quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Eduardo Galeano: quatro frases que fazem o nariz do Pinóquio crescer



A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana.

eduardo galeano escritor uruguaio1 – Somos todos culpados pela ruína do planeta.

A saúde do mundo está feito um caco. ‘Somos todos responsáveis’, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.
Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao ‘sacrifício de todos’ nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.. Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades.” Uma experiência impossível.
Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.

2 – É verde aquilo que se pinta de verde.

Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mund o. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.
Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.” O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitáve l: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.
O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete. A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.

3 – Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

Poder-se-á dizer qualquer cois a de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco 92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.
No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de r esistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.
A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdadehumana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. Cinco an os depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.

4 – A natureza está fora de nós.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, qua ndo a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

Dez grandes mitos econômicos



rothbard.jpgEstamos cercados por um grande número de mitos econômicos, mitos que distorcem a noção do público a respeito de problemas importantes e nos levam a aceitar políticas governamentais perigosas e frágeis. Aqui estão dez dos mais perigosos desses mitos e uma análise do que há de errado neles.
Mito 1: Déficits são a causa da inflação; déficits não têm nada a ver com a inflação.
Nas décadas recentes, sempre temos tido déficits federais. A reação invariável do partido fora do poder, qualquer que seja ele, é denunciar esses déficits como sendo a causa da inflação perpétua. E a reação invariável de qualquer que seja o partido no poder tem sido de alegar que déficits não têm nada a ver com a inflação. Ambas as declarações antagônicas são mitos.
Déficits significam que o governofederal está gastando mais do que está recolhendo em impostos. Esses déficits podem ser financiados de duas maneiras. Se eles são financiados pela venda de títulos do Tesouro ao público, então os déficits não são inflacionários. Nenhum dinheiro novo está sendo criado; o público e as instituições simplesmente tiram dinheiro de seus depósitos bancários para pagar pelos títulos, e o Tesouro, então, gasta esse dinheiro. O dinheiro simplesmente foi transferido do público para o Tesouro, que então gastará esse dinheiro com outros membros do público.
Por outro lado, o déficit pode ser financiado pela venda de títulos ao sistema bancário. Quando isso ocorre, osbancos criam novo dinheiro ao criar novos depósitos bancários e usá-los para comprar os títulos. O novo dinheiro, na forma de depósitos bancários, é então gasto pelo Tesouro, e entra, portanto, permanentemente na corrente de gastos da economia, aumentando preços e causando inflação. Através de um processo complexo, o Banco Central possibilita que os bancos criem esse novo dinheiro permitindo que eles gerem reservas bancárias de um décimo daquela quantidade. Assim, se os bancos forem comprar $100 bilhões de novos títulos para financiar o déficit, o Banco Central compra aproximadamente $10 bilhões de títulos velhos do Tesouro. Essa compra aumenta as reservas bancárias em $10 bilhões, permitindo que os bancos, através do multiplicador monetário, criem novos depósitos bancários — ou seja, dinheiro é criado do nada — em uma quantia 10 vezes maior que essa quantidade inicial de $10 bilhões. Em resumo, o governo e o sistema bancário que ele controla acabam, na prática, "imprimindo" dinheiro novo para pagar pelo déficit federal.
Assim, déficits são inflacionários quando são financiados pelo sistema bancário; eles não são inflacionários quando são financiados pelo público.
Alguns governantes apontam para o período de 1982-1983, quando o déficit estava se acelerando e a inflação estava se abatendo, como uma "prova" estatística de que déficits e inflação não têm relação mútua. Isso não é prova alguma. Mudanças de preços gerais são determinadas por dois fatores: a oferta de, e a demanda por, dinheiro. Durante o período de 1982-1983, o Banco Central americano criou dinheiro novo a uma taxa muito alta, a aproximadamente 15% ao ano. Muito desse dinheiro foi para financiar o déficit que estava em expansão. Maspor outro lado, a depressão severa daqueles dois anos aumentou a demanda por dinheiro (isto é, diminuiu o desejo de se gastar dinheiro em bens) como resposta às perdas severas dos negócios. Esse aumento temporário e compensatório na demanda por dinheiro não torna os déficits menos inflacionários. Na verdade, assim que começou a recuperação, o gasto aumentou e a demanda por dinheiro caiu, e o gasto do novo dinheiro acelerou a inflação.
Mito 2: Déficits não têm um efeito de crowding-out no investimento privado.
Em anos recentes tem havido uma compreensível preocupação a respeito da baixa taxa de poupança e investimento nos Estados Unidos. Uma preocupação é que o enorme déficit federal vai desviar poupança para gastos improdutivos do governo, levando a um crowding out do investimento produtivo, gerando dificuldades cada vez maiores para melhorar ou até mesmo para manter o padrão de vida do público, no longo prazo.
Alguns responsáveis por políticas econômicas mais uma vez tentaram refutar essa acusação com estatísticas. Eles declaram que em 1982-1983 os déficits foram altos e crescentes, ao passo que a taxa de juros caiu, indicando, portanto, que déficits não têm um efeito de crowding-out.
Esse argumento mais uma vez mostra a falácia de se tentar refutar a lógica com estatísticas. As taxas de juros caíram devido à queda dos empréstimos ao setor privado em função da recessão.  As taxas de juros "reais" (taxa de juros menos a taxa de inflação), porém, permaneceram em níveis altos como nunca antes visto — parcialmente devido ao fato de muitos de nós termos esperado inflação renovada, parcialmente devido ao efeito crowding-out. Em qualquer caso, a estatística não pode refutar a lógica; e a lógica nos diz que, se a poupança vai para os títulos do governo, vai haver necessariamente menos poupança disponível para o investimento produtivo, e as taxas de juros serão maiores do que seriam sem os déficits. Se os déficits são financiados pelo público, então esse desvio da poupança para projetos do governo será direto e palpável. Se os déficits são financiados por inflação bancária, então o desvio é indireto, e o novo dinheiro "impresso" pelo governo vai competir por recursos contra o dinheiro velho poupado pelo público. A tendência é que haja o crowding-out do dinheiro velho pelo dinheiro novo
Milton Friedman tenta refutar o efeito de crowding-out dos déficits, alegando que todo o gasto governamental, não apenas os déficits, provoca da mesma maneira o crowding-out da poupança privada e do investimento. É verdade que o dinheiro extraído por impostos poderiam ter ido para a poupança privada e para investimentos. Mas os déficits têm um efeito crowding-out bem maior que os gastos gerais, já que os déficits financiados pelo público alteram a poupança e a poupança somente, ao passo que impostos reduzem o consumo do público, assim como a poupança.
Dessa forma, qualquer que seja a forma com que você encare os déficits, eles causam graves problemas econômicos. Se eles são financiados pelo sistema bancário, eles são inflacionários. Mas mesmo se eles forem financiados pelo público, eles ainda causam severos efeitos de crowding-out, pois desviam a tão necessária poupança dos investimentos privados e produtivos para os desperdícios governamentais. E, mais ainda, quanto maiores os déficits, maior será a carga tributária incidente sobre a população para pagar os juros da dívida, um problema agravado pelas altas taxas de juros trazidas pelos déficits inflacionários.
Mito 3: Aumento de impostos é a cura para os déficits.
