quinta-feira, 19 de junho de 2014

O mito do poder da Coca-Cola

O mito do poder da Coca-Cola
 

coca_cola_poder.jpgEu, muito tempo atrás, perdi o gosto pela Coca-Cola. Talvez a causa se encontre em suas bolhas efervescentes — há simplesmente muitas delas. Ou talvez o motivo seja, em sua versão americana, a doçura pegajosa do xarope de milho (subsídios para o milho e tarifas sobre o açúcar estão por trás disso). Ou talvez a razão seja o fato de que, depois de tomar uma dose, eu sinto um zumbido louco seguido por uma explosão devastadora. Eu jamais consegui entender como é que alguém ainda permanece acordado depois de um hambúrguer gigante, uma poderosa porção de batatas fritas e uma coca enorme.
Parece que não estou sozinho aqui. A Coca-Cola anda sofrendo com vendas em declínio na América do Norte e até mesmo no globo inteiro. O preço das suas ações foi atingido. Os gostos dos consumidores parecem estar mudando, migrando das bebidas fortemente açucaradas e saturadas de ácido carbônico para a água engarrafada, as bebidas desportivas e os energéticos. No drive thru do fast food da minha localidade, eu percebi que eles estavam promovendo as suas próprias bebidas geladas especiais em detrimento das bebidas gasosas convencionais.
Por que isso importa? Agora, batucando em meus ouvidos, ecoam os muitos anos de comentários histéricos de intelectuais que criticavam o suposto poder que a Coca-Cola exerce sobre o planeta inteiro. Eles se queixam de que os símbolos da Coca-Cola praticamente adornam o mundo todo; eles dizem que essa bebida engana as massas faz mais de um século;  eles argumentam que essa bebida é o sinal mais visível da corrupção do capitalismo.
Mas espere! Certamente, as pessoas podem decidir beber ou não beber. Não, não, diz a elite intelectual que constantemente nos avisa do "mito da escolha" no mercado. Nós somos governados por forças estranhas que se encontram fora do nosso controle. Nós temos o receio de que, se não fizermos isso, se não bebermos a coca, não faremos parte da tendência predominante, não nos adequaremos às expectativas impostas corporativamente em relação à maneira como deve ser o nosso comportamento. Em vez disso — em vez de poder escolher —, nós somos os peões de um jogo no qual essa assustadora empresa exerce o supremo papel de rei.
Bem, pense novamente. O que acontece é que o verdadeiro poder está nas mãos dos consumidores. Pare de consumir algo, e essa coisa desaparece. É assim que o mercado funciona. Nem mesmo um legado de 127 anos e uma tradição cultural aparentemente invencível são capazes de obliterar a decisão básica de comprar ou não comprar.
Outro sinal do declínio da Coca-Cola é o fato de que ela recentemente caiu do primeiro lugar para o terceiro lugar no ranking das marcas globais mais respeitadas. O novo número um é a Apple, e o número dois é o Google. Com efeito, dentre as 100 marcas que se encontram no topo, todas aquelas que apresentam movimentos mais rápidos são empresas de tecnologia. Trata-se de uma prova de como a comunicação está mudando o mundo. Mais comunicação significa mais concorrência — bem como a derrocada de hábitos arraigados.
Eu posso não morrer de amores pela bebida, mas nunca entendi o ódio que ela causou e continua causando. A Coca-Cola ostenta uma imensa contribuição à história cultural com a sua maravilhosa publicidade que se estende por todo o século XX. Você pode definir as décadas pelo brilhantismo dessa publicidade — os desenhos das antigas lojas de bebidas gasosas (soda-jerk); as campanhas de "ensinar o mundo a cantar"; o urso polar; ou as atuais fantásticas homenagens ao comércio além-fronteiras que reforça a paz e combate o desejo pela guerra.
Eu ainda me lembro de, alguns anos atrás, estar sentado na arquibancada em um jogo de baseball e de me maravilhar com a absoluta imensidão do símbolo da Coca-Cola que estava pairando sobre o estádio. Por que essa empresa teve de gastar tanto com publicidade? Com certeza, nenhuma pessoa que estava sentada no estádio desconhecia a coca. Então, qual é o porquê dessa mania de promover a marca?
A publicidade, por si só, demonstra que a Coca-Cola, na verdade, não tem um "poder" sequer semelhante àquele que a polícia possui. Ela não tem a capacidade de obrigar as pessoas a beberem o seu produto. Essa publicidade, efetivamente, não significou desperdício de dinheiro. Ela estava promovendo a marca na esperança de mantê-la constantemente em nossas mentes, bem como fazendo propaganda do próprio apoio da empresa ao grande esporte que é o baseball. Existem mensagens subliminares em todos os anúncios publicitários? A Coca-Cola, com certeza, espera que sim.
E não há nada de errado nisso. Mas o que acontece quando os gostos mudam radicalmente? Isso é um problema grave. Os especialistas estão dizendo que os consumidores repentinamente passaram a preferir bebidas amargas com menos bolhas efervescentes. A Coca-Cola pode modificar a sua receita ou introduzir, digamos, a bebida Coca-Cola Energy? Bem, ela é uma sobrevivente, então tudo é possível. Basta dar uma olhada em todas as marcas que ela adquiriu recentemente apenas para cobrir as suas apostas.
Você sabe o que é ainda mais espetacular do que o declínio da Coca-Cola? Olhe para a água engarrafada que a está substituindo. Agora, se os opositores da economia de mercado desejam criticar alguma coisa, trata-se de um caso perfeito. Muito do material da água engarrafada é mais caro do que a gasolina, que tem de ser extraída da terra e ser refinada em um processo incrivelmente complexo, baseado em intenso uso de bens de capital.
Na maioria das vezes, eu não consigo diferenciar uma garrafa de outra. Por falar nisso, eu nunca realmente entendi o que há de errado com a água da torneira. Mas de gustibus non est disputandum ("gosto não se discute") e tudo o mais.
Se você fosse um planejador central, com a finalidade de definir preços independentemente da experiência de mercado, você estabeleceria o preço da gasolina ou da água engarrafada em patamares elevados? Trata-se de uma escolha muito óbvia, tendo como base tão-somente considerações tecnológicas. Entretanto, os mercados existentes realmente nos demonstraram um resultado diferente de qualquer ideia que um intelectual de fora poderia alguma vez conceber.
De todas as coisas bonitas da economia de mercado, a sua característica mais admirável é a sua capacidade de confundir os intelectuais com surpresas implacáveis e resultados inesperados. Em sua pura imprevisibilidade, o mercado funciona no universo como uma força que nos torna humildes e como um lembrete de que, neste mundo, o verdadeiro e principal poder sempre residirá nas forças organizadoras descentralizadas da própria sociedade.
As pessoas poderosas podem retardar o progresso do mundo, mas elas não podem impedi-lo de mudar. Graças ao mercado, nós sempre estaremos redescobrindo a grande verdade de que o curso dos acontecimentos mundiais não é algo que alguém — nem mesmo uma empresa gigante como a Coca-Cola — possa definitivamente controlar.

O mundo está superpovoado? Não. E isso será ruim para o futuro

O mundo está superpovoado? Não. E isso será ruim para o futuro
 

3e9f066f261dbe5764551cf3ffe23f5e.jpgO mundo está superpovoado.  As ruas estão entupidas, o trânsito está sempre irritantemente congestionado, e as pessoas estão vivendo — tanto figurativa quanto literalmente — uma em cima das outras.  É raro você encontrar um espaço livre para sequer dar uma volta com seu cachorro.
Certo?
Errado.
O mundo não está de modo algum superpovoado.  Ao redor do globo, há enormes espaços de terra totalmente desabitados. Canadá, Austrália, África, Rússia, EUA e Brasil possuem uma inacreditável quantidade de espaços abertos e não-povoados.  [No Brasil, apenas 0,2% do territórioestá ocupado por cidades e infraestrutura].  Com efeito, toda a população do planeta caberia confortavelmente no estado americano do Texas.  [E se toda ela fosse para o estado do Amazonas, a densidade populacional seria equivalente à da cidade de Curitiba].
Sendo assim, por que tantas pessoas ainda acreditam tão piamente nesse mito do superpovoamento?  A razão é simples: a maioria delas — especialmente aquelas que têm tempo e predisposição para reclamar do excesso de pessoas — vive em áreas de alta densidade populacional, as quais não são uma amostra nada representativa da real situação do mundo. 
Essas áreas de alta densidade populacional são chamadas de 'cidades', e o motivo pelo qual as pessoas vivem em cidades — não obstante suas constantes lamúrias — é que há enormes benefícios gerados quando um grande número de pessoas convive em proximidade.
É muito conveniente viver em um local repleto de pessoas simplesmente porque cada uma dessas pessoas tem o potencial de ofertar vários bens e serviços para você.  Quanto mais pessoas à sua volta, maior a oferta de pessoas dispostas a fazer coisas como lavar e passar suas roupas, consertar seus sapatos, consertar seu carro, cozinhar suas refeições, oferecer variadas opções de entretenimento, curar uma eventual doença, e, talvez ainda mais importante, oferecer a você um emprego que remunera bem. 
Tente viver isolado do mundo, no meio do mato, e você descobrirá quão "simples" é se alimentar, subsistir e sobreviver a problemas de saúde.  A divisão do trabalho significa que, quanto mais pessoas houver por perto, mais fácil será satisfazermos nossos desejos e necessidades.  Igualmente, maior será a nossa comodidade para resolvermos certos problemas.  Daí as cidades superpovoadas.
Esse mito de que o mundo está superpovoado — em conjunto com a errônea conclusão de que isso está gerando problemas — fez com que várias pessoas celebrassem a notícia de que a taxa de natalidade está caindo em todo o mundo, mais acentuadamente nos países mais ricos. 
Em 2012, os casais nas cinco maiores economias do mundo — EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido — tiveram 350 mil filhos a menos do que em 2008, uma queda de quase 5%.  A ONU prevê que as mulheres desses países terão uma média de 1,7 filhos ao longo de suas vidas.  Demógrafos dizem que a taxa de fecundidade tem de ser de pelo menos 2,1 apenas para compensar as mortes e, com isso, manter a população constante.
A expectativa de que essa redução da natalidade irá gerar mais conforto e mais ar respirável para o resto do mundo ignora completamente os impactos econômicos decorrentes de um declínio populacional.  Isso tem a ver com uma compreensão incompleta sobre a ação humana.
Aqueles que se preocupam com uma superpopulação tendem a ver os seres humanos como nada mais do que meros consumidores de recursos.  A lógica é simples: os recursos são finitos; os seres humanos consomem recursos.  Logo, menos seres humanos significa mais recursos disponíveis.  Esse é o cerne de todas as ideias contrárias à expansão populacional. 
Porém, embora as premissas desse silogismo sejam verdadeiras, elas são calamitosamente incompletas, fazendo com que a conclusão seja igualmente (e perigosamente) incorreta.
