sábado, 10 de agosto de 2013

Vinganças

LUIZ GARCIA


O voto secreto é, como todo mundo sabe, uma invenção preciosa e indispensável do sistema democrático. Ele permite ao cidadão manifestar sua opinião e sua vontade sem medo de retaliação de ocupantes do poder, que podem ser mandados para casa pelos verdadeiros titulares desse mesmo poder.

Acontece que, no sistema político brasileiro (e em muitos outros), além dos cidadãos eleitores, os membros do Poder Legislativo têm o privilégio do voto secreto em alguns casos. Por exemplo, na confirmação de pessoas escolhidas pelo Executivo para cargos importantes. Ou na decisão sobre vetos presidenciais. Só há uma explicação para isso: a necessidade de proteger senadores e deputados de alguma forma de retaliação por parte do governo.

Na prática, pode ser uma proteção necessária. Mas o voto secreto no Congresso não deixa de reduzir a informação que o eleitor tem o direito de receber sobre o comportamento de quem ele escolheu para tomar decisões em seu nome.

No momento. está para ser votada no Senado uma proposta que cancela o direito ao voto secreto na decisão sobre a perda do mandato por políticos que deixaram de merecê-lo. Não será fácil: serão necessários os votos de 49 senadores (dois terços do total).

O mais importante, pelo menos no momento, é o fato de que a mudança, se passar também pela Câmara dos Deputados, vai estrear a tempo de ser aplicada num processo cabeludo: o de cassação do senador Demóstenes Torres, acusado de ligações indevidas com o famoso bicheiro Carlinhos Cachoeira.

No caso de Demóstenes, o voto a descoberto, se já estiver valendo, poderá limpar ou sujar a ficha de muitos políticos. Evidentemente, os senadores contrários ao voto aberto juram por todos os santos que sua posição é questão de princípio. Pode até ser verdade, em alguns casos — e ninguém tem o direito de ser ingênuo — é bem possível que não seja, em muitos outros.

O senador que é relator do caso de Demóstenes, Humberto Costa, fez uma proposta aparentemente razoável. O voto secreto seria mantido apenas para manter o parlamentar a salvo de retaliações do Executivo ou do Judiciário (juro que nunca me passou pela cabeça que esses dois poderes são capazes disso). Em outros casos, como o julgamento de colegas do Legislativo, a votação teria de ser, por assim dizer, de peito aberto.

Pode ser uma solução — e também uma espécie de reconhecimento que governos e tribunais são capazes de feios atos de vingança contra indefesos senadores e deputados.

* Texto publicado no O Globo

O que o governo fez com o nosso dinheiro?


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A diversidade de temas tratados por Murray Rothbard ao longo de sua vida é realmente notável. Versando sobre economia, filosofia política, história, teoria monetária e bancária e crítica literária, Rothbard produziu obras monumentais. De tratados a livros, ensaios, artigos em revistas acadêmicas e em jornais renomados, sua produtividade no decorrer de toda a sua carreira é digna de admiração — independentemente de afinidades intelectuais.Sua prosa direta, objetiva, clara e sempre instigante cativa leitores há décadas e faz com que suas obras propiciem uma leitura verdadeiramente prazerosa — sem jamais cair na superficialidade, apesar da linguagem simples e precisa. A presente obra é um excelente exemplo do primor de Rothbard.
A verdade é que ler Murray Rothbard é uma transformação intelectual; você nunca mais será o mesmo. Foi assim comigo e, provavelmente, será assim com você também.
Concluí minha primeira leitura da edição inglesa de "O que o governo fez com o nosso dinheiro?" em meados de 2008, em plena crise financeira mundial. Naquele momento, pouco conhecia sobre economia, muito menos sobre a chamada Escola Austríaca de economia. Mas os argumentos, a lógica, a linha de raciocínio cristalina e a contundência de suas palavras me pareceram simplesmente surpreendentes e arrebatadoras. Ao final da leitura, tive a clara sensação de que finalmente entendia a economia, de que finalmente entendia como o mundo funcionava. Era a peça que faltava no quebra-cabeça.
Entender a natureza do dinheiro é fundamental para qualquer economista — e é surpreendente o fato de que muitas faculdades no mundo sequer tratam do assunto de forma estruturada, quanto mais o estudam com profundidade. Mas não são somente economistas que precisam compreender o dinheiro. Em realidade, todos os indivíduos deveriam ter um mínimo de conhecimento do que é, como surgiu e para que ele serve. Afinal de contas, todos nós o usamos e trabalhamos diariamente para obtê-lo. Sem dúvida alguma, tanto economistas quanto leigos serão beneficiados pela leitura da presente obra.
O livro está dividido em quatro partes. Na primeira, Rothbard trata de explicar o surgimento do dinheiro em uma sociedade livre, demonstrando como o livre intercâmbio de mercadorias entre indivíduos faz com que um produto emerja como o mais líquido, tornando-se, por fim, o meio de troca universalmente aceito. Ou, simplesmente, o dinheiro. O autor prossegue destacando a evolução do dinheiro, suas propriedades, indo até o surgimento do serviço bancário e os efeitos não intencionados oriundos da violação de práticas prudentes por parte dos banqueiros.
A segunda parte lida com os efeitos da interferência governamental no âmbito monetário e bancário. Com muita destreza, Rothbard revela a enorme tentação da qual os governos sofrem de se apropriarem do dinheiro, monopolizando e/ou controlando sua produção para benefício próprio. Expondo todas as facetas das consequências da intervenção estatal, Rothbard desmascara a nociva política de inflação da moeda e seus efeitos sobre os preços dos bens e serviços. Ou, dito de outra forma, como a inflação destrói o poder de compra da moeda.
Aos leitores brasileiros, escaldados por décadas de índices de inflação de dois dígitos ou, em certos períodos, de hiperinflação, a segunda parte será muito importante e merece especial atenção. Muitos leitores, talvez, pela primeira vez entenderão o real significado de inflação. Entenderão como ela é resultado de políticas públicas, e não da ganância de empresários maldosos. Entenderão como a lei de oferta e demanda se aplica igualmente à moeda, percebendo que, quanto mais o governo a emite, menor será o seu valor unitário. Em suma, entenderão que as diversas explicações dos economistas dadas à saga inflacionária brasileira carecem de fundamento. Não há inflação de demanda, tampouco de custos. Não há por que se preocupar com a tal da inércia inflacionária, nem mesmo com o fenômeno da indexação. Basta entender que inflação é o aumento da quantidade de moeda em circulação. Simples assim.[1]
Ainda nessa parte, Rothbard analisa o surgimento — ou a criação — dos bancos centrais e como eles foram frutos diretos de sucessivas intervenções e privilégios legais concedidos pelos governos à prática bancária. Ao leitor, tornar-se-á evidente a relação simbiótica entre os governos e o sistema bancário. Antes de ingressar na terceira parte, Rothbard elucida os perniciosos efeitos de uma moeda totalmente fiduciária, isto é, sem nenhum vínculo com o dinheiro mercadoria além do puro decreto governamental.
Estabelecido o marco teórico na esfera monetária e bancária nas primeiras partes da obra, Rothbard encarrega-se, então, de examinar a história monetária do Ocidente nos últimos dois séculos, dividindo-a em nove fases distintas. Na terceira parte, portanto, o autor discorre sobre a evolução da ordem monetária, apontando as diversas falhas e debilidades de cada sistema experimentado durante esse período e identificando as causas do eventual colapso de cada uma das fases.
Talvez o único ponto fraco desta obra jaza na prematura morte de Murray Rothbard no ano de 1995, o que o impediu de continuar seu estudo acerca do colapso monetário do Ocidente até os dias atuais. Dessa forma, a análise de Rothbard estende-se somente até meados de década de 70, deixando de fora, assim, períodos importantes da ordem monetária ocidental.
Mas, em virtude do turbilhão de acontecimentos dos últimos anos, com especial destaque à crise financeira de 2008, não poderíamos deixar essa enorme lacuna histórica sem ser devidamente analisada. Por isso, temos, na quarta e última parte, uma contribuição de minha autoria, em que procuro completar a obra exatamente onde ela parou. Dando continuidade às fases identificadas por Rothbard, prossigo a analisar o desenrolar do colapso monetário nas décadas seguintes, culminando na grande crise de 2008 e nas medidas extremas e sem precedentes adotadas pelos principais governos e bancos centrais do mundo.
Ao final da obra, o leitor estará munido de um arsenal teórico potente, com pleno conhecimento acerca dos fenômenos monetários e bancários e capaz de discutir com e questionar qualquer economista ou banqueiro central. Ademais, estará imune às explicações estapafúrdias sobre a inflação e suas consequências perversas na economia. E, como complemento, perceberá que a atual crise econômica nada tem a ver com o capitalismo, e sim, na verdade, com o socialismo aplicado ao âmbito monetário. Concluirá, assim, que o livre mercado pode funcionar tão bem para a produção de dinheiro quanto de qualquer outro bem.
Portanto, é com enorme prazer que convido você, leitor, a aproveitar cada página desta magnífica obra de Murray Rothbard, publicada pela primeira vez em língua portuguesa pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil, com a sempre formidável tradução de Leandro Roque, editor do website.
Boa leitura!

