no mês seguinte. Nessa situação, é totalmente apropriado que a economia pare de produzir tantos iPods e outros objetos afins, permitindo que haja um acúmulo temporário dos recursos utilizados na produção desses itens não essenciais.
O que é especialmente irônico em tudo isso é que, mesmo em seus próprios termos, as recomendações de Krugman não fazem sentido. Quer dizer, mesmo se ignorarmos todos os reais ajustes físicos que devem acontecer para se reformar a economia à luz do insustentável boom imobiliário, ainda seria o caso de se defender que o governo não faça nada. Se a atual crise de fato fosse, em grande medida, o resultado de um pânico irracional e de um entesouramento, então um ativismo governamental iria apenas deixar as pessoas mais incertas sobre o futuro. Em particular, ninguém faz qualquer idéia do que a dupla Paulson & Bernanke irá anunciar amanhã em relação a empresas financeiras e hipotecas. Se a intenção é tranqüilizar os consumidores de que tudo está normal, por que querer ressuscitar as ferramentas do manual de estratégias do New Deal?
Há mais uma contradição que deveríamos mencionar. A essência do paradoxo da poupança e da armadilha da liquidez é a percepção de que as empresas não irão expandir suas operações se não houver demanda para seus produtos. Mas se Krugman e outros keynesianos são capazes de ver que a interrupção do consumo é apenas temporária, então os empresários do setor também o são. E para aqueles setores em que a interrupção dos gastos não é temporária — por exemplo, construtores da casas atualmente estão tendo vendas muito baixas, e isso não se deve a um entesouramento irracional da parte dos consumidores —, então os gastos do governo com o intuito de "preencher o vazio" somente irão deturpar as coisas ainda mais.
Uma produção sustentável de longo prazo é aquela em que os produtos das empresas emergem do fluxo de produção exatamente quando os consumidores querem comprá-los. Os preços de mercado e o sistema de lucros e prejuízos fornecem a melhor maneira de permitir que os empresários façam essas previsões. Se o governo começar a comprar, digamos, máquinas de fotocópia, mesmo que não precise delas, isso pode de fato criar empregos temporários em algumas empresas, mas os proprietários sabem que não podem confiar nessa demanda porque ela está sujeita a caprichos políticos. Portanto, os esforços do governo irão apenas confundir os empresários que estão tentando configurar sua capacidade produtiva para atender a demanda futura.
Conclusão
Em sua discussão sobre o "paradoxo da poupança", Paul Krugman comprova que ele não é um economista — ou, pelo menos, não é um muito bom. Suas recomendações políticas são baseadas em um modelo keynesiano em que não se considera o tempo e nem a estrutura do capital de uma produção. As recessões são, na realidade, causadas por desarranjos nessa estrutura inacreditavelmente complexa — desarranjos esses causados pela intervenção governamental, principalmente na área monetária —, e é necessário haver um período de produção abaixo do normal para que essa estrutura se conserte a si própria. E o que é mais importante: os consumidores estão fazendo a coisa certa quando aumentam sua poupança durante uma recessão. Se acabar com uma recessão fosse tão simples quanto colocar as pessoas para gastar, então recessões não seriam algo tão recorrente.

Robert P. Murphy 
é Ph.D em economia pela New York Universityeconomista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.