Aquelas pessoas que estão corretamente preocupadas com os déficits, infelizmente oferecem uma solução inaceitável: aumentar impostos. Curar os déficits através de aumento de impostos é o equivalente a curar a bronquite de alguém dando-lhe um tiro. A "cura" é bem pior do que a doença.
Uma razão, como muitos críticos já apontaram, é que aumentar impostos simplesmente dá mais dinheiro ao governo, e, dessa forma, políticos e burocratas irão provavelmente reagir aumentando os gastos ainda mais. Parkinson disse tudo em sua famosa "Lei": "Os gastos sobem de encontro à receita." Se o governo está disposto a ter, digamos, um déficit de 20%, ele vai pegar as altas receitas e vai simplesmente aumentar os gastos ainda mais para manter a mesma proporção do déficit.
Mas mesmo deixando-se de lado esse sutil juízo sobre psicologia política, pergunto: por que alguém deveria acreditar que um imposto é melhor que um aumento de preços? É verdade que a inflação é uma forma de taxação, na qual o governo e aqueles que recebem primeiramente o dinheiro novo estão aptos a expropriarem os outros membros do público, cuja renda nesse processo de inflação só aumenta depois. Mas, ao menos com inflação, as pessoas ainda estão colhendo alguns benefícios da troca. Se o preço do pão vai a $10, isso é lamentável, mas ao menos você ainda pode comer o pão. Mas se os impostos sobem, seu dinheiro é expropriado para os benefícios de políticos e burocratas, e você é deixado de lado, sem receber nenhum serviço ou benefício. O único resultado é que o dinheiro do produtor é confiscado para o benefício de uma burocracia que vai usar parte desse dinheiro confiscado para benefício de seus apaniguados, piorando a situação.
Não, a única cura eficiente para os déficits é simples, porém quase nunca mencionada: cortar o orçamento federal. Como e onde? Em qualquer lugar e em todo o lugar.
Mito 4: Sempre que o Banco Central aperta a oferta monetária, as taxas de juros sobem (ou caem); sempre que o Banco Central expande a oferta monetária, as taxas de juros sobem (ou caem).
O jornalismo financeiro agora entende de economia o suficiente para ficar observando semanalmente, como falcões, os números da oferta monetária; mas ele inevitavelmente interpreta esses números de uma forma caótica. Se a oferta monetária aumenta, isso é interpretado como uma queda dos juros e, logo, inflacionário; isto também é interpretado, frequentemente no mesmo artigo, como um aumento nos juros. E vice versa: se o Banco Central contrai o crescimento de dinheiro, isto é interpretado tanto como um aumento dos juros quanto como uma queda nos juros. Algumas vezes, parece que todas as ações do Banco Central, não importa o quão contraditórias sejam, devem resultar em aumento da taxa de juros. Claramente algo está muito errado aqui.
O problema é que, assim como no caso do nível de preços, existem vários fatores causais operando nas taxas de juros, e em direções diferentes. Se o Banco Central expande a oferta monetária, ele faz isso gerando mais reservas bancárias, expandindo assim a oferta de créditos bancários e depósitos bancários. A expansão do crédito necessariamente significa um aumento da oferta no mercado de crédito e, logo, uma queda no preço do crédito, ou da taxa de juros. Por outro lado, se o Banco Central restringe a oferta de crédito e o aumento da oferta monetária, isso significa que a oferta no mercado de crédito declina, o que leva a um aumento da taxa de juros.
E isso é precisamente o que acontece na primeira década, ou em duas, de inflação crônica.  Uma expansão do Banco Central diminui as taxas de juros; uma contração do Banco Central as aumenta. Mas após esse período, o público e o mercado começam a perceber o que está acontecendo. Eles começam a perceber que a inflação é crônica devido à expansão sistêmica da oferta monetária. Quando eles perceberem esse fato, eles também vão perceber que a inflação prejudica o credor em benefício do devedor. Assim, se alguém arruma um empréstimo a 5% ao ano, e a inflação é de 7% para aquele ano, o credor perde com isso, ao invés de ganhar. Ele perde 2%, já que ele é pago de volta com dólares que agora têm 7% menos de poder de compra. Dessa maneira, é o devedor quem ganha com a inflação. Assim que os credores começam a perceber as coisas, eles colocam um prêmio de inflação na taxa de juros, e os devedores estarão dispostos a pagá-lo. Assim, no longo prazo, qualquer coisa que alimente as expectativas de inflação irá aumentar os prêmios de inflação nas taxas de juros; e qualquer coisa que arrefeça essas expectativas irá diminuir esses prêmios. Portanto, uma contração do Banco Central tenderá agora a arrefecer as expectativas inflacionárias e diminuir as taxas de juros; uma expansão do Banco Central vai estimular essas expectativas novamente e aumentar os juros. Portanto, existem duas correntes opostas em ação que causam essas reações. E, assim, a expansão ou a contração do Banco Central podem tanto aumentar quanto diminuir as taxas de juros, dependendo de qual corrente é a mais forte.
E qual delas será a mais forte? Não há maneira de saber ao certo. Nas primeiras décadas de inflação, não haverá prêmio de inflação; mas nas últimas décadas, como nessa na qual estamos, haverá. A força relativa e o tempo de reação dependem das expectativas subjetivas do público, e essas não podem ser previstas de maneira exata. E essa é uma razão pela qual previsões econômicas jamais podem ser feitas corretamente.
Mito 5: Economistas, usando gráficos ou modelos computacionais avançados, podem acuradamente prever o futuro.
O problema de prever as taxas de juros ilustra as armadilhas de se fazer previsões em geral. As pessoas são criaturas contraditórias cujos comportamentos, ainda bem, não podem ser previstos antecipadamente. Suas valorações, idéias, expectativas e conhecimentos mudam a todo momento, e mudam de maneira imprevisível. Qual economista, por exemplo, poderia ter previsto (ou realmente previu) a febre do Cabbage Patch Kid[1] no natal de 1983? Cada quantia econômica, cada preço, compra, ou renda são números que englobam milhares, até mesmo milhões, de escolhas imprevistas feitas por indivíduos.
Muitos estudos, formais e informais, têm sido feitos sobre a capacidade de previsão dos economistas, e os resultados são desanimadores. Esses previsores alegam que eles poderiam acertar sempre, desde que as tendências atuais continuassem indefinidamente; o que eles têm dificuldades em fazer é justamente perceber essas mudanças de tendência. Mas é claro que não há nada de especial em extrapolar tendências atuais para o futuro próximo. Você não precisa de modelos computacionais sofisticados para isso; você pode fazer melhor e bem mais barato usando simplesmente uma régua de cálculo. O grande lance está em precisamente prever quando e como as tendências vão mudar, e os previsores têm sido notoriamente ruins nisso. Nenhum economista previu a seriedade da depressão de 1981-1982, e nenhum previu a força do boom de 1983.
Da próxima vez que você for influenciado pelo jargão ou pela aparente perícia de um previsor econômico, faça uma pergunta a si próprio: se ele realmente pode prever o futuro tão bem, por que ele está perdendo tempo divulgando circulares ou fazendo consultoria quando ele próprio poderia estar ganhando trilhões de dólares nos mercados financeiro e de commodities?
Mito 6: Há um tradeoff entre desemprego e inflação.
Sempre que alguém pede que o governo abandone suas políticas inflacionistas, políticos e economistas pró-establishment alertam que o resultado inevitavelmente será um severo desemprego. Estamos, portanto, presos em jogo entre inflação versus alto desemprego — e ficamos persuadidos de que temos que aceitar um dos dois.
Essa doutrina é um refúgio para keynesianos. Originalmente, os keynesianos nos prometeram que, ao manipular os déficits e gastos governamentais, fazendo uma sintonia-fina neles, eles poderiam e iriam nos trazer prosperidade permanente e pleno emprego sem inflação. Então, quando a inflação se tornou crônica e cada vez maior, eles mudaram o tom e passaram a alertar sobre o alegado tradeoff, de modo a enfraquecer qualquer possível pressão feita com o intuito de pedir que o governo parasse sua criação inflacionária de dinheiro.
A doutrina do tradeoff é baseada na "Curva de Phillips," uma curva inventada muitos anos atrás pelo economista britânico A.W. Phillips. Phillips correlacionou aumento nos salários com desemprego, e alegou que os dois se moviam inversamente: quanto maior o aumento nos salários, menor o desemprego. De cara, essa é uma doutrina peculiar, já que vai de encontro à lógica teórica e ao senso comum. A teoria nos diz que quanto maior os salários, maior o desemprego, e vice versa. Se todos fossem aos seus empregadores amanhã e insistissem em dobrar ou triplicar os salários, muitos ficariam imediatamente sem emprego. Ainda assim, esse achado bizarro foi aceito como um evangelho pelo establishment econômico keynesiano.