Fernando Ulrich
Porto Alegre, julho de 2013.

Lula e Sombra

VERISSIMO


Todo o mundo sabe que o Paulo Maluf é procurado pela Interpol. O que pouca gente sabe é que o codinome dele na Interpol é Sombra, devido à dificuldade da organização em sequer localizá-lo. O escritório da Interpol no Brasil tem agentes dedicados exclusivamente a procurar o Maluf, cujos atos de corrupção internacional são notórios e comprovados. Ainda não conseguiram achá-lo, mas, recentemente, chegaram perto. Esta coluna teve acesso a memorandos internos na Interpol que descrevem o episódio.

Um relatório de um dos agentes encarregados de procurar o Sombra revela a existência de rumores nos meios políticos segundo os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá se encontrar com o Maluf, em lugar não especificado, para tratar de assuntos também desconhecidos. Em resposta ao relatório, o chefe da Interpol pede cautela, em memorando que publicamos na íntegra, só omitindo o nome do agente e do seu chefe para proteger nossas fontes.

"De XXX para X. Confidencial. Assunto: 'Encontro com Sombra.' Recomendo extrema cautela. Os rumores de um encontro de Lula com Sombra são obviamente destinados a desmoralizar o ex-presidente e seu partido, o PT. Como já lembrei em outras ocasiões, não devemos nos envolver na política do país. Desconsidere os rumores."
O agente responde em outro memorando:
"De X para XXX. Confidencial. Assunto: Lula e Sombra. Os rumores parecem estar confirmados. Haverá sim um encontro do Sombra com o ex-presidente, que, sabe-se agora, irá pedir seu apoio para o candidato do PT nas próximas eleições municipais. Peço autorização para iniciar uma operação."
A resposta do chefe:
"De XXX para X. Confidencial. Assunto: sua insistência. A possibilidade de um encontro de Lula e Sombra é tão inverossímil, levando-se em conta o histórico do PT e as opiniões do Lula sobre o Sombra, que não merece consideração, quanto mais uma operação. Desista, X."
Volta o agente:
"De X para XXX. Confidencial. Assunto: chance única. Chefe, desculpe a insistência. Mas descobrimos que o encontro Lula/Sombra será na casa do Sombra. Se seguirmos o Lula até o local, não só encontraremos o Sombra como descobriremos onde ele mora. Posso colocar agentes disfarçados de arbustos para flagrar o encontro. É uma chance que não se repetirá!"
Como resposta, XXX ordena que o agente X abandone seu plano, informe-se melhor sobre a história política do Brasil e da próxima vez use o bom-senso, em vez de acreditar em boatos delirantes. E a Interpol continua procurando o Maluf.
Publicado no Globo 