A função do economista na sociedade

A função do economista na sociedade

economista.jpgA economia nos fornece algumas leis verdadeiras, do tipo: se temos A, então temos necessariamente B, que gera C, que provoca D, etc. Algumas destas leis são verdadeiras em qualquer ocasião, isto é, A sempre é válida (a lei da utilidade marginal decrescente, as preferências temporais, etc.). Outras requerem que A seja considerada como verdadeira antes que seus efeitos possam ser afirmados na prática. A pessoa que identifica as leis econômicas e as usa para explicar fatos econômicos complexos está, assim, agindo como um historiador econômico, ao invés de um teórico econômico. Ele é um historiador quando procura a explicação causal dos fatos passados; ele é um prognosticador quando ele tenta prever os fatos futuros. Em ambos os casos, ele faz uso de leis absolutamente verdadeiras, mas precisa saber determinar quando qualquer lei em particular se aplica a uma determinada situação.[1] Além do mais, as leis são necessariamente qualitativas, e não quantitativas. Assim, quando o prognosticador tenta fazer previsões quantitativas, ele está indo além do conhecimento fornecido pela ciência econômica.[2]
Não é comumente percebido que as funções do economista no livre mercado diferem-se nitidamente daquelas do economista em um mercado regulamentado. O que pode um economista fazer em um mercado totalmente livre? Ele pode explicar o funcionamento da economia de mercado (uma função vital, principalmente porque os leigos tendem a considerar a economia de mercado como sendo um caos absoluto), mas ele pouco pode fazer além disso. Contrariamente às pretensões de muitos economistas, ele é de pouca serventia aos empresários. Ele não pode prever as futuras demandas do consumidor e os custos futuros tão bem quanto os empresários; se ele pudesse, então ele seria o empresário. Sabemos que o empreendedor está onde está precisamente por causa de sua superior habilidade de previsão do mercado. As pretensões dos econometricistas e de outros "modeladores" de que eles podem prever com precisão e acurácia a economia irá sempre soçobrar perante a simples, porém devastadora indagação: "Se você pode prever tão bem, por que você não está no mercado de ações, onde previsões acuradas geram ricas recompensas?"[3] Não adianta rejeitar tal pergunta — como muitos têm feito —, considerando-a "anti-intelectual"; este é exatamente o teste rigoroso a ser enfrentado pelo pretendente a oráculo econômico.
Nos últimos anos, foram desenvolvidas novas disciplinas matemáticas e estatísticas — tais como "pesquisa operacional" e "programação linear" — cujas pretensões eram ajudar os empresários a tomar decisões concretas. Se essas pretensões forem válidas, então tais disciplinas não podem jamais fazer parte da ciência econômica, mas de um tipo de tecnologia de gerenciamento. Felizmente, o ramo da pesquisa operacional se desenvolveu e se tornou uma disciplina abertamente separada, tendo sua própria comunidade profissional e seus próprios periódicos; esperamos que todas as outras disciplinas de mesmo cunho sigam o mesmo caminho. O economistanão é um tecnólogo comercial.[4]
Portanto, o papel do economista em uma sociedade livre é puramente educacional. Mas quando o governo — ou qualquer outra agência usando de violência — intervém no mercado, a "utilidade" do economista se expande. A razão é que ninguém sabe, por exemplo, quais serão as demandas dos consumidores no futuro, em uma dada área. Em um ambiente de livre mercado, o economista tem de dar passagem para o prognosticador empreendedorial. Mas quando há ações do governo, as coisas ficam muito diferentes porque o problema agora é saber precisamente quais serão as conseqüências dos atos do governo. Em resumo, o economista pode ser capaz de dizer quais serão os efeitos de um aumento na demanda por manteiga; mas isso será de pouca serventia, pois o empresário está primeiramente interessado, não nas conseqüências — as quais ele sabe muito bem para seus propósitos —, mas em saber se tal aumento vai ocorrer. Por outro lado, quando se trata de uma decisão governamental, o "se" é exatamente o que os cidadãos devem decidir coletivamente. E é nessa situação que o economista, com seu conhecimento das várias conseqüências alternativas, ganha seu reconhecimento.