Hoje, já deveria estar claro que esse achado estatístico viola os fatos, bem como a teoria lógica. Durante a década de 1950, a inflação foi de apenas um ou dois por cento, e o desemprego flutuou entre três e quatro por cento. Depois, o desemprego atingiu entre oito e 11%, e a inflação entre cinco e 13%. Nas últimas duas ou três décadas, em resumo, ambos o desemprego e a inflação aumentaram abrupta e severamente. Se houve algo, nós tivemos foi uma curva de Phillips reversa. Houve qualquer coisa, menos um tradeoff entre inflação e desemprego.
Mas ideólogos raramente encaram os fatos, mesmo que eles continuamente aleguem "testar" suas teorias com fatos. Para salvar o conceito, eles simplesmente concluíram que a curva de Phillips ainda permanece um tradeoff entre inflação e desemprego, exceto que agora a curva inexplicavelmente se "moveu" para um novo arranjo de alegados tradeoffs. Sob esse tipo de argumentação, é claro, ninguém poderia jamais refutar qualquer teoria.
De fato, a inflação corrente, mesmo que ela reduza o desemprego no curto prazo ao fazer com que os preços aumentem bem mais que os salários (portanto reduzindo os salários reais), vai apenas criar mais desemprego no longo prazo. Em algum momento, os salários vão passar a subir junto com a inflação — e toda inflação inevitavelmente traz recessão e desemprego em seu rastro. Depois de mais de duas décadas de inflação, estamos agora vivendo esse "longo prazo."
Mito 7: Deflação — queda de preços — é impensável, e causaria uma catastrófica depressão.
A memória do público é curta. Esquecemos que, do início da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, até o início da Segunda Guerra Mundial, os preços geralmente caíram, ano após ano. Isso porque um contínuo aumento da produtividade e da produção de bens, gerado pelo livre mercado, levou a uma queda nos preços. Não houve depressão, no entanto, já que os custos caíram junto com os preços de venda. Em geral, os salários permaneceram constantes, enquanto que o custo de vida caiu — de tal forma que os salários "reais", ou o padrão de vida de todos, aumentou constantemente.
Praticamente a única época em que os preços subiram, naqueles dois séculos, foi em períodos de guerra (Guerra de 1812, Guerra Civil, Primeira Guerra Mundial). Os governos em guerra inflaram descontroladamente a oferta monetária para pagar pela guerra, de modo que essa inflação foi bem maior do que os ganhos em produtividade — o que levou ao aumento dos preços.
Podemos ver como o capitalismo de livre mercado — quando não oprimido por inflação do governo ou de um banco central — funciona se olharmos para o que tem acontecido nos últimos anos com o preço dos computadores. Mesmo um simples computador costumava ser enorme, custando milhões de dólares. Agora, com o incrível surto de produtividade trazido pela revolução do microchip, os preços dos computadores estão caindo nesse mesmo momento em que escrevo. A indústria computacional tem tido sucesso apesar da queda dos preços porque seus custos têm caído, e a produtividade, subido. Na verdade, essa queda de custos e de preços permitiu a ela produzir para uma variada massa de consumidores, uma característica do crescimento dinâmico do capitalismo de livre mercado. A "deflação" não trouxe nenhum desastre para a indústria.
O mesmo ocorre para outras indústrias com alto crescimento, como a de calculadoras eletrônicas, aparelhos de TV, e videocassetes. Deflação, longe de trazer uma catástrofe, é a marca tradicional de um crescimento econômico sadio e dinâmico.[2]
Mito 8: O melhor imposto é o imposto de renda "flat" (de alíquota única), proporcional à renda para todos os segmentos, sem isenções ou deduções.
Geralmente os proponentes do imposto "flat" acrescentam que, eliminando tais isenções, o governo federal poderia diminuir substancialmente a alíquota corrente.
Mas essa visão, pra começar, assume que as deduções atuais do imposto de renda são subsídios imorais ou "meios de evasão" (loopholes) que devem ser extintos pelo bem de todos. Uma dedução ou isenção somente é um "meio de evasão" se você assumir que o governo é dono de 100% da renda de uma pessoa — e que permitir que parte daquela renda permaneça isenta de taxação constitui um irritante "meio de evasão." Permitir que uma pessoa mantenha parte de sua própria renda não é nem um "meio de evasão" nem um subsídio. Diminuir a carga tributária total abolindo deduções para gastos com saúde, pagamento de juros, ou perdas que não estavam seguradas, é simplesmente baixar os impostos para um grupo de pessoas (aqueles que têm poucos gastos com saúde, ou poucos juros à pagar, ou pequenas perdas sem seguro) às custas de aumentá-los para aqueles incorreram em tais gastos.
Não há também nenhuma garantia, nem mesmo probabilidade, de que, uma vez que as isenções e deduções estiverem seguramente fora do caminho, o governo vá manter sua carga tributária nesse nível mais baixo. Vendo os antecedentes de governos, antigos e atuais, há toda razão para pressupor que mais do nosso dinheiro seria levado pelo governo assim que ele aumentasse a alíquota de volta (no mínimo) ao nível anterior, consequentemente sugando uma maior quantidade de recursos dos produtores para a burocracia.
Supõe-se que o sistema tributário deveria ser análogo àquele de preços ou rendimentos no mercado. Mas a precificação no mercado não é proporcional às rendas. Seria um mundo peculiar se, por exemplo, Rockefeller fosse forçado a pagar $1,000 por um pedaço de pão — isto é, um pagamento proporcional à sua renda em relação ao homem comum. Isso significaria um mundo no qual a igualdade de renda seria forçada de uma maneira particularmente bizarra e ineficiente. Se um imposto fosse aplicado como um preço de mercado, ele seria igualpara todo "consumidor," e não proporcional à renda de cada consumidor.
Mito 9: Um corte no imposto de renda ajuda a todos; não apenas o contribuinte, mas também o governo vai se beneficiar, já que as receitas vão aumentar quando a taxa for cortada.
Esta é a chamada "curva de Laffer," criada pelo economista californiano Arthur Laffer. Ela foi promovida como um meio de permitir que políticos pudessem fazer o impossível: cortar impostos, manter os gastos em níveis correntes, e equilibrar o orçamento. Tudo ao mesmo tempo. Dessa maneira, o público iria desfrutar de um corte de impostos, se deliciaria com um orçamento equilibrado, e ainda receberia o mesmo nível de subsídios do governo.
É verdade que se as alíquotas de imposto fossem de 99%, e daí fossem cortadas para 95%, as receitas iriam aumentar. Mas não há nenhuma razão para crer em tais simples conexões em outras situações.  Na verdade, essa relação funciona bem melhor para um imposto sobre o consumo em nível local do que para um imposto de renda nacional. Alguns anos atrás, o governo do Distrito de Columbia decidiu aumentar a receita simplesmente aumentando severamente o imposto sobre a gasolina. Não funcionou, pois os motoristas podiam simplesmente atravessar a fronteira com a Virginia ou com Maryland e encher o tanque a um preço bem menor. As receitas do imposto sobre a gasolina em D.C. caíram e, para grande vexame e assombro dos burocratas de D.C, eles tiveram que revogar o imposto.
Mas não é provável que isso aconteça com o imposto de renda. As pessoas não vão parar de trabalhar ou deixar o país por causa de um relativamente pequeno aumento de impostos, ou fazer o inverso por causa de um corte de impostos.
Há outros problemas com a curva de Laffer. A quantidade de tempo que se deve esperar para que o efeito Laffer ocorra nunca é especificada. Mas ainda mais importante: Laffer supõe que o que todos nós queremos é maximizar a receita de impostos para o governo. Se — e um grande se — nós estamos realmente na metade de cima da Curva de Laffer, todos nós deveríamos então querer ajustar as alíquotas de impostos para aquele ponto "ótimo." Mas por quê? Por que deveria ser o objetivo de cada um de nós maximizar a receita do governo? Por que, em resumo, estaríamos interessados em elevar ao máximo a fatia do produto privado que é canalizado para as atividades do governo? Eu penso que estaríamos mais interessados em minimizar a receita do governo derrubando as alíquotas de impostos para em nível muito, muito abaixo de qualquer que seja o nível de Ótimo de Laffer.