Em primeiro lugar, os seres humanos não são apenas consumidores.  Cada consumidor é também um produtor.  Por exemplo, eu só consigo almoçar (consumir) porque produzi (trabalhei) e alguém me remunerou por isso.  E foi justamente essa nossa contínua produção o que aprimorou sobremaneira o nosso padrão de vida desde o nosso surgimento até a época atual.  Todos os luxos que usufruímos, todas as grandes invenções que melhoraram nossas vidas, todas as modernas conveniências que nos atendem, e todos os tipos de lazer que nos fazem relaxar foram produzidas por uma mente humana. 
Logo, a conclusão óbvia é que, quando mais mentes existirem, mais inovações surgirão para melhorar nossas vidas.  Uma simples reductio ad absudum revela a óbvia verdade de que a cura para o câncer tem mais chances de ser descoberta em uma sociedade com um bilhão de pessoas do que em uma com apenas um punhado de indivíduos.
Ainda mais importante é o fato de que essas inovações resultam em uma multiplicação de recursos, de modo que o silogismo sofre uma importante alteração: os recursos são finitos; os seres humanos consomem recursos; os seres humanos produzem recursos; logo, se os seres humanos produzirem mais recursos do que consomem, um aumento populacional será benéfico para a nossa espécie.
Que nós produzimos mais do que consumimos é um fato autoevidente: basta olharmos para o padrão de vida que usufruímos hoje e compará-lo àquele que tínhamos há 50, 100 ou 1.000 anos.  À medida que a população aumentou, aumentou também a nossa prosperidade, e a redução no sofrimento humano foi impressionante.
Tendo tudo isso em mente, a conclusão é que a acentuada queda nas taxas de natalidade é algo alarmante.  Ironicamente, o primeiro arranjo a ser atingido será justamente aquele que é tão caro às esquerdas que defendem o controle populacional: a seguridade social.  E isso não é nem uma questão ideológica ou econômica, mas sim puramente matemática: uma população crescente tem um número suficiente de pessoas trabalhando para sustentar os idosos.  Já uma população declinante simplesmente não terá mão-de-obra jovem para pagar a aposentadoria desses idosos.  Uma coisa é você ter 10 pessoas trabalhando para pagar a Previdência de um aposentado; outra coisa é você ter apenas 2 pessoas trabalhando para pagar a Previdência desse mesmo aposentado.  Alguém terá de ceder.
Nos países onde há uma generosa rede de seguridade social, um encolhimento na população significa que uma fatia cada vez maior dos recursos será consumida pelos idosos, uma vez que as gerações mais jovens estarão em número insuficiente para compensar essa diferença.  A consequência inevitável é que, à medida que a força de trabalho vai declinando, toda a produção vai junto.  Se a força de trabalho encolhe, máquinas e equipamentos deixam de receber manutenção, começam a se deteriorar e caem em desuso.  Fábricas são abandonadas.  Empreendimentos imobiliários não são vendidos e os imóveis ficam desocupados. 
Tudo isso resulta em menos crescimento econômico, menos criação de riqueza, e menos prosperidade para todos.  Até mesmo os keynesianos, que são obcecados com a tal "demanda agregada", deveriam entender esse conceito.  Menos pessoas significa menos atividade econômica.
A celebração de que a população está crescendo menos advém majoritariamente do movimento ambientalista, cujo sentimento anti-humano é frequentemente explícito.  No entanto, até mesmo naqueles círculos menos cáusticos o preconceito contra a humanidade já se espalhou.  Hoje, é algo generalizado e que praticamente já adentrou a consciência popular.  Entre as esquerdas, tal sentimento é predominante; há um instinto de que as pessoas são naturalmente ruins.
Essa postura só é defensável se você for do tipo que anseia por um retorno à época da varíola, da inanição, da água contaminada, e do perigo iminente de ser devorado por predadores famintos.  Se, por outro lado, você não vê essas coisas como parte de uma existência idílica e natural, você deveria parar de propagar alguns mitos e ter mais consideração pelos seres humanos.