Ademais, as conseqüências de um ato governamental, sendo indiretas, são muito mais difíceis de serem analisadas do que as conseqüências de um aumento na demanda do consumidor por um produto. Isso requer que o raciocínio praxeológico seja desenvolvido em cadeias maiores, particularmente ao se considerar os objetivos dos tomadores de decisão. A decisão do consumidor de comprar manteiga e a decisão do empresário de entrar no ramo da fabricação de manteiga não requerem um raciocínio praxeológico, mas sim uma compreensão clara dos dados concretos. O julgamento e a avaliação de um ato governamental (por exemplo, o imposto de renda), entretanto, requer cadeias maiores de raciocínio praxeológico. Assim, por duas razões — devido ao fato de os dados iniciais lhe serem fornecidos e pelo fato de as conseqüências terem de ser analiticamente exploradas — o economista é bem mais "útil" como sendo um economista político do que um conselheiro comercial ou um tecnólogo. Em uma economia regulamentada, de fato, o economista frequentemente se torna útil aos empresários — já que um raciocínio econômico mais elaborado se torna importante, por exemplo, para analisar os efeitos da expansão do crédito ou de um aumento no imposto de renda e, em muitos casos, para espalhar esse conhecimento ao mundo externo.
O economista político, de fato, é indispensável para qualquer cidadão que queira formular julgamentos éticos na política. A economia por si só jamais pode fornecer soluções éticas, mas ela pode sim fornecer leis existenciais que não podem ser ignoradas por qualquer um que esteja formulando conclusões éticas — da mesma forma que ninguém pode decidir racionalmente se o produto X é uma comida boa ou ruim até que as conseqüências sobre o corpo humano sejam apuradas e levadas em consideração.
______________________
[1] Murray N. Rothbard, "Praxeology: Reply to Mr. Schuller," American Economic Review, Dezembro, 1951, pp. 943-46.
[2] Sobre as armadilhas dos prognósticos econômicos, ver John Jewkes, "The Economist and Economic change" em Economics and Public Policy (Washington, D.C.: The Brookings Institution, 1955), pp. 81-99; P.T. Bauer,Economic Analysis and Policy in Underdeveloped Countries (Durham, N.C.: Duke University Press, 1957), pp. 28-32; e A.G. Abramson, "Permanent Optimistic Bias-A New Problem for Forecasters," Commercial and Financial Chronicle, 20 de fevereiro de 1958, p. 12.
[3] O Professor Mises mostrou a falácia do termo "modelagem", que é muito popular e que surgiu erroneamente (junto com muitas outras falácias cientificas) de uma analogia com as ciências físicas — nesse caso, a engenharia. Os modelos de engenharia fornecem a exata dimensão quantitativa — em uma miniatura proporcional — do mundo real. Porém, nenhum "modelo" econômico pode fazer algo parecido. Para um retrato desanimador do histórico das previsões econômicas, ver Victor Zarnowitz, An Appraisal of Short-Term Economic Forecasts (New York: Columbia University Press, 1967).
[4] Depois de ter escrito tudo isso, o autor se deparou com um ponto similar em Rutledge ViningEconomics in the United States of America (Paris: UNESCO, 1956), pp. 31 ff.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

Sobre o parasitismo estatal e outras derrotas (Concurso IMB)

Sobre o parasitismo estatal e outras derrotas (Concurso IMB)
Nota do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo Instituto Mises Brasil (leia maisaqui).  As opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do Instituto e são de inteira responsabilidade de seu autor.

parasita.jpgTema bastante recorrente nos meios acadêmico e político é o que discute o tamanho ideal do Estado. Incontáveis obras e artigos já foram redigidos sobre o assunto, multiplicando-se as divergências entre os defensores de um Estado grande que, assim como um pai, cuide de prover aos cidadãos tudo aquilo que eles necessitam para viver, em contraponto a um Estado mínimo, que se atenha a questões fundamentais, como segurança e justiça, prezando pela liberdade dos indivíduos nas demais questões. Desde a ditadura varguista, a idéia do Estado provedor adquiriu grande força e popularidade no Brasil, talvez mais pelo seu caráter messiânico, bastante apelativo ao imaginário popular, do que pelos seus resultados, notadamente insatisfatórios. Longe de ser a solução para todos os males, o Estado brasileiro é e sempre foi, conforme bem assinala Raimundo Faoro em sua celebrada obra "Os donos do poder", o maior responsável pela concentração de renda e desigualdade social do país. Sua intervenção na ordem econômica revela-se antes como um mal desnecessário do que como um instrumento de redenção de nossas mazelas sociais. 
