terça-feira, 10 de setembro de 2013

O eco-socialismo, o socialismo real e o capitalismo - quem realmente protege o ambiente?


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464.jpgHá mais de vinte anos, a glasnoste o consequente colapso da URSS explicitaram ao mundo o terrível histórico ambiental do regime socialista soviético. Durante esses mesmos 20 anos, a economia da China ultrapassou a dos Estado Unidos como a maior emissora de gases poluidores.  Ainda assim, continua um lugar-comum apontar o capitalismo como a maior ameaça ambiental para o nosso planeta e apontar o socialismo como sua salvação.
Uma contundente manifestação do argumento ambientalista contra o capitalismo pode ser encontrada na Declaração Ecossocialista de Belém, que é resultado de uma conferência realizada em Paris, em 2007. Esse documento especifica a seguinte cadeia de causa e efeito: o capitalismo requer lucro, o lucro requer crescimento econômico e crescimento econômico significa destruição ambiental. Aqui estão alguns trechos:
A humanidade enfrenta hoje uma escolha difícil: eco-socialismo ou barbárie... Não precisamos de mais provas da barbárie do capitalismo, o sistema parasita que explora igualmente a humanidade e a natureza. Seu único motor é a busca pelo lucro e, portanto, a necessidade de crescimento constante... A necessidade que o capitalismo tem de buscar o crescimento existe em todos os níveis, desde uma microempresa até o sistema como um todo. A fome insaciável das corporações é facilitada pela expansão imperialista em busca de cada vez mais acesso aos recursos naturais... O sistema econômico capitalista não tolera limites ao crescimento; a sua necessidade constante de expansão subverte todos os limites que podem ser impostos... pois estabelecer limites ao crescimento significaria estabelecer limites à acumulação de capital — uma opção inaceitável para um sistema predicado na seguinte regra: crescer ou morrer!
Para ser bem franco, há um ponto de veracidade nesta crítica.  De fato, há pessoas que dizem ser absolutamente aceitável prospectar e explorar petróleo sem a mais mínima consideração para com o ambiente ao redor.  Tal postura é um prato cheio para a crítica eco-socialista.  Claramente, nem o capitalismo e nem o socialismo possui um monopólio sobre o pecado ambiental ou sobre a virtude ambiental.  Chegar a um julgamento ponderado sobre os impactos econômicos relativos desses sistemas requer duas perguntas:
1) Qual sistema tem sido, na prática, mais ambientalmente destrutivo: o capitalismo ou socialismo?
2) Qual sistema, o capitalismo ou o socialismo, é mais receptivo às eventuais mudanças que precisam ser feitas para se alcançar uma proclamada sustentabilidade ambiental de longo prazo?
Para qualquer indivíduo minimamente interessado no assunto, e que já se deu ao trabalho de pesquisar, é algo incontroverso que a mais proeminente experiência socialista do mundo, a União Soviética, foi a que gerou os mais sérios problemas ambientais.  Em 1972, muitos destes problemas já haviam sido detalhados por Marshall Goldman em seu livro The Spoils of Progress: Environmental Pollution in the Soviet Union
perestroika do início da década de 1990 e o consequente colapso da União Soviética tornaram o acesso à informação mais fácil para autores como Murray Feshbach e Alfred Friendly, Jr., que forneceram um estudo aprofundado a respeito do "ecocídio" ocorrido na URSS em seu livro Ecocide in the USSR: Health And Nature Under Siege.  Abaixo, uma lista de alguns dos problemas mais proeminentes apresentados nesta e em outras fontes:
  • A poluição do Lago Baikal, o mais antigo, o mais profundo e o até então mais limpo corpo de água doce do mundo.  A poluição foi causada por fábricas de papel e por outras indústrias soviéticas que despejavam resíduos não-tratados no lago.
  • O quase desaparecimento do outrora vasto mar de Aral, que secou devido ao desvio de sua água para irrigação, deixando para trás um deserto de sal envenenado por agroquímicos.
  • O desastre nuclear de Chernobyl em 1986, o pior do mundo, causado não apenas por erros de operação, mas também por um projeto negligente que não especificou nenhum recipiente de contenção em caso de acidente.  O acidente nuclear que até então era considerado o pior do mundo àquela época também havia ocorrido na União Soviética: a explosão de um tanque de armazenamento de resíduos sólidos no complexo de armas nucleares de Mayak, em 1957, o que dispersou de 50 a 100 toneladas de resíduos altamente radioativos, contaminando um imenso território a leste dos Urais.
  • Desastrosos incêndios em regiões de turfas nos arredores de Moscou, um legado de projetos soviéticos mal planejados e mal implantados que tinham o objetivo de drenar os pântanos locais.
  • Enormes emissões de gases poluentes em decorrência de uma forte dependência de carvão e de uma matriz energética muito menos eficiente do que as das economias capitalistas.
  • Elevados níveis de poluição do ar nas grandes cidades, causados por fábricas próximas a áreas povoadas e que operavam com um mínimo, ou nenhum, controle de poluição.
  • Práticas agrícolas e florestais destrutivas, levando a uma erosão generalizada e à destruição de habitats.
Já a China, a outra grande economia socialista do mundo, também tem a sua longa lista de pecados ambientais. Em grande parte devido ao uso intensivo de carvão, o país assumiu recentemente a liderança mundial nas emissões de gases causadores de efeito estufa, apesar de ter uma economia cujo tamanho absoluto é metade da economia dos Estados Unidos.  Em termos de qualidade do ar, a China tem 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo.  A poluição da água é um desastre nacional generalizado. A liderança chinesa na produção de metais raros foi alcançada em grande parte devido à mineração ilegal, o que causou uma intensa poluição gerada por metais pesados e um consequente desastre na saúde pública local.  Uma crescente porcentagem de poluentes, do mercúrio à fuligem, que estão sendo observados na costa oeste dos Estados Unidos tem suas origens na China.
Para dar um crédito aos eco-socialistas, documentos como a Declaração de Belém fazem ao menos algumas críticas tímidas àquilo que eles chamam de socialismo "produtivista" — isto é, o socialismo voltado para a produção de bens.  Ao inventarem este conceito, os eco-socialistas definitivamente estão em busca de algum objetivo, embora talvez não exatamente aquele que eles imaginam.
O adjetivo "produtivista", quando aplicado à economia, parece querer caracterizar uma economia que se concentra na maximização da produção sem levar em consideração os custos dos insumos.  Quando digo "custos dos insumos", refiro-me àquilo que os economistas chamam de 'custo de oportunidade', ou seja, custos mensurados em termos do valor de todos os usos alternativos que poderiam ser dados a estes mesmos recursos. O custo de oportunidade da produção industrial inclui tanto os custos do esgotamento de recursos não-renováveis (a perda de oportunidades de se usar os mesmos recursos para outros propósitos no futuro) quanto os custos externos (por exemplo, as oportunidades perdidas de se usar ou usufruir bens danificados pela poluição).
O fato é que as empresas buscam o lucro, e elas tendem a ir atrás de toda e qualquer oportunidades de lucro. Aplaudimos quando empresários aumentam seus lucros ao melhorarem seus produtos ou quando reduzem seus custos de produção e, consequentemente, seus preços.  No entanto, os lucros também podem ser elevados por meio de lobby junto ao governo com o intuito de restringir as atividades dos concorrentes, ou por meio de lobby para a aprovação de leis que permitem a uma empresa transferir parte de seus custos de produção a terceiros, como ocorre nos casos de empresas que conseguem autorização governamental para poluir lagos, rios e até mesmo o ar.  Ayn Rand tinha uma definição precisa para os lucros oriundos destas medidas: espoliação. Poluidores são espoliadores.
Voltemos então para a crítica eco-socialista.  O que se está realmente criticando não é o capitalismo em si, mas sim o "produtivismo".  Logo, a pergunta que devemos fazer é: qual sistema, capitalismo ou socialismo, é mais suscetível a tentações produtivistas? Creio não haver dúvidas de que a resposta é o socialismo, muito embora o arranjo corporativista acima descrito também mereça ser acusado.
A primeira razão pela qual o socialismo é mais propenso a desenvolver tendências produtivistas prejudiciais ao ambiente é que os incentivos econômicos não funcionam sob uma economia socialista.  Em uma sociedade genuinamente capitalista, em que há respeito à propriedade privada, não apenas as empresas poluidoras têm de pagar por eventuais danos à propriedade privada de terceiros, como também as externalidades são plenamente incorporadas aos preços de mercado.  Se o preço da gasolina na bomba refletir integralmente os custos de oportunidade da poluição e o esgotamento de recursos, então os motoristas, independentemente da sensibilidade ambiental de cada um deles, serão forçados a pensar sobre a possibilidade de dirigir menos ou até mesmo de comprar um veículo mais eficiente.
O mesmo princípio se aplica a usuários de energia industrial, sejam eles fabricantes de plásticos, agricultores, ou usinas nucleares.  Não é meu intuito subestimar a dificuldade de estipular leis que protejam devidamente os direitos de propriedade.  Porém, quando se usa o sistema de preços para combater a poluição, a medida parece funcionar.  Por exemplo, durante a década de 1990 e início de 2000, um sistema de licenças negociáveis foi implantado nos EUA com o intuito derrubar as emissões de dióxido de enxofre de usinas de energia à base carvão.  O resultado foi a redução pela metade na intensidade de chuva ácida na costa leste do país.
Já sob o socialismo, os incentivos econômicos para se combater a poluição não funcionam.  Sim, estou bem a par de que há uma construção teórica chamada de "socialismo de mercado".  Sob este sistema hipotético, defendido por escritores do século XX como Oskar Lange e Abba Lerner, os gerentes das empresas de propriedade coletiva orientariam sua produção não segundo os reais preços de mercado, definidos pela oferta e demanda, mas sim de acordo com "preços-sombra", que são estipulados pelos planejadores do governo a um nível que supostamente é igual ao custo de oportunidade.
Em teoria, não haveria nenhum motivo para que os preços-sombra não pudessem incluir ajustes apropriados para os impactos ambientais.  Não é o escopo deste artigo recapitular todo o debate sobre o socialismo de mercado aqui.  O conceito já foi amplamente considerado impraticável e, até onde se sabe, não possui defensores vivos.  [O IMB possui um livro a respeito deste tema]. Creio que Ludwig von Mises já finalizou a questão ao afirmar que um sistema de mercado real está para o socialismo de mercado assim como uma ferrovia real está para um menino brincando com trenzinhos.  Logo, deixemos o imaginativo cenário do socialismo de mercado de lado e olhemos para o socialismo no mundo real.
Na União Soviética, como explicou Marshall Goldman, tanto a lei quanto a ideologia previam um nível de proteção ambiental.  Ao menos em algum pequeno grau, essa proteção foi sustentada por sanções econômicas contra os poluidores.  O problema, no entanto, era que os gestores das indústrias não apenas eram insensíveis a incentivos econômicos para a proteção do meio ambiente, como também eram insensíveis a todo e qualquer tipo de incentivo econômico.  O sistema soviético não apenas incentivava a depredação ambiental, como também era esbanjador e gerava desperdícios em todos os sentidos possíveis.  Ele desperdiçava trabalho, capital, energia, recursos naturais, cimento, aço, carvão, tratores, fertilizantes, madeira, água — desperdiçava tudo.  Por quê? Porque não havia busca pelo lucro.
O segundo motivo pelo qual o socialismo tende a ser mais "produtivista" do que um genuíno capitalismo está relacionado às atitudes sociais que surgem quando não há direitos de propriedade.  Onde há direitos de propriedade bem definido, sempre haverá um proprietário que resistirá à transgressão, seja ela feita por pessoas a pé ou por produtos químicos nocivos jogados no ar.  Sim, é verdade que o sistema judiciário não funciona perfeitamente.  Muitas vezes, os proprietários não conseguem proteger adequadamente os seus direitos.  Mas os direitos existem.  Se não estão sendo impingidos, isso é culpa do estado, que detém o monopólio do sistema judiciário.  Adicionalmente, quando a noção de propriedade privada se torna generalizada, ocorrendo até mesmo sobre minúsculos pedaços de terra, o respeito aos direitos de propriedade de terceiros também se torna difuso — embora, infelizmente, não de forma universal.
O terceiro motivo que faz o socialismo ser mais produtivista do que o capitalismo advém da economia política.  E isso ocorre de uma forma curiosa: mesmo quando a propriedade privada acaba fornecendo uma base de poder político para vários grupos de interesse, a situação tende a se equilibrar.  Por exemplo, quando os sindicatos dos mineradores dos Apalaches e os proprietários das minas de carvão se juntaram para fazer lobby contra as restrições sobre emissões de dióxido de enxofre, o que prejudicava o ambiente, os produtores de carvão de baixo teor de enxofre dos estados do oeste americano também pressionaram no sentido oposto, chegando-se assim a algum equilíbrio.
Além disso, entidades ambientais podem utilizar os mecanismos de propriedade privada para proteger habitats críticos.  Veja ótimos exemplos práticos aqui e aqui.  Por fim, a propriedade privada dos meios de comunicação pode sustentar uma voz independente para mídias alternativas, que podem então divulgar suas causas ambientais.  Até os eco-socialistas desfrutam da proteção da propriedade privada em seus sites e suas conferências.
Já em um sistema socialista, os produtores detêm o total controle das alavancas do poder político.  Afinal, na condição de empresas estatais, eles não são apenas meros lobistas; eles são parte integrante da estrutura do governo.  Por exemplo, Marshall Goldman observou que houve protestos na União Soviética quando as fábricas de papel começaram a lançar seus resíduos no lago Baikal.  No entanto, os próprios manifestantes eram membros do governo, e normalmente era uma instituição do governo que brigava com outra — por exemplo, o Instituto Limnológico da Academia de Ciências entrava em conflito com o Ministério da Madeira, Papel e Carpintaria.   
Todo o sistema de incentivos da economia soviética, desde o Politburo até o gerente de uma fábrica local, estava focado em apenas uma coisa: alcançar as inatingíveis metas de produção do Plano Quinquenal.  O ambiente sempre era a vítima.
Por fim, vale enfatizar que a propriedade privada é uma condição necessária para a proteção do ambiente, mas não é uma condição suficiente. A lamentável história ambiental da Rússia pós-soviética é um exemplo característico.  A Rússia, em teoria, já não mais é socialista, mas sim uma economia corporativista, na qual o estado está em conluio com as grandes empresas.  Há propriedade privada, mas a economia não é genuinamente de livre mercado.  Essa variante mercantilista que substituiu o socialismo não é menos "produtivista" que o próprio socialismo.  A sociedade civil e as instituições são fracas.  Ao contrário do que ocorria no socialismo, hoje não são mais os participantes de piqueniques casuais os responsáveis pela derrubada de árvores e destruição das mudas do cinturão verde de Moscou, mas sim os oligarcas multimilionários que, com a autorização do governo, se apropriam de faixas inteiras de habitats protegidos para construir suas suntuosas casas de campo (as dachas).