Logan Albright é escritor e economista.

Como os consumidores exercem o seu poder em uma economia livre

Como os consumidores exercem o seu poder em uma economia livre


carl_menger.jpgNa história do pensamento econômico, um dos meus economistas prediletos é o grande pensador austríaco Carl Menger (1840—1921). Embora o mainstream da profissão econômica reconheça o lugar de Menger na ciência econômica em virtude da sua contribuição à "Revolução Marginalista" da década de 1870, ele o ignora porque a sua estrutura teórica não se presta para prescrições de políticas governamentais. Em uma época em que a profissão econômica vê a si mesma, em grande medida, como uma ordinária filial do governo — o qual atribui a si próprio a tarefa de administrar a economia —, pensadores como Menger (e como os intelectuais que trabalham no arcabouço da sua tradição) não são enaltecidos ou estudados da mesma forma como — e na mesma medida em que — gente da estirpe de Irving Fisher, John Maynard Keynes, Milton Friedman ou Paul Krugman tem sido engrandecida e analisada.
Isso é verdade apenas porque o estado tende a não financiar acadêmicos ou escolas de pensamento econômico que não promovam o seu papel central na economia ou que não forneçam justificativas econômicas para as suas intervenções nas forças do mercado. Se não fosse por essa simbiose com o governo, o estudo do monetarismo da "Escola de Chicago" ou do keynesianismo da "Ivy League" teria atualmente muito menos destaque e proeminência na ciência econômica.
A estrutura teórica de Menger difere de tantas interpretações e concepções modernas da economia porque ela representa a culminação do desenvolvimento do pensamento econômico que ocorreu ao longo dos séculos até o fatal advento da "era progressista" — principalmente na Europa continental, nas mãos dos pensadores escolásticos da Idade Média e nas mãos dos liberais franceses (como Turgot, Cantillon e Say). Tais pessoas podem ter estudado a ciência econômica sob a forma do que passou a ser conhecido como "ciências morais" no século XIX; mas o seu impulso para fazê-lo deveu-se muitas vezes à inata vontade do ser humano de entender melhor o mundo e as leis naturais que o regem. O seu interesse era na economia como economia — e não na economia como um simples instrumento político para fazer com que o governo pareça mais científico, eficiente ou benigno. (Na realidade, ele é exatamente o oposto dessas coisas.)
Portanto, para a finalidade de estudar a economia como uma ciência pura e simples, principalmente em uma época em que a confusão econômica parece reinar, não é uma má escolha iniciar os estudos com Carl Menger.
Menger nasceu na Galícia, uma região então austríaca que agora faz parte da Polônia, em uma família abastada com raízes na Boêmia. Durante os intervalos dos seus estudos de direito nas universidades de Praga e Viena, Menger trabalhou como jornalista econômico, obtendo algum grau de destaque ao escrever romances e comédias que foram publicados em capítulos em diversos jornais.
Foi durante o seu tempo como jornalista que Menger percebeu pela primeira vez a importância das diferenças entre as doutrinas econômicas clássicas sobre os fenômenos de mercado e os eventos do mundo empresarial real que cobriu no decorrer da sua atividade profissional. Logo após receber o seu diploma de direito da Universidade da Cracóvia, em agosto de 1867, Menger mergulhou no estudo formal da economia política em uma tentativa de melhor entender e resolver essas discrepâncias — um esforço que resultou na publicação, em 1871, do livroPrincípios de Economia.
Embora Menger tenha reconhecido que os economistas clássicos fizeram contribuições significativas para o desenvolvimento da teoria econômica, ele considerou que uma das suas principais deficiências se encontrava em suas análises dos consumidores, deficiência essa que talvez estivesse condensada (a) em sua ênfase na teoria do "valor-trabalho" e (b) na sua rudimentar — e até mesmo superficial — teoria dos preços (que explicava os preços como fenômenos resultantes principalmente dos cálculos econômicos feitos pelos empresários). A mais notável contribuição de Menger em sua obra Princípios de Economia foi a introdução da supremacia dos consumidores na determinação do valor e (por extensão) dos preços — e isso não apenas nas típicas transações no mercado, mas também na atividade econômica inteira.