Mito 10: Importação de países onde a mão-de-obra é barata provoca desemprego nos Estados Unidos.
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             Fábrica da Nike no Vietnã           

Um dos vários problemas com essa doutrina é que ela ignora a seguinte questão: por que os salários são baixos em um país estrangeiro, e altos nos Estados Unidos? Começa-se imaginando que esses salários já são determinados, e não se ataca a questão de por que eles são o que eles são. Basicamente, eles são altos nos EUA porque a produtividade do trabalho é alta — porque nos EUA os trabalhadores são ajudados por grandes quantidades de equipamentos tecnologicamente avançados. Os salários são baixos em muitos países estrangeiros porque os equipamentos são pequenos e tecnologicamente primitivos. Sem a ajuda de bens de capital avançados, a produtividade do trabalhador é bem menor do que nos EUA. Os salários em cada país são determinados pela produtividade dos trabalhadores naquele país. Assim, altos salários nos EUA não são uma ameaça fixa à prosperidade americana; eles são o resultado dessa prosperidade.
Mas o que dizer de certas indústrias nos EUA que reclamam barulhenta e cronicamente sobre a "injusta" competição de produtos de países com mão-de-obra barata? Aqui, devemos ter em mente que os salários em cada país são interconectados entre uma indústria — sua ocupação e região — e outra. Todos os trabalhadores competem entre si, e se os salários na indústria A são bem menores que em outras indústrias, os trabalhadores — liderados por jovens trabalhadores começando suas carreiras — iriam sair da indústria A, ou se recusar a ir pra ela, e se dirigir para outras empresas ou indústrias onde o salário é maior.
Dessa forma, os salários nessas indústrias que estão reclamando estão altos devido à competição de todas as outras indústrias nos EUA. Se as indústrias siderúrgicas ou têxteis nos EUA acham difícil competir com suas concorrentes estrangeiras, não é porque as indústrias estrangeiras estão pagando baixos salários, mas porque outras indústrias americanas forçaram para cima os salários americanos a um nível tão alto que as siderúrgicas e as têxteis não estão conseguindo pagar. Em resumo, o que realmente está acontecendo é que siderúrgicas, têxteis e outras firmas do tipo estão usando mão-de-obra ineficientemente em comparação às outras indústrias americanas. Tarifas ou cotas de importação para manter empresas ineficientes ou indústrias em operação são ruins para todo mundo — em cada país — que não está naquela indústria. Elas prejudicam todos os consumidores do país, pois mantêm os preços altos, a qualidade e a concorrência baixas, e distorcem a produção. Uma tarifa ou uma cota de importação é o equivalente a fatiar uma estrada de ferro ou destruir uma companhia aérea, já que a idéia é fazer com que o transporte internacional seja artificialmente caro.
Tarifas e cotas de importação também prejudicam outras indústrias eficientes, pois restringem recursos que de outra forma iriam para usos mais eficientes. E, no longo prazo, tarifas e cotas, como qualquer tipo de privilégio monopolista garantido pelo governo, não garantem lucros nem para as empresas que estão sendo protegidas e subsidiadas, pois, como já vimos nos casos das estradas de ferro e das companhias aéreas, indústrias que gozam de monopólios garantidos pelo governo (sejam através de tarifas ou regulamentações) acabam se tornando tão ineficiente que elas perdem dinheiro de qualquer jeito, e acabam limitadas a ficar somente clamando por mais e mais ajuda do governo, por uma proteção privilegiada, perpétua e sempre em expansão contra a livre concorrência.


[1] Marca de bonecas de grande sucesso nos EUA, que chegava a gerar brigas entre clientes que disputavam, às vezes no tapa, seus raros estoques nas lojas. Ver mais detalhes aqui. (N. do T.)
[2] E atualmente, o mesmo ocorre com a indústria de DVDs, iPods, celulares, máquinas fotógraficas, notebooks, etc. O princípio segue o mesmo: em setores onde o governo se intromete pouco, seja com regulamentações, subsídios, ou impostos, a tendência é que a produtividade aumente e os preços caiam. Como essa deflação pode ser recessiva? (N. do T.)

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

Conheça os 40 mandamentos do reacionário perfeito



Cada um dos tópicos abaixo foi diretamente inspirado nas falas ou nas atitudes de pessoas de carne e osso

Por Gustavo Moreira, em seu Blog
1-Negue sistematicamente a existência de qualquer conflito de classe, gênero, etnia ou origem regional ao seu redor, mesmo que o problema seja evidente até aos olhos do turista mais desatento. Afinal, sempre nos foi ensinado que a sociedade é um todo harmônico.
2-Não sendo possível negar o conflito, pela sua extensão, tente convencer seu interlocutor de que ele é limitado, reduzido a alguns focos ou induzido por estrangeiros perversos, mas que logo tudo voltará à tranquilidade costumeira.
3-Sendo impossível negar que o conflito é vasto e presente em quase toda parte, tome o partido dos mais poderosos. Afinal, eles representam a ordem, que deve ser mantida a qualquer custo.
4- Manifeste sua contrariedade diante de qualquer estatística que aponte para uma tendência de aumento da massa salarial. É inadmissível que os abnegados empreendedores sejam constrangidos a margens de lucro menores.
5-Demonstre contrariedade ainda maior quando notar que filhos de operários, camelôs e empregadas domésticas estão frequentando universidades. Prevalecendo esta aberração, que vai limpar o vaso sanitário para seu filho daqui a vinte anos?

6-Repita mil vezes por dia, para si mesmo e para os outros, que esquerdismo é doença, ainda que faça parte de uma classe média de orçamento curto, mas que, em estranho fenômeno psicológico, se enxerga como parte da melhor aristocracia do planeta.