O petróleo comanda, e se faz vista grossa para os derramamentos que ocorrem em terra ou no mar.  A British Petroleum, que foi fustigada pela imprensa ocidental em decorrência do episódio do Golfo do México, está se preparando para explorar petróleo entre os icebergs à deriva ao longo da costa norte da Rússia.  Os tigres siberianos são alvos constantes de tiros disparados do helicóptero de algum oligarca ou ministro do governo que decidiu praticar "esporte" no fim de semana.
Quer realmente proteger o ambiente?  Uma genuína economia de mercado — na qual os direitos de propriedade são respeitados, os transgressores são devidamente punidos, o governo não determina vencedores e perdedores e há um sistema de preços livres estimulando a alocação de recursos do modo mais eficiente possível — é um arranjo incomparável e até hoje insuperável.

Edwin Dolan é economista e Ph.D. pela Universidade de Yale.  De 1990 a 2001, lecionou em Moscou, onde ele e sua mulher fundaram o American Institute of Business and Economics (AIBEc), um programa de MBA independente e sem fins lucrativos.  Desde 2001, ele já lecionou em várias universidades da Europa, como Budapeste, Praga e Riga.  É autor do livro TANSTAAFL, the Economic Strategy for Environmental Crisis.

O mito da austeridade europeia



KrugmanEuroAusterity.jpgVários políticos e comentaristas, como Paul Krugman, alegam que o problema atual da Europa é a austeridade.  Mais especificamente, alegam que os gastos dos governos europeus estão insuficientes. 
O argumento padrão é o seguinte: em decorrência das reduções nos gastos governamentais, a demanda na economia torna-se insuficiente.  Isso leva a um aumento no desemprego.  O desemprego piora a situação porque gera uma queda ainda maior na demanda agregada, o que por sua vez provoca uma queda nas receitas governamentais e um consequente aumento em seus déficits orçamentários.  Ato contínuo, os governos europeus, pressionados pela infatigável Alemanha, aprofundam seus cortes de gastos, reduzindo novamente a demanda agregada da economia ao demitir funcionários públicos e cortar gastos assistencialistas.  Isso, por sua vez, reduz ainda mais a demanda agregada, gerando uma infindável espiral baixista de desemprego e miséria. 
O que pode ser feito para se sair desta espiral?  A resposta dada pelos comentaristas é simplesmente a de acabar com a austeridade, turbinando os gastos governamentais para elevar a demanda agregada.  Paul Krugman chegou até mesmo a argumentar em prol de uma organização planetária contra uma invasão de alienígenas, o que induziria os governos a gastarem mais.  E por aí vão as bizarrices.  Mas esse raciocínio procede?
Em primeiro lugar, será que há realmente alguma austeridade na zona do euro?  Um indivíduo só pode ser considerado austero se ele poupa, isto é, se ele gasta menos do que ganha.  E a realidade é que não existe absolutamente nenhum país na zona do euro que seja austero.  Todos eles gastam mais do que arrecadam de receitas.
Com efeito, os déficits orçamentários dos governos da zona do euro estão extremamente altos, em níveis insustentáveis, como pode ser visto no gráfico abaixo, o qual retrata os déficits de cada governo em porcentagem de seu PIB.  Note que os números para 2012 são aqueles desejados por cada governo.
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Os números absolutos para os déficits — em bilhões de euros — são ainda mais impressionantes.
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Outro bom retrato da austeridade é comparar os gastos dos governos às suas respectivas receitas (o quão maior é o gasto público em relação à receita, em termos percentuais).
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Imagine que um conhecido seu tenha gastado, em 2008, 12% a mais do ganhou; em 2009, 31% a mais; em 2010, 25% a mais; e, em 2011, 26% a mais.  Você diria que essa pessoa é austera?  Você diria que esse comportamento é sustentável?  Pois é exatamente isso o que o governo da Espanha tem feito.  E ele vem se mostrando incapaz de mudar de postura.  Perversamente, os comentaristas da mídia estão dizendo que é justamente essa "austeridade" a responsável pelo encolhimento da economia espanhola e pelo seu alto desemprego.
Infelizmente, austeridade é uma condição necessária para a recuperação da Espanha, da zona do euro, e de qualquer outra economia em recessão.  A redução dos gastos do governo faz com que recursos reais — que até então haviam sido absorvidos pelo estado — sejam liberados e consequentemente disponibilizados para o setor privado.  A redução dos gastos do governo faz com que novos projetos de investimento se tornem lucrativos e impede os antigos de irem à falência.
Considere o seguinte exemplo.  João quer abrir um restaurante.  Ele faz alguns cálculos.  Ele estima que as receitas do restaurante serão de $10.000 por mês.  Já os custos estimados são os seguintes: $4.000 de aluguel do espaço; $1.000 de conta de luz, água, gás e telefone; $2.000 pela comida; e $4.000 para os salários.  Com as receitas estimadas em $10.000 e os custos estimados em 11.000, João não irá começar seu empreendimento.
Agora, suponhamos que o governo se torne mais austero, ou seja, ele efetivamente reduza seus gastos.  Suponhamos que o governo extinga algumas agências reguladoras e alguns ministérios, e venda os prédios dessas burocracias no mercado.  Como consequência, haverá uma tendência de queda nos preços dos imóveis e dos alugueis.  O mesmo ocorrerá com os salários.  Os burocratas demitidos sairão à procura de empregos no setor privado, e essa maior oferta de mão-de-obra exercerá uma pressão baixista sobre os salários.  Adicionalmente, as agências e os ministérios abolidos não mais estarão consumindo energia e demais serviços de utilidade pública, o que gerará uma tendência de queda no preço destes serviços.  João poderá agora alugar um espaço para seu restaurante no local onde funcionava uma destas burocracias por $3.000, dado que os alugueis estão barateando.  Suas contas de luz, água, telefone, gás etc. caem para $500, e os burocratas demitidos poderão ser contratados para lavar pratos e servir mesas por $3.000.  Agora, com as receitas estimadas em $10.000 e os custos em $8.500, o lucro esperado será de $1.500, e João poderá iniciar seu empreendimento.
Dado que o governo reduziu seus gastos, ele poderá reduzir também seus impostos, medida essa que poderá elevar o lucro líquido final de João (que agora tem de pagar um imposto de renda menor).  Graças à austeridade, o governo foi capaz também de reduzir seu déficit.  Aquele dinheiro que até então era emprestado ao governo para financiar seu déficit poderá agora ser emprestado para João para que ele faça seu investimento inicial: transformar as antigas instalações burocráticas em um restaurante.  Com efeito, um dos principais problemas de países como a Espanha é que a poupança real dos cidadãos está sendo utilizada pelo sistema bancário não para financiar empreendimentos privados, mas sim para financiar o governo.  Empréstimos estão praticamente indisponíveis para empresas privadas porque os bancos utilizam seus fundos para comprar títulos do governo a fim de financiar o déficit público.
No final, tudo se resume à seguinte questão: quem deve determinar o que deve ser produzido e como?  O governo, que usa recursos alheios para proveito próprio (como expandir a burocracia por meio de agências reguladoras, ministérios, programas assistencialistas, guerras etc.), ou empreendedores em um ambiente concorrencial, batalhando entre si para satisfazer os desejos dos consumidores com produtos cada vez melhores e mais baratos (como João, que agora utiliza em seu restaurante parte dos recursos anteriormente imobilizados no aparato estatal)?