A luta de classes



Marx.gifQualquer filosofia da história deve demonstrar qual é o mecanismo por meio do qual aquela agência suprema que determina o curso de todas as relações humanas irá induzir os indivíduos a trilhar exatamente os caminhos destinados a levar a humanidade até o objetivo determinado.  No sistema de Marx, a doutrina da luta de classes foi criada para responder a essa questão.
A fragilidade inerente a essa doutrina é que ela lida com classes e não com indivíduos.  O que tem de ser mostrado é como os indivíduos são induzidos a agir de tal modo que fará a humanidade finalmente atingir o ponto que as forças produtivas querem que ela atinja.  A resposta de Marx é que o que determina a conduta dos indivíduos é a consciência dos interesses de sua classe.  Ainda falta ser explicado por que os indivíduos dão aos interesses de sua classe preferência em relação aos seus próprios interesses.  Podemos, por enquanto, nos abster de perguntar como o indivíduo aprende quais são os genuínos interesses de sua classe.  Porém, mesmo Marx não pôde deixar de admitir que existe um conflito entre os interesses de um indivíduo e os interesses da classe a que ele pertence.[1] Ele faz um distinção entre aqueles proletários que possuem consciência de classe — isto é, que colocam as preocupações de sua classe acima de suas preocupações individuais — e aqueles que não possuem.  Ele considera ser um dos objetivos de um partido socialista despertar a consciência de classe daqueles proletários que não possuem espontaneamente uma consciência de classe.
Marx obscureceu o problema ao confundir as noções de casta e classe.  Onde prevalecem diferenças de status e casta, todos os membros de cada casta — exceto a mais privilegiada — possuem um interesse em comum, a saber: acabar com as limitações legais de sua própria casta.  Todos os escravos, por exemplo, estão unidos em seu interesse de abolir a escravidão.  Porém, conflitos desse tipo não estão presentes em uma sociedade na qual os cidadãos são iguais perante a lei.  Nenhuma objeção lógica pode ser feita contra o ato de se distinguir várias classes entre os membros de tal sociedade.  Qualquer classificação é logicamente permissível, por mais arbitrária que seja a marca de distinção escolhida.  Porém, seria algo despropositado classificar os membros de uma sociedade capitalista de acordo com a posição que cada um ocupa no arranjo da divisão social do trabalho e, em seguida, identificar essas classes com as castas de uma sociedade de status.
Em uma sociedade de status, o indivíduo herda de seus pais sua afiliação em uma determinada casta.  Ele permanece toda a sua vida em sua casta, e seus filhos já nascem membros dela.  Somente em casos excepcionais pode a sorte elevar um homem para uma casta superior.  Para a imensa maioria da população, o nascimento determina inalteravelmente a posição social de toda uma vida. 
As classes que Marx distingue em uma sociedade capitalista são diferentes.  A condição de membro de uma dada classe é volátil.  A afiliação a uma classe não é hereditária.  Ela é designada a cada indivíduo por meio de um plebiscito diariamente repetido — plebiscito esse, de certo modo, feito por todas as pessoas.  Ao gastar e comprar, o público determina quem deve ser o proprietário e o administrador das indústrias, quem deve atuar nas peças de teatro, quem deve trabalhar nas fábricas e nas minas.  Os ricos se tornam pobres, e os pobres se tornam ricos.  Os herdeiros, bem como aqueles que adquiriram riqueza, devem tentar mantê-la defendendo seus ativos contra a concorrência de empresas já estabelecidas e de ambiciosos recém-chegados.  Em uma economia de mercado livre e desobstruído não existem privilégios, não há proteção de interesses especiais, não há barreiras impedindo qualquer pessoa de se esforçar para obter algum prêmio.  O acesso a qualquer uma das classes marxistas é livre para todos.  Os membros de cada classe concorrem entre si; eles não estão unidos por um interesse de classe comum e eles não se opõem aos membros de outras classes aliando-se à defesa de um privilégio comum que aqueles vitimados por ele querem ver abolido ou na tentativa de abolir uma deficiência institucional que aqueles que obtêm vantagens dela querem preservar.
Os liberais laissez-faire afirmaram: se as antigas leis estabelecendo privilégios e desvantagens de casta forem repelidas e nenhuma nova prática do mesmo tipo — tais como tarifas, subsídios, tributação discriminatória, indulgências concedidas a agências não-governamentais, como igrejas, sindicatos e afins, para que elas utilizem coerção e intimidação — for introduzida, haverá igualdade de todos os cidadãos perante a lei.  Ninguém terá suas aspirações e ambições tolhidas por quaisquer obstáculos legais.  Qualquer indivíduo estará livre para concorrer para a função ou posição social para as quais suas habilidades pessoais o qualifiquem.
Os comunistas negam que é dessa maneira que opera uma sociedade capitalista organizada de acordo com o sistema liberal de igualdade perante a lei.  Ao seu modo de ver, a propriedade privada dos meios de produção confere aos seus proprietários — a burguesia ou os capitalistas, na terminologia de Marx — um privilégio que, virtualmente, em nada se difere daqueles concedidos aos senhores feudais.  A "revolução burguesa" não aboliu o privilégio e a discriminação das massas; o que ela fez, diz o marxista, foi meramente derrubar a velha e exploradora classe de nobres e substituí-la por uma nova classe exploradora, a burguesia.  A classe explorada, os proletários, não lucrou com essa reforma.  Eles mudaram de mestres, mas permaneceram oprimidos e explorados.  O que se faz necessário é uma nova e definitiva revolução, a qual, ao abolir a propriedade privada dos meios de produção, irá estabelecer uma sociedade sem classes.
A doutrina socialista ou comunista é totalmente incapaz de levar em consideração a diferença essencial entre as condições de uma sociedade de status ou casta e as condições de uma sociedade capitalista.  A propriedade feudal surgia pela conquista ou pela doação feita por seu conquistador.  E acabava por revogação da doação ou pela conquista feita por um conquistador mais poderoso.  Era propriedade pela "graça de Deus" porque sua conquista derivava, em última instância, da vitória militar — algo que a humildade ou a arrogância dos governantes atribuíam à intervenção especial do Senhor. 
Os proprietários da propriedade feudal não dependiam do mercado; eles não serviam aos consumidores.  Dentro dos limites de seus direitos de propriedade eles eram verdadeiros senhores.  Porém, as coisas são bastante diferentes para os capitalistas e empreendedores de uma economia de mercado.  Eles adquirem e aumentam sua propriedade por meio dos serviços que prestam aos consumidores, e somente podem conservá-la caso sirvam esses consumidores diariamente da melhor maneira possível.  Essa diferença não é erradicada ao se chamar metaforicamente um bem sucedido fabricante de spaghetti de "O Rei do Spaghetti".
Marx nunca embarcou na impossível tarefa de refutar a descrição feita pelos economistas do funcionamento da economia de mercado.  Ao invés disso, sua ânsia era mostrar que o capitalismo iria, no futuro, levar a condições bastante desagradáveis.  Ele tentou demonstrar que a operação do capitalismo inevitavelmente iria resultar, de um lado, na concentração de riqueza nas mãos de um número cada vez menor de capitalistas, e, de outro, no progressivo empobrecimento de uma imensa maioria. 
Na execução dessa tarefa, ele iniciou seu raciocínio pela espúria 'lei de ferro dos salários' — de acordo com a qual o salário médio é aquela quantidade específica dos meios de subsistência absolutamente necessários para permitir, de maneira escassa, que o trabalhador possa sobreviver e criar sua prole.[2] Essa suposta lei já foi, desde então, inteiramente desacreditada, e até mesmo os mais fanáticos marxistas já a abandonaram.  Porém, mesmo que alguém estivesse disposto, pelo bem da argumentação, a dizer que tal lei é correta, é óbvio que ela não poderia de maneira alguma servir como base para uma demonstração de que a evolução do capitalismo leva ao empobrecimento progressivo dos assalariados.
Se, sob o capitalismo, os salários são sempre tão baixos a ponto de, por razões psicológicas, não poderem cair ainda mais sem que isso extermine toda a classe de assalariados, é impossível manter a tese apresentada peloManifesto Comunista de que o trabalhador "se afunda mais e mais" com o progresso da indústria.  Como todos os outros argumentos de Marx, essa demonstração é contraditória e autodestrutiva.  Marx jactava-se de ter descoberto as leis imanentes da evolução capitalista.  A mais importante dessas leis, segundo ele próprio, era a lei do empobrecimento progressivo das massas assalariadas.  É o funcionamento dessa lei que ocasionaria o colapso final do capitalismo e a emergência do socialismo.[3] Quando essa lei for entendida como totalmente espúria, as bases tanto do sistema econômico de Marx quanto de sua teoria da evolução capitalista estarão acabadas.