A abordagem mengeriana, que hoje chamamos de "ciência da praxeologia", enfatizou a importância da ação humana individual decorrente do desejo de satisfazer necessidades percebidas e da relação dessas necessidades com o mundo externo. O fato de haver (1) uma necessidade que se faz sentir e (2) o conhecimento de que o mundo externo possui algumas características que permitem ao indivíduo satisfazê-la proporciona o fundamento para a ação humana lógica e para a valoração subjetiva dos bens (produtos e serviços), tanto dentro quanto fora do âmbito do mercado. Menger, ainda, observou que, à medida que o nosso conhecimento sobre o mundo externo se modifica, também mudam as necessidades individualmente percebidas. Os esforços no sentido de satisfazer necessidades que se fazem sentir pressupõem o reconhecimento das relações de causa e efeito que fornecem a base fundamental de todas as ações humanas.
Observe o quanto uma estrutura teórica dessa natureza é completamente irrelevante para os adeptos modernos das escolas keynesiana e chicaguista. A grande diferença é que essas duas escolas veem o indivíduo (o agente humano) como um mero objeto que precisa ser manipulado em prol do sucesso das suas políticas. Para os chicaguistas, esse sucesso se baseia em resultados de mercado que se aproximam o máximo possível dos seus ideais pré-concebidos em relação à eficiência do mercado; para os keynesianos, tal sucesso se baseia na concretização de arbitrários níveis de emprego a curto prazo que são obtidos na prática por meio da penalização da poupança e da promoção do consumo. De acordo com a doutrina de ambas as escolas, o indivíduo — a pessoa humana — é uma reles engrenagem de uma máquina econômica, devendo ser coagido a agir de maneiras que façam os sistemas delas funcionarem. Esse ponto de vista é moderno — as suas raízes se encontram na "era progressista" — e contrasta com a ciência econômica desenvolvida desde os trabalhos de Aristóteles até os escritos de Carl Menger (e aprimorada por aqueles que desenvolveram o sistema de Menger).
Todavia, na década de 1870, Menger, ousada e corajosamente, aplicou as suas implicações teóricas na determinação do valor. Ele observou que, uma vez que os bens (produtos e serviços) são externos ao indivíduo e são reconhecidos subjetivamente como detentores de qualidades que possibilitam a satisfação de necessidades, eles poderiam ser discriminados em ordens (categorias) diferentes. Em seu livro Princípios de Economia, Menger descreveu os bens de primeira ordem como bens que consumimos para satisfazer necessidades. Esses são os bens de consumo.
Os bens de segunda ordem são bens necessários para a produção dos bens de primeira ordem; assim, enquanto que um carro pode ser um bem de primeira ordem que satisfaz a necessidade de transporte, os bens de segunda ordem seriam o vidro, a borracha, o cromo e todos os demais insumos que compõem o carro. Os bens de terceira ordem são todos aqueles bens que são necessários para a produção de bens de segunda ordem — e assim por diante, com as formas mais complexas de produção sendo caracterizadas como ordens de produção mais distantes.
Entretanto, o valor de todos os bens de quaisquer ordens é derivado do desejo subjetivo inicial, por parte do indivíduo, de satisfazer uma necessidade que se faz sentir; portanto, a borracha tem valor não em si própria ou no trabalho realizado para a sua produção, mas sim no desejo humano inicial de satisfazer a necessidade de transporte, o que resulta em uma preferência humana por carros. Essa visão dos bens econômicos contrastava fortemente com a noção dos economistas clássicos de que o valor dos insumos econômicos se baseia em sua utilidade técnica na produção. A teoria do valor de Menger significa uma ampliação da Lei de Say ("a oferta cria demanda"); e ela é a resposta teórica adequada para os excêntricos estudiosos da moeda e do crédito (tanto os da época de Menger quanto os da época atual) que não veem diferença entre o capital criado e gerenciado pelo governo e o capital gerado e administrado pelo setor privado.
Na verdade, o capital gerado e administrado pelo governo satisfaz as necessidades da classe política e dos interesses especiais mancomunados com ela, ao passo que o capital criado e gerenciado pelo setor privado é direcionado para a satisfação dos desejos dos consumidores.
Se não fosse pela influência do estado no desenvolvimento do pensamento econômico do século XX, é muito provável que Carl Menger seria considerado hoje em dia como um importante economista clássico que corrigiu conhecidas deficiências da escola clássica. E jamais teria sido considerado necessário que a economia clássica se metamorfoseasse ao longo do tempo em diversas escolas neoclássicas caracterizadas pelo uso de ferramentas adequadas somente para as ciências exatas.
Christopher Westley é professor adjunto do Ludwig von Mises Institute. Leciona no College of Commerce and Business Administration da Jacksonville State University.