Se você crê que a segunda opção é a melhor, então a austeridade é o caminho certo.  Mais austeridade e menos gastos governamentais significam menos recursos para o setor público (menos burocracia, menos agências reguladoras, menos ministérios) e mais recursos para o setor privado, que os utiliza para satisfazer os desejos dos consumidores (mais restaurantes).  Austeridade é a solução para os problemas da Europa e dos EUA, uma vez que ela estimula o crescimento sólido e reduz os déficits governamentais.
Um PIB menor?
Mas não seria verdade que, ao menos temporariamente, a austeridade reduz o PIB e joga a atividade econômica em uma espiral descendente?
Infelizmente, o PIB é um número bastante enganador.  O PIB nada mais é do que o valor de mercado de todos os bens finais e serviços produzidos em um país dentro de um dado período. 
Há dois motivos por que um PIB menor nem sempre é um mau sinal.
O primeiro motivo está relacionado à questão dos gastos governamentais.  Imagine um burocrata do governo que emite alvarás de funcionamento.  Quando ele nega a autorização para um determinado empreendimento, quanta riqueza foi destruída?  Como calcular?  Seria por meio das receitas esperadas desse empreendimento ou por meio de seus lucros esperados?  E se o burocrata involuntariamente tiver impedido o surgimento de uma inovação que poderia evitar o desperdício de inúmeros recursos escassos para a economia?  É difícil dizer qual o tamanho da destruição de riqueza provocada pelo burocrata.  Poderíamos simplesmente, e arbitrariamente, pegar seu salário anual de $120.000 e subtraí-lo da produção privada da economia.  O PIB seria menor.
No entanto — está sentado? —, o exato oposto ocorre na prática.  Os gastos governamentais contam positivamente para o PIB.  O salário do burocrata — e sua atividade destruidora de riqueza — eleva o PIB em $120.000.  Isso significa que, se a agência reguladora desse burocrata for fechada e ele for demitido, então o imediato efeito dessa austeridade será uma redução de $120.000 no PIB.  No entanto, essa redução no PIB é um ótimo sinal para a produção privada e para a satisfação dos desejos dos consumidores.
Segundo, se a estrutura de produção se encontra distorcida após um período de crescimento econômico aditivado pela expansão artificial do crédito, a reestruturação da economia também irá gerar uma queda temporária no PIB.  Com efeito, o PIB só poderia ser mantido se a estrutura de produção permanecesse inalterada.  Mas a permanência dessa estrutura distorcida e artificial representaria um consumo de riqueza, e não uma produção.
Se a Espanha ou os EUA tivessem continuado utilizando a mesma estrutura de produção vigente durante seus anos de crescimento, eles teriam continuado construindo a quantidade de imóveis que construíram em 2007.  Vários recursos escassos teriam sido desperdiçados nesses projetos, mais empresas estariam falidas no futuro e haveria menos capital disponível na economia.  A reestruturação de uma economia que foi artificialmente distorcida pelo crédito farto e barato direcionado ao setor imobiliário requer justamente um período de encolhimento do setor imobiliário.  Mais especificamente, tal setor terá de fazer um menor uso dos fatores de produção, liberando mão-de-obra e capital para outros setores.  E estes fatores de produção devem ser transferidos para aqueles setores onde eles estão sendo demandados com mais urgência pelos consumidores. 
A reestruturação não é instantânea; ela é organizada e conduzida por empreendedores em um processo dinâmico e competitivo que é incômodo, fatigante e que leva tempo.  Durante esse período de transição, quando os empregos naqueles setores artificialmente inchados da economia estão sendo destruídos, o PIB tende a cair.  Essa queda no PIB é apenas um sinal de que a necessária reestruturação da economia já está ocorrendo.  A alternativa seria continuar produzindo a mesma quantidade de imóveis produzida em 2007.  Se o PIB não caísse acentuadamente, isso significaria que a expansão econômica destruidora de riqueza estaria continuando exatamente como estava nos anos 2005—2007.
Conclusão
A austeridade do governo é uma condição necessária para a prosperidade privada e para uma rápida recuperação econômica.  O problema da Europa (e dos EUA) não é o excesso, mas sim a escassez de austeridade — ou melhor, a sua completa ausência.  Uma queda no PIB pode ser um indicador de que a necessária e saudável reestruturação da economia já está ocorrendo.

Explicando a recessão europeia



indignados-madrid.jpgO economista americano Steve Hankeprofessor de economiaaplicada da Universidade JohnsHopkins, em Baltimore, EUA, considerado uma sumidade em assuntos monetários (foi ele quem acabou com todas as hiperinflações das ex-repúblicas soviéticas no Leste Europeu, da Bósnia e da Argentina), cunhou uma frase da qual todo cidadão comum jamais deveria se esquecer.  Hanke a rotulou de 'regra dos 95%': "noventa e cinco por cento de tudo que é escrito sobre economia ou está errado ou é irrelevante."
Tal regra é perfeitamente aplicável para as análises feitas sobre o atual estado das economias europeias.  Segundo os especialistas, o problema está na tal 'austeridade', a qual estaria sendo imposta a todo o continente pelos malvados alemães por motivos puramente sádicos, e estaria sacrificando os pobres gregos, espanhóis e portugueses.  Culpar a austeridade é uma postura que gera aplauso fácil porque significa condenar cortes nos sagrados programas assistencialistas europeus, os quais todos os economistas convencionais sonham ver serem adotados universalmente em todos os países do Ocidente — adoção essa que requereria a supervisão destes economistas, é claro.
Muito embora a "austeridade" europeia esteja sendo feita não por meio exclusivo da redução de gastos, mas sim por uma combinação entre redução de gastos e elevação de impostos — e, como mostrou Philipp Bagus, os déficits orçamentários continuaram intocados —, ela não é a causa precípua da prolongada recessão do continente.
Qual é então o problema? 
Como tudo começou
Durante a década de 2000, os países europeus, e mais acentuadamente Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda, vivenciaram tão explicitamente todas as etapas de um ciclo econômico descrito pela Escola Austríaca, que tal exemplo deveria doravante figurar em todos os escritos sobre o tema ciclos econômicos.  O ciclo econômico vivenciado por estes quatro países está sendo tão completo, que é difícil imaginar algum outro exemplo prático que melhor ilustre aquilo que é descrito pela teoria austríaca.
A crise econômica e financeira europeia começou da mesma maneira que se iniciam todos os ciclos econômicos: por um processo de enorme expansão do crédito orquestrado pelo Banco Central Europeu em conjunto com osistema bancário de reservas fracionárias dos quatro países citados.  Tal processo de expansão do crédito consiste meramente em um processo de criação de dinheiro do nada.  E é assim em todo o mundo atual. 
Sempre que uma empresa ou um indivíduo qualquer vão a um banco e pedem um empréstimo, o banco cria do nada dinheiro eletrônico na conta-corrente deste tomador de empréstimo.  O dinheiro não foi retirado de nenhuma outra conta.  Ele simplesmente foi criado.  O bancário apertou algumas teclas no computador e dígitos eletrônicos surgiram na conta-corrente do mutuário.  É assim que o dinheiro entra na economia no sistema monetário atual e é assim que a quantidade de dinheiro em uma economia aumenta.  O sistema bancário destes países europeus, atuando sob a proteção e estímulo do Banco Central Europeu, literalmente criou bilhões de euros para serem emprestados para empreendedores e consumidores.
Veja a evolução do crédito na Espanha, de janeiro de 2002 (ano da introdução do euro) até janeiro de 2009, ano do início da crise.
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Observe que o crédito concedido mais do que triplicou em apenas 7 anos, indo de 600 bilhões de euros para mais de 1,8 trilhão de euros.
Todo este processo de concessão de crédito gerou quase que o mesmo efeito na oferta monetária do país, que neste mesmo período saiu de 400 bilhões para 1 trilhão.[1]
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O mesmo fenômeno ocorreu na Irlanda.  O crédito triplicou...
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... e a oferta monetária duplicou.
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E, finalmente, na Grécia.  O crédito mais que dobrou...
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... assim como a oferta monetária.
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Qual foi a consequência de toda esta expansão creditícia e monetária?
Empreendedores, ao tomarem como empréstimo este dinheiro criado do nada pelo sistema bancário, passaram a investir naqueles projetos que mais estavam sob demanda.  Nos casos específicos da Espanha e da Irlanda, no setor imobiliário.  Os consumidores destes países, por sua vez, estavam recorrendo aos bancos justamente para obter financiamento para comprar imóveis.  Esta súbita demanda por imóveis foi possibilitada pelo fato de que a expansão creditícia feita pelo sistema bancário de reservas fracionárias e orquestrada pelo Banco Central Europeu gerou uma forte queda nos juros.
Uma expansão creditícia e monetária é sempre um fenômeno extremamente perigoso porque funciona como uma droga.  Quando o dinheiro recém-criado é injetado na economia pelos bancos, todo o sistema econômico passa a reagir de maneira expansionista.  As pessoas ficam animadas.  Empreendedores recebem financiamento barato para praticamente qualquer investimento que queiram fazer, não importa o quão irracional tal investimento seria em outras circunstâncias.  Ao mesmo tempo, trabalhadores e sindicatos percebem que a demanda por seus serviços aumentou, pois há mais dinheiro na economia.  Bens de consumo também passam a ser demandados com mais intensidade.  A renda das pessoas cresce anualmente.  Todo mundo fica feliz, principalmente porque tal arranjo faz parecer ser possível aumentar a riqueza sem qualquer sacrifício na forma de poupança e trabalho duro.  Forma-se uma bolha. 
Este aparente ciclo virtuoso da nova economia ludibria todos os agentes econômicos: investidores estão muito contentes ao verem que suas ações crescem diariamente; as indústrias de bens de consumo conseguem vender tudo que põem no mercado e a preços crescentes; restaurantes estão sempre cheios e com longas listas de espera apenas para arrumarem uma mesa; trabalhadores e seus sindicatos veem o quão desesperadoramente empresários estão demandando seus serviços em um ambiente de pleno emprego, aumentos salariais e (nos países mais ricos) imigração; líderes políticos se beneficiam daquilo que parece ser uma economia excepcionalmente boa, a qual eles venderão ao eleitorado como resultado direto de sua liderança e de suas boas políticas econômicas; burocratas responsáveis pelo orçamento do governo ficam impressionados ao descobrir que, a cada ano, a receita está aumentando em cifras de dois dígitos.
Porém, tal arranjo não pode durar.  Há um enorme descoordenação entre o comportamento dos consumidores e dos investidores.  Os consumidores seguem consumindo sem a necessidade de poupar, pois a quantidade de dinheiro na economia aumenta continuamente, o que torna desnecessário qualquer abstenção do consumo.  E os investidores seguem aumentando seus investimentos, os quais são totalmente financiados pela criação artificial de dinheiro virtual feita pelos bancos e não pela poupança genuína dos cidadãos.  Tal arranjo é completamente instável.  Trata-se apenas de uma ilusão de que todos podem obter o que quiserem sem qualquer sacrifício prévio.
Com o tempo, tamanha demanda gerada pela criação de dinheiro leva a um inevitável aumento dos preços.  Ato contínuo, o Banco Central eleva a taxa básica de juros da economia e os bancos, além de reduzirem o volume de empréstimos concedidos, também começam a cobrar juros maiores.  Afinal, se os bancos não aumentassem os juros cobrados, eles simplesmente receberiam — no momento da quitação do empréstimo — um dinheiro com um poder de compra menor do que o que esperavam receber quando concederam o empréstimo.
Essa nova postura dos bancos leva a uma redução da taxa de crescimento da quantidade de dinheiro na economia.  E tal redução na taxa de crescimento da oferta monetária é exatamente o que põe um fim na euforia e gera o início da recessão.
A recessão
Durante a fase da expansão econômica artificial, os indivíduos intensificaram seu endividamento para poder consumir, na crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas.  Já as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo levadas tanto pela redução artificial dos juros criada pela expansão do crédito (o que faz com que os investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos produtos criados pelos seus investimentos.
No entanto, a redução da expansão monetária — que não pode se perpetuar para sempre — traz a realidade à tona.  O aumento esperado da renda não se concretiza, o que faz com que as dívidas se tornem mais difíceis de serem quitadas.  Isso faz com que todos aqueles investimentos que foram estimulados pela expansão artificial do crédito entrem em colapso, pois nunca houve uma demanda genuína por eles.  Como os consumidores estão mais endividados e o nível geral de preços da economia aumentou — mas a oferta monetária se estabilizou —, a demanda cai (não cairia caso os investimentos houvessem sido financiados por poupança genuína, isto é, pela real abstenção do consumo dos indivíduos). 
Todos aqueles empreendimentos que até então pareciam lucrativos — como o setor imobiliário — se revelam um grande desperdício. A realidade é que simplesmente não havia demanda para tais projetos, pois tudo era baseado numa ilusão de prosperidade, aditivada pela expansão monetária e do crédito.
Até aqui, a narração acima em nada se distingue do atual momento brasileiro.  A mecânica inicial de um ciclo econômico, seja no Brasil, seja na Europa ou nos EUA, é a mesma, variando apenas qual será o setor que receberá a maior parte dos investimentos estimulados pelo crédito fácil.  O que tornou a recessão europeia especialmente dolorosa foi o que aconteceu com seu sistema bancário.
O que ocorreu na Europa — especialmente na Espanha e na Irlanda — é que o processo de expansão creditícia foi direcionado majoritariamente para o setor imobiliário.  E em gigantesca escala.  A bolha imobiliária espanhola foi muito maior que a americana — ao ponto de existirem hoje na Espanha, segundo Jesús Huerta de Soto, mais de um milhão de casas vazias, o que representa um incalculável desperdício de recursos escassos.
Sendo assim, quando a expansão creditícia foi interrompida e os juros foram elevados, não apenas a demanda por imóveis foi estancada, como também, e principalmente, as pessoas que estavam pagando hipotecas simplesmente começaram a dar o calote nos bancos.  Como as construtoras que haviam tomado empréstimos também não mais estavam conseguindo vender seus imóveis, elas também começar a dar calote nos bancos.  Acrescente a isso o aumento no desemprego em decorrência do mecanismo explicado acima, e você terá um ideia de quão volumosos foram os calotes nos bancos.
Ato contínuo, os bancos perceberam que seus empréstimos imobiliários — tanto para construtoras quanto para pessoas físicas — não mais seriam quitados aos valores originalmente esperados.  Como os empréstimos fazem parte do ativo dos bancos, a consequência é que os ativos bancários passaram a valer muito menos do que imaginavam. 
Essa queda no valor dos ativos gerou um enorme problema nos balancetes dos bancos: o valor dos ativos despencou, mas o valor dos passivos (todos os depósitos de seus clientes) permaneceu o mesmo.  Em termos contábeis, se há uma forte redução nos ativos e os passivos permanecem os mesmo, então há uma redução no patrimônio líquido (capital).  Os bancos se tornaram insolventes
Quando um banco se torna contabilmente insolvente, ele pode fazer duas coisas: ou ele aumenta seus ativos (sem que tenha de aumentar seus passivos), ou ele reduz seus passivos. 