Incidentalmente, temos de compreender o fato de que, desde a publicação do Manifesto Comunista e do primeiro volume de O Capital, o padrão de vida dos assalariados, nos países capitalistas, aumentou de uma forma sem precedentes e até mesmo inimaginável.  Marx deturpou a operação do sistema capitalista em todos os aspectos possíveis.
O corolário do suposto empobrecimento progressivo dos assalariados é a concentração de todas as riquezas nas mãos de uma classe de exploradores capitalistas que existem em números continuamente decrescentes.  Ao lidar com essa questão, Marx foi incapaz de levar em consideração o fato de que a evolução das grandes empresas e suas unidades comerciais não necessariamente envolve a concentração de riqueza em poucas mãos.  As grandes empresas são, quase que sem exceção, corporações — precisamente porque elas são grandes demais para que poucos indivíduos sejam inteiramente os proprietários delas.  O crescimento das unidades comerciais ultrapassou em muito o crescimento das fortunas individuais.  Os ativos de uma corporação não são idênticos à riqueza de seus acionistas.  Uma parte considerável desses ativos, o equivalente a ações preferenciais, títulos corporativos emitidos e empréstimos levantados, pertence virtualmente, senão no sentido do conceito legal de propriedade, a outras pessoas — a saber, os donos dos títulos, das ações preferenciais e os credores das dívidas.  Onde essas ações e obrigações são mantidas por bancos e companhias de seguro, e esses empréstimos foram concedidos por esses bancos e companhias, os virtuais proprietários são as pessoas clientes dessas instituições.  Da mesma forma, as ações ordinárias de uma corporação não estão, via de regra, concentradas nas mãos de um homem.  Quanto maior a corporação, mais amplamente distribuídas estão suas ações.
O capitalismo é essencialmente produção em massa para satisfazer as necessidades das massas.  Mas Marx sempre trabalhou com o conceito enganoso de que os trabalhadores labutam arduamente apenas para o benefício da uma classe superior de parasitas ociosos.  Ele não percebeu que os próprios trabalhadores consomem, de longe, a maior parte de todos os bens de consumo produzidos.  Os milionários consomem uma porção quase que insignificante daquilo que é chamado de produto nacional.  Todas as sucursais das grandes empresas provêem direta ou indiretamente às necessidades do cidadão comum.  As indústrias de luxo nunca se desenvolvem além das unidades de pequena ou média escala.  A evolução das grandes empresas é, por si só, prova do fato de que as massas, e não os ricaços nababos, são os principais consumidores.  Aqueles que lidam com o fenômeno das grandes empresas classificando-o de "concentração do poder econômico" não percebem que o poder econômico pertence ao público consumidor, de cujo consumo depende a prosperidade das fábricas.  Na sua capacidade de consumidor, o assalariado é o cliente que "sempre tem razão".  Mas Marx declara que a burguesia "é incompetente em garantir uma existência para seu escravo dentro de sua escravidão".
Marx deduziu a excelência do socialismo do fato de que a força motora da evolução histórica — as forças materiais produtivas — certamente ocasionará o socialismo.  Como ele estava absorto naquele tipo hegeliano de otimismo, não havia qualquer necessidade em sua mente de demonstrar os méritos do socialismo.  Era óbvio para ele que o socialismo, sendo a última etapa da história após o fim do capitalismo, era também uma etapa superior. Era uma blasfêmia absoluta duvidar de seus méritos.
O que ainda faltava ser demonstrado era o mecanismo por meio do qual a natureza produziria a transição do capitalismo para o socialismo.  O instrumento da natureza é a luta de classes.  À medida que os trabalhadores vão se afundando cada vez mais em decorrência do progresso do capitalismo, à medida que sua miséria, opressão, escravidão e degradação aumentam, eles são induzidos à revolta, e sua rebelião estabelece o socialismo.
Toda a cadeia desse raciocínio é despedaçada pela observação do fato de que o progresso do capitalismo não empobrece os assalariados de modo crescente; ao contrário, melhora seu padrão de vida.  Por que as massas seriam inevitavelmente induzidas a se revoltarem quando se sabe que elas estão tendo acesso a mais e melhores alimentos, habitações e vestuários, carros e geladeiras, rádios e aparelhos de televisão, nylon e outros produtos sintéticos? 
Mesmo se, em prol da argumentação, admitíssemos que os trabalhadores são induzidos à rebelião, por que seu motim revolucionário almejaria apenas o estabelecimento do socialismo?  O único motivo que poderia induzi-los a pedir a implementação do socialismo seria a convicção de que eles próprios estariam melhores sob o socialismo do que sob o capitalismo.  Porém os marxistas, ansiosos para evitar lidar com os problemas econômicos inerentes a uma economia socialista, nada fizeram para demonstrar a superioridade do socialismo em relação ao capitalismo, exceto apresentar este raciocínio circular: o socialismo está destinado a surgir como a próxima etapa da evolução histórica.  Sendo uma etapa histórica posterior ao capitalismo, ele é necessariamente melhor que o capitalismo.  Por que ele está destinado a surgir?  Porque os trabalhadores, condenados ao empobrecimento progressivo sob o capitalismo, irão se rebelar e estabelecer o socialismo.  Porém, qual outro motivo poderia impeli-los a almejar o estabelecimento do socialismo, além da convicção de que o socialismo é melhor do que o capitalismo?  Essa superioridade do socialismo é deduzida por Marx do fato de que a vinda do socialismo é inevitável.  E assim o círculo se fecha.
No contexto da doutrina marxista, a superioridade do socialismo é comprovada pelo fato de que os proletários estão visando ao socialismo.  O que os filósofos, os utópicos, pensam não interessa.  O que interessa são as ideias do proletariado, a classe a quem a história confiou a tarefa de moldar o futuro.
A verdade é que o conceito de socialismo não se originou da "mente proletária".  Nenhum proletário ou filho de proletário contribuiu com qualquer ideia substancial para a ideologia socialista.  Os pais intelectuais do socialismo eram membros da intelligentsia, descendentes da "burguesia".  O próprio Marx era filho de um advogado abastado.  Ele estudou no Gymnasium alemão, a escola que todos os marxistas e outros socialistas denunciavam como sendo o principal braço do sistema burguês de educação, e sua família o sustentou ao longo de todos os anos de seus estudos; ele não teve de trabalhar para chegar à universidade.  Ele se casou com a filha de um membro da nobreza alemã; seu cunhado era Ministro do Interior prussiano e, como tal, líder da polícia da Prússia.  Em sua casa trabalhava uma governanta, Helene Demuth, que nunca se casou e que seguia a família Marx em todas as suas trocas de residência, o modelo perfeito da empregada doméstica explorada cuja frustração e atrofiada vida sexual já foram repetidamente retratadas nas ficções realistas "sociais" da Alemanha.  Friedrich Engels era filho de um industrial rico, e ele próprio era um industrial; ele se recusou a se casar com sua amante Mary porque ela era inculta e de origem "baixa"[4] ele apreciava as diversões propiciadas pela alta classe britânica, como, por exemplo, caçar a cavalo junto com cães de caça.
Os trabalhadores nunca foram entusiastas do socialismo.  Eles apoiavam o movimento sindical cuja luta por maiores salários Marx desprezava como inútil.[5] Eles pediam por todas aquelas medidas de interferência do governo nas empresas, medidas essas que Marx rotulava como tolices pequeno-burguesas.  Eles se opunham ao progresso tecnológico — nos primórdios, destruindo as novas máquinas; mais tarde, utilizando os sindicatos para, por meio da coerção, forçar o empregador a contratar mais operários do que o necessário.
O sindicalismo — apropriação das empresas pelos trabalhadores que nela trabalham — é um programa que os trabalhadores desenvolveram espontaneamente.  Porém o socialismo foi trazido para as massas por intelectuais de procedência burguesa.  Jantando e tomando vinhos conjuntamente nas luxuosas mansões londrinas e nas mansões rurais da "sociedade" vitoriana, damas e cavalheiros com trajes elegantes planejavam esquemas para converter o proletariado britânico ao credo socialista.
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Notas
[1] E assim lemos no Manifesto Comunista: "A organização do proletariado em uma classe e, consequentemente, em um partido político, é a todo instante rompido e demolido pela competição entre os próprios trabalhadores."
[2] Obviamente, Marx não gostava do termo alemão "das eherne Lohngesetz", pois havia sido criado por seu rival Ferdinand Lassalle.
[3] Marx, Das Kapital, 1, 728.
[4] Após a morte de Mary, Engels pegou a irmã dela, Lizzy, para ser sua amante.  Ele s casou com ela em seu leito de morte "para poder lhe propiciar seu último prazer".  Gustav Mayer, Frederick Engels (The Hague, Martinus Nijhoff, 1934), 2, 329.
[5] Marx, Value, Price and Profit, ed. E. Marx Aveling (Chicago, Charles H. Kerr & Co. Cooperative), pp. 125-6.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

