sábado, 26 de outubro de 2013

A função do economista na sociedade

A função do economista na sociedade

economista.jpgA economia nos fornece algumas leis verdadeiras, do tipo: se temos A, então temos necessariamente B, que gera C, que provoca D, etc. Algumas destas leis são verdadeiras em qualquer ocasião, isto é, A sempre é válida (a lei da utilidade marginal decrescente, as preferências temporais, etc.). Outras requerem que A seja considerada como verdadeira antes que seus efeitos possam ser afirmados na prática. A pessoa que identifica as leis econômicas e as usa para explicar fatos econômicos complexos está, assim, agindo como um historiador econômico, ao invés de um teórico econômico. Ele é um historiador quando procura a explicação causal dos fatos passados; ele é um prognosticador quando ele tenta prever os fatos futuros. Em ambos os casos, ele faz uso de leis absolutamente verdadeiras, mas precisa saber determinar quando qualquer lei em particular se aplica a uma determinada situação.[1] Além do mais, as leis são necessariamente qualitativas, e não quantitativas. Assim, quando o prognosticador tenta fazer previsões quantitativas, ele está indo além do conhecimento fornecido pela ciência econômica.[2]
Não é comumente percebido que as funções do economista no livre mercado diferem-se nitidamente daquelas do economista em um mercado regulamentado. O que pode um economista fazer em um mercado totalmente livre? Ele pode explicar o funcionamento da economia de mercado (uma função vital, principalmente porque os leigos tendem a considerar a economia de mercado como sendo um caos absoluto), mas ele pouco pode fazer além disso. Contrariamente às pretensões de muitos economistas, ele é de pouca serventia aos empresários. Ele não pode prever as futuras demandas do consumidor e os custos futuros tão bem quanto os empresários; se ele pudesse, então ele seria o empresário. Sabemos que o empreendedor está onde está precisamente por causa de sua superior habilidade de previsão do mercado. As pretensões dos econometricistas e de outros "modeladores" de que eles podem prever com precisão e acurácia a economia irá sempre soçobrar perante a simples, porém devastadora indagação: "Se você pode prever tão bem, por que você não está no mercado de ações, onde previsões acuradas geram ricas recompensas?"[3] Não adianta rejeitar tal pergunta — como muitos têm feito —, considerando-a "anti-intelectual"; este é exatamente o teste rigoroso a ser enfrentado pelo pretendente a oráculo econômico.
Nos últimos anos, foram desenvolvidas novas disciplinas matemáticas e estatísticas — tais como "pesquisa operacional" e "programação linear" — cujas pretensões eram ajudar os empresários a tomar decisões concretas. Se essas pretensões forem válidas, então tais disciplinas não podem jamais fazer parte da ciência econômica, mas de um tipo de tecnologia de gerenciamento. Felizmente, o ramo da pesquisa operacional se desenvolveu e se tornou uma disciplina abertamente separada, tendo sua própria comunidade profissional e seus próprios periódicos; esperamos que todas as outras disciplinas de mesmo cunho sigam o mesmo caminho. O economistanão é um tecnólogo comercial.[4]
Portanto, o papel do economista em uma sociedade livre é puramente educacional. Mas quando o governo — ou qualquer outra agência usando de violência — intervém no mercado, a "utilidade" do economista se expande. A razão é que ninguém sabe, por exemplo, quais serão as demandas dos consumidores no futuro, em uma dada área. Em um ambiente de livre mercado, o economista tem de dar passagem para o prognosticador empreendedorial. Mas quando há ações do governo, as coisas ficam muito diferentes porque o problema agora é saber precisamente quais serão as conseqüências dos atos do governo. Em resumo, o economista pode ser capaz de dizer quais serão os efeitos de um aumento na demanda por manteiga; mas isso será de pouca serventia, pois o empresário está primeiramente interessado, não nas conseqüências — as quais ele sabe muito bem para seus propósitos —, mas em saber se tal aumento vai ocorrer. Por outro lado, quando se trata de uma decisão governamental, o "se" é exatamente o que os cidadãos devem decidir coletivamente. E é nessa situação que o economista, com seu conhecimento das várias conseqüências alternativas, ganha seu reconhecimento.
Ademais, as conseqüências de um ato governamental, sendo indiretas, são muito mais difíceis de serem analisadas do que as conseqüências de um aumento na demanda do consumidor por um produto. Isso requer que o raciocínio praxeológico seja desenvolvido em cadeias maiores, particularmente ao se considerar os objetivos dos tomadores de decisão. A decisão do consumidor de comprar manteiga e a decisão do empresário de entrar no ramo da fabricação de manteiga não requerem um raciocínio praxeológico, mas sim uma compreensão clara dos dados concretos. O julgamento e a avaliação de um ato governamental (por exemplo, o imposto de renda), entretanto, requer cadeias maiores de raciocínio praxeológico. Assim, por duas razões — devido ao fato de os dados iniciais lhe serem fornecidos e pelo fato de as conseqüências terem de ser analiticamente exploradas — o economista é bem mais "útil" como sendo um economista político do que um conselheiro comercial ou um tecnólogo. Em uma economia regulamentada, de fato, o economista frequentemente se torna útil aos empresários — já que um raciocínio econômico mais elaborado se torna importante, por exemplo, para analisar os efeitos da expansão do crédito ou de um aumento no imposto de renda e, em muitos casos, para espalhar esse conhecimento ao mundo externo.
O economista político, de fato, é indispensável para qualquer cidadão que queira formular julgamentos éticos na política. A economia por si só jamais pode fornecer soluções éticas, mas ela pode sim fornecer leis existenciais que não podem ser ignoradas por qualquer um que esteja formulando conclusões éticas — da mesma forma que ninguém pode decidir racionalmente se o produto X é uma comida boa ou ruim até que as conseqüências sobre o corpo humano sejam apuradas e levadas em consideração.
______________________
[1] Murray N. Rothbard, "Praxeology: Reply to Mr. Schuller," American Economic Review, Dezembro, 1951, pp. 943-46.
[2] Sobre as armadilhas dos prognósticos econômicos, ver John Jewkes, "The Economist and Economic change" em Economics and Public Policy (Washington, D.C.: The Brookings Institution, 1955), pp. 81-99; P.T. Bauer,Economic Analysis and Policy in Underdeveloped Countries (Durham, N.C.: Duke University Press, 1957), pp. 28-32; e A.G. Abramson, "Permanent Optimistic Bias-A New Problem for Forecasters," Commercial and Financial Chronicle, 20 de fevereiro de 1958, p. 12.
[3] O Professor Mises mostrou a falácia do termo "modelagem", que é muito popular e que surgiu erroneamente (junto com muitas outras falácias cientificas) de uma analogia com as ciências físicas — nesse caso, a engenharia. Os modelos de engenharia fornecem a exata dimensão quantitativa — em uma miniatura proporcional — do mundo real. Porém, nenhum "modelo" econômico pode fazer algo parecido. Para um retrato desanimador do histórico das previsões econômicas, ver Victor Zarnowitz, An Appraisal of Short-Term Economic Forecasts (New York: Columbia University Press, 1967).
[4] Depois de ter escrito tudo isso, o autor se deparou com um ponto similar em Rutledge ViningEconomics in the United States of America (Paris: UNESCO, 1956), pp. 31 ff.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário