domingo, 28 de julho de 2013

Por que os juros são altos no Brasil



Taxas.jpgImagine um indivíduo cuja renda total mensal seja de R$ 10.000.  Imagine também que seus gastos correntes (conta de luz, condomínio, internet, TV a cabo, alimentação, escola dos filhos, vestuário, lazer etc.) sejam de R$ 8.500.
Teoricamente, ele está tendo uma poupança de R$ 1.500 por mês.  Sempre que ele for ao banco pedir empréstimos, ele vai utilizar esse número como prova de sua austeridade e de seu bom histórico.
Entretanto, não incluído nesses gastos correntes, está o pagamento de juros de uma dívida que ele contraiu há alguns meses, quando comprou um apartamento financiado.  As prestações mensais custam R$ 1.300.
E além do pagamento dos juros dessa dívida, há também outras dívidas que estão vencendo (por exemplo, dívidas com alguns amigos e parentes), as quais ele deve pagar.  A amortização dessas dívidas lhe custa R$ 1.520.
O leitor — que certamente está com uma calculadora na mão — já percebeu que, caso este indivíduo diga que está poupando R$ 1.500 por mês, ele estará mentindo fragorosamente.  A realidade é que ele está tendo gastos maiores que sua receita.  Embora ele ganhe R$ 10.000, ele está gastando R$ 11.320 — ou seja, sua despesa total é R$ 1.320 maior que sua receita.
Um economista governamental diria que este indivíduo possui um superávit primário de R$ 1.500.  Um economista mais realista diria que ele, na verdade, está tendo um déficit nominal de R$ 1.320, e que é esse número que interessa.
E como esse indivíduo não tem poupança, ele precisa se endividar para cobrir esse seu déficit nominal.  Ou seja, ele terá de pedir R$ 1.320 emprestados.  Consequência: no final do mês, mesmo pagando dívidas, seu endividamento aumentou.  Cada déficit nominal representa um aumento na sua dívida.
Entretanto, a agonia ainda não acabou.  Os números acima representam apenas as despesas totais deste indivíduo.  Há, no entanto, outras despesas com dívidas que não foram incluídas no relato acima.  São despesas que não alteram seu endividamento total; elas não aumentam nem diminuem sua dívida, mas possuem enorme influência na sua capacidade futura de obter novos empréstimos.  Refiro-me às operações de refinanciamento da dívida.  Explico melhor.
Imagine que este indivíduo, além de todos os gastos acima — gastos correntes e gastos com juros e amortização de dívidas —, tenha tido de renegociar outras dívidas pendentes.  Imagine que ele possua uma alta dívida com o Banco A porque pediu empréstimo para um cruzeiro para as Bahamas.  O banco está lhe cobrando a quitação deR$ 4.000.  Como ele não quer ficar encrencado com bancos, ele decide quitar essa dívida.  Mas, obviamente, não tem dinheiro sobrando para isso.  Logo, ele vai ao Banco B, no qual também possui conta, e pede um empréstimo de R$ 4.000 para quitar a dívida com o banco A. 
Ou seja, ele trocou uma dívida por outra.  Em termos práticos, ele rolou sua dívida ou refinanciou-a.  No geral, sua dívida total não se alterou.  Porém, o observador mais iniciado sabe perfeitamente que essa medida pode ser bastante perigosa caso venha a tornar rotineira.  Nesse caso, o rolamento da dívida vai depender totalmente da boa vontade do Banco B em continuar fornecendo crédito para este indivíduo.  Vai depender também, e principalmente, do histórico de crédito desse indivíduo.  Se seu histórico se deteriorar, os juros cobrados pelo Banco B irão subir — ou, na melhor das hipóteses, nunca serão baixos.
Portanto, eis o resumo da situação fiscal desse indivíduo:
1) Renda: R$ 10.000
2) Gastos totais (gastos correntes + juros + amortizações): R$ 11.320
3) Despesas apenas com juros e amortizações: R$ 1.300 + R$ 1.520 = R$ 2.820  (28,2% da renda).
4) Refinanciamento: R$ 4.000 (40% da renda).
5) Volume total despendido com a dívida (juros + amortizações + refinanciamento): R$ 6.820. (68,2% da renda)
Embora a situação acima seja hipotética, os valores são percentualmente idênticos à situação do governo federal brasileiro em 2010.
Por que isso importa?
A ilustração acima ajuda a entender um dos principais motivos de a taxa SELIC — a taxa básica de juros da economia brasileira — ser alta.  Principalmente, ajuda a entender por que ela não tem como diminuir caso a situação fiscal do Brasil continue como está.
Veja os números fiscais do governo federal para o ano de 2010, ano considerado excelente em termos econômicos:
Receita totalR$ 919.773.319.934
Despesa totalR$ 1.044.122.830.205
Déficit nominal: R$ 124.349.510.271
Despesa sem juros, encargos e amortizações: R$ 782.204.970.288
Superávit primário: R$ 137.568.349.646
Gastos apenas com juros, encargos e amortizações: R$ 261.917.859.917
Gastos com juros, encargos, amortizações e mais refinanciamentos: R$635.355.479.805
Despesa total do governo, incluindo o refinanciamento da dívida: R$ 1.417.560.450.094 
PIB = R$ 3.674.964.000.000
Gasto total apenas com a dívida = 69% da receita total ou 17,3% do PIB
Observe que a diferença entre considerar apenas as despesas com juros, encargos e amortizações e considerar esse mesmo valor acrescido dos valores do refinanciamento é enorme.
A mídia gosta de divulgar apenas o superávit primário, dando a impressão de austeridade governamental.  Quando muito, ela divulga rapidamente o déficit nominal.
Entretanto, mesmo o déficit nominal não é suficiente para explicar o valor da SELIC.  Afinal, o déficit nominal representa 13% da arrecadação total, 12% dos gastos totais e "apenas" 3,38% do PIB.  Há vários países, principalmente na Europa, com valores muito piores do que esse, mas com uma taxa de juros muito menor.
Logo, quem procurar explicações para o alto valor da SELIC apenas nos números fiscais divulgados pela mídia ficará completamente à deriva, sem entender nada do que se passa.
Dado que a taxa SELIC representa os juros anuais que o governo paga sobre sua dívida, fica mais fácil entender a relação entre seu alto valor e a real situação fiscal do governo: um dos principais motivos de a SELIC ser alta está na necessidade de refinanciamento da dívida do governo federal, cujo volume é extremamente alto.
Como demonstrado pelo exemplo do indivíduo no início deste artigo, o governo, além de pagar encargos e amortizar parte da dívida, tem também de rolar boa parte da dívida que está vencendo.  E para rolar essa dívida, o Tesouro tem de emitir novos títulos da dívida, os quais devem ser comprados por investidores.  E para atrair investidores dispostos a comprar esse alto volume de títulos, os juros devem ser atraentes.  Quanto mais alto o valor da dívida a ser rolada, mais altos têm de ser os juros — caso contrário, não haveria investidores suficientemente atraídos para isso, o que significa que boa parte da dívida não poderia ser rolada.  Logo, ela teria de ser paga, restringindo ainda mais a liberdade orçamentária do governo federal.  A outra única opção seria o calote.
Veja no gráfico a seguir a situação de alguns países do mundo nesse quesito.  Observe a coluna "NFSP total" (Necessidade de Financiamento do Setor Público Total), que representa justamente os gastos com juros, encargos, amortizações e refinanciamentos:
arte27opin-202-col_op1-a12.jpg
Observe que todos os países que estão piores que o Brasil são justamente aqueles que estão enfrentando graves crises fiscais.  Os investidores não mais estão dispostos a seguir rolando a dívida destes países ao atual nível de juros oferecidos, o que significa que os juros terão de ser elevados.  O Brasil aparentemente não enfrenta essa dificuldade justamente pelo fato de os juros aqui já serem elevados.
Portanto, enquanto a necessidade de financiamento do governo federal brasileiro continuar alta, simplesmente não haverá espaço para grandes reduções da taxa básica de juros.  Se esta for reduzida, o governo dificilmente conseguirá continuar rolando o mesmo montante da dívida que rola anualmente.  Isso faria com que essa dívida rolada tivesse de ser efetivamente quitada, o que comprimiria sobremaneira o orçamento do governo.  Daí a importância do corte de gastos.  Apenas um genuíno corte de gastos pode fazer com que haja menos necessidade tanto de tomar dinheiro emprestado quanto de refinanciar a dívida, o que permitiria sua efetiva quitação.
Isso também explica por que meras perfumarias, como o espalhafatosamente recém-anunciado plano de aumentar o superávit primário em meros R$ 10 bilhões, não trarão efeito nenhum sobre juros — o déficit nominal e a necessidade de refinanciamento seguem inatacados.
Outra teoria complementar
O presidente do IMB, Helio Beltrão, tem uma teoria — a qual funciona complementarmente à apresentada acima — para a taxa básica de juros no Brasil ser alta.  Segundo ele, um dos principais motivos de a SELIC ser alta é porque, durante a década de 1980 e a primeira metade da de 1990, muita gente aplicava em títulos públicos apenas para se proteger da inflação.  Isso elevou enormemente o M3 e o M4, que é o agregado monetário que considera os títulos públicos.
Sendo assim, os agregados monetários hoje podem ser vistos como um "triângulo invertido" (com a base monetária representada pela ponta da pirâmide, embaixo, e o M3/M4 sendo a base da pirâmide, acima).
Nos países centrais a pirâmide invertida é "magra", ou seja, a relação entre M3/M4 e a base monetária é bastante menor que no Brasil.  Isso significa que no Brasil há enorme pressão ou potencial de que os poupadores (M3 e M4) queiram transformar sua poupança em "dinheiro" (M1), para gastar.  Quem segura e impede a conversão é a taxa de juros de curto prazo (SELIC, que é muito próxima ao CDI).
Quanto mais o governo emite títulos, mais essa pirâmide fica "gorda" — mais o M3 e o M4 aumentam em relação ao M1.  Consequentemente, mais aumenta a pressão de conversão de títulos públicos em dinheiro — o M3/M4 começa a "pingar" ainda mais no M1.  Sendo assim, se a taxa SELIC diminuísse, o pinga-pinga viraria uma cachoeira inflacionária — e como o Banco Central trabalha com metas de inflação, ele não pode deixar isso acontecer.
Conclusão
Esse artigo abordou apenas a questão da SELIC, nada comentando sobre o nível dos juros praticados pelos empréstimos bancários, cujos motivos de serem altos são outros — embora sejam diretamente influenciados pelo valor da SELIC.  (Para uma explicação completa sobre o que é a SELIC e sua relação com o sistema bancário, vejaeste artigo.)
Embora possa parecer menos importante do que os juros bancários, o fato é que a taxa SELIC traz impacto direto sobre as finanças do governo — e, logo, sobre toda a economia.  Quanto maior a SELIC, maiores serão os gastos do governo com a dívida.  Consequentemente, maior terá de ser a carga tributária.
Sem cortes de gastos, será impossível o governo reduzir sua necessidade de financiamento.  Sem reduzir sua necessidade de financiamento, será impossível uma redução expressiva na SELIC.  Sem uma redução na SELIC, os gastos com a dívida seguirão altos.  Com altos gastos, será impossível uma redução na carga tributária.
E isso afeta toda a economia.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Sobre a atual inflação de preços no Brasil e oproblema da SELIC



Alexandre-Tombini-_-ABr.jpgComo atualmente só se fala em tomate, era inevitável tratarmos da crônica inflação de preços por quepassa o Brasil.  Qual a sua causa?  Como resolvê-la?
Em episódios passados — por exemplo, entre outubro de 2010 e setembro de 2011, quando o IPCA acumulado em 12 meses pulou de 5% para 7,31% —, o governo ainda se safava dizendo que a alta inflação de preços era culpa do nosso atordoante "crescimento econômico" e da nossa mundialmente invejável "economia superaquecida", e que tal inflação era um aceitável efeito colateral do inegável fato de que o Brasil estava se transformando em uma potência capaz de fazer a China tremelicar...
Agora, no entanto, tal desculpa deixou de surtir o mesmo efeito de antes.  Não somos mais capa da TheEconomist.  Afinal, como culpar um PIB de 0,9% por um IPCA de 6,59% (acumulado em 12 meses em março de 2013)?  Ainda pior é saber que o INPC, que mensura a inflação de preços para as famílias de baixa renda, está acumulado em 7,22%.
Foi nesse embalo, que um leitor me mandou um email pedindo para comentar o seguinte trecho escrito por Reinaldo Azevedo em seu blog:
Os alimentos continuam a pressionar a inflação, como informa reportagem da VEJA Online. Fosse só isso, tudo certo. Mesmo uma economia em deflação, como a do Japão, pode sofrer um choque de oferta — se não de tomate, daquela raiz-forte insuportável que se deve comer junto com outras coisas insuportáveis… Passa. Caso a inflação "tomatística" persista, o jeito é parar de comer tomate. O preço vai cair.
O problema é que a elevação de preços se espalhou em alguns setores da economia. É só o tomate ou a cebola? Não! O índice de 12 meses, em março, chegou a 6,59%, acima, portanto, da banda superior da meta. Nove desses 12 meses referem-se ao ano de 2012, quando o PIB brasileiro cresceu modestíssimos 0,9%. Tem-se, portanto, uma situação indesejável de baixo crescimento com inflação alta. Ou não se tem?
Agora eu volto lá aos economistas. Desafio os especialistas da Casa das Garças (que reúne muita gente boa e intelectualmente honesta), da Casa dos Tucanos, da Casa dos Falcões, da Casa dos Canarinhos a me demonstrar que a receita para baixar a inflação que está aí é a elevação de juros.
Notem bem: eu não estou contestando que elevação de juros concorra para baixar a inflação, como não contesto que um dos efeitos do antibiótico é baixar febre quando o paciente contraiu uma infecção bacteriana
O desafio é interessante, mas inócuo.  Por quê?  Porque movimentos da SELIC, por si sós, não indicam nada.  Uma elevação da SELIC não é garantia alguma de que o Banco Central está querendo conter a inflação de preços, e por um simples motivo: a elevação da SELIC nem sempre significa um aperto monetário.  E, da mesma forma, uma redução da SELIC nem sempre significa um afrouxamento monetário.  Mais ainda: é perfeitamente possível acontecer o oposto, isto é, a SELIC subir ao mesmo tempo em que está havendo uma forte expansão monetária e a SELIC cair ao mesmo tempo em que está havendo uma redução na expansão monetária.
Em suma, alterações da SELIC, se não analisadas corretamente, podem ser altamente enganosas, pois elas nem sempre indicam corretamente a real postura do Banco Central.
O que é a SELIC e por que seu aumento não necessariamente significa uma restrição à inflação
Para entender por que alterações da SELIC podem ser enganosas, é necessário antes entender o que ela é.
A taxa SELIC nada mais é do que a taxa de juros que os bancos cobram entre si no mercado interbancário para emprestar (ou tomar emprestado) dinheiro que possuem em suas reservas.  Os bancos recorrem a essas operações interbancárias diariamente porque, ao final de cada dia, precisam manter um determinado volume de dinheiro em suas reservas.  (Esse volume de reservas é o equivalente a uma determinada porcentagem do total de seus depósitos, e é determinado pelo Banco Central; chama-se compulsório).
Quando o Banco Central cria dinheiro eletronicamente e utiliza esse dinheiro criado do nada para comprar títulos públicos que estão em posse do sistema bancário, as reservas bancárias aumentam.  Este aumento nas reservas bancárias tende a gerar uma diminuição na taxa de juros que os bancos cobram entre si no mercado interbancário.  Ou seja, tende a gerar uma diminuição na SELIC.  Afinal, com mais dinheiro nas reservas, menos bancos se veem na necessidade de pedir dinheiro emprestado no interbancário, e mais bancos se veem com reservas acima do nível estipulado pelo Banco Central.  Ato contínuo, os bancos podem agora criar mais empréstimos para indivíduos e empresas.
Ao estipular um valor para SELIC, o Banco Central manipula o mercado interbancário — injetando dinheiro nele — de modo a fazer com que a taxa de juros neste mercado se mantenha próxima do valor estipulado.
No entanto, essa manipulação monetária do Banco Central não é o fator decisivo na expansão monetária que ocorre na economia.  Quem realmente vai conduzir a expansão monetária é o sistema bancário.  No arranjo financeiro e monetário em que vivemos, são os bancos que jogam dinheiro na economia, e não o Banco Central.  O Banco Central não pode jogar dinheiro diretamente na economia (podia até o ano 2000, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal finalmente proibiu esta prática); apenas os bancos podem fazer isso. 
Se os bancos sentirem que o momento econômico é bom, eles irão conceder empréstimos.  E bancos, ao concederem empréstimos, criam dinheiro do nada e jogam este dinheiro na economia (para entender todo este processo em detalhes, recomendo este artigo).  Portanto, se os bancos quiserem emprestar dinheiro, a oferta monetária irá aumentar.  Por outro lado, se eles sentirem que o momento econômico não é muito favorável, eles reduzirão o ritmo de concessão de empréstimos, e a quantidade de dinheiro na economia crescerá a um ritmo bem mais vagaroso.
Outra maneira de os bancos jogarem dinheiro na economia é comprando títulos do Tesouro.  Quando o governo incorre em déficits orçamentários — e o governo brasileiro sempre incorre em déficits orçamentários (chamado de "déficit nominal") —, o Tesouro vende títulos para arrecadar dinheiro.  Esses títulos são adquiridos pelo sistema bancário, sendo que, para comprar estes títulos do Tesouro, os bancos também criam dinheiro do nada.  O Tesouro recebe esse dinheiro e o utiliza para custear suas despesas.  O dinheiro entra na economia.
Tendo entendido esse mecanismo, algumas extrapolações se tornam mais claras.  Por exemplo, se a economia estiver indo bem e os bancos estiverem otimistas, eles concederão mais empréstimos (tanto para o setor privado quanto para o governo).  Isso, por si só, fará com que os juros do interbancário, a SELIC, subam — afinal, como estão concedendo muitos empréstimos, os bancos continuamente terão de recorrer ao mercado interbancário para manter suas reservas naquele nível estipulado pelo Banco Central. 
Ato contínuo, o Banco Central — que trabalha com uma meta SELIC definida — terá de injetar dinheiro no mercado interbancário para conter esta subida na SELIC.  Se ele injetar uma quantia suficiente, a SELIC permanecerá no mesmo nível.  Se ele injetar uma quantidade insuficiente, a SELIC subirá.
E essa conclusão é extremamente importante: sempre que os bancos expandem o crédito, ocorre uma maior atividade no mercado interbancário.  Logo, sempre que os bancos expandem o crédito, a SELIC irá disparar caso o Banco Central nada faça.  No entanto, dado que o Banco Central existe justamente para harmonizar esse processo de expansão monetária, ele irá intervir injetando dinheiro no interbancário a um ritmo que faça com que esta subida da SELIC seja mais branda e suave.  Em outras palavras, o Banco Central irá injetar dinheiro no interbancário a um ritmo suficiente para fazer com que a SELIC suba suavemente.  Neste cenário, temos um aumento da SELIC, mas o Banco Central não está genuinamente restringindo a expansão do crédito bancário.  A quantidade de dinheiro na economia continuará crescendo vigorosamente.  Estará havendo, portanto, um "aumento acomodatício" da SELIC.
Logo, é plenamente possível vivenciarmos um aumento na SELIC e os empréstimos bancários seguirem crescendo a um ritmo forte.  Ou seja: é perfeitamente possível que um aumento na SELIC não seja de forma alguma uma medida anti-inflacionária.
Inversamente, caso os bancos, por algum motivo específico, se tornem mais pessimistas em relação ao futuro da economia e reduzam a concessão de crédito, a atividade deles no mercado interbancário será bem menos volumosa.  Isso significa que, caso o Banco Central continue no mesmo ritmo de injeções monetárias, a SELIC cairá.  E ela cairá sem que isso gere um aumento da expansão do crédito.  Ou seja, é perfeitamente possível que a SELIC caia e que o volume de concessão de empréstimos bancários caia junto.  Ou, para ser mais direto, é perfeitamente possível haver uma situação em que uma queda na SELIC seja acompanhada por uma postura anti-inflacionária dos bancos. 
Um exemplo extremo deste último fenômeno está ocorrendo nos EUA e na Europa neste momento: a SELIC deles está abaixo de 1%, e não está havendo nenhuma explosão na concessão de crédito.  Ou, articulando mais corretamente, a SELIC deles está em níveis historicamente baixos justamente porque não está ocorrendo nenhuma explosão na concessão de crédito.  Como os bancos estão pessimistas, eles não saem concedendo empréstimos a torto e a direito (como fizeram até 2008).  Consequentemente, a atividade no interbancário é menos intensa e os juros ficam baixos.  As injeções monetárias feitas pelo Fed e pelo Banco Central Europeu nos bancos não se traduziram em acentuadas expansões do crédito.
E o Brasil?  Ao nosso modo, estamos também passando por este fenômeno, mas com menos intensidade. 
Onde estamos e como chegamos aqui
O gráfico abaixo mostra a evolução do agregado monetário M2.  O M2 mensura a quantidade total de cédulas e moedas metálicas em poder do público mais depósitos em conta-corrente mais depósitos em poupança mais depósitos a prazo e outros depósitos no sistema bancário. 
Analisar o M2 é interessante porque ele mostra exatamente como os bancos estão se comportando.  Da mesma forma que os bancos jogam dinheiro na economia quando concedem crédito, eles também retiram dinheiro da economia quando vendem algum papel para se recapitalizar, ou quando vendem dólares ou quando pegam algum empréstimo junto a corretoras e fundos de investimento.  É bom ter isso em mente porque é o resultado destas duas medidas opostas (expansão monetária e contração monetária) que determinará a quantidade total de dinheiro na economia
Se o M2 cresce aceleradamente — sempre que a linha do M2 se torna mais inclinada em relação ao ano anterior —, isso significa que os bancos estão otimistas e expandindo o crédito.  Se o M2 desacelera, isso significa que os bancos estão mais contidos em sua concessão de crédito.  Estão criando empréstimos mas também estão retirando dinheiro da economia em um volume maior em relação ao ano anterior.
Veja a evolução do M2 no Brasil desde 2002.
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Gráfico 1: evolução do M2 (01/2002 — 02/2013)
Agora, observe a evolução da SELIC.
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Gráfico 2: evolução da SELIC (01/2002 — 03/2013)
No início de 2003, as alterações na SELIC realmente geraram os efeitos esperados pelos senso comum.  A inflação de preços havia disparado em 2002 (ver gráfico 3) tanto por causa da forte expansão do M2 quanto por causa da acentuada desvalorização cambial (por causa da eleição e Lula), e o Banco Central teve de deixar os juros do interbancário subir de 18 para 26,5%.  A subida dos juros no interbancário tende a ocorrer automaticamente, pois os bancos naturalmente elevarão os juros de seus empréstimos para se protegerem da inflação de preços.  Nesta situação, o Banco Central simplesmente reduz suas injeções monetárias no mercado interbancário — ou, no extremo, ele simplesmente pára de injetar dinheiro.
Tal elevação súbita e acentuada dos juros no final de 2002 e no início de 2003 fez com que ninguém se interessasse em pegar empréstimos, pois estavam muito caros.  Como consequência, o M2 parou de crescer abruptamente, e o país entrou em recessão.
A partir de meados de 2003, ocorre uma forte redução na SELIC, de 26,25% para 16,25%.   Dado que esta redução não gerou nenhuma explosão no M2 até o final daquele ano, isso significa que a SELIC caiu justamente porque os bancos estavam contidos.  Ou seja, primeiro os juros subiram porque a inflação de preços se manifestou de maneira súbita.  Depois, voltaram a cair porque a concessão de crédito estava extremamente baixa, diminuindo a demanda no mercado interbancário. 
A inflação de preços acumulada em 12 meses cairia de 17% em maio de 2003 para 5,15% em maio de 2004 (gráfico 3).
Em 2004, com a inflação de preços contida, o otimismo voltou e houve uma forte aceleração na concessão de crédito (daí o robusto PIB daquele ano).  É possível dizer que a explosão do M2 em 2004 ocorreu por causa da forte redução da SELIC em 2003, sendo que tal redução foi possível porque os bancos praticamente não expandiram o crédito naquele ano.  Após terem se contido por um ano, o que permitiu a redução na SELIC e a acentuada redução na inflação de preços, os bancos voltaram a expandir o crédito.
Ou seja, até aqui, a relação entre SELIC e expansão monetária está indo de acordo com o senso comum.  Um aumento na SELIC gerou contenção monetária, e uma redução na SELIC gerou expansão monetária.
Já a partir de 2004, essa relação assume um comportamento errático.  Por exemplo, de 2004 até o final de 2007, não se nota nenhuma correlação entre aceleração do M2 e alterações na SELIC.  A SELIC sobe e desce, e o M2 continua subindo em velocidade constante.
Mas em 2008 ocorre um fenômeno inverso ao de 2003: a SELIC aumenta porque os bancos estavam extremamente animados.  A SELIC começou a se elevar em abril (de 11,25 para 11,75%) e foi até 13,75% em setembro.  E o M2 foi junto.  A elevação da SELIC não conteve o M2 naquele ano simplesmente porque, como explicado no início do artigo, ela foi uma consequência da forte aceleração da expansão de crédito naquele ano, o que gerou uma enorme demanda no mercado interbancário.  Caso o Banco Central interrompesse suas injeções monetárias no mercado interbancário, a SELIC dispararia e toda essa expansão monetária seria interrompida.  Porém, ele não fez isso.  Ele optou por acomodar essa expansão do crédito com contínuas injeções monetárias, fazendo com que a SELIC subisse apenas suavemente.  Esse foi o primeiro exemplo de "aumento acomodatício" da SELIC, isto é, um aumento que visa a possibilitar a continuidade da expansão do crédito.
Já em 2009, o M2 se desacelera abruptamente (daí a recessão daquele ano), e junto com ele vem a SELIC, que cai de 13,75% para 8,75%.  A desaceleração do M2 em 2009 está muito mais correlacionada ao clima de incerteza gerado pela crise financeira de outubro de 2008 do que pela elevação da SELIC ao longo de 2008, tanto é que a forte redução da SELIC ao longo de 2009 não estimula o M2.  Ou seja, o M2 cresceu pouco em 2009, e a SELIC caiu acentuadamente, justamente por causa da postura mais comedida dos bancos, que não apenas se recuperavam dos excessos de 2008, como ainda estavam assustados com a crise de 2009.
Já de abril de 2010 a agosto 2011, a SELIC pula de 8,75 para 12,50%.  Mas o M2 dispara.  Tem-se uma repetição de cenário de 2008.  Os bancos estavam extremamente animados com as perspectivas econômicas do país, e seu crescente volume de empréstimos concedidos gerou grande demanda no mercado interbancário, o que elevou a SELIC.  Novamente, se o Banco Central houvesse interrompido suas injeções monetárias, a SELIC dispararia, e essa expansão creditícia seria interrompida.  Mas como a SELIC aumentou apenas vagarosamente ao passo que o M2 cresceu fortemente, isso significa que o Banco Central injetou de forma contínua dinheiro no mercado interbancário, apenas a um ritmo um pouco menor.  Ou seja, o Banco Central na realidade estimulou essa expansão creditícia.  Se ele quisesse, ele poderia ter interrompido suas injeções monetárias no sistema bancário.  Mas isso não seria popular.  Mais um exemplo de "aumento acomodatício" da SELIC, um aumento que não configurou nenhuma restrição à expansão monetária. 
A partir de agosto de 2011, a SELIC começa a cair.  Cai de 12,50% para seus atuais 7,25%.  E o M2 perceptivelmente desacelera junto: o crescimento do M2 em 2012 foi sensivelmente menor que o de 2011 — daí o baixo PIB do ano passado —, não obstante a SELIC tenha caído quase pela metade.  Tudo indica que a SELIC caiu porque os bancos diminuíram seu ritmo de concessão de crédito, não obstante o Banco Central tenha continuado injetando dinheiro no mercado interbancário.
Conclusão: um aumento da SELIC nem sempre significa contenção monetária (vide 2008, 2010 e 2011) e uma diminuição da SELIC nem sempre significa aceleração da expansão monetária (vide 2009 e 2012).  Uma SELIC baixa, ou em queda, pode ser consequência de uma postura mais cautelosa dos bancos, que estão mais contidos em conceder empréstimos e, por conseguinte, estão demandando menos empréstimos no mercado interbancário. 
O que efetivamente aniquila uma inflação de preços
Tendo entendido que a relação entre SELIC e inflação monetária nem sempre é explícita — aumento da SELIC não necessariamente significa contenção monetária e redução não necessariamente se reverte em expansão monetária —, façamos agora uma análise direta das medidas corretas e comprovadamente eficazes para se combater uma inflação de preços. 
Apenas duas medidas comprovadamente aniquilam uma inflação de preços de maneira efetiva: a quantidade de dinheiro na economia tem de parar de aumentar e a taxa de câmbio tem de se apreciar.  Mais ainda: essas duas têm de ocorrer simultaneamente. 
Se a interrupção da expansão da quantidade de dinheiro na economia for acompanhada de uma depreciação cambial — arranjo esse que é incomum —, a inflação de preços não será debelada.  Isso aconteceu no Brasil em 2003.  Naquele ano, a quantidade de dinheiro na economia cresceu a uma das menores taxas de história do real, mas como o câmbio havia se desvalorizado fortemente no final de 2002 (por causa dos temores com a eleição de Lula), indo de R$2,25 para quase R$4 por dólar, o IPCA de 2003 chegou a um pico de 17% em maio de 2003. 
Observe os três gráficos a seguir.  O primeiro gráfico mostra a variação do IPCA acumulado em 12 meses.  O segundo gráfico mostra a variação do câmbio.  E o terceiro gráfico mostra novamente a variação do M2. 
cewolf1.png
Gráfico 3: IPCA acumulado em 12 meses (01/2002 — 03/2013)
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Gráfico 4: evolução da taxa de câmbio (01/2002 — 03/2013)
cewolf3.png
Gráfico 5: evolução do M2 (01/2002 — 02/2013)
Logo de início, é possível observar que uma aceleração no M2 — a qual ocorre sempre que a linha do M2 se torna mais inclinada em relação ao ano anterior — é preponderante em determinar a variação do IPCA.  Mas o efeito de uma forte alteração na taxa de câmbio não pode ser ignorado.
Além do já citado exemplo de 2003 — quando o M2 ficou parado, mas o câmbio havia se desvalorizado —, são notáveis também os exemplos de 2005 e 2006.  O M2 cresceu moderadamente nestes 2 anos (não houve nenhuma aceleração no crescimento, dado que a inclinação da linha não se altera), e a taxa de câmbio se valorizou continuamente.  Como consequência, o IPCA acumulado em 12 meses caiu de 8% para 3% (e a SELIC também caiu continuamente, como mostra o gráfico 2).
Já em 2007, embora a taxa de câmbio continuasse caindo, o M2 apresenta uma ligeira aceleração, o que altera o IPCA de 3% para 4,5%.  Em 2008, a coisa degringola: o M2 dispara ao longo do ano, e o câmbio se desvaloriza fortemente nos quatro últimos meses.  O IPCA atinge picos de 6,5%.
Em 2009, há a súbita interrupção no crescimento do M2.  A taxa de câmbio se aprecia.  O IPCA chega a um mínimo de 4,17% naquele ano (ano em que a SELIC apresentou o menor valor de sua história até então). 
Em 2010, a variação cambial é relativamente pequena, mas o M2 apresenta uma aceleração vertiginosa.  O IPCA sai de 4,17% para quase 6%. 