Aumentar ativos em um cenário de recessão é praticamente impossível.  Ele teria de vender papeis em troca de dinheiro para aumentar suas reservas.  Porém, além de as pessoas não estarem em condições de comprar papeis dos bancos, o próprio ato desesperado de venda de papeis já forçaria para baixo os preços dos mesmos, pois tal medida deixaria explícita a péssima situação do banco.  O valor de seus ativos poderia cair ainda mais. 
Logo, a única solução plausível foi reduzir os passivos.  E como os bancos reduzem passivos?  Deixando de conceder empréstimos.  Cobrando empréstimos pendentes (cuja quitação aumenta seus ativos), e não concedendo novos empréstimos.  Essa era a única maneira de sanear seus balancetes.
E a consequência desta postura está perfeitamente ilustrada nos gráficos abaixo. 
Na Espanha, o volume de crédito concedido está em queda.
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Assim como a oferta monetária, que está apresentando deflação.
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O mesmo é válido para a Irlanda.
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E é ainda mais intenso para a Grécia, cujo volume de crédito e oferta monetária recuaram para níveis de sete anos atrás.
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A encrenca
Olhando o gráfico, fica fácil entender por que a situação grega é tão calamitosa.  Além da inevitável contração do crédito, que por si só reduz a quantidade de dinheiro na economia, também está havendo uma fuga de euros daquele país para os bancos alemães, mais seguros.  Espanha e Irlanda também vivenciam o mesmo problema, embora com intensidade um pouco menor.
Enquanto o mundo vivia seu período glorioso de expansão monetária (2003-2008), o governo grego aproveitou essa bonança para aumentar os gastos, inchar o funcionalismo e a folha de pagamento.  E fez tudo isso sem precisar aumentar impostos.  Como foi possível?  Como o crédito vinha de fora, e era abundante e barato, o governo percebeu que era mais vantajoso se endividar (em vez de tributar) para aumentar os gastos — e, depois, apenas rolar a dívida, pagando juros bastante camaradas. 
É lógico que tal arranjo grego seria insustentável no longo prazo, mesmo que os juros continuassem baixos.  É como se você fosse a um restaurante e, em vez de pagar a conta inteira, pagasse só a metade, e prometesse pagar o resto e mais juros no dia seguinte.  Porém, quando chegasse o dia seguinte, você faria um acordo com o dono do restaurante e, novamente, pagaria apenas a metade da conta daquele dia e empurraria todo o resto acumulado para o dia seguinte.  E assim você iria fazendo todos os dias.  Quando chegasse o fim do mês, o dono, desconfiado de que você iria dar o calote, simplesmente lhe apresentaria a conta total, com principal e juros acumulados, e exigiria o pagamento, não dando chances para mais rolamentos de dívida.  É aí que você teria o infarto.
No caso da Grécia, a crise financeira internacional, com a contração do crédito, acelerou esse processo de cobrança da dívida — logo, os juros exigidos para a rolagem da dívida subiram.  A farra grega acabou e, temerosos de um calote, as pessoas começaram retirar seu dinheiro do país, o que deixou os bancos em situação extremamente delicada.
Em um cenário de deflação monetária como esse que está acometendo estes países, a última coisa que os governos deveriam pensar em fazer seria aumentar impostos.  Mas foi exatamente isso que os governos desses três países fizeram e prometem continuar fazendo.  Não é à toa que a cada trimestre a imprensa noticia com fanfarra que o PIB destes países segue encolhendo.  Óbvio.  Deflação monetária com aumento de impostos é um coquetel mortífero.  Dado que há uma grande rigidez nos preços e nos salários nestes países (se os sindicatos não aceitam reduções salariais, os empresários não irão reduzir preços, pois seus balancetes iriam para o vermelho total), o resultado inevitável é uma disparada no desemprego.
Veja a evolução do desemprego em cada país clicando em seus respectivos nomes:  EspanhaIrlandaGrécia.
Para complicar ainda mais a situação, há a imposição de Basileia III, que exige o aumento do capital dos bancos.  Como explicado, na atual situação, a única maneira de os bancos aumentarem seu capital é cobrando a quitação de empréstimos pendentes, restringindo a concessão de novos empréstimos e contraindo ainda mais a oferta monetária.  Para Espanha e Grécia, que possuem economias amarradas, sindicatos fortes, altos impostos, e uma alta quantidade de regulamentações, esta nova rodada de deflação, a qual dificilmente será acompanhada de uma redução de preços e salários, poderá ser fatal para o desemprego.  A Irlanda, por ter uma economia mais dinâmica, tem mais chances de sofrer menos. 
Conclusão
Todo processo de expansão creditícia, cedo ou tarde, se transforma em um processo de restrição ou contração do crédito.  A intensidade da recessão tende a ser proporcional à intensidade da exuberância econômica que o país vivenciou.
Durante uma recessão, os consumidores estão mais pobres do que antes justamente por causa de todos os investimentos errôneos e insustentáveis que foram empreendidos em decorrência da expansão artificial do crédito, investimentos estes que imobilizaram capital e recursos escassos para seus projetos, recursos estes que agora não mais estão disponíveis para serem utilizados em outros setores da economia.  No geral, a economia está agora com menos capital e menos recursos escassos disponíveis.  Na Espanha, como dito, há hoje um milhão de casas vazias, sem compradores.  Capitais e recursos escassos foram desperdiçados na construção destes imóveis, capitais e recursos que poderiam estar hoje sendo aplicados em outros setores da economia espanhola.
Adicionalmente, é fácil entender por que o atual problema destas economias não é de 'demanda'.  Crises e recessões não são um problema de demanda.  Crises e recessões são causadas por investimentos errôneos e insustentáveis — em decorrência da expansão do crédito bancário e pela distorção das taxas de juros —, para os quais nunca houve demanda legítima.  Não se trata de um problema de demanda agregada, mas sim de um problema de capital que foi desviado para aplicações que não eram genuinamente demandadas pelo público.
Sendo assim, de nada adianta os governos — e principalmente os malvados alemães — incorrerem em déficits, aumentar os gastos e o Banco Central Europeu imprimir mais dinheiro, imaginando que tudo magicamente seria resolvido.  O fato é que recursos escassos foram aplicados em investimentos para os quais não havia demanda. Este capital se encontra agora destruído (ou com um valor extremamente reduzido).  A recessão nada mais é do que o período de reajuste desta estrutura de produção que foi distorcida pela expansão do crédito bancário e pela distorção das taxas de juros.
Portanto, para acabar com uma recessão, é preciso fazer com que este capital mal investido seja liquidado e que os investimentos sejam voltados para áreas em que haja genuína demanda dos consumidores.  O governo fazer políticas que estimulem a demanda agregada, de modo a não permitir que haja essa reestruturação do capital, irá apenas prolongar a recessão.  O governo elevar impostos e incorrer em déficits irá apenas retirar poupança do setor privado, justamente em um momento em que ele mais necessita dela. 
É exatamente isso que os governos europeus estão fazendo, e é exatamente isso que está prolongando a recessão.   A culpa não é dos alemães, que foram bastante frugais nos últimos treze anos.


[1] O motivo de toda a criação de crédito não se traduzir em idêntica expansão da oferta monetária se deve a dois fatos:
1) Importações.  Na zona do euro, parte desse dinheiro é exportada para outros países em troca de bens importados.