Apesar da flagrante ineficiência estatal em cumprir as tarefas a que se propõe, muitos são aqueles que, fundados em "cientistas" sociais politicamente mortos e teorias econômicas superadas, defendem a existência de um Estado de grandes dimensões.  A prática demonstra um enorme contraste entre a qualidade dos serviços prestados pelo Estado e aqueles prestados pela iniciativa privada. Os cidadãos mais pobres, condenados a terem que recorrer aos sistemas públicos de saúde, segurança e educação, são os que mais sofrem com a absoluta improficiência do Estado em desempenhar de forma minimamente razoável as suas atribuições.
Mas por que os serviços prestados por empresas privadas são, via de regra, melhores que os serviços públicos? De modo resumido, pode-se dizer que as empresas privadas, para auferir lucro, precisam agradar ao cliente, prestando um serviço de qualidade. Caso contrário o cliente consumirá de outra empresa. Já o lucro das estatais independe da qualidade do serviço prestado e da satisfação dos consumidores, uma vez que seu faturamento advém da cobrança de tributos, que são obrigatórios. Em outras palavras, nos termos dos preceitos extraídos do pensamento de Ludwig von Mises, uma empresa privada que oferece serviços ruins vai à falência, ao passo que uma estatal incompetente simplesmente obriga o Estado a cobrar mais tributos para cobrir o déficit. Os prejuízos são socializados, algo que uma empresa privada, felizmente, não pode fazer. Quem arca com os prejuízos da incompetência estatal, como sempre, é a população, notadamente a parcela mais pobre, para a qual a carga tributária é proporcionalmente maior.
Um dos princípios das ciências econômicas afirma que as pessoas respondem a incentivos. Pode-se pensar que aí reside uma das razões da ineficiência do Estado. Os funcionários de uma estatal não precisam se preocupar nem um pouco se seus serviços ou produtos serão consumidos ou, caso sejam, se agradarão aos contribuintes, porque de um jeito ou de outro receberão a mesma remuneração. As tentativas de mudar este sistema sempre falham porque o Estado não tem interesse em fazê-lo. Frise-se ainda que, no Brasil, os funcionários públicos não podem ser demitidos, o que os deixa livres de qualquer pressão que possa levá-los a trabalhar mais e melhor. Nas empresas privadas, o consumo dos produtos e serviços prestados e a satisfação dos consumidores em relação a estes é a variável que determinará a continuidade ou não da empresa e do emprego de todos os seus funcionários. Assim sendo, os empregados de uma empresa privada, além de correrem o risco da demissão, o que os pressiona a serem mais produtivos, sabem que se os consumidores ficarem insatisfeitos, parando de consumir ou consumindo de outra empresa, cedo ou tarde a companhia irá à falência. Já dizia Adam Smith, referindo-se a esta questão: "É o medo de perder o emprego que o refreia na prática de fraudes e lhe corrige a negligência."   
Das constatações acima realizadas chegamos à idéia que motivou a redação do presente artigo: a relação entre o Estado e os cidadãos é parasitária, ao passo que o relacionamento destes com o mercado é de simbiose. O parasitismo é entendido como a qualidade ou condição de organismo que se encontra ligado à superfície ou ao interior de outro organismo - o hospedeiro -, que obtém a totalidade ou parte de seus nutrientes, sendo que o primeiro depende do último, mas o último não depende do primeiro. Já a simbiose é a associação de dois seres vivos na qual ambos os organismos recebem benefícios, ainda que em proporções diversas. O fundamento da incompetência das estatais é que a sua fonte de recursos independe da qualidade dos produtos e serviços oferecidos. Os tributos são prestações obrigatórias, que serão arrancadas dos cidadãos quer eles queiram, quer não. Deste modo, pouco importa se os cidadãos gostam ou não do trabalho do Estado. Este, como detentor do monopólio da força, irá retirar da população, se preciso à base da violência, os recursos necessários para mantê-la. O Estado é, claramente, um parasita instalado no corpo da sociedade civil. Uma empresa privada, felizmente, não pode agir da mesma forma. Sua sobrevivência depende da prestação de um serviço ou do oferecimento de um produto que as pessoas se disponham a pagar, constituindo-se assim uma relação de simbiose entre consumidor e fornecedor.