Em 2011, o M2 continua em forte expansão, e o IPCA atinge um pico de 7,31% em setembro, muito embora o câmbio tenha chegado à sua menor cotação (R$1,54 em julho) desde 2008.  E com um detalhe adicional: a SELIC já havia subido de 8,75% para 12,50%, mostrando-se totalmente ineficaz para controlar a escalada da inflação de preços.
Em 2012, há uma desaceleração substantiva do M2, mas tal desaceleração — que deveria ajudar a conter a inflação de preços — é contrabalançada pela desvalorização do câmbio, de R$1,70 no início de 2012 para um pico de R$ 2,11 em dezembro daquele ano. 
É neste ponto em que estamos atualmente. 
Primeira conclusão: a variação da oferta monetária é o fator preponderante para a inflação de preços.  Se a oferta monetária estiver apresentando aceleração (a linha estiver mais inclinada em relação ao ano anterior), os preços subirão. 
E um aumento da SELIC nesta situação — algo que inevitavelmente ocorrerá, por causa da maior demanda no mercado interbancário —, não necessariamente significará uma política contracionista do Banco Central, e pelo seguinte motivo: para realmente conter uma expansão monetária que está em aceleração, o Banco Central tem de interromper por completo suas injeções no mercado interbancário.  Isso faria com que os juros deste mercado — a SELIC — disparassem.  Porém, ao continuar injetando dinheiro, o Banco Central evita esta disparada dos juros, e acaba por acomodar a expansão monetária.  Isso ocorreu em 2008, 2010 e 2011.
Segunda conclusão: apenas uma redução da expansão monetária não é garantia de redução da inflação de preços.  É preciso que o câmbio também se aprecie.  Caso isso não ocorra, pode haver uma estagflação (de certa forma, estamos atualmente neste cenário).
Terceira conclusão: uma SELIC em queda não necessariamente significa aceleração da expansão monetária.  A SELIC pode estar caindo porque, além de o Banco Central estar injetando dinheiro no mercado interbancário, os bancos estão reduzindo seus empréstimos, o que faz com que a atividade no interbancário seja menor.  E como são os bancos que jogam dinheiro na economia, são eles que, em última instância, definem a intensidade da expansão monetária, à revelia do Banco Central.
E agora?
Observe que, de janeiro de 2008 a janeiro de 2013, a quantidade de dinheiro na economia mais do que duplicou.  Isso permite uma explicação para vários fenômenos. 
Por exemplo, o baixo desemprego.  Essa duplicação da quantidade de dinheiro na economia estimulou o aumento do emprego, pois a maior quantidade de dinheiro reduz o custo real dos encargos sociais e trabalhistas — ao menos temporariamente, enquanto os preços e custos estiverem crescendo bem abaixo da inflação monetária.  Se a quantidade de dinheiro aumenta bem mais do que o aumento de preços, o volume de gastos tende a aumentar, o que significa que o desemprego tende a cair.
Outro fenômeno também explicado por essa duplicação na quantidade de dinheiro é o contínuo aumento do salário mínimo sem o subsequente aumento do desemprego.  Um comparativo entre a evolução do salário mínimo e a evolução do emprego estará totalmente incompleto se você não levar em conta a evolução da quantidade de dinheiro na economia.  A análise que diz que aumento do salário mínimo gera desemprego pressupõe uma oferta monetária razoavelmente constante. Porém, se por uma conjunção de circunstâncias, a oferta monetária crescer muito e os preços crescerem bem menos, não há nenhum motivo para um aumento do salário mínimo gerar desemprego.
No momento, como dito, o M2 está em clara tendência de desaceleração.  Após ter crescido 18,7% em 2011, cresceu apenas 9% em 2012.  Essa redução na sua taxa de crescimento foi suficiente para derrubar o PIB, mas, por causa da desvalorização cambial (o dólar foi de R$1,70 para R$2,11) e de todo esse robusto crescimento do M2 desde 2008, a inflação de preços praticamente não foi afetada.  Dado que há uma defasagem entre expansão monetária e aumento dos preços, ainda há "gordura" para os preços subirem, mesmo que o M2 porventura mantenha a atual tendência de desaceleração.
A conclusão, por ora, é que toda a propaganda governamental sobre "forçar" os bancos a conceder mais empréstimos felizmente não surtiu o efeito esperado.  Sim, a carteira de empréstimos continuou se expandindo, mas a um ritmo mais contido, principalmente nos bancos privados, que aumentaram suas carteiras em apenas 7,4% nos últimos 12 meses.  O principal risco, como sempre, vem dos bancos públicos, que aumentaram suas carteiras em 28,9% neste mesmo período.
Bancos privados não são bobos.  Eles sabem que emprestar dinheiro para uma população cujo endividamento está em níveis recordes nunca é uma boa política.  É mais sensato e prudente expandir sua carteira de empréstimos de forma comedida, selecionando bem as pessoas para quem conceder empréstimo, a sair desvairadamente emprestando para qualquer um, como quer o governo.  Sofrer calotes não é algo que nenhum banco privado quer vivenciar, especialmente no mundo pós-2008.
Se os bancos privados mantiverem esta prudência e este comedimento, e os bancos públicos não desvairarem, não há por que esperar que haja grandes elevações na SELIC.
Aliás, na atual situação, dado que a expansão monetária está em desaceleração — o que significa uma menor atividade no interbancário, e consequentemente uma SELIC baixa —, um aumento na SELIC seria algo inédito.  Ainda não vivenciamos uma situação em que a SELIC foi elevada quando o M2 já estava em perceptível desaceleração e o PIB estava perto de zero.  Para isso acontecer, o Banco Central teria de reduzir sobremaneira suas injeções monetárias no mercado interbancário, ou até mesmo retirar reservas do sistema bancário.  Isso seria bastante atípico.
O Banco Central tem sim o poder de elevar a SELIC quando quiser e até o nível que quiser.  Basta ele anunciar que estará vendendo títulos do Tesouro a preços menores que seus valores atuais.  Quanto mais baixos os preços a que ele estiver vendendo (e ele pode reduzir o preço o tanto que quiser), maiores serão os juros, maior será a quantidade de dinheiro que os bancos direcionarão para a compra destes títulos e consequentemente maior será o volume de reservas retiradas dos bancos, o que afetaria diretamente a expansão do crédito.  Mas tal medida é politicamente inviável — ela afetaria todo o leilão de venda de títulos do Tesouro, que agora conseguiria apenas um valor muito pequeno por leilão, dado que todos os investidores prefeririam comprar mais barato do Banco Central.  Consequentemente, o governo teria enormes dificuldades em financiar seus déficits e em rolar sua dívida. Impensável.
Caso o Banco Central opte por deixar tudo como está, que é o que ele vem fazendo já há algum tempo, a única maneira de a inflação de preços cair é se os bancos voluntariamente decidirem conter seus empréstimos — o que também significa que o governo tem de reduzir seus déficits orçamentários — e o dólar se desvalorizar perante o real.
Eis, portanto, o resumo da situação: por causa de um Banco Central totalmente inoperante e submisso ao governo, temos de ficar na torcida para que os bancos, contra seus próprios interesses lucrativos e contra os interesses do governo, se contenham e evitem a expansão de sua carteira de crédito.  E temos de fazer figa para que aquele aloprado que está no comando da Fazenda demonstre algum bom senso e equilibre o orçamento.  E temos de esperar alguma manifestação sobrenatural que faça com que os desenvolvimentistas que ocupam Brasília fiquem repentinamente sãos, abandonem a histeria e permitam uma eventual apreciação do câmbio. 
Ou seja, quando foi que você imaginou que chegaria o dia em que o preço do seu almoço seria totalmente dependente do bom senso e da frugalidade de banqueiros?  

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.


Uma radiografia do crédito bancário no Brasil



BB e Caixa size_590_bb-caixa.jpg"Mercado reduz previsão de crescimento do PIB pela 9ª semana consecutiva", estamparam as manchetes dos jornais brasileiros nos últimos dias. Na semana anterior, o Banco Central já trazia péssimas notícias ao divulgar seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), que registrou queda de 1,4% em maio. Enquanto a economia do país patina, os analistas revisam suas projeções de crescimento econômico para 2013 e 2014. E o inferno astral da presidente Dilma parece não ter fim.