Quem realmente é ganancioso

Quem realmente é ganancioso
 

O HOMEM GANANCIOSO.jpgRecentemente, uma grande cadeia varejista fechou uma de suas filiais na cidade em que moro após uma década de funcionamento.  A matriz emitiu o seguinte comunicado: "Com o intuito de nos concentrarmos mais intensamente em nossas competências primordiais, tomamos a decisão de fechar algumas de nossas lojas varejistas". 
Um antigo cliente escreveu uma carta ao jornal local reclamando: "É lamentável.  É tudo uma questão de ganância, e somos nós que sofremos com isso.  É frustrante saber que não há nada que possamos fazer quanto a isso."
Eis aí uma visão bastante curiosa de "ganância": fechar uma loja e deixar de auferir receitas com ela.  Aliás, desde quando tentar tornar mais eficiente o empreendimento no qual você investiu tempo e dinheiro passou a ser uma atitude gananciosa?  E o que exatamente o freguês descontente gostaria de fazer?  Talvez criar uma lei que efetivamente escravize o empreendedor e o obrigue a manter a loja aberta?  Nesse caso, quem realmente está sendo o ganancioso?
"Ganância" é uma palavra que flui das bocas progressistas com a mesma facilidade com que a gordura desliza em uma frigideira quente.  Trata-se de um termo pejorativo que tem a intenção de jogar o indivíduo alvo deste "insulto" em uma espécie de sarjeta moral.  A pessoa que profere tal termo acredita piamente em sua santidade fingida; acredita genuinamente ser alguém acima das convencionais divisões morais, alguém preocupado apenas com os mais desafortunados.  Já o "ganancioso" seria alguém que chafurda em seu próprio egoísmo maléfico.
Pessoas inteligentes já deveriam ter se dado conta de que essa é uma tática vulgar e ignara, e não um comentário moral e ponderado.
O economista Thomas Sowell explicou que o termo "ganância" não mais pode ser classificado de acordo com a definição tradicional encontrada nos dicionários.  Como ele próprio disse, "nunca entendi por que é 'ganância' querer manter para si o dinheiro que você ganhou com o suor do próprio rosto, mas não é ganância querer tomar o dinheiro dos outros."
Houve uma época — e foi assim durante muito tempo — em que "ganância" significava mais do que o mero desejo por algo.  Significava uma veneração excessiva e obsessiva por algo, de forma que tal desejo frequentemente se transformava em ações que prejudicavam outras pessoas.  Apenas querer ganhar dinheiro não era em si uma coisa ruim, desde que você trabalhasse dura e honestamente para lograr tal êxito, transacionando voluntariamente com outras pessoas.  Apenas se você venerasse o dinheiro ao ponto de estar disposto a roubar ou a utilizar o governo para saquear o Tesouro a seu favor, aí sim você seria considerada uma pessoa gananciosa. 
Para outras pessoas, "ganância" também significa uma relutância em compartilhar com desconhecidos aquilo que é seu.  Suponho que um pai de família que prefira comprar um iate em vez de alimentar sua família possa ser classificado assim, mas somente porque ele está se esquivando de sua responsabilidade pessoal; ele deve à família que ele formou e aos filhos que colocou no mundo a obrigação moral de cuidar deles adequadamente.  Já um assalariado que não quer entregar parte do seu salário para terceiros por acaso está violando alguma suposta responsabilidade em sustentar eternamente uma fatia da população?  Por acaso isso constava em algum contrato firmado por ambas as partes?
Não nos esqueçamos da importância fundamental e decisiva de algo chamado "interesse próprio" na formação da natureza humana.  Nascemos com esse instinto, e que bom que é assim.  Não lamento essa nossa característica nem por um segundo.  Você ter de cuidar de si próprio e daqueles que você ama e pelos quais você é o responsável é justamente o que torna o mundo um lugar melhor.  Quando seu interesse próprio motiva você a agir assim, isso significa que você está fazendo um bem ao mundo.  Você está retirando um fardo de cima dele, e não criando mais um.
Ainda de acordo com os progressistas, "ganância" é algo que existe apenas no setor privado, e que, por isso, deve ser combatido pelo setor público.  A ideia é a de que, de alguma maneira, quando políticos e funcionários públicos entram em cena e intervêm no setor privado, a ganância é abolida.  Gostaria muito de saber exatamente em que ponto o interesse próprio de um político ou de um funcionário público se evapora e sua compaixão altruísta entra em cena e assume completamente o controle do indivíduo. 
Por exemplo, no caso de um político, tal mudança de personalidade ocorre na noite da eleição, no dia em que ele assume o cargo, ou após ele já conhecer os detalhes das engrenagens do poder?  Quando ele se dá conta do poder que realmente tem, ele se torna mais propenso ou menos propenso a querer se locupletar com o dinheiro alheio?
E no caso de um funcionário público, ele pára de pensar em si próprio e se torna um inflexível altruísta no momento em que é aprovado em um concurso ou apenas no momento em que é efetivado?  Suas rotineiras greves por aumentos salariais não podem ser classificadas como ganância?  Seus frequentes conchavos com grandes empresários representam um altruísmo em prol do povo?
Políticos em especial adoram denunciar: "Aquele sujeito ali é ganancioso!  Vou pegar um pouco do seu dinheiro para proteger você dele!"  Antes de você cair de amores por esse político, ao menos faça algumas perguntas mais diretas — por exemplo, como aquele ganancioso está ganhando o dinheiro dele e como esse suposto protetor propõe usar o seu dinheiro.
A realidade é que não há absolutamente nada na estrutura de um governo que torne seus membros menos "gananciosos" do que o cidadão comum ou um empreendedor qualquer.  Ao contrário, aliás: conceder poder político a um indivíduo dotado naturalmente de interesse próprio é uma receita garantida para amplificar o estrago que a ganância pode fazer.
Você por acaso já ouvir falar em corrupção no governo?  Já ouviu falar em compra de votos (tanto por vias diretas quanto por indiretas, como promessas de campanha)?  Já ouviu falar em propinas pagas por empreiteiras?  O que você acha do aumento da dívida pública — que onera as gerações futuras — para se financiar projetos meramente eleitoreiros?  Tal ganância política não seria muito mais deletéria do que o dono de uma padaria querer ter algum lucro?
Em um mercado livre e desimpedido, no qual o governo não escolhe vencedores e não protege e nem subsidia ninguém, você rapidamente irá perceber que, se quiser ganhar dinheiro (ou seja, exercitar sua "ganância"), você terá inevitavelmente de servir bem seus conterrâneos.  Você não poderá satisfazer sua ganância simplesmente colocando uma coroa em sua cabeça, enrolando-se em um manto, e exigindo que os súditos lhe deem dinheiro.  Você tem de produzir, criar, comercializar, investir e empregar.  Você tem de saber como fornecer bens e serviços para consumidores que, voluntariamente, estarão dispostos a dar dinheiro em troca deles.  Você tem de fornecer bens e serviços para clientes desejosos, os quais optarão por abri mão de seu dinheiro em troca deles, e terão de fazer isso muito mais do que apenas uma vez.  Sua "ganância" irá se transformar em coisas que irão melhorar a vida das outras pessoas. 
Já na utopia socialista com que os progressistas sonham, em que as coisas ocorrem por decreto de cima para baixo, a ganância não apenas não desaparece, como na realidade é canalizada para atividades totalmente destrutivas.  Para satisfazê-la, você tem de utilizar todo o processo político para poder espoliar as outras pessoas.  Em vez de consumidores voluntários, você irá saciar sua ganância por meio de pagadores de impostos cativos.
A acusação de ganância, portanto, não passa de um mero recurso de retórica, uma calúnia com claros objetivos políticos.  Você venerar ou não algo totalmente material como o dinheiro é algo que será resolvido apenas entre você e seu Criador (caso acredite em um); não é algo que possa ser cientificamente mensurado e proibido por legisladores que são ainda mais propensos à ganância do que você.  Não seja um garoto-propaganda dessa gente.

Você provavelmente entende tanto de economia quanto de astrofísica

Você provavelmente entende tanto de economia quanto de astrofísica
 

rindo_.gifEmbora a frase seja normalmente atribuída a Mark Twain, foi seu amigo Charles Dudley Warner quem certa vez disse que "Todo mundo reclama sobre o tempo, mas ninguém faz nada a respeito."
Independentemente de quem a tenha dito, a frase era e continua sendo perfeita.
A título de comparação, podemos hoje criar uma frase semelhante: "Todo mundo reclama sobre a economia, e muitos infelizmentetentam fazer algo a respeito." 
'Política econômica' é o nome dado a essas tentativas de fazer "algo a respeito", tentativas essas que são efetuadas por burocratas e funcionários públicos em parceria com seus consultores e empresários favoritos.  Para o público em geral, política econômica é uma questão trágica, pois, independentemente de o que cidadão comum pense a respeito, as ações do governo quase que invariavelmente tornam a situação econômica pior do que seria caso esses "estrategistas" não se intrometessem.
Não obstante a gigantesca profusão de monografias, trabalhos acadêmicos, colunas de jornal, palpites dados em programas televisivos ou meras opiniões expressadas em conversas informais, pelo menos 90% de toda essa logorreia é besteira pura.  O economista Steve Hanke diria tratar-se da 'regra dos 95%': "noventa e cinco por cento de tudo que é dito sobre economia ou está errado ou é irrelevante."  
O que é ainda pior: a esmagadora maioria desta logorreia é realmente nociva.
Sim, eu sou um economista, e isso não é nenhum motivo de júbilo.  Trata-se de uma mera descrição profissional.  Se eu fosse um carpinteiro ou um encanador, também iria confessar de pronto esse meu status profissional.  A questão é que dezenas de milhares de pessoas também se dizem economistas, mas poucas realmente o são em um sentido além do nominal.  Elas podem até ter um Ph.D. em economia, mas ainda assim suas ideias sobre economia não são melhores do que as daquele seu vizinho excêntrico. 
Quase tudo o que se aprende nas faculdades de economia não passa de um amontoado de besteiras matemáticas cuja substância pode ser reduzida àquilo que F.A. Hayek rotulou de "pretensão do conhecimento".  Para ser sucinto, os "especialistas" que as universidades produzem semestralmente são meros embusteiros com péssima formação.  Meu palpite mais otimista é que não deve haver mais do que alguns poucos milhares de economistas de verdade em todo o mundo — e eu não me surpreenderia caso essa minha estimativa contenha uma margem de erro otimista.
Além dos profissionais verdadeiros e dos falsários, há centenas de milhares de outras pessoas — leigas — que têm a pretensão de possuir algum genuíno conhecimento sobre como o mundo econômico realmente funciona.  Pelo menos 95% dessas pessoas não têm a mais mínima ideia do que falam.  Para vivenciar isso, basta entrar na internet e ler os "artigos" produzidos por essas pessoas — bem como os comentários dos leitores — para entender as características dessa gente.  É quase tudo lixo puro.
As pessoas são geralmente sensatas o bastante para não se aventurar a emitir comentários pretensamente profissionais sobre astrofísica.  Elas reconhecem suas limitações sobre este assunto.  Elas não saem por aí ventilando ideias tolas sobre o 'desvio para o vermelho' ou sobre os eventos que ocorreram no primeiro milionésimo de segundo após o Big Bang.  Elas estão perfeitamente cientes de que fingir tal conhecimento sobre astrofísica faria com que elas parecessem idiotas perante qualquer um que se dispusesse a ouvir o que elas têm a dizer.  Se ao menos as pessoas tivessem a mesma sensatez para entender que, com raras exceções, elas sabem o mesmo tanto de economia quanto de astrofísica, o mundo seria poupado desses pretensos engenheiros sociais.
Tenha em mente que saber como administrar bem uma empresa, saber como escrever uma coluna semanal de economia em uma revista prestigiada (ou em um jornal de grande circulação ou em um site de notícias de grande acesso), saber como ascender em sua profissão, e saber uma grande variedade de outras coisas não significa de maneira alguma que você sabe como uma economia realmente funciona.  Quão melhor seria o mundo se, no que diz respeito a questões econômicas, todos se limitassem a pensar e agir em termos meramente locais e, acima de tudo, a jamais pedir que políticos e burocratas tomem medidas para "melhorar a economia".

Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.