2) Recapitalização dos bancos.  Quando um banco quer aumentar seu capital, ele vende um papel.  A pessoa ou empresa que comprar este papel irá transferir dinheiro da sua conta-corrente para este banco.  O banco pegará este dinheiro (totalmente eletrônico) e irá contabilizá-lo como 'reservas bancárias', que é um ativo em seu balancete.  Ao final do processo, houve uma redução da quantidade de dinheiro na economia e um aumento das reservas bancárias, que é um dinheiro que não está na economia.  Exatamente o mesmo procedimento ocorre quando um banco vende dólares em sua carteira para algum cliente.  Ou seja, embora bancos criem dinheiro concedendo crédito, eles também destroem dinheiro quando vendem algum papel para se recapitalizar.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.


Os quatro tipos de austeridade - por que o governo cortar gastos é positivo para a economia



austeridade.jpgQuem acompanha a situação europeiaexclusivamente pela mídia fica com a certeza de que o termo 'austeridade' é uma manifestação explícita do anticristo, e que se trata de uma medida que deve ser evitada de todas as formas.  A ideia é que reduções nos gastos do governo tiram a sustentação da economia e a empurram para uma interminável espiral depressiva.  Curiosamente, quando a imprensa fala em austeridade, ela menciona em tom crítico apenas uma parte dela, que é o corte de gasto, e nada fala sobre a outra parte, que é o aumento de impostos e seus efeitos genuinamente recessivos.
Quando o governo corta gastos, de fato há quem saia prejudicado.  O exemplo mais claro seria o de funcionários públicos que tivessem seus salários reduzidos.  Isso é muito raro, mas pode ocorrer.  As empresas que possuem como clientes principais um grande número de funcionários públicos seriam atingidas.  Pense em um restaurante chique de Brasília que tem como clientela o pessoal das agências reguladoras.  Se as agências fossem abolidas (sonhemos um pouquinho), as receitas desse restaurante cairiam.  Da mesma forma, se o número de deputados e senadores diminuísse, o Piantella iria à falência.
Esse foi um exemplo visualmente fácil de ser entendido.  Há outros menos claros.  Por exemplo, cortes de gastosdo governo irão afetar as várias empresas que só sobrevivem porque possuem contratos de prestação de serviços junto ao governo.  Empresas terceirizadas por estatais e empreiteiras que fazem obras para o governo são os exemplos mais claros.  Há também as várias atividades econômicas que recebem subsídios e que, sem estes subsídios, teriam de se virar, cortar gastos e demitir pessoas. 
O que todas estas atividades têm em comum é que elas só sobrevivem e só são lucrativas com a muleta do governo.  Isso faz com que elas sejam classificadas como atividades econômicas insustentáveis.  São atividades que não dependem da demanda voluntária do consumo privado para sobreviver.  Uma vez cortado o fluxo dedinheiro governamental, elas perdem sustentação e definham.  Elas não necessariamente irão quebrar, pois podem se reestruturar e mudar seu enfoque de mercado.  Mas estão indiscutivelmente sobredimensionadas, e a prova disso é que só mantêm seus atuais lucros com dinheiro repassado pelo governo.  Elas são, portanto, atividades que absorvem recursos e capital da sociedade.  Elas não produzem; elas consomem.
Uma redução nos gastos do governo, portanto, possui este efeito salutar sobre a economia.  Faz com que empresas que consomem recursos e que produzem apenas de acordo com demandas políticas tenham de ser enxugadas.  Empresas que só sobrevivem devido aos gastos do governo não produzem para consumidores privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos mas produzem para o estado.  Elas não utilizam capital de maneira produtiva, de forma a atender os genuínos anseios dos consumidores privados: ao contrário, elas utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos mas produzem apenas para servir a anseios políticos.  Em suma, não agregam à sociedade.  Por definição, subtraem dela.  
Este tipo de atividade econômica privada que só sobrevive por causa dos gastos do governo é idêntico àquelas outras atividades privadas que só são lucrativas quando está havendo uma forte expansão do crédito.  Quando o crédito é farto e barato, e a demanda por imóveis é crescente, várias construtoras e várias imobiliadoras apresentam lucros estratosféricos.  Porém, quando o crédito encarece — ou quando os consumidores já estão muito endividados — e a demanda cai, os lucros viram prejuízos.  Um corte de gastos do governo gera idêntico efeito sobre empresas que possuem o governo ou funcionários do governo como principal cliente.
E por que isso seria bom?  Porque, ao falirem, essas empresas liberam mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser utilizados mais eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão no mercado para realmente atender às demandas dos consumidores.  Por isso, é essencial que, ao cortar gastos, o governo também reduza impostos.  Isso não apenas irá dar mais poder de compra às pessoas, como também irá permitir que as empresas produtivas tenham mais capital e, consequentemente, possam contratar mais pessoas. 
Tendo estes conceitos em mente, há quatro maneiras de se fazer austeridade:
1) Aumentar impostos e cortar gastos;
2) Aumentar impostos e manter gastos inalterados e;
3) Manter impostos inalterados e cortar gastos;
4) Reduzir impostos, e cortar gastos em uma intensidade maior do que o corte de impostos;
A primeira é a que gera uma recessão mais intensa.  De um lado, o corte de gastos debilita aquelas empresas que dependem do governo, o que é bom; mas, de outro, o aumento de impostos confisca ainda mais capital da sociedade, mais especificamente do setor produtivo, que é justamente quem absorveria a mão-de-obra demitida das empresas que faliram em decorrência dos cortes de gastos do governo.  Você tem, portanto, o pior dos dois mundos.  Aumento do desemprego, população com menor poder de compra, e setor privado sem capital para contratar.  É isso que a Europa está fazendo.
A segunda maneira, ao contrário do que se supõe, é a pior.  O governo aumenta o confisco do capital do setor privado, mas continua dando sustentação às empresas ineficientes, que também consomem capital do setor produtivo.  A recessão neste caso é menos intensa, mas os desequilíbrios de longo prazo não são corrigidos.  A economia fica com menos capital, mas as empresas ineficientes seguem firmes, pois seu cliente é o governo, que continua gastando.  No final, tal medida serviu apenas para aumentar o consumo de capital de toda a sociedade.
A terceira maneira é melhor que a primeira e a segunda.  O governo continua confiscando capital, é verdade, mas ao menos liberou outros recursos por meio da falência de empresas que só sobreviviam em decorrência de seus gastos.  Em termos de recessão, é mais branda que a primeira e semelhante à segunda.
A quarta maneira é a maneira correta de se fazer austeridade.  A redução de gastos do governo faz com que empresas ineficientes que dependem do governo sejam enxugadas (ou quebrem) e liberam mão-de-obra e recursos escassos para empreendimentos produtivos e genuinamente demandados pelos cidadãos.  E as empresas responsáveis por esses empreendimentos produtivos terão mais facilidade para contratar essa mão-de-obra demitida porque, em decorrência da redução nos impostos, elas agora têm mais capital e seus consumidores, mais poder de compra. 
Além de não provocar uma recessão profunda — haverá recessão apenas se o governo impuser medidas que retardem a realocação de mão-de-obra de um setor para o outro (por exemplo, aumentando o seguro-desemprego ou o salário mínimo, ou impondo altos encargos sociais que encareçam o processo de demissão e contratação) —, esta maneira é a única que reduz duplamente o desperdício de capital e, com isso, permite uma maior acumulação de capital.  Maior acumulação de capital significa maior abundância de bens produzidos no futuro.  E maior abundância de bens significa maior qualidade de vida.
Portanto, há austeridade e "austeridades".  A melhor maneira é também a menos indolor e a mais propícia ao enriquecimento futuro de uma sociedade.  É injustificável não adotá-la.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Os três tipos de austeridade

Os três tipos de austeridade

Austerity.jpgQuem lê a imprensa financeira adquire a impressão de que existem apenas dois lados em todo esse debate sobre austeridade: pró-austeridade e anti-austeridade.  Na realidade, há três formas de austeridade.  Há a forma keynesiana-krugmaniana, que promove mais gastos governamentais e mais impostos; há a forma de Angela Merkel, que advoga menos gastos governamentais e mais impostos; e há a forma austríaca, que defende menos gastos governamentais e menos impostos.