7-Atribua a culpa pelos altos índices de criminalidade aos migrantes vindos de regiões pobres e imigrantes de países miseráveis. Estas criaturas não conseguem nem reconhecer a generosidade da sociedade que os acolhe.
8-Associe, sempre que possível, o uso de drogas a universitários transgressores e militantes de esquerda, mesmo sabendo que o pó mais puro costuma ser encontrado nas festas da “boa sociedade”. É necessário ampliar ou pelo menos sustentar o nível de reacionarismo da população em geral.
9- Tente revestir seu conservadorismo com uma face humanitária, reivindicando o direito à vida de todos os fetos, ainda que, na prática, vá pagar um aborto caso sua filha fique grávida de um indesejável, e seja favorável ao uso indiscriminado de cassetete e spray de pimenta contra os filhos de indesejáveis já crescidos.
10- Assuma o partido, em qualquer querela, daquele que for mais valorizado socialmente. Não é prudente que os “de baixo” testemunhem quebras de hierarquia, nem nos casos de flagrante injustiça.
11- Tente justificar, em qualquer ocasião, os ataques militares da OTAN contra países da Ásia, África ou da América Latina, mesmo que estes não representem a menor ameaça concreta para os agressores. Pondere que não é fácil carregar o fardo da civilização.
12- Mantenha assinaturas de pelo menos um jornal e uma revista de linha editorial bem reacionária, para usá-las como argumento de autoridade. Quando suas afirmativas forem refutadas, retruque de imediato com a fórmula “eu sei de tudo porque li o …”.
13-Nunca se esqueça: se um político socialista ou comunista cometer crimes comuns, isto é da essência do esquerdismo; se os crimes forem cometidos por um político de direita, ele é apenas um indivíduo safado que não merece mais o seu voto.
14- Vista-se somente com roupas de grifes caríssimas, não importando o quanto vá se endividar. Sobretudo jamais seja visto sem gravata por pessoas das classes C, D e E.
15- Nunca perca a oportunidade de discursar a favor da pena de morte quando o jornal televisivo noticiar o assassinato de um pequeno burguês por assaltante ou traficante de favela; se, ao contrário, surgir a imagem de algum rico que passou de carro a 200 km/h por cima de pobres, mude de canal, procurando um filme de entretenimento.
16- Quando ouvir narrativas sobre ações violentas de neonazistas e outros militantes de extrema-direita, minimize a questão. Afinal, eles podem ser malucos, mas contrabalançam a ação da esquerda.
17- Reserve pelo menos uma hora, durante as festas de aniversário de seus filhos, para aquela roda em que alguns contam piadas sobre padeiros portugueses burros, negros primitivos, judeus e árabes sovinas, gays escrachados e índios canibais. É necessário, para reforçar a coesão da comunidade burguesa “cristã-velha”!
18- Quando forçado a conversar com pobres, tente parecer um grande doutor, empregando seguidamente expressões estrangeiras; se um subalterno for inconveniente ou falar demais, dispare sem hesitar: “Fermez la bouche!” .
19- Seja sócio de um clube tradicional, ainda que falido, e se possível ocupe uma de suas diretorias, mesmo que totalmente irrelevante. Manifeste-se sempre contra a entrada no quadro social de emergentes sem diploma e outros tipos sem classe.
20- Jamais ande de trem ou de ônibus. É a suprema degradação, comparável somente a ser açougueiro na sociedade absolutista.
21- Obrigue todo empregado doméstico que venha a cair sob suas ordens a comprar uniforme e usá-lo diariamente, impecavelmente lavado e passado. Afinal, para que serve o salário mínimo?
22-Jamais escute música baiana de qualquer vertente, samba, forró ou cantores sertanejos. Uma vez flagrado, sua reputação de homem civilizado estaria arruinada.
23-Pareça o mais alinhado possível com o liberalismo do século XXI. Tendo preguiça de se dedicar a textos complexos, leia pelo menos “Não somos racistas”, de Ali Kamel, e o “Manual do perfeito idiota latino-americano”. Passará como intelectual para pelo menos 90% da juventude de direita.
24- Morra virgem, mas nunca apresente como esposa, noiva ou namorada uma mulher que não caiba no estereótipo da burguesa cosmopolita, porém comportada.
25- Faça eco aos discursos dos octogenários conservadores que constantemente repetem a fórmula “no meu tempo não era assim”, mesmo que saiba sobre inúmeras falcatruas e atrocidades “do tempo deles”. Quanto mais perto do Império e da República Velha, mais longe da contaminação esquerdista!
26- Passe sempre adiante, para parentes, amigos e conhecidos, notícias forjadas na Internet, no estilo “Todas as mulheres de uma cidade do Ceará se recusaram a trabalhar numa fábrica de sapatos, porque já recebiam o bolsa-família”. Não importa se é impossível que qualquer pessoa com mais de quatro neurônios ativos acredite que uma cidade inteira tenha recusado um salário de pelo menos seiscentos reais por achar que vive bem com um auxílio de cento e cinquenta.
27- Repasse, igualmente, juízos de valor negativos sobre personalidades de esquerda, na linha “Michael Moore é mentiroso”, “Chico Buarque é um comunista hipócrita que vive no luxo”, “Dilma foi terrorista”, etc. É preciso dar continuidade à teatral associação entre reacionarismo e moralidade.
28-Diante de qualquer texto ou discurso de esquerda, classifique-o imediatamente como doutrinação barata ou lavagem cerebral. Não importando sua eventual ignorância sobre o tema, é preciso fechar todos os espaços à conspiração gramsciana mundial.
29- Sustente a surrada versão de que “apesar dos erros, os milicos salvaram o Brasil do comunismo em 1964”. Desconverse mais uma vez se alguém perguntar como se chegaria ao comunismo através da provável eleição de Juscelino Kubitschek em 1965.
30- Deprecie ao máximo mexicanos, chilenos, peruanos, paraguaios, bolivianos, colombianos e demais hispânicos como caboclos de cultura atrasada. Abra exceção para argentinos ricos filhos de pais europeus, desde que estes se abstenham de chamá-lo de macaquito.
31- Defenda o caráter sagrado da propriedade rural. Quando alguém recordar que as terras registradas nos cartórios do estado do Pará equivalem a quatro Parás, procure ao menos convencê-lo de que é uma situação atípica.
32- Afirme com veemência que todo posseiro, índio ou quilombola em busca de regularização de terras é vagabundo, mesmo que seus antepassados estejam documentados no local há duzentos anos. Por outro lado, todo latifundiário rico sempre será um proprietário respeitável, ainda que tenha cercado sua fazenda à bala há menos de vinte.
33- Denuncie nas redes sociais os ambientalistas que tentam embargar a construção de fábricas de artefatos de cimento em bairros superpopulosos e de depósitos de gás ao lado de estádios de futebol. Esses idiotas não sabem que nada é mais importante do que o crescimento do PIB?
34- Rejeite toda queixa que ouvir sobre trabalho escravo. É tirania impedir que alguém trabalhe em troca de água, caldo de feijão, laranja mofada e colchão de jornal, se estiver disposto a isto. Deixem a vida social seguir seu curso espontâneo!
35- Quando alguém protestar contra o assassinato de duzentos gays no ano Y, responda que outras quarenta mil pessoas morreram violentamente naquela temporada. Finja que é limítrofe e não entendeu que a cifra se limita aos gays mortos em decorrência desta condição e não aos que tombaram em latrocínios, brigas entre torcidas e disputas armadas por vagas de garagem.
36- Acuse todo movimento constituído contra determinado tipo de opressão de querer promover a opressão com sinal contrário. As feministas, por exemplo, pretendem castrar os machos e colocar-lhes avental para lavar a louça e cuidar de poodles.
37- Enalteça “esportes e diversões” que favorecem o gosto pelo sangue, como arremesso de anões, rinhas de galo, pegas, caçadas em áreas de preservação ambiental, touradas, farras do boi e congêneres. Como já dizia seu patrono oculto Benito Mussolini, “o espírito fascista é emoção, não intelecto”.
38-Procure enxertar referências bíblicas nas suas falas sobre política. Ao defender um oligarca truculento, arremate a obra dizendo algo como “Cristo também jantou na casa do rico Zaqueu”. Tente dar a impressão de que qualquer um que venha a contestá-lo despreza pessoas religiosas.
39-Apresente a todas as crianças que tiver ao seu alcance, antes dos dez anos, o repertório integral de Sylvester Stallone e similares, nos quais o árabe é sempre terrorista, o vietnamita um comunista fanático que jamais tira a farda e o hispano-americano batedor de carteira ou traficante. Tendo a chance, compre também Zulu, para a garotada aprender desde cedo que africanos são selvagens que correm em torno da fogueira sacudindo lanças de madeira.
40- Não permita que a política externa dos Estados Unidos seja criticada impunemente. Nunca se sabe quando o homem de bem precisará de um poder maior e talvez irresistível para defendê-lo do zé povão.

Médico brasileiro comenta ‘gritaria’ da mídia sobre médicos cubanos



“Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma?”