A saga de Ulysses Guimarães

A HISTÓRIA DE MORA



Sinopse

"A História de Mora" engloba uma série de episódios ocorridos em torno de um ícone da política brasileira no século 20: Ulysses Guimarães. Figura central no processo de democratização do país, no livro do jornalista Jorge Bastos Moreno traz momentos históricos decisivos e trágicos da trajetória do deputado e constituinte são contados por um narrador especial, que a tudo vê com olhos de esposa, dona Ida Malani de Almeida, carinhosamente apelidada de Mora.
A visão feminina faz toda a diferença. No meio de uma às vezes terrível luta política entre homens, o livro apresenta um olhar marginal no melhor sentido do termo, um olhar cheio de afeto e sentimento, mas também perspicaz como só uma mulher sabe ser. Ou, nas palavras do antropólogo Roberto Da Matta, que assina a introdução da obra, "Mora observava tudo tirando dos fatos a sua participação como um ator fora do proscênio e, com isso, filtrava e desvestia os acontecimentos da aura da sacralidade e segredo que tipificam o mundo político, no caso do Brasil e o mundo em geral".

Ninguém é mais direitista que um ex-esquerdista

VERISSIMO


CONVERSÕES
Ninguém é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a desilusão com as promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a necessidade do novo direitista de exorcizar seu passado, de se autopunir pela sua ingenuidade. Para repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu acreditando em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade, não admira que sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si mesmo, o que só aumenta sua raiva.
O adágio, tão repetido, segundo o qual quem não é de esquerda até uma certa idade não tem coração e quem não é de direita depois não tem cérebro, equipara a migração da esquerda para a direita como uma conquista da sabedoria. Idealismo, crença em justiça social etc. seriam coisas que iríamos largando pelo caminho rumo à maturidade, junto com outras baboseiras juvenis. Não se tem notícia de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude. E esquerdistas que continuam esquerdistas apesar de já terem idade para se darem conta do engano são alvos prioritários do escárnio dos convertidos. Ainda têm coração, os inocentes.
Os neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos desastres nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas na juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o ultranacionalismo do "século americano", e continuam influentes, mesmo sob o governo do Obama. Os ex-trotskistas odeiam o que foram um dia, e seu conservadorismo ativo é uma forma de expiação. Caso notório de conversão foi a do escritor John dos Passos, ex-comunista e autor de alguns livros memoráveis de crítica social, que acabou seus dias quase como uma caricatura de direitista americano, com bandeira na frente da casa e tudo.
Para quem ainda se considera de esquerda, apesar das desilusões e de um coração combalido, o rancor dos convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.
A esquerda ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.

Realidades

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA


CARLOS VIEIRA
Gritos, sussurros e agonia. Vinte e duas horas, embaixo de um viaduto, Maria ecoa um clamor de ajuda. Seu útero não espera, se contrai e movimenta o feto para fora. Outros gritos, agudíssimos, atingindo uma sonoridade do registro agudo de um clarinete, em dó quatro, o mais agudo que o instrumento consegue. Automóveis passam na avenida, ninguém enxerga nem ouve a urgência de um parto a acontecer. Mais gritos e por fim alguém aparece. Maria geme, chora, berra, pede para ser atendida, e que a leve para alguma maternidade. O jovem com extrema dificuldade a coloca no carro. Ato contínuo, não há vagas no hospital. As contrações uterinas, a criança lá dentro quase soterrada, a força do músculo, os berros da mãe, o sangue. Começa a hemorragia. O rapaz não sabe o que fazer; Maria pede pelo amor de Deus que faça o parto. Mais outro hospital: Maria é carregada para o corredor, a criança se introduz no mundo, nasce, e Maria desmaia. A criança é salva e Maria morre. Segundo os médicos a causa da morte foi hemorragia uterina e choque(?). 
“Este é tempo de divisas,/ tempo de gente cortada./ De mãos viajando sem braços,/ obscenos gestos avulsos”, escreve Carlos Drummond em seu poema “Nosso Tempo”. 
O menino é pequeno, magro, magro não, raquítico. Raquítico, tossindo com sonoridade estridente, o baço e o fígado aumentados. Verminose, endemia de verminoses múltiplas. Bactérias, bactérias, sempre presentes nos alimentos, na água de beber. Diarreias profusas, desidratações, anemias, às vezes morte. O palco é uma cidade do Nordeste. Uma cidade onde óbitos acontecem por condições precárias de saúde e alimentação. Educação? João Antônio e seus seis amigos ainda não sabem ler. Analfabetos, como se diz, de pai e mãe. 
“Calo-me, espero, decifro./ As coisas talvez melhorem./ São fortes as coisas!/ Mas eu não sou as coisas e me revolto./ Tenho palavras em mim buscando canal,/ são roucas e duras,/ irritadas, enérgicas,/ comprimidas há tanto tempo,/ perderam o sentido, apenas querem explodir.”, continua o Poeta em seus versos de Nosso Tempo. 
Odete, professora primária, vinte e sete anos de magistério numa cidade do interior das Minas Gerais. Salário? Trezentos e cinquenta reais. Um jogador de futebol vale mais do que um professor? A educação sempre foi temida porque ela ensina, esclarece, politiza, informa, acultura e faz gerar conflitos sadios no sentido do crescimento individual e social. 
“Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos/ para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,/ dores de classe, de sangrenta fúria?/ e plácido rosto. E há mínimos/ bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,/ lesões que nenhum governo autoriza,/ não obstante doem,/ melancolias insubornáveis,/ ira, reprovação, desgosto...” , volta a cantar o Poeta Gauche. 
Saiu de casa pela manhã. Antônio ia para a escola. Na esquina, um tiroteio, gente pra lá, gente correndo em todos os sentidos, balas perdidas, balas assassinas atingem Antônio. Ferido, gritaram:” Não, já está morto, aos 16 anos de idade”. No outro dia, sua mãe aos gritos pedia justiça, segurança, civilidade. Um enterro a mais entre vários velórios, consequência de balas perdidas, de perdidas seguranças. 
“Sozinho no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia/ sem parede nua/ para se encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, para onde?”, fragmentos de poesia, ainda do nosso Drummond – “José”.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

'Mais Médicos': intransigência ou mercenários?