Dentre as muitas respostas possíveis aos problemas de nossa economia, uma das favoritas do atual governo foi — e tem sido — o crédito bancário. Em especial desde a crise de 2008, o governo petista lançou mão de medidas de estímulo ao crédito de forma consistente (e insistente) nestes últimos anos.
Despertou o monstro do BNDES, usou e abusou da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco do Brasil e implorou aos bancos privados que abrissem a torneira do crédito. Enquanto ordenava os bancos públicos a reduzirem os juros, buscava de todas as formas possíveis convencer os privados a aderir à farra.
Passados quase cinco anos desde o estouro da crise financeira, é preciso tirar uma radiografia do crédito bancário no Brasil. Antecipando a conclusão, estamos nos acercando mais da China comunista do que qualquer economia de livre mercado.
Confirmação da tendência
Este artigo pode ser visto como uma sequência de outro que escrevi no ano passado sobre a "reestatização do crédito" no Brasil (recomendo a leitura deste e deste artigo também). Naquele momento, alertava sobre a tendência preocupante do direcionamento do crédito, cada vez mais nas mãos do estado.
A verdade é que, após o fim do PROES (Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária), a concessão do crédito ficou majoritariamente a cargo do setor financeiro privado (veja gráfico abaixo). E, em larga escala, assim permaneceu até 2008, ano da fatídica crise mundial.
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Fonte: O Ponto Base, BACEN.
A guinada do crédito por bancos oficiais (os bancos controlados direta ou indiretamente pelo governo) a partir de 2009, entretanto, elevou a participação estatal na canalização dos recursos financeiros na economia. Com a exceção de 2010 — ano da festança creditícia e do PIB robusto —, os bancos públicos têm mantido taxas de crescimento na concessão de empréstimos muito superiores às dos bancos privados.
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Crescimento do Crédito ao ano (%). Fonte: O Ponto Base, BACEN.
Ao passo que os bancos privados expandem suas carteiras de crédito ao redor de 6% ao ano, as instituições oficiais ganham mercado em ritmo acelerado, turbinando suas carteiras em quase 30% a.a. A insistente política de redução de juros e de estímulo ao crédito resultou, simplesmente, em uma maior presença do estado no sistema financeiro nacional (SFN). Quando essa tendência foi verificada no ano passado, os bancos públicos detinham cerca de 44% do crédito total do país. Findo o primeiro semestre de 2013, o governo agora responde por quase a metade de todo o crédito do SFN.
Para efeito de comparação, na China comunista, os bancos estatais são responsáveis por 55% do crédito bancário. Nem precisamos recordar um dos pilares do Manifesto Comunista: "Centralização do crédito nas mãos do Estado". É nessa direção que caminha nossa economia.
Os rumos dos recursos
E para onde está sendo canalizado o crédito bancário? Analisando o crescimento anual do saldo de crédito por atividade econômica, é possível identificar algumas tendências interessantes. Apesar de estarem perdendo levemente seu ímpeto, os empréstimos imobiliários seguem aumentando a taxas anuais acima de 30%.
O rural vem crescendo significativamente, enquanto o crédito direcionado à indústria se mantém com incremento ao redor de 10% ao ano. O destaque fica com o crédito concedido ao setor público, isto é, empréstimos a governos federal e estaduais e empresas estatais. É claro que somente os bancos públicos estão surfando essa onda. Banqueiro privado nenhum quer correr esse risco.
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Crescimento do Crédito ao ano (%). Fonte: O Ponto Base, BACEN.
Em apenas um ano, o setor público contraiu mais de R$ 36 bilhões com os bancos oficiais, alcançando um saldo de mais quase R$ 125 bi. E o que é pior, o governo federal vem ativamente estimulando essa modalidade de levantamento de recursos pelos governos estaduais. No ano passado, como parte de um Plano de Ajuste Fiscal — plano do gênero orwelliano, é claro —, Guido Mantega elevou o limite de endividamento de quase 20 estados da federação.
Enquanto os bancos estatais aceleram fundo, os privados pisam no freio. Mas e por que uma tão discrepante atuação entre bancos públicos e privados? Afinal de contas, a expansão do crédito não é extremamente lucrativa à prática bancária?
Responsabilidade ilimitada versus irresponsabilidade limitada
Antes de responder a essa pergunta, é preciso destacar outro dado importante: o endividamento das famílias brasileiras. Ainda que longe dos níveis de países desenvolvidos, o consumidor brasileiro já está endividado em mais de 40% de sua renda. E o crescimento desse indicador foi bastante intenso e repentino.
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Endividamento das Famílias (%).Fonte: O Ponto Base, BACEN.
Mas o que realmente importa é o comprometimento da renda com o serviço da dívida, ou quanto as famílias necessitam dispor de sua renda para arcar com juros e amortização do principal. No Brasil essa relação já passou de 20%. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, quando a bolha dos EUA estourou, esse mesmo indicador não passava de 15% no caso das famílias americanas. As evidências são claras: o consumidor brasileiro já está bastante alavancado.
Dessa forma, por mais que a expansão do crédito seja altamente lucrativa para os bancos, a demanda por crédito está bastante contida. Talvez haja espaço para crédito imobiliário — em que as taxas são mais reduzidas, e os prazos bastante mais alongados. Mas os bancos privados não têm capacidade de competir com a generosidade de uma Caixa Econômica Federal — nada nos surpreende o fato de a CEF deter 70% de todo o crédito imobiliário nacional.
Capacidade técnica há, com certeza. Mas não capacidade financeira. No final do dia, banqueiros privados não podem se dar ao luxo de ignorar o demonstrativo de resultados. Se algum empréstimo se provar irrecuperável, quem perde é o banco e seus acionistas. Quem responde pela solvência da instituição é o banqueiro — e não o pagador de impostos, no caso de um banco público.
Os estudiosos do sistema bancário moderno certamente perguntariam: mas e o Banco Central? Não seria uma das funções do BC atuar como o prestamista de última instância? Sim, de fato essa é uma das responsabilidades basilares de um Banco Central. Do ponto de vista sistêmico, essa observação está perfeita.
No entanto, do ponto de vista do banqueiro privado, isso pouco importa, pois no Brasil existe o princípio da responsabilidade ilimitada no sistema financeiro. Conforme as leis que regulam a intervenção e liquidação de bancos (Lei n.6.024/74 e Lei n.9.447/97, a última instituída durante o PROER), quando há uma intervenção, todos os bens dos acionistas controladores e administradores da instituição financeira ficam indisponíveis, para permitir o ressarcimento de eventuais prejuízos.
Aos olhos estrangeiros, tal dispositivo legal pode parecer rudimentar[1] , pois o empresário não deveria responder além do capital empregado no empreendimento (princípio da responsabilidade limitada). Mas quando se trata de instituições bancárias operando com as chamadas reservas fracionárias (RF), o raciocínio não se aplica — ou não deveria se aplicar.
A prática bancária de RF permite que um banco se alavanque sobremaneira auferindo altíssimos lucros. Em contrapartida, uma alavancagem excessiva tem o potencial de acarretar prejuízos catastróficos — ao banco individual e ao sistema bancário como um todo. Ora, quando um banqueiro detém todo o direito sobre os lucros, mas limitado dever sobre as perdas, institui-se imediatamente um sistema perverso de incentivos — o chamado risco moral ou moral hazard.
Para os bancos privados brasileiros — para o bem ou para o mal — não funciona assim.
Já a prática bancária pública é regida pelo princípio da irresponsabilidade limitada. Limitada, em primeiro lugar, pela duração dos mandatos dos cargos políticos. Em segundo, por algum indício ou prova de improbidade administrativa. Mas quem relacionaria causas tão nobres como "garantir a aquisição da casa própria a todo cidadão brasileiro" como um possível caso de improbidade administrativa? Indo mais longe, quem identificaria a relação de causa e efeito entre políticas públicas equivocadas adotadas anos antes e prejuízos vultosos?
Em um banco público, a perda é — por definição! — socializada por toda a sociedade. Já os lucros ficam com os funcionários do próprio banco, burocratas, políticos e apadrinhados. A má gestão não só é provável, como é natural.
