sábado, 10 de agosto de 2013

A Dor e o Apelo de Sua Santidade


CARLOS VIEIRA
O papa Francisco veio, bateu na porta do Brasil, acolheu a todos num gesto de amor e generosidade. Bateu na porta sim, bateu em nossos corações; tocou no afeto de todos e nos alertou que uma saída para o bem estar comum é a filosofia do Encontro.
O encontro é poder se colocar no lugar do outro, acolher e estabelecer um diálogo; diálogo afetivo, de respeito e consideração. A sua dor, que também é a nossa, repousa num pensamento de Sua Santidade: É impossível dormir quando uma criança morre sem ter o que comer; quando jovens são excluídos como também os mais velhos; quando esses mesmos jovens estão sendo manipulados por facções nazistas e facistas, propalando a anarquia desvairada, descaracterizando desse modo um pedido justo aos que governam. Onde está a mãe que cuida, acolhe, coloca no colo, reconhece seu filho, educa, dar saúde e educação? Onde estão os governantes, executivos, legislativos que preocupados com o poder, preocupados em se manterem no poder, esquecem seus eleitores e “filhos” desamparados? Francisco, quando tem a coragem de assumir que a Igreja esteve longe dos fiéis e precisa de uma reforma, diz também que os governantes aceitem as contribuições dos jovens nas ruas a pedir por reformas. Vivemos numa sociedade corrompida pela voracidade, pela gula, pela inveja e principalmente, pela “Cultura do Dinheiro”. Carros luxuosos, despesas desnecessárias, riquezas auferidas com o dinheiro dos nossos impostos, opulência , obras superfaturadas, corrupções a toda prova, “magoam àqueles que não têm para comer e viver com dignidade”.
A juventude clama o quê? A juventude mostra nas ruas a angústia do desamparado, dos últimos estertores de uma barriga vazia; de um assalto a um idoso; de uma mulher que morre de parto porque não foi atendida; de saúde e educação que são bens e não direitos, há que se ter dinheiro para comprá-las; de um filho que assalta e usa crack não porque quer, e sim porque a “alucinação de ter alguma coisa” ficou no lugar do Vazio, da Falta. “Um jovem que não protesta não me agrada”, disse o papa Francisco! Mas o protesto em si não leva à nada; um protesto precisa ser acolhido, precisa de um Encontro daqueles que devem governar.
As ruas gritaram, Francisco a toda hora implorou, teceu metáforas, histórias de abandono e agonia humanas, recusou o luxo e a luxúria, e contou até uma história de uma mulher na Argentina que disse: “A Igreja nos abandonou”. Claro, a Igreja e o Estado estão nos abandonando a cada momento, preocupados em se manterem no poder. Daí a urgência de Reformas, daí a necessidade do Encontro, ou seja, de descer dos Altares religiosos e civis para serem gratos a quem os colocaram lá! Nietzsche certa ocasião escreveu num dos belos e profundos livros de Aforismos: “Eu bem gostaria de fazer algo para lhes tornar o pensamento da vida mil vezes mais digno de ser pensado”. A consideração, a gratidão, a disponibilidade ao Encontro, a humildade e o respeito, são pensamentos vitais, são expressões que fecundam vitalidade, pensamentos e sentimentos que parecem faltar aos governantes. O poder pelo poder cega, e cegos os poderosos não tem condições de reconhecer nada além deles próprios. Narciso, a expressão máxima da onipotência, da onisciência e da onipresença, terminou sozinho, deprimido e se transformou numa “flor soporífera”, que tem a capacidade de anestesiar os demais seres humanos. O Papa gritou, pediu à juventude que fosse ás ruas; reafirmou que já prenderam um Monsenhor corrupto no Vaticano; que a Igreja e seu representantes precisam sair das salas frias, governamentais do governo de Roma e ir ouvir os seus fiéis. Que as comissões estão prontas para punirem os culpados por corrupção e crimes perversos sexuais!
Não podemos mais dormir sabendo que crianças morrem sem alimentação; que a saúde é precária; que as organizações internacionais mostram que nosso índice de educação é um dos baixos do mundo; que os políticos adiam a cada momento a tão esperada Reforma Política; que o dinheiro dos nossos impostos enriquecem uma minoria poderosa e que o Estado esqueceu do povo.
“Quando em torno de nós raiva o funesto
Desvairo, e na infernal perplexidade
Erramos o caminho da verdade
Nos Santos Evangelhos manifesto,

Baixem as luzes do divino Texto
Pela boca de Vossa Santidade
Para conduzir a cristandade
Ao aprisco do Pai, ó Paulo VI!

Nest’hora em que de cada continente
Vêm mil gemidos incessantemente
Em sangue humano o duro chão se empapa,

Falai, falai, que ouvir a vossa isenta
Palavra é ouvir em meio a tormenta
A voz de Deus na voz de um grande Papa.”

Poema de Manuel Bandeira – “ A Sua Santidade Paulo VI “
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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