HÉLIO CHAVES


Imagem extraída da internetO grande foco dos debates atualmente na mídia e nas redes sociais tem sido, fora as reivindicações das ruas e a visita do Papa, a questão da saúde pública e o imbróglio causado pelo programa “Mais Médicos”, lançado pela presidente Dilma Rousseff, dias atrás. O governo federal defende a proposta com unhas e dentes e a dmite que o sistema de saúde pública está longe do desejável, principalmente nas periferias e no interior do país.
Segundo o governo, a falta de estrutura é um fator, mas a contratação de profissionais de saúde para suprir carências nas periferias e nas cidades interioranas não pode esperar. Ela é crucial para a melhoraria do sistema público. O fato é que muitos médicos brasileiros se recusam a trabalhar nessas localidades.
Já as entidades representantes dos médicos querem impedir de todas as formas a contratação de estrangeiros para atuarem nessas áreas. Questionam a possibilidade de profissionais formados no exterior trabalharem sem revalidar o diploma e a falta de fluência da língua portuguesa, entre outras coisas. A queda de braço mantém pacientes sem assistência e a categoria batendo na tecla da falta de estrutura, de equipamentos, de segurança, condições mínimas de trabalho e de salários dignos, como a verdadeira causa de tudo.
Num programa de TV esta semana, o tema foi debatido com representantes dos médicos contrários ao “Mais Médicos”. Eles repetiam exaustivamente que há médicos suficientes para atender a população brasileira. Os dados apresentados dão conta de que no Brasil há cerca de 1,8 médicos para cada 10 mil habitantes, segundo eles, número suficiente, já que no Japão e EUA a média é de 2,2 médicos para cada 10 mil.
“A falta de atendimento não ocorre por falta de médicos, mas sim, pela má gestão e distribuição dos profissionais existentes no país” afirmam. Se existem, onde estão? Se faltam médicos, porque isso ocorre somente ou exclusivamente na rede pública de todo o país.
A resposta pode estar numa reportagem exibida no mesmo programa. A gravação mostrou um hospital público em situação precária de um lado da rua e do outro lado da mesma rua diversas clínicas particulares explorando a falta de atendimento no vizinho. As consultas partiam dos R$ 100,00 e os exames mais simples dos R$ 17,00. Médicos não sei, mas mercenários do outro lado da rua...
Todos sabem que o sistema de “saúde publica” brasileiro está na UTI. Agora, negar que diversos profissionais preferem trabalhar nos grandes centros em seus consultórios, clínicas ou hospitais particulares é afrontar a inteligência alheia. Profissionais devem ser livres nas suas escolhas, mas tentar impedir que outros exerçam a profissão e salvem vidas em lugares inóspitos, com pouca ou quase nenhuma estrutura, é uma prática corporativa-radical inaceitável.
“Brasília está no centro do poder. Os hospitais públicos daqui não são padrão primeiro mundo e não estão caindo aos pedaços, mas o atendimento e desumano. Uma jovem quebrou a perna em meados de junho, mas só conseguiu fazer a cirurgia para correção um mês depois. Foram várias marcações e remarcações, mas a proeza de conseguir a tão esperada cirurgia só foi possível devido a muita pressão de familiares e denúncias feitas à mídia local.”
Os familiares não tinham como pagar pela cirurgia na rede particular, que cobrava em média R$ 15 mil pelo ato. Durante o calvário a direção do hospital público dizia num dia não ter cirurgião, no outro falta do anestesista. Haja paciência, pois, pacientes sem "Mais Médicos" e sem dinheiro no Brasil é que não faltam!