Destas três formas de austeridade, somente a última aumenta o tamanho do setor privado em relação ao setor público, libera recursos para o investimento privado e possui evidências empíricas de que realmente estimula o crescimento econômico.
Analisemos de forma mais detida a "forma Merkel" de austeridade que está sendo implantada na Europa, na qual os governos "planejam" cortar seus gastos e aumentar suas receitas tributárias.  O verbo "planejam" está entre aspas porque os cortes não são realmente cortes, mas sim reduções no aumento planejado dos gastos.  Quatro anos após a crise financeira de 2008, o governo do Reino Unido implantou somente 6% dos cortes que havia planejado para seus gastos e apenas 12% dos cortes que havia planejado para seus benefícios.  Em quase todos os países europeus, os gastos governamentais são hoje maiores do que eram em 2008. 
Um recente estudo do economista russo Constantin Gurdgiev, do Trinity College de Dublin, examinou os gastos dos governos em porcentagem do PIB no ano de 2012 e os comparou ao nível médio destes mesmos gastos durante o período anterior à recessão (2003-2007).  Nestes termos, somente Alemanha, Malta e Suécia realmente cortaram seus gastos.
Embora vários governos tenham elevado suas alíquotas de impostos, as receitas tributárias na realidade diminuíram — e muito — em decorrência destes aumentos, os quais apenas estimularam uma maior sonegação.  Os amplos e crescentes mercados negros na Grécia, na Itália, na Espanha e até mesmo na França são uma evidência de quão errôneas e insensatas foram estas políticas tributárias.  Os atuais esforços dos governos em conter as evasões fiscais são uma piada quando se constata que as alíquotas de impostos estão em níveis hemorrágicos.
Notavelmente, a "forma Merkel" de austeridade levou a um aumento, e não a uma diminuição, no tamanho relativo do setor público.  Por exemplo, o setor público grego, embora tenha sido reduzido, está se contraindo a uma taxa mais lenta do que a contração observada no setor privado.  Desde que recebeu seu primeiro pacote de socorro, a Grécia já fechou pelo menos 500.000 vagas no setor privado, um valor muito maior do que os empregos cortados no setor público.  Durante anos, o governo grego vem prometendo cortar 500.000 vagas no setor público.  No entanto, foi só nos meses mais recentes que o governo grego finalmente prometeu que começaria a demitir trabalhadores do setor público durante os próximos dois anos.  Um total de 12.500 funcionários públicos, incluindo professores e policiais, terá de escolher entre uma redução salarial ou a demissão até o final deste ano, com mais 15.000 tendo enfrentar as mesmas opções no ano de 2014.  Mas não apenas isso é muito pouco e muito tarde, como também não passa de uma mera promessa.
A forma keynesiana de austeridade não é nada melhor.  De acordo com estes economistas, é necessário que o governo aumente seus gastos porque isso irá estimular a demanda e, consequentemente, gerar crescimento econômico.  Para os keynesianos, as generosas quantias de dinheiro já gastas foram aparentemente muito ínfimas, e não foram gastas nos setores corretos da economia.  No entanto, os últimos cinco anos são uma evidência do fracasso deste tipo de austeridade.  Estamos hoje com um nível de endividamento tão excessivo, que os governos europeus já estão com dificuldade de obter novos empréstimos.  E, por outro lado, o prometido crescimento econômico que supostamente ocorreria — segundo os keynesianos — em decorrência destes maciços déficits orçamentários não se materializou.  Os gastos governamentais simplesmente sobrepujaram — e, com isso, solaparam — os gastos privados.
O que se ignora neste modelo é o fato empírico de que não é necessário que o governo estimule a demanda simplesmente porque — dado que vivemos em um mundo de escassez, no qual sempre há desejos ainda não satisfeitos — nunca há uma deficiência na demanda.  Sendo assim, os governos deveriam estar mais preocupados em não impedir que o setor privado produza a oferta correta.
O crescimento terá de vir do setor privado, e a austeridade necessária é aquela que torna o setor privado maior do que setor público.  Este tipo de austeridade ocorreu no ano de 1920 nos EUA.  Naquela que Thomas Woods cunhou de "A Esquecida Depressão de 1920", o governo americano cortou seus gastos em 50% e reduziu acentuadamente os impostos.  A dívida pública foi reduzida em um terço, e a política monetária se manteve austera.  Como consequência, a economia americana se recuperou rapidamente (em 18 meses) e, já em 1923, o desemprego, que havia chegado a 12% no auge da depressão, já estava em menos de 3%.   
Um exemplo mais recente de uma tática semelhante pode ser observado na Letônia, que seguiu uma estratégia similar no período 2009-2010.  O governo letão cortou seus gastos de 44% para 36% do PIB.  Demitiu 30% dos funcionários públicos, aboliu metade das agências de regulamentação, e reduziu o salário médio do setor público em 26% em apenas um ano.  Os ministros viram seus salários serem cortados em 35%.  Por outro lado, as pensões e os benefícios sociais ficaram praticamente intactos, e o imposto de renda de pessoa física, com uma alíquota uniforme de 25%, permaneceu inalterado.
A economia letã encolheu 24% em dois anos, mas reagiu acentuadamente em 2011 e em 2012, com uma taxa de crescimento anual acima de 5%.  O desemprego, que havia atingindo 20,7% em 2010, passou a declinar continuamente, e hoje está em 11,4%.  Uma vez que os cortes nos gastos do governo permitiram uma desregulamentação da economia, a Letônia vivenciou uma explosão na criação de novas empresas em 2011.  A economia passou por uma transição, encolhendo seu inchado setor de construção civil e ampliando o número de pequenas e médias empresas.
A Letônia pegou empréstimos altos junto ao FMI, e foi criticada em 2009 por sua abertamente agressiva estratégia econômica.  Recentemente, o país quitou todos os seus empréstimos junto ao FMI, e com três anos de antecedência, indiretamente silenciando seus críticos.
A austeridade da Letônia funcionou porque foi adotada a forma correta de austeridade: uma austeridade que deu esperanças ao povo, e que apresentava, desde o início, uma luz no fim do túnel.  Hoje, a Europa vive uma fadiga de austeridade.  O continente perdeu a oportunidade de implantar as políticas corretas, e se exauriu perdendo tempo e desperdiçando recursos com as políticas erradas.
Dado que agora parece impossível implantar a forma correta de austeridade, o que a Europa deve fazer?  Para voltar à trajetória do crescimento econômico, a Europa tem de descartar suas atuais políticas que visam apenas a estimular a demanda agregada, e se concentrar nas políticas que criam os produtos certos aos preços corretos.  Como disse Jean-Baptiste Say:
O estímulo ao mero consumismo não é benéfico ao comércio, pois a dificuldade jaz em ofertar os meios — e não em estimular o desejo — de consumo.  E já vimos que a produção por si só fornece estes meios.  Sendo assim, um bom governo deveria ter o objetivo de estimular a produção, ao passo que a política de um mau governo é a de encorajar o consumismo.
Sem crescimento econômico, a Europa está rumando ao precipício, pois rapidamente será incapaz de financiar sua dívida.  O continente tem de reformular sua estratégia, priorizando políticas econômicas que estimulem a produção, libertando o espírito empreendedorial dos europeus.  Esta é uma política muito mais propensa ao sucesso.
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