Carta do médico Pedro Saraiva, enviada para o jornalista Luis Nassif e inicialmente reproduzida em seu blog esclarece diversos pontos sobre a vinda dos médicos cubanos ao Brasil.
Por Pedro Saraiva
Olá Nassif, sou médico e gostaria de opinar sobre a gritaria em relação à vinda dos médicos cubanos ao Brasil
Bom, como opinião inteligente se constrói com o contraditório, vou tentar levantar aqui algumas informações sobre a vinda de médicos cubanos para regiões pobres do Brasil que ainda não vi serem abordadas.
médicos cubanos haiti brasil
Médicos cubanos no Haiti atendem mais de 15 milhões de miseráveis (Foto: Divulgação)
- O principal motivo de reclamação dos médicos, da imprensa e do CFM seria uma suposta validação automática dos diplomas destes médicos cubanos, coisa que em momento algum foi afirmado por qualquer membro do governo. Pelo contrário, o próprio ministro da saúde, Alexandre Padilha, já disse que concorda que a contratação de médicos estrangeiros deve seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissional. Portanto, o governo não anunciou que trará médicos cubanos indiscriminadamente para o país. Isto é uma interpretação desonesta.
- Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma? Sou médico e vivo em Portugal, posso garantir que nos últimos anos conheci médicos portugueses e espanhóis que tinham nível técnico de sofrível para terrível. E olha que segundo a OMS, Espanha e Portugal têm, respectivamente, o 6º e o 11º melhores sistemas de saúde do mundo (não tarda a Troika dar um jeito nesse excesso de qualidade). Profissional ruim há em todos os lugares e profissões. Do jeito que o discurso está focado nos médicos de Cuba, parece que o problema real não é bem a revalidação do diploma, mas sim puro preconceito.
Portugal já importa médicos cubanos desde 2009. Aqui também há dificuldade de convencer os médicos a ir trabalhar em regiões mais longínquos, afastadas dos grandes centros. Os cubanos vieram estimulados pelo governo, fizeram prova e foram aprovados em grande maioria (mais à frente vou dar maiores detalhes deste fato). A população aprovou a vinda dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes. Portanto, um dos países com melhores resultados na área de saúde do mundo importa médicos cubanos e a população aprova o seu trabalho.
- Acho que é ponto pacífico para todos que médicos estrangeiro tenham que ser submetidos a provas aí no Brasil. Não faz sentido importar profissionais de baixa qualidade. Como já disse, o próprio ministro da saúde diz concordar com isso. Eu mesmo fui submetido a 5 provas aqui em Portugal para poder validar meu título de especialista. As minhas provas foram voltadas a testar meus conhecimentos na área em que iria atuar, que no caso é Nefrologia. Os cubanos que vieram trabalhar em Medicina de família também foram submetidos a provas, para que o governo tivesse o mínimo de controle sobre a sua qualidade.
Pois bem, na última leva, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram aprovados (73,3%). Fui procurar dados sobre o Revalida, exame brasileiro para médicos estrangeiros e descobri que no ano de 2012, de 182 médicos cubanos inscritos, apenas 20 foram aprovados (10,9%). Há algo de estranho em tamanha dissociação. Será que estamos avaliando corretamente os médicos estrangeiros?
Seria bem interessante que nossos médicos se submetessem a este exame ao final do curso de medicina. Não seria justo que os médicos brasileiros também só fossem autorizados a exercer medicina se passassem no Valida? Se a preocupação é com a qualidade do profissional que vai ser lançado no mercado de trabalho, o que importa se ele foi formado no Brasil, em Cuba ou China? O CFM se diz tão preocupado com a qualidade do médico cubano, mas não faz nada contra o grande negócio que se tornaram as faculdades caça-níqueis de Medicina. No Brasil existe um exército de médicos de qualidade pavorosa. Gente que não sabe a diferença entre esôfago e traqueia, como eu já pude bem atestar. Porque tanto temor em relação à qualidade dos estrangeiros e tanta complacência com os brasileiros?

REVALIDA

- Em relação este exame de validação do diploma para estrangeiros abro um parêntesis para contar uma situação que presenciei quando ainda era acadêmico de medicina, lá no Hospital do Fundão da UFRJ.
Um rapaz, se não me engano brasileiro, tinha feito seu curso de medicina na Bolívia e havia retornado ao país para exercer sua profissão. Como era de se esperar, o rapaz foi submetido a um exame, que eu acredito ser o Revalida (na época realmente não procurei me informar). O fato é que a prova prática foi na enfermaria que eu estava estagiando e por isso pude acompanhar parte da avaliação. Dois fatos me chamaram a atenção, o primeiro é a grande má vontade dos componentes da banca com o candidato. Não tenho dúvidas que ele já havia sido prejulgado antes da prova ter sido iniciada. Outro fato foi o tipo de perguntas que fizeram. Lembro bem que as perguntas feitas para o rapaz eram bem mais difíceis que aquelas que nos faziam nas nossas provam. Lembro deles terem pedidos informações sobre detalhes anatômicos do pescoço que só interessam a cirurgiões de cabeça e pescoço. O sujeito que vai ser médico de família, não tem que saber todos os nervos e vasos que passam ao lado da laringe e da tireoide. O cara tem que saber tratar diarreia, verminose, hipertensão, diabetes e colesterol alto. Soube dias depois que o rapaz tinha sido reprovado.
Não sei se todas as provas do Revalida são assim, pois só assisti a uma, e mesmo assim parcialmente. Mas é muito estranho os médicos cubanos terem alta taxa de aprovação em Portugal e pouquíssimos passarem no Brasil. Outro número que chama a atenção é o fato de mais de 10% dos médicos em atividade em Portugal serem estrangeiros. Na Inglaterra são 40%. No Brasil esse número é menor que 1%. E vou logo avisando, meu salário aqui não é maior do que dos meus colegas que ficaram no Brasil.
- Até agora não vi nem o CFM nem a imprensa irem lá nas áreas mais carentes do Brasil perguntar o que a população sem acesso à saúde acha de virem 6000 médicos cubanos para atendê-los. Será que é melhor ficar sem médico do que ter médicos cubanos? É o óbvio ululante que o ideal seria criar condições para que médicos brasileiros se sentissem estimulados a ir trabalhar no interior. Mas em um país das dimensões do Brasil e com a responsabilidade de tocar a medicina básica pulverizada nas mãos de centenas de prefeitos, isso não vai ocorrer de uma hora para outra. Na verdade, o governo até lançou nos últimos anos o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que oferece salários mensais de R$ 8 mil e pontos na progressão de carreira para os médicos que vão para as periferias. O problema é que até hoje só 4 mil médicos aceitaram participar do programa. Não é só salário, faltam condições de trabalho. O que fazemos então? vamos pedir para os mais pobres aguentar mais alguns anos até alguém conseguir transformar o SUS naquilo que todos desejam? Vira lá para a criança com diarreia ou para a mãe grávida sem pré-natal e diz para ela segurar as pontas sem médico, porque os médicos do sul e sudeste do Brasil, que não querem ir para o interior, acham que essa história de trazer médico cubano vai desvalorizar a medicina do Brasil.
- É bom lembrar que Cuba exporta médicos para mais de 70 países. Os cubanos estão acostumados e aceitam trabalhar em condições muito inferiores. Aliás, é nisso que eles são bons. Eles fazem medicina preventiva em massa, que é muito mais barata, e com grandes resultados. Durante o terremoto do Haiti, quem evitou uma catástrofe ainda maior foram os médicos cubanos. Em poucas semanas os médicos dos países ricos deram no pé e deixaram centenas de milhares de pessoas sem auxílio médico. Se não fosse Cuba e seus médicos, haveria uma tragédia humanitária de proporções dantescas. Até o New England Journal of Medicine, a revista mais respeitada de medicina do mundo, fez há poucos meses um artigo sobre a medicina em Cuba. O destaque vai exatamente para a capacidade do país em fazer medicina de qualidade com recursos baixíssimos (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1215226).
- Com muito menos recursos, a medicina de Cuba dá um banho em resultados na medicina brasileira. É no mínimo uma grande arrogância achar que os médicos cubanos não estão preparados para praticar medicina básica aqui no Brasil. O CFM diz que a medicina de Cuba é de má qualidade, mas não explica por que a saúde dos cubanos, como muito menos recursos tecnológicos e com uma suposta inferioridade qualitativa, tem índices de saúde infinitamente melhores que a do Brasil e semelhantes à avançada medicina americana (dados da OMS).
- Agora, ninguém tem que ir cobrar do médico cubano que ele saiba fazer cirurgia de válvula cardíaca ou que seja mestre em dar laudos de ressonância magnética. Eles não vêm para cá para trabalhar em medicina nuclear ou para fazer hemodiálises nos pacientes. Medicina altamente tecnológica e ultra especializada não diminui mortalidade infantil, não diminui mortalidade materna, não previne verminose, não conscientiza a população em relação a cuidados de saúde, não trata diarreia de criança, não aumenta cobertura vacinal, nem atua na área de prevenção. É isso que parece não entrar na cabeça de médicos que são formados para serem superespecialistas, de forma a suprir a necessidade uma medicina privada e altamente tecnológica. Atenção! O governo que trazer médicos para tratar diarreia e desidratação! Não é preciso grande estrutura para fazer o mínimo. Essa população mais pobre não tem o mínimo!
Que venham os médicos cubanos, que eles façam o Revalida, mas que eles sejam avaliados em relação àquilo que se espera deles. Se os médicos ricos do sul maravilha não querem ir para o interior, que continuem lutando por melhores condições de trabalho, que cobrem dos governos em todas as esferas, não só da Federal, melhores condições de carreia, mas que ao menos se sensibilizem com aqueles que não podem esperar anos pela mudança do sistema, e aceitem de bom grado os colegas estrangeiros que se dispõe a vir aqui salvar vidas.
Infelizmente até a classe médica aderiu ao ativismo de Facebook. O cara lê a Veja ou O Globo, se revolta com o governo, vai no Facebook, repete meia dúzia de clichês ou frases feitas e sente que já exerceu sua cidadania. Enquanto isso, a população carente, que nem sabe o que é Facebook morre à mingua, sem atendimento médico brasileiro ou cubano.

O que realmente é o mercado



comercio.jpgAs características da economia de mercado
economia de mercado é o sistema social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção.  Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas.  Ao agir, todos servem seus concidadãos.  Por outro lado, todos são por eles servidos.  Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins.
Este sistema é guiado pelo mercado.  O mercado orienta as atividades dos indivíduos por caminhos que possibilitam melhor servir as necessidades de seus semelhantes.  Não há, no funcionamento do mercado, nem compulsão nem coerção.  O estado, o aparato social de coerção e compulsão, não interfere nas atividades dos cidadãos, as quais são dirigidas pelo mercado.  O estado utiliza o seu poder exclusivamente com o propósito de evitar que as pessoas empreendam ações lesivas à preservação e ao funcionamento da economia de mercado.  Protege a vida, a saúde e a propriedade do indivíduo contra a agressão violenta ou fraudulenta por parte de malfeitores internos e de inimigos externos.  Assim, o estado se limita a criar e a preservar o ambiente onde a economia de mercado pode funcionar em segurança.
slogan marxista "produção anárquica" retrata corretamente essa estrutura social como um sistema econômico que não é dirigido por um ditador, um czar da produção que pode atribuir a cada um uma tarefa e obrigá-lo a obedecer a esse comando.  Todos os homens são livres; ninguém tem de se submeter a um déspota.  O indivíduo, por vontade própria, se integra num sistema de cooperação.  O mercado o orienta e lhe indica a melhor maneira de promover o seu próprio bem estar, bem como o das demais pessoas.  O mercado comanda tudo; por si só coloca em ordem todo o sistema social, dando-lhe sentido e significado.
O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva.  O mercado é um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho.  As forças que determinam a — sempre variável — situação do mercado são os julgamentos de valor dos indivíduos e suas ações baseadas nesses julgamentos de valor.  A situação do mercado em um determinado momento é a estrutura de preços, isto é, o conjunto de relações de troca estabelecido pela interação daqueles que estão desejosos de vender com aqueles que estão desejosos de comprar.  Não há nada, em relação ao mercado, que não seja humano, que seja místico.  O processo de mercado resulta exclusivamente das ações humanas.  Todo fenômeno de mercado pode ser rastreado até as escolhas específicas feitas pelos membros da sociedade de mercado.
O processo de mercado é o ajustamento das ações individuais dos vários membros da sociedade aos requisitos da cooperação mútua.  Os preços de mercado informam aos produtores o que produzir como produzir e em que quantidade.  O mercado é o ponto focal para onde convergem e de onde se irradiam as atividades dos indivíduos.
A economia de mercado deve ser estritamente diferenciada do segundo sistema imaginável — embora não realizável — de cooperação social sob um regime de divisão de trabalho: o sistema de propriedade governamental ou social dos meios de produção. Esse segundo sistema é comumente chamado de socialismo, comunismo, economia planificada ou capitalismo de estado.  A economia de mercado e a economia socialista (ou o capitalismo de estado) são mutuamente excludentes.  Não há mistura possível ou imaginável dos dois sistemas; não há algo que se possa chamar de economia mista, um sistema que seria parcialmente socialista.  A produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é por decretos de um czar da produção, ou de um comitê de czares da produção.
Nada que seja, de alguma forma, relacionado com o funcionamento do mercado pode, no sentido praxeológico ou econômico do termo, ser chamado de socialismo. A noção de socialismo, tal como é concebida e definida por todos os socialistas, implica a ausência de um mercado para os fatores de produção e a ausência de preços para esses fatores.  A "socialização" de instalações industriais, comerciais e agrícolas — isto é, a transferência de sua propriedade de privada para pública — é um método de conduzir pouco a pouco ao socialismo. 
É um passo na direção do socialismo, mas não é em si mesmo o socialismo. (Marx e os marxistas ortodoxos negaram claramente a possibilidade dessa aproximação gradual para o socialismo. Segundo suas doutrinas, a evolução do capitalismo atingirá inevitavelmente um estágio no qual, de um só golpe, ele se transformaria em socialismo).
As empresas públicas operadas pelo governo, bem como a economia da Rússia Soviética, pelo simples fato de comprarem e venderem em mercados, estão conectadas ao sistema capitalista.  Dão testemunho dessa conexão ao utilizarem a moeda em seus cálculos.  Assim, fazem uso dos métodos intelectuais do sistema capitalista que fanaticamente condenam.
Isto porque o cálculo econômico é a base intelectual da economia de mercado.  Os objetivos perseguidos pela ação em qualquer sistema baseado na divisão do trabalho não podem ser alcançados sem o cálculo econômico.  A economia de mercado calcula em termos de preços em moeda.  Ser capaz de efetuar tal cálculo foi determinante na sua evolução e condiciona seu funcionamento nos dias de hoje.  A economia de mercado é uma realidade porque é capaz de calcular.
Capitalismo
Todas as civilizações, até os dias de hoje, foram baseadas na propriedade privada dos meios de produção.  No passado, civilização e propriedade privada sempre andaram juntas.
Aqueles que sustentam que a economia é uma ciência experimental, e apesar disso recomendam o controle estatal dos meios de produção, se contradizem lamentavelmente. Se pudéssemos extrair algum ensinamento da experiência histórica, este seria o de que a propriedade privada está inextricavelmente ligada à civilização. Não há nenhuma experiência que mostre que o socialismo poderia proporcionar um padrão de vida tão elevado quanto o que é proporcionado pelo capitalismo.
O sistema de economia de mercado nunca chegou a ser tentado de forma completa e pura.  Mas, na civilização ocidental, desde a Idade Média, de um modo geral, prevaleceu uma tendência no sentido de abolir as instituições que obstruíam o funcionamento da economia de mercado.  O constante progresso dessa tendência permitiu o crescimento populacional e a elevação do padrão de vida das massas a um nível sem precedente e até então inimaginável. O cidadão médio desfruta hoje de comodidades que fariam inveja a Cresus, Crasso, aos Médici e a Luís XIV.
Os problemas suscitados pela crítica socialista e intervencionista à economia de mercado são puramente de ordem econômica e só podem ser tratados por uma análise profunda da ação humana e de todos os sistemas imagináveis de cooperação social. O problema psicológico, em decorrência do qual as pessoas desprezam e menoscabam o capitalismo e chamam de "capitalista" tudo o que lhes desagrada, e de "socialista" tudo o que lhes agrada, é um problema que diz respeito à história e deve ser deixado a cargo dos historiadores.  
Os defensores do totalitarismo consideram o "capitalismo" um mal tenebroso, uma doença terrível que se abateu sobre a humanidade. Aos olhos de Marx, o capitalismo era um estágio inevitável da evolução do gênero humano, mas, ainda assim, o pior dos males; felizmente a salvação estava iminente e livraria o homem definitivamente deste desastre. Na opinião de outras pessoas, teria sido possível evitar o capitalismo se ao menos os homens fossem mais virtuosos ou mais habilidosos na escolha de políticas econômicas.
Todas essas lucubrações têm um traço comum.  Consideram o capitalismo como um fenômeno ocidental que poderia ser eliminado sem alterar condições que são essenciais ao pensamento e à ação do homem civilizado.  Como elas não se preocupam com o problema do cálculo econômico, não chegam a perceber as consequências que seriam produzidas pela abolição desse cálculo.  Não chegam a se dar conta de que o homem socialista, para cujo planejamento a aritmética não terá nenhuma utilidade, seria, na sua mentalidade e no seu modo de pensar, inteiramente diferente dos nossos contemporâneos.  Ao lidar com o socialismo, não devemos subestimar essa transformação mental, mesmo se estivéssemos dispostos a suportar silenciosamente as desastrosas consequências que adviriam para o bem estar material da humanidade.
A economia de mercado é um modo de agir, fruto da ação do homem sob a divisão do trabalho. Todavia, isto não significa que seja algo acidental ou artificial, algo que possa ser substituído por outro modo de agir qualquer. A economia de mercado é o produto de um longo processo evolucionário. É o resultado dos esforços do homem para ajustar sua ação, da melhor maneira possível, às condições dadas de um meio ambiente que ele não pode modificar.  É, por assim dizer, a estratégia cuja aplicação permitiu ao homem progredir triunfalmente do estado selvagem à civilização.
Muitos autores raciocinam da seguinte forma: o capitalismo foi o sistema econômico que possibilitou as realizações maravilhosas dos últimos duzentos anos; portanto, está liquidado porque o que foi benéfico no passado não pode continuar sendo benéfico nos nosso tempo nem no futuro.  Tal raciocínio está em contradição flagrante com os princípios do conhecimento experimental.  Não é necessário, a essa altura, retornar novamente à questão de saber se a ciência da ação humana pode ou não adotar os métodos experimentais das ciências naturais.  Mesmo se fosse possível responder afirmativamente a esta questão, seria absurdo questionar como esses experimentalistas o fazem ao inverso. A ciência experimental argumenta que, se foi válido no passado, será válido também no futuro. Não tem cabimento afirmar o contrário: se foi válido no passado, não o será no futuro.
A economia não é, evidentemente, um ramo da história ou de qualquer outra ciência histórica.  É a teoria de toda ação humana, a ciência geral das imutáveis categorias da ação e do seu funcionamento em quaisquer condições imagináveis sob as quais o homem age.  Por assim ser, constitui a ferramenta mental indispensável para lidar com os problemas históricos e etnográficos.  Um historiador ou um etnógrafo que, no seu trabalho, não aproveita da melhor maneira possível todos os ensinamentos da economia, está trabalhando mal.  Na realidade, ele não aborda o objeto de sua pesquisa sem estar influenciado por aquilo que despreza como teoria.  Está, em cada instante de sua coleta de fatos pretensamente puros, quando os ordena e deles extrai conclusões, guiado por remanescentes confusos e deturpados de doutrinas econômicas perfunctórias, construídas desleixadamente ao longo dos séculos que precederam a elaboração de uma ciência econômica; ciência econômica esta que refutou de forma definitiva aquelas doutrinas superficiais.
Não são os economistas, e sim os seus críticos, que carecem de "senso histórico" e ignoram o fator evolução.  Os economistas sempre tiveram consciência do fato de que a economia de mercado é o produto de um longo processo histórico que começou quando a raça humana emergiu dos grupos de outros primatas.  Os defensores do que erroneamente é chamado de "historicismo" pretendem desfazer os efeitos das mudanças evolucionárias.  A seu ver, tudo aquilo cuja existência não possa ser rastreada até um passado remoto, ou não possa ter sua origem identificada nos costumes de alguma tribo primitiva da Polinésia, é artificial, ou mesmo decadente.  Consideram como prova de inutilidade e podridão de uma instituição o fato de ela ser desconhecida para os selvagens.  Marx e Engels, e os professores alemães da Escola Historicista, exultaram quando tomaram conhecimento de que a propriedade privada é "apenas" um fenômeno histórico. Para eles, esta era a prova de que os seus planos socialistas eram realizáveis.
O gênio criador está em contradição com os seus contemporâneos. Enquanto pioneiro das coisas novas e das quais nunca se ouviu falar, ele está em conflito com a aceitação cega de critérios e valores tradicionais.  A seu ver, a rotina de um cidadão normal, do homem médio e comum, não passa de uma estupidez.  Para ele, "burguês" é sinônimo de imbecilidade.  Os artistas frustrados que se satisfazem em imitar os maneirismos do gênio, a fim de esquecer e de dissimular sua própria impotência, adotam essa terminologia.  Esses boêmios chamam tudo o que lhes desagrada de "burguês".  Desde que Marx tornou o termo "capitalista" equivalente a "burguês", estas palavras são empregadas como sinônimas. Nos vocabulários de todas as línguas as palavras "capitalistas" e "burgueses" significam hoje tudo o que há de vergonhoso, degradante e infame.  Por outro lado, chamam tudo aquilo de que gostam ou que prezam de "socialista".  O esquema de raciocínio é o seguinte: um homem, arbitrariamente, chama de "capitalista" tudo o que lhe desagrada e depois deduz dessa designação que aquilo que lhe desagrada é mau.
Esta confusão semântica vai ainda mais longe.  Sismondi, os apologistas românticos da Idade Média, todos os autores socialistas, a Escola Historicista prussiana e os Institucionalistas americanos ensinaram que o capitalismo é um sistema injusto de exploração que sacrifica os interesses vitais da maioria da população em benefício exclusivo de um pequeno grupo de aproveitadores.  Nenhum homem decente pode defender esse sistema "insensato".  Os economistas que sustentam que o capitalismo é benéfico não apenas a um pequeno grupo, mas a todas as pessoas, são "sicofantas da burguesia".  Ou são obtusos demais para perceber a realidade, ou então são apologistas vendidos aos interesses egoístas da classe dos exploradores.
O capitalismo, no entender desses inimigos da liberdade e da economia de mercado, significa a política econômica defendida pelas grandes empresas e pelos milionários. Diante do fato de que alguns — certamente não todos — capitalistas e empresários ricos, nos dias de hoje, são favoráveis a medidas que restringem o livre comércio e a livre concorrência, e que resultam em monopólio, os críticos dizem: o capitalismo contemporâneo defende o protecionismo, os cartéis e a abolição da competição.  E ainda acrescentam que, em um certo período do passado, o capitalismo inglês era favorável ao comércio livre, tanto no mercado interno como nas relações internacionais.  Isto ocorria porque, naquela época, os interesses de classe da burguesia inglesa eram mais bem atendidos por essa política.  Entretanto, as condições mudaram e, hoje, o capitalismo, isto é, a doutrina defendida pelos exploradores, é favorável a outra política.
Essa tese deforma grosseiramente tanto a teoria econômica como os fatos históricos. Houve e sempre haverá pessoas cujos interesses próprios exigem proteção para situações já estabelecidas, e que esperam obter vantagens de medidas que restringem a concorrência.  Empresários envelhecidos e cansados, bem como os herdeiros decadentes de pessoas que foram bem sucedidas no passado, não gostam de empreendedores novos e ágeis que ameaçam a sua riqueza e posição social eminente.  Seu desejo de tornar rígidas as condições econômicas e de impedir o progresso pode ou não ser realizado, dependendo do clima da opinião pública.
A estrutura ideológica do século XIX, influenciada pelo prestígio dos ensinamentos dos economistas liberais, tornava inúteis esses desejos.  Quando os melhoramentos tecnológicos da era do liberalismo revolucionaram os métodos tradicionais de produção, transporte e comércio, aqueles cujos interesses estabelecidos foram atingidos não pediram proteção porque teria sido inútil.  Mas, hoje, impedir um homem eficiente de competir com um menos eficiente é considerada uma tarefa legítima do governo.  A opinião pública simpatiza com as solicitações de grupos poderosos para impedir o progresso.  Não é de estranhar que, em tal ambiente, empresários menos eficientes busquem proteção contra concorrentes mais eficientes.
Seria correto descrever este estado de coisas da seguinte forma: hoje, muitos ou alguns setores empresariais não são mais liberais; não defendem uma autêntica economia de mercado, mas, ao contrário, solicitam ao governo medidas intervencionistas. Mas é inteiramente errado dizer que o significado do conceito de capitalismo mudou e que o atual capitalismo ou "capitalismo tardio" — como é chamado pelos marxistas — seja caracterizado por políticas restritivas que visem a proteger interesses constituídos de assalariados, agricultores, lojistas, artesãos e também, às vezes, de capitalistas e empresários.  O conceito de capitalismo, como conceito econômico, é imutável; se tem algum significado, significa economia de mercado.
Se aquiescermos em usar uma terminologia diferente, ficaremos privados das ferramentas semânticas próprias para lidar adequadamente com os problemas da história contemporânea e das políticas econômicas.  Essa nomenclatura defeituosa só se torna compreensível quando percebemos que os pseudoeconomistas e os políticos que a utilizam querem evitar que as pessoas saibam o que é realmente a economia de mercado.  Querem que as pessoas acreditem que todas as medidas repulsivas de intervenção estatal são provocadas pelo "capitalismo".

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".