O Mal Estar Atual

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA


CARLOS VIEIRA
Em 1930 Sigmund Freud publicou um trabalho inédito e revolucionário – “ O Mal Estar na Civilização – texto de alcance social e também consequente às suas pesquisas de clínica e teoria psicanalíticas. 
Desenvolvendo seu pensamento, Freud frisa, que civilização seria tudo aquilo que distingue o homem da sua condição de animal. Hoje sabemos, que é inevitável pensar na natureza humana como sendo uma junção e um conjunto dialético que autoriza dizer: a natureza humana não pode ser dissociada da sua natureza animal. Somos, todos, animais-humanos, termo que enfatiza e nos conscientiza das nossas qualidades de homem civilizado juntamente com sua “parte” animalesca. Negar a animalidade humana é negar a sua essência de Ser, e também não cuidar, uma vez consciente desse fato, dos nossos impulsos cruéis e não civilizados. 
O Homem perdeu sua alma angelical quando, expulso do Paraíso, tornou-se “anjo caído”, ou pessoa dotada de maldade, desejo sexual e agressivo, e não mais a figura mítica de “entes puros, obedientes e dependentes das ordem do Céu, no sentido de criar uma pessoal santa, imaculada. 
Freud fala das pulsões: pulsões sexuais (vida) e pulsões destrutivas(morte); de desejos de amar como também movimentos pulsionais para destruir. Desse modo, após reflexão sobre o texto, não fica mais dúvida quanto ao fato de sermos feitos com uma tessitura de amor e ódio, de construção e destruição. Amor e ódio, em parte de origem primordial, filogenética, constitucional, como também por resultado das influencias do meio ambiente, tendo como meio ambiente, primeiro a influência dos pais e também da sociedade e da cultura. 
Acontece que, se imaginarmos a “ficção” de alguém que satisfaz todos os seus desejos; que todos os seus impulsos deveriam ser satisfeitos, estaríamos num mundo da “predominância do princípio do prazer, onde a frustração, a interdição não teriam função alguma. A questão é que se impõem, inevitavelmente, as regras da realidade, da civilização, da proibição, do incesto, obrigando o EU de todos nós, se adaptar, ou como disse o próprio Freud – civilizar os instintos. Ato contínuo: o indivíduo tende a ser inimigo da civilização – a civilização, a aculturação, colocam obstáculos ao desejo por desejar e ao ser atendido seja como for, a fim de satisfazer seus anseios. 
Na linguagem psicanalítica, o Narcisismo teria de ser atendido, pois, “no mundo somente conta o EU e os Outros(se é que existe a noção do Outro!) estará para me atender”. Veja, o artigo do mestre foi escrito em 1930; estamos no século XXI, mas sua atualidade é tão gritante que podemos dizer que Freud é um autor contemporâneo e não um clássico. Hoje vivemos numa sociedade que prega o prazer pelo prazer; que usa as pessoas como objetos de consumo para satisfação dos seus desejos; que a noção de Alteridade já caiu de moda, assim como a noção de Interdição. Não é disparate pensar que, a voracidade, a inveja e a necessidade de uso e abuso, criam uma ambiência atual de um individualismo e egocentrismo cruéis – para vencer, para ter, para acumular riquezas, para manter-se no poder. As pessoas usam de mecanismos psicopáticos, perversos, moldando sua vida numa vida de “consumo material e consumo das outras pessoas” para satisfazer seus impulsos, os mais primitivos. Roubam, matam, corrompem, estrupam, criam gangues tanto nos morros quanto dentro da sociedade, dita, classe média e alta, tudo no sentido de obter poder e prazer. 
Freud, em seu belo artigo, tinha de ser odiado como foi, pois renunciar seus impulsos animalescos, frear suas vontades perversas, desenvolver civilidade, generosidade ao próximo, amor grupal, sentido de comunidade e bem estar-social, é tudo o que as personalidades e grupos narcísicos destrutivos não querem abrir mão. 
Escreve o nosso Freud em seu texto:...”Acrescentemos que é um processo a serviço de Eros(Vida), que pretende juntar indivíduos isolados, famílias, depois etnias, povos e nações numa grande unidade, a da humanidade. 
Guimarães Rosa, em sua obra insaturada de sabedoria, “Grande Sertão: Veredas, pela fala de Riobaldo, seu personagem, escreveu: “O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo.” O nosso brilhante escritor-diplomata sabia das coisas, e lendo essa passagem somos levados a concluir: já que sabemos que, dentro de nós existe um “Demônio”, só nos resta cuidar dos” malasartes luciferianos” antes que ele nos mate. 
Cuidar, civilizar, aculturar, dar senso de realidade, respeito e consideração pelo outro, são medidas trabalhosas, é claro, que temos de inibir a nossa violência destrutiva. 
Termino com o final do artigo de Sigmund Freud nessa obra eterna:” A meu ver, a questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos de agressão e autodestrutividade... Atualmente os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes é difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem.”
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

Governantes sem juízo

OPINIÃO


O quadro atual mostra uma notável incoerência do governo brasileiro em matéria de estratégia comercial

Num dado momento aventou-se a possibilidade de postergar a reunião de cúpula para agosto. Se de fato tivesse ocorrido o adiamento, teria sido a manobra política mais acertada visando a acomodar a volta do Paraguai à condição de sócio pleno ainda durante a presidência pro tempore do Uruguai caso ela fosse prorrogada por pouco mais de um mês. Coincidiria com a posse do presidente eleito em abril e propiciaria ao novo Congresso paraguaio boa vontade para votar favoravelmente a adesão plena da Venezuela. No entanto, prevaleceu a empáfia em vez da racionalidade traduzida na declaração do chanceler brasileiro para que o Paraguai trate de se adaptar à nova ordem institucional do bloco.

Assim, a reunião aprovou uma decisão específica considerando restabelecida a ordem democrática naquele país com as eleições de abril último, voltando o país a retomar sua condição de membro pleno. Contudo, o novo mandatário paraguaio não aceita a presidência "pro tempore" da Venezuela, concedida na ocasião, enquanto o novo Congresso não votar favoravelmente sua formal admissão. Vislumbra-se a continuidade do imbróglio institucional no Mercosul.

O encontro tampouco deu qualquer atenção aos problemas operacionais que afligem o bloco porque os temas dominantes concentraram-se nas denúncias de espionagem americana e na interdição do espaço aéreo imposta por países europeus ao avião do presidente da Bolívia. Por outro lado, resolveu "solificar" a integração subregional saudando a iminente incorporação da Bolívia e mais adiante a do Equador, além de alçar o Suriname e a Guiana ao status de países associados. Além disso, demonstraram uma antevisão política de fazer inveja ao falecido Hugo Chávez pelo apoio dado às declarações do fórum social do Mercosul acusando a Aliança do Pacífico de contribuir para uma grave cisão na integração latino-americana.

Na verdade, seria demasiado cobrar um rasgo de desprendimento e lucidez aos mandatários que, nos últimos dois anos, pouco ou nada fizeram para contornar as mazelas comerciais que assolam esse organismo. Antes pelo contrário, principalmente brasileiros e argentinos desfilaram um rosário de equívocos institucionais e adoção de medidas protecionistas contrárias aos dispositivos do Tratado de Assunção e da própria Organização Mundial do Comércio. Basta rever a salada de atos administrativos e fiscais praticadas pelos dois maiores sócios, entre si e com o resto do mundo. Não à toa o Uruguai mostra-se cada vez mais descontente e francamente favorável à abertura do bloco para acordos individuais de comércio com outras áreas.

Definitivamente, o Brasil está metido num novelo político-institucional que vem assumindo contornos de difícil reversão. Isso no momento em que aumentam as manifestações empresariais, acadêmicas e, até mesmo, de algumas esferas oficiais clamando por maior liberdade de o país negociar acordos de livre comércio com áreas e países mais desenvolvidos. Contudo, o crescente "fortalecimento" do Mercosul provavelmente irá cada vez mais dificultar as penosas negociações do bloco com a União Europeia. Recentes declarações do Comissário de Comércio da Comunidade revelaram a disposição de aceitar velocidades distintas para cada país do bloco, mas a diversidade de países membros e as contínuas demonstrações do governo argentino de aversão à liberalização comercial vão conspirar contra esse arranjo.

O quadro atual mostra uma notável incoerência do governo brasileiro em matéria de estratégia comercial: por um lado estimula os setores industriais a envidar esforços para apresentar ofertas viáveis à UE, mas por outro mostra-se leniente com a demagogia terceiro-mundista de abrigar novos sócios inconvenientes e desnecessários. Notável contrassenso e completa falta de juízo.

O quadro atual mostra uma notável incoerência do governo brasileiro em matéria de estratégia comercial

Mauro Laviola é vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior
* Coluna publicada no Globo de Hoje.

Agora, bancos de madeira


LUIZ GARCIA
Louve-se a justiça, sempre que ela é aplicada com a necessária — mas nunca excessiva — severidade. Não apenas pelo seu caráter punitivo, mas também, e, talvez principalmente, pela advertência que representa para aqueles possuídos pela tentação do delito.

O poder da advertência, como se sabe, é relativo. O infrator em potencial, como estamos exaustos de saber, sempre acredita que com ele será diferente, simplesmente por ser mais esperto que os idiotas que se deixam apanhar com a mão no bolso alheio — ou coisa pior.

E a lentidão da justiça, especialmente em relação aos espertalhões de terno e gravata, sempre parece ser comparável à de uma idosa tartaruga de pernas curtas. Mesmo assim, ou por isso mesmo, agora podemos festejar e sair dançando pela rua em face da notícia de que chegou praticamente ao fim um dos episódios mais escandalosos dos últimos tempos: o do mensalão.

Para quem não se lembra ou não leu o jornal de sábado: oito anos depois, o Banco Central acaba de fechar o Banco Rural. É o castigo pela sua participação num audacioso pagamento de dinheiro sujo a políticos aliados do governo Lula, durante pelo menos dois anos.

O castigo é obviamente justo, mas pode-se lamentar a falta de agilidade no processo que levou a ele. As provas do crime eram óbvias. Os responsáveis já foram condenados há algum tempo. Três diretores do Rural receberam penas de prisão: Kátia Rabello e José Roberto Salgado, 16 anos e 8 meses; e Vinicius Samarane, oito anos e 9 meses. E todos também tiveram penas financeiras.

Parece justo — como castigo para a trinca e como exemplo para outros cidadãos espertos do mundo financeiro.

E o próprio Banco Rural recebeu multas pesadas que, sozinhas, tornaram impossível a sua sobrevivência. Pode recorrer à Justiça, mas praticamente sem chance de êxito: em casos semelhantes, o Banco Central tem ganho 98% dos casos. Os infelizes clientes honestos do Rural terão seus depósitos garantidos, num limite de R$ 250 mil para cada um. São vítimas inocentes, mas não havia outra saída.

Em suma, um final adequado para uma sinistra conspiração financeira. E uma enfática palavra de alerta para outros espertinhos, ou candidatos a isso, da praça bancária.

Não se esqueçam: ao contrário do que muita gente pensa, banqueiro também pode ir para a cadeia — onde os únicos bancos são de madeira dura.

O caso Rural teve um final adequado para uma sinistra conspiração financeira. E uma enfática palavra de alerta para  outros espertinhos, ou candidatos  a isso, da praça bancária

* Texto publicado no Globo de hoje

A Dor e o Apelo de Sua Santidade


CARLOS VIEIRA
O papa Francisco veio, bateu na porta do Brasil, acolheu a todos num gesto de amor e generosidade. Bateu na porta sim, bateu em nossos corações; tocou no afeto de todos e nos alertou que uma saída para o bem estar comum é a filosofia do Encontro.
O encontro é poder se colocar no lugar do outro, acolher e estabelecer um diálogo; diálogo afetivo, de respeito e consideração. A sua dor, que também é a nossa, repousa num pensamento de Sua Santidade: É impossível dormir quando uma criança morre sem ter o que comer; quando jovens são excluídos como também os mais velhos; quando esses mesmos jovens estão sendo manipulados por facções nazistas e facistas, propalando a anarquia desvairada, descaracterizando desse modo um pedido justo aos que governam. Onde está a mãe que cuida, acolhe, coloca no colo, reconhece seu filho, educa, dar saúde e educação? Onde estão os governantes, executivos, legislativos que preocupados com o poder, preocupados em se manterem no poder, esquecem seus eleitores e “filhos” desamparados? Francisco, quando tem a coragem de assumir que a Igreja esteve longe dos fiéis e precisa de uma reforma, diz também que os governantes aceitem as contribuições dos jovens nas ruas a pedir por reformas. Vivemos numa sociedade corrompida pela voracidade, pela gula, pela inveja e principalmente, pela “Cultura do Dinheiro”. Carros luxuosos, despesas desnecessárias, riquezas auferidas com o dinheiro dos nossos impostos, opulência , obras superfaturadas, corrupções a toda prova, “magoam àqueles que não têm para comer e viver com dignidade”.
A juventude clama o quê? A juventude mostra nas ruas a angústia do desamparado, dos últimos estertores de uma barriga vazia; de um assalto a um idoso; de uma mulher que morre de parto porque não foi atendida; de saúde e educação que são bens e não direitos, há que se ter dinheiro para comprá-las; de um filho que assalta e usa crack não porque quer, e sim porque a “alucinação de ter alguma coisa” ficou no lugar do Vazio, da Falta. “Um jovem que não protesta não me agrada”, disse o papa Francisco! Mas o protesto em si não leva à nada; um protesto precisa ser acolhido, precisa de um Encontro daqueles que devem governar.
As ruas gritaram, Francisco a toda hora implorou, teceu metáforas, histórias de abandono e agonia humanas, recusou o luxo e a luxúria, e contou até uma história de uma mulher na Argentina que disse: “A Igreja nos abandonou”. Claro, a Igreja e o Estado estão nos abandonando a cada momento, preocupados em se manterem no poder. Daí a urgência de Reformas, daí a necessidade do Encontro, ou seja, de descer dos Altares religiosos e civis para serem gratos a quem os colocaram lá! Nietzsche certa ocasião escreveu num dos belos e profundos livros de Aforismos: “Eu bem gostaria de fazer algo para lhes tornar o pensamento da vida mil vezes mais digno de ser pensado”. A consideração, a gratidão, a disponibilidade ao Encontro, a humildade e o respeito, são pensamentos vitais, são expressões que fecundam vitalidade, pensamentos e sentimentos que parecem faltar aos governantes. O poder pelo poder cega, e cegos os poderosos não tem condições de reconhecer nada além deles próprios. Narciso, a expressão máxima da onipotência, da onisciência e da onipresença, terminou sozinho, deprimido e se transformou numa “flor soporífera”, que tem a capacidade de anestesiar os demais seres humanos. O Papa gritou, pediu à juventude que fosse ás ruas; reafirmou que já prenderam um Monsenhor corrupto no Vaticano; que a Igreja e seu representantes precisam sair das salas frias, governamentais do governo de Roma e ir ouvir os seus fiéis. Que as comissões estão prontas para punirem os culpados por corrupção e crimes perversos sexuais!
Não podemos mais dormir sabendo que crianças morrem sem alimentação; que a saúde é precária; que as organizações internacionais mostram que nosso índice de educação é um dos baixos do mundo; que os políticos adiam a cada momento a tão esperada Reforma Política; que o dinheiro dos nossos impostos enriquecem uma minoria poderosa e que o Estado esqueceu do povo.
“Quando em torno de nós raiva o funesto
Desvairo, e na infernal perplexidade
Erramos o caminho da verdade
Nos Santos Evangelhos manifesto,

Baixem as luzes do divino Texto
Pela boca de Vossa Santidade
Para conduzir a cristandade
Ao aprisco do Pai, ó Paulo VI!

Nest’hora em que de cada continente
Vêm mil gemidos incessantemente
Em sangue humano o duro chão se empapa,

Falai, falai, que ouvir a vossa isenta
Palavra é ouvir em meio a tormenta
A voz de Deus na voz de um grande Papa.”

Poema de Manuel Bandeira – “ A Sua Santidade Paulo VI “
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.