Quem arcará com os (prováveis?) prejuízos dos créditos concedidos ao grupo das empresas "X"? Quem será responsabilizado quando a CEF tornar-se uma reedição do falido Banco Nacional da Habitação?
Conclusão
Muitos afirmam que, na ausência do crédito por bancos oficias, a economia estaria ainda pior. Por um lado, essa assertiva tem fundamento. É bastante plausível que alguns empreendimentos estariam sendo liquidados ou redimensionados, causando até uma recessão econômica. Mas se tais investimentos só são viáveis com crédito barato e generoso, talvez nem sequer devessem ter sido iniciados. Portanto, é um processo doloroso, mas inevitável.
Outros argumentam que é devida à falha do setor privado em prover financiamento de longo prazo a razão da existência dos bancos públicos. Em realidade, deveriam enxergar o exato oposto. É a própria existência desses gigantes bancários uma das razões da falta de crédito de longo prazo pelos bancos privados — não é a única, mas, certamente, uma das mais fundamentais.
Além disso, a concessão de crédito barato por bancos públicos não resolve o problema. Apenas impõe uma nova intervenção, cujo resultado será novos problemas — mais uma intervenção que acarretará um desarranjo na estrutura produtiva da economia por canalizar recursos para onde jamais deveriam ir.
Somente a livre iniciativa, na busca pelo lucro e com preços livres (e não "administrados"!), é capaz de alocar eficientemente o capital. Abusar de bancos públicos pode render votos, mas jamais solucionará qualquer problema econômico.
Por fim, essa hiperatividade nos bancos oficiais está causando desconfiança, perda de credibilidade, e possível fardo fiscal. Afinal de contas, se a OGX e afins não quitarem suas obrigações bilionárias com o BNDES e demais instituições financeiras estatais, quem vai tapar o buraco desses bancos? Até quando o Tesouro vai ser chamado para aportar capital (sempre de forma criativa, para não atrapalhar as contas nacionais oficiais, é claro)?
Com essa incerteza toda na economia, bancos privados continuarão à margem dos acontecimentos, assistindo timidamente enquanto os públicos lideram a festa. Ao fim e ao cabo, se administradores e acionistas estão sob o regime da responsabilidade ilimitada, estes serão bem mais prudentes, independentemente do ambiente regulatório.
Mas o que esperar daqueles que operam sob o regime da irresponsabilidade limitada?


[1] Nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, o sistema bancário é regido pelo princípio de responsabilidade limitada, assim como qualquer outra empresa. Ver o capítulo sobre "Reguladores e bancos" do livro "As leis secretas da economia", de Gustavo H. Franco.

Fernando Ulrich formado em administração de empresas pela PUC-RS, concluiu em julho de 2010 o programa de mestrado em economia austríaca comandado por Jesús Huerta de Soto em Madri, Espanha.  Atualmente trabalha no mercado financeiro.  É colunista do site O Ponto Base.  Mande-lhe um e-mail.

Por que o Brasil não cresce mais?



Galinha.jpgEm 2011, quando foi dada a notícia de que o Brasil havia ultrapassado o Reino Unido em termos do Produto Interno Bruto (PIB), a euforia foi grande.  Para o governo brasileiro, este evento foi interpretado como consequência de sua própria política econômica e como um prognóstico de que em pouco tempo o Brasil iria ultrapassar também as outras grandes economias e encostar na China e nosEstados Unidos.  Exatamente por isso, foi grande a decepção quando, pouco tempo depois, a economia brasileira se estagnou e perdeu — na verdade, devolveu — para o Reino Unido o sexto lugar no ranking das maiores economia do mundo.
A pergunta que agora se faz é: o forte crescimento da economia brasileira nos anos anteriores a 2011 representou um sinal de um novo padrão de crescimento econômico para o Brasil ou será que toda aquela bonança econômica foi apenas um ponto fora da curva?  No primeiro cenário, o fraco crescimento econômico atual seria apenas algo temporário, de modo que o Brasil voltará em breve a crescer novamente.  Porém, uma análise mais profunda do desempenho econômico do Brasil aponta para o segundo cenário: o fraco crescimento econômico atual sinaliza um retorno ao padrão antigo, com longas estagnações.
Porém, dado que o governo atual vai fazer todo o possível para voltar a apresentar altas taxas de crescimento econômico, é de se esperar uma intensa aplicação de todo o arsenal de políticas macroeconômicas com o intuito de se fabricar um crescimento artificial.  A consequência disso é que o alívio temporário será pago com uma debilidade econômica ainda maior no futuro. 
Crescimento fraco
Desde 2011, a economia brasileira entrou numa fase de debilidade, com uma rápida queda das taxas do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país (veja figura 1).
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Figura 1: Taxas de crescimento do PIB 2010 - 2012 (Trimestre sobre mesmo trimestre do ano anterior

Como se pode observar no seguinte gráfico (figura 2), depois da crise cambial de 1999, o Brasil experimentou uma fase de produção abaixo da trajetória de longo prazo, fase esta que foi seguida por uma forte recuperação de 2004 até 2010, a qual empurrou o produto interno bruto brasileiro para cima da tendência do PIB de longo prazo.
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Figura 2 - PIB em bilhões de dólares 1980-2012
Porém, durante essa fase de forte crescimento econômico do PIB, a taxa do crescimento da produção industrialpermaneceu fraca.
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Figura 3 — Taxas anuais do crescimento da produção industrial 1995-2012
No setor industrial, a taxa de crescimento se tornou negativa em 2012, gerando preocupações quanto a uma onda de "desindustrialização".  No entanto, a fraqueza do setor industrial brasileiro não é de modo algum algo novo.  Com uma taxa média de crescimento anual de apenas 2,6 % desde o começo dos anos 1990, o Brasil nunca chegou a completar o processo de industrialização.
O conjunto dos dados (figuras 1-3) fortalece a tese de que a atual fraqueza do crescimento da economia brasileira sinaliza um retorno à sua tendência histórica.  Dado que a debilidade da produção industrial não mudou e continua fraca, foram fatores temporários que atuaram para gerar o crescimento econômico acima de sua trajetória nos anos de 2004 até 2010.  
Como a capacidade produtiva do Brasil não aumentou de forma sustentável, as baixas taxas de crescimento econômico vivenciadas desde 2011 indicam um retorno a uma trajetória de crescimento mais baixa do que a da última década.  Este retorno pode acontecer em tempo mais curto, na forma de uma forte recessão, ou em um período de tempo mais prolongado, configurando uma estagnação.
Uma breve bonança
A boa conjuntura que o Brasil vivenciou de 2004 até 2010 foi mal interpretada pelo governo, que tomou a fase de crescimento forte como uma conquista da sua própria política econômica. Na verdade, a prosperidade veio de fora, com a alta dos preços das exportações brasileiras (veja figura 4).
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Figura 4 - Índice de preços das exportações brasileiras (1980- 2012)
Aplicando menos de 20% do PIB em investimentos (figura 5), nada foi preparado durante esta fase de bonança para fortalecer a capacidade produtiva do país.
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Figura 5 - Investimentos em porcentagem do PIB (1980 - 2012)
O governo brasileiro parece ser incapaz de reconhecer que uma expansão econômica totalmente baseada no consumo, sem investimentos, é uma medida que pode funcionar apenas no curto prazo.  Para crescer no longe prazo, é necessário haver acumulação de capital, e a acumulação de capital requer investimentos, que, em sua vez, necessita de poupança.
O que possibilitou o crescimento econômico sem a concomitante expansão da base produtiva da economia por meio de investimentos foi uma mudança radical da tendência dos termos de troca, a relação entre o preço dos bens de exportação e o preço dos bens de importação do Brasil.  Em termos de pontos do índice, os termos de troca do Brasil alcançaram um máximo de 132,6 pontos em setembro 2011, tendo atingido um mínimo 64,7 em outubro de 1981.
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  Figura 6 - Índice dos termos de troca (1980-2012)

Analisando os termos de troca do Brasil — utilizando unidades constantes da moeda local — para um período mais longo, nota-se de forma ainda mais clara a grande mudança que aconteceu a partir de 1967.