Ressalte-se, logicamente, que o parasita não tem a permissão do hospedeiro para parasitar. Nenhum ser vivo consentiria em ter seus nutrientes sugados sem receber nada em troca. Assim sendo, o parasita se fixa no hospedeiro de modo que este não consiga retirá-lo. O mesmo acontece com o Estado: os contribuintes não podem escolher se pagam ou não tributos. O não pagamento dos tributos pode levar à prisão ou à morte civil do cidadão (cancelamento de documentos imprescindíveis à vida econômica). Não há relação de troca, porque fato é que a maioria absoluta da população não recebe de volta sob a forma de serviços públicos sequer uma ínfima parte dos tributos que paga.
Note-se ainda que, na definição de parasitismo, o organismo parasita não vive sem o hospedeiro, enquanto que, sem o parasita, o hospedeiro não só sobreviveria como viveria muito melhor, gozando da totalidade de seus nutrientes. O mesmo vale para o Estado e para a população trabalhadora. O Estado atrapalha a existência do mercado e a vida do povo, afundando-os em todo o tipo de ônus e encargos. O fim do Estado brasileiro seria um alívio para o mercado e para os trabalhadores. Entretanto, se o mercado ou os trabalhadores deixassem de existir, todos os privilégios e benesses gozados pelos agentes estatais, como são, em verdade, produzidos por aqueles que trabalham no mercado, desapareceriam imediatamente. Afinal, como já prelecionava Adam Smith, "só o trabalho cria riqueza".
Na defesa de seus dogmas, os estatólatras gostam de citar alguns exemplos de estatais que funcionariam eficazmente. Um de seus favoritos é a Petrobras, cujos balanços, via de regra, demonstram lucros fantásticos. Esquecem-se de que de nada adianta uma estatal ter lucro e utilizá-lo para garantir 13º, 14º e 15º aos seus altos funcionários, regalia exclusiva do serviço público, para torrá-lo em licitações fraudadas ou desviá-lo para os bolsos dos dirigentes colocados nos seus altos cargos para garantir os conchavos políticos do governo. Esquecem-se também que, apesar da dinheirama que a Petrobras tem em seus caixas, pagamos um dos preços da gasolina mais altos do mundo, enquanto Itália e Inglaterra, percebendo o erro, privatizaram recentemente suas petrolíferas. Mesmo ignorando tudo isso, podemos dizer ainda aos estatólatras que a exceção confirma a regra: o fato de serem pouquíssimos os casos de estatais que parecem ter o mínimo de eficiência apenas ratifica a constatação de que, no mais das vezes, elas só servem para desperdiçar o dinheiro do povo.
No Brasil, o parasitismo estatal é mais claro do que em qualquer outro lugar. O Estado suga quase 40% das riquezas produzidas pelo povo e em troca dá um aparelho de segurança pública falido, que não inibe o crime e muitas vezes ainda atua contra o cidadão, uma Justiça lenta e inoperante, uma rede de hospitais decadentes que mais se assemelham a frigoríficos do que a locais de tratamento e um conjunto de "escolas" que muitas vezes sequer tem carteiras, quanto mais professores. Resta agora refletirmos se queremos um modelo político que privilegie o gigantismo estatal, cuja inviabilidade econômica vem sendo demonstrada até mesmo em países que inicialmente conseguiram algum sucesso com o welfare state, ou que consagre um governo limitado, dedicado apenas às suas funções essenciais, justamente aquelas em que o Brasil mais vem falhando.  



José Carlos Dragone é mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e atua como professor e advogado.