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Figura 7 - Termos de troca em constantes unidades de moeda local (constant LCU), 1967-2012
O forte disparo visto nos preços dos bens de exportação e a consequente melhoria da posição do Brasil no comércio exterior coincidiu com o aumento global dos preços das commodities.  O aumento dos preços dos bens exportados pelo Brasil em relação aos preços dos bens importados foi consequência da alta global dos preços das commodities.  Nada teve a ver com uma revitalização da economia brasileira.
Outro indicador desta profunda mudança é o comércio do Brasil com a China.  Preços altos e uma aceleração na demanda por commodities da China estimularem as exportações e, por conseguinte, o crescimento do PIB do Brasil.  Segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as exportações do Brasil para a China aumentaram de 1,9 bilhão de dólares em 2001 para 30,8 bilhões de dólares em 2010.  
Das exportações de 2010, 83,7 % foram de commodities básicas e 11,8 % foram semimanufaturados.  Somente 4,5 % foram de produtos manufaturados.  Ao mesmo tempo, as importações da China para o Brasil foram de 25,6 bilhões de dólares, sendo que 97,5 % foram produtos manufaturados.
Uma nova síntese se formou no mundo: o Brasil é o gigante da agricultura e dos recursos naturais e a China é o novo gigante da indústria.  Enquanto a China se industrializou, o Brasil se enfraqueceu; e enquanto China desfrutou de altas taxas de investimentos, o Brasil se entregou a uma mania consumista.
Crescimento sem fundamentos
No contexto da história econômica do Brasil, a atual debilidade da economia brasileira não é uma grande surpresa. Mais um voo de galinha não seria uma exceção, mas sim a regra do padrão do desenvolvimento econômico brasileiro.  A liderança política do país usufrui o duvidoso privilégio de, em decorrência da imensa riqueza do Brasil em termos de recursos naturais e de suas benevolentes condições geográficas, quase nunca ser punida mesmo quando comete erros graves de política econômica.
Durante a sua história, o Brasil já vivenciou diversas crises econômicas.  Mesmo durante as poucas guerras em que o país se envolveu, o sofrimento foi pequeno em comparação ao de muitos outros países.  No entanto, é esta bem-aventurança da falta de punição imediata quando uma má política é implantada o que impede que o país viva seu pleno potencial.  A proteção contra erros faz com que os governos brasileiros não aprendam quase nada com as trapalhadas que cometem.  Assim, a capacidade do Brasil de efetivamente realizar o seu potencial de prosperidade é tragicamente baixa.
Crescimento econômico requer acumulação de capital, que por sua vez requer investimentos, sendo que investimentos requerem poupança.  Mesmo a inovação e o aumento da qualidade do capital humano precisam de poupança. A baixa taxa de poupança do Brasil não é um fenômeno recente, mas sim uma característica típica da economia brasileira.  Ao passo que países emergentes que estão decolando em termos de desenvolvimento econômico apresentam taxas de poupança e de investimentos na faixa de 30 % e 40 % do PIB, como a China, a taxa de poupança brasileira esta abaixo de 20 %.
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Figura 8 — Taxa de poupança bruta brasileira em porcentagem do PIB, 1967- 2012
Fonte: Indicadores do Banco Mundial. Trading Economics
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Figura 9 — China. Taxa de poupança bruta em porcentagem do PIB, 1967-2012
Fonte: Indicadores do Banco Mundial. Trading Economics
Com taxas de investimento tão baixas como as do Brasil, o país está destituído dos fundamentos necessários para um progresso econômico sólido de longo prazo.  O que estes débeis fundamentos permitem são apenas pequenosbooms de curto prazo, na forma do voo de galinha — afinal, estas baixas taxas de poupança e investimento do Brasil não são um fenômeno recente, mas sim uma característica crônica da macroeconomia brasileira.
Intimamente relacionada à raquítica formação de capital — em decorrência da baixa poupança — está a produtividade da economia brasileira.  Entre 17 países da América Latina, o Brasil ocupa o 15º lugar em produtividade; e na escala global, o país está na 75ª posição entre 122 países.  Nas décadas passadas, enquanto muitos outros países emergentes aumentaram a produtividade de suas economias em relação aos Estados Unidos, o Brasil perdeu em relação a eles.
A produtividade econômica é a chave da prosperidade.  O grau de produtividade representa um determinante essencial para o nível de salários.  O verdadeiro mecanismo de saída da pobreza é o aumento da produtividade, e não a distribuição de esmolas.  Para colocar o Brasil no caminho de prosperidade não basta jogar com a macroeconomia como se ela fosse uma bola pingue-pongue.  O que o país precisa é de uma estratégia de desenvolvimento econômico de longo prazo, direcionada para o aumento da produtividade.  Porém, isto requer acumulação de capital e inovação — algo que é impossível de se obter sem altas taxas de poupança e investimentos.
O que fazer para o Brasil crescer?
A maldição do Brasil é a abundância.  Não necessariamente a abundância na forma de recursos naturais, mas sim a abundância excessiva de burocracia, de intervencionismo, de protecionismo, de voluntarismo político, e até mesmo de democracia.
O Brasil não sofre só da inflação monetária; sofre também de uma inflação de leis e regulamentações.  Não bastasse a incerteza de se gerenciar empresas no Brasil já ser alta, esta incerteza se multiplica por causa do intervencionismo arbitrário do governo; e se este já não fosse demasiado agigantado, a economia brasileira também é forçada a suportar um poder judiciário que adora se intrometer em áreas onde o livre mercado é capaz de encontrar as melhores soluções.
Ao mesmo tempo em que os políticos fazem o que querem com a economia e os burocratas criam leis e regras que não fazem sentido, a super-poderosa justiça brasileira completa a confusão com decisões que paralisam a iniciativa privada.  Em todas aquelas áreas da economia em que os agentes necessariamente se pautam por um horizonte de tempo maior — como poupança e investimento, infraestrutura, inovação e educação —, há uma total paralisia.  O país sofre com uma péssima infraestrutura, o desempenho em inovação é fraco e o sistema educacional é dos piores do mundo.  
Se de um lado o governo pratica um hiperativo intervencionismo, intrometendo-se em áreas onde o livre mercado é mais eficiente do que qualquer burocracia, de outro ele mostra uma generosa negligência em relação a áreas cruciais, como infraestrutura e educação.  Ainda pior do que essa negligência é o fato de ele criar leis e regulamentações que atrapalham e até mesmo proíbem a iniciativa privada de atuar nestas áreas. 
Conclusão
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Não deixe de se increver no curso a ser ministrado pelo professor Mueller
Há poucos países no mundo cujas condições são tão favoráveis para uma grande prosperidade quanto o Brasil.  Porém, uma mentalidade favorável ao intervencionismo estatal e burocrático produz uma atitude de procrastinação permanente que atravessa todo o espectro da sociedade brasileira.  O Brasil parece aquele sujeito que tem uma casa grande e bela, mas com vários buracos no telhado que precisam ser reparados.  Quando o tempo está bom, ele acha que não há necessidade de consertar os buracos; e quando chove, ele diz que não pode fazer nada agora porque o tempo está ruim.
A principal causa da paralisia do país perante a urgente necessidade de se arrumar as condições para possibilitar um futuro melhor é a onipresença do estado brasileiro.  Este estado intervencionista obstrui todas as atividades privadas.  A economia brasileira se encontra permanentemente bombardeada por imprevisibilidades e por uma total ausência de lógica e de bom senso nas medidas intervencionistas do governo, as quais visam apenas ao curtíssimo prazo.  O resultado é uma economia de produtividade extremamente baixa em conjunto com uma renda não somente baixa, mas também mal distribuída.
O que bloqueia o país não é a falta de "inclusão social" ou outras quimeras.  O que bloqueia o progresso do Brasil é a crença quase absoluta no poder do estado e uma forte desconfiança na eficiência do livre mercado.  O grande mistério da cultura brasileira é a contradição entre esta ideologia que idolatra o estado e a visível realidade gerada por esta ideologia.
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Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica