quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O espírito que assombra o Brasil



N. do T.: o texto a seguir é de 2002 e foi escrito antes do primeiro turno das eleições presidenciais - ou seja, é anterior à Era Lula.  Fica a cargo do leitor ver se as características por ele descritas mudaram de lá pra cá, ou se elas apenas se aprofundaram. 

bandeirabrasil.jpg"Ordem e Progresso" tem sido o lema da bandeira brasileira desde que o país se tornou uma república em 1889. As palavras foram tiradas diretamente dos escritos de Auguste Comte. As ideias de Comte foram adotadas no século XIX pelas elites militares e políticas de grande parte da América Latina, e do Brasil em particular.[1]Desde então, o espírito de Auguste Comte tem assombrado o subcontinente, e as consequências práticas dessa ideologia têm sido desastrosas.
O positivismo de Comte é melhor descrito como sendo uma ideologia de engenharia social. Auguste Comte (1798-1857) acreditava que após o estágio teológico e o estágio metafísico, a humanidade iria entrar no estágio principal, o "positivismo", que para ele significava que a sociedade como um todo deveria ser organizada de acordo com conhecimentos científicos.
Comte acreditava que todas as ciências deveriam ser modeladas de acordo com os ideais da física, e que uma nova ciência chamada física social iria surgir no topo da hierarquia intelectual. Essa disciplina iria descobrir as leis sociais que então poderiam ser utilizadas por uma elite para reformar a sociedade como um todo. Da mesma maneira que a medicina extermina doenças, a física social teria que ser aplicada com o intuito de acabar com os malefícios sociais.
O ideal de Comte era uma nova "religião da humanidade". Na sua concepção, as pessoas precisam ser iludidas a crer como autênticas todas as ações que serão instigadas pelos soberanos e seus ajudantes, sendo que estes por sua vez servem aos mais altos ideais da humanidade. Revisando as ideias de Auguste Comte, John Stuart Millescreveu que essa filosofia política intenciona estabelecer ". . . um despotismo da sociedade sobre o indivíduo que sobrepuja tudo o que já foi contemplado no ideário político dos mais rígidos disciplinadores dentre os antigos filósofos"[2]. Já Ludwig von Mises observou que "Comte pode ser desculpado, já que era louco no completo sentido com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar os seus seguidores?"[3]
O misticismo racionalista que acometeu Comte quando este já estava mentalmente doente no final de sua vida pedia a criação de uma "igreja positivista", na qual — imitando os rituais da Igreja Católica — o "culto à humanidade" poderia ser praticado. Ao fim do século XIX, "sociedades positivistas" começaram a se espalhar pelo Brasil, e uma igreja real foi construída no Rio de Janeiro como o lugar onde a adoração dos ideais da humanidade pudesse ser praticada como uma religião.[4]
Até os dias atuais, o sistema brasileiro de ensino superior ainda carrega marcas do positivismo de Comte, e ainda mais forte é a influência da filosofia política positivista entre as altas patentes militares e entre os tecnocratas. O positivismo diz que a linguagem científica é a marca registrada da modernidade, e que para efetuar o progresso é preciso haver uma classe especial — militar ou tecnocrática — de pessoas que conheçam as leis da sociedade, e que sejam capazes de estabelecer a ordem e promover esse progresso.
A ideologia predominante de grande parte da elite regente contrasta agudamente com as tradições seguidas pelas pessoas comuns. Como na maioria da América Latina, a cultura popular brasileira é marcada profundamente pela tradição católico-escolástica, com seu ceticismo em relação à modernidade e ao progresso e com sua orientação mais espiritual e religiosa, que rejeita o conceito linear do tempo — o tempo sendo um movimento progressivo — em favor de uma visão circular e eterna da vida.[5]
Onde as ideias de Comte mostraram seu maior impacto foi na política econômica. Dado que os militares tiveram um papel central na vida política brasileira e dado que o positivismo havia se tornado o principal paradigma filosófico das escolas militares, a política econômica do Brasil foi marcada por um frenesi intervencionista que afetou e ainda afeta todos os aspectos da vida dos cidadãos.
A ideia do planejamento central para se atingir a modernidade transformou o Brasil em um ambiente fértil para o intervencionismo econômico, sendo que cada novo governo sempre promete o grande salto para frente. Ao invés de remover os obstáculos que impedem o desenvolvimento da iniciativa privada e garantir direitos de propriedade confiáveis, todos os governos presumem ser sua função desenvolver o país através da concessão de privilégios para um pequeno grupo de empresas já existentes.
Desde que se tornou uma república, não houve um só governo brasileiro que não tenha criado um novo plano extenso e abrangente, ou um emaranhado de pacotes, com o propósito de levar ao desenvolvimento. Seguindo a agenda positivista, criar planos de natureza aparentemente científica e utilizar a força do estado para aplicá-los se tornou a marca registrada da política econômica brasileira. Frequentemente, todos esses planos são primeiramente elaborados em um dos poucos centros universitários do país para, então, passarem a formar a agenda de cada novo governo, que geralmente convoca um time de jovens tecnocratas para implementá-los.
Particularmente pomposos quando os governos militares estavam no comando — como ocorreu nos anos 1930 e 1940, e de 1964 até 1984 —, a invenção e implementação de grandes planos continua até os dias atuais. Independentemente de qual coalizão partidária está no comando, o espírito do positivismo tem sido compartilhado por todos os governos, desde o primeiro até o atual, que aparentemente está praticando uma política econômica que se convencionou chamar de "neoliberal".
Mesmo se contarmos apenas os planos mais importantes, a frequência com que eles se sucederam pelo período de quase um século é espantosa: após seguir o modelo de industrialização por substituição de importações sob o semi-fascista Estado Novo, dos anos 1930 aos anos 1940, o Brasil teve o Plano de Metas na década de 50 e depois o Plano Trienal de desenvolvimento econômico e social. Na década de 70 vieram as séries de Planos de Desenvolvimento Nacional. A década de 80 trouxe o Plano Cruzado, o Plano Bresser e o Plano Verão. A década de 90 começou com o Plano Collor I, que foi seguido pelo Plano Collor II, que foi seguido pelo Plano de Ação Imediata que, por fim, culminou no Plano Real em 1994.
A se julgar pelos seus objetivos declarados, todos esses planos falharam. Durante as últimas seis décadas, o Brasil teve oito diferentes moedas, cada uma com um novo nome, e uma taxa de inflação que sugere que a moeda atual equivaleria a um trilhão de Cruzeiros, a moeda de 1942.[6] Sob uma falsa aparência de modernidade, a mesma rede clientelista formada pelos "donos do Poder"[7] continua a mandar no país. Com o passar do tempo, essa classe atingiu um nível tão grande de privilégios que, comparados ao restante da população, são similares àqueles desfrutados pela nomenklatura na União Soviética. Com isso, esse restante da população teve que se virar e recorrer a algumas maneiras peculiares — chamados de jeitinho, uma espécie de chutzpah[8] — para poder sobreviver à sua maneira.
Dentro do sistema positivista, linguagem científica e intervencionismo andam de mãos dadas. A suposta racionalidade do intervencionismo se apóia na premissa de que é possível se saber antecipadamente o resultado específico de uma medida de política econômica. Por conseguinte, quando as coisas saem diferente do esperado - e elas sempre saem - mais intervenção e mais controle são outorgados. O resultado é que os governos são esmagados pelas suas próprias pretensões e humilhados por seus retumbantes fracassos.
O Brasil, que é tão abençoado pela natureza e que tem uma população de grande espírito empreendedor — o que faz com que o país tenha uma das mais altas taxas de auto-emprego no mundo —, tem permanecido atrasado por causa de uma ideologia corrompida. Até os dias atuais, todos os governos brasileiros se empenharam ao máximo em absorver todos os recursos do país com o intuito de perseguir suas fantasias de modernidade e progresso (é claro que, nesse caso, "modernidade" e "progresso" são conceitos definidos pelo governo, e não pela população). Devido a isso, toda a criatividade espontânea que é inerente ao livre mercado acaba sendo bloqueada.
O Brasil teria seu lugar de destaque garantido se o espírito que tem assombrado esse país fosse proscrito em favor de uma ordem, no verdadeiro sentido da palavra: isto é, um sistema de regras confiáveis baseado nos princípios do direito de propriedade, da responsabilidade individual e do livre mercado.

[1] Leopoldo Zea, Pensamiento positivista latinoamericano, Caracas, Venezuela, 1980 (Biblioteca Ayacucho). 
[2] John Stuart Mill, On Liberty, Londres 1869, p. 14 (Longman, Roberts & Green).
[3] Ludwig von MisesAção Humana, Alabama 1998, pp. 72 (The Ludwig von Mises Institute, Scholar's Edition).
[4] Ivan Lins, História do positivismo no Brasil, São Paulo 1964, pp. 399  (Companhia Editora Nacional)
[5] A expressão clássica desse tipo de pensamento na América Latina é de José Enrique Rodó:Ariel, Montevidéu 1910 (Libreria Cervantes). Na literatura, esse tipo de pensamento é proeminente até os dias de hoje nos escritos do mais popular escritor brasileiro: Paulo Coelho.
[6] Ruediger Zoller, Prädidenten - Diktatoren - Erlöser, Tabela V, p.  307, em: Eine kleine Geschichte Brasiliens, Frankfurt 2000 (edição suhrkamp).
[7] A descrição clássica é de Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, 2 vols.  (Editora Globo: Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro) São Paulo 2000 
[8] Descaramento, em iídiche. [N. do T.]

Antony Mueller é doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha (FAU) e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde ele atua também no Centro de Economia Aplicada. Antony Mueller é fundador do The Continental Economics Institute (CEI) e mantém em português os blogs Economia Nova e Sociologia econômica

Sobre as flutuações cíclicas na economia



Trecho extraído do livro The Cause of the Economic Crisis

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O papel das taxas de juros
Em nosso sistema econômico, épocas de economia aparentemente próspera e robusta se alternam de maneira praticamente regular com épocas de economia debilitada.  Os declínios vêm após a fase ascendente da economia, e a fase ascendente volta a surgir após os declínios, e assim por diante.  A atenção dada pela teoria econômica a esse fenômeno tem sido compreensivelmente enorme, dado que as flutuações cíclicas alteram radicalmente o ambiente de negócios. 
No início, várias hipóteses foram levantadas, todas porém incapazes de resistir a qualquer análise crítica mais minuciosa.  Entretanto, houve finalmente uma teoria das flutuações cíclicas que foi desenvolvida e que atendeu às exigências legitimamente esperadas de uma solução científica para o problema.  Trata-se da teoria monetária dos ciclos econômicos, no início chamada de teoria da circulação do crédito.  Esta teoria é amplamente reconhecida pela ciência.  Todas as políticas de medidas cíclicas, que são levadas a sério, advêm do bom senso e da racionalidade, qualidades estas que estão na raiz dessa teoria.  
De acordo com a teoria monetária dos ciclos econômicos, mudanças cíclicas na economia advêm das tentativas de se reduzir artificialmente os juros cobrados sobre os empréstimos para os agentes econômicos.  Essa redução artificial dos juros se dá por meio da expansão do crédito via sistema bancário, a qual ocorre quando os bancoscriam moeda sem lastro (meios fiduciários) por meio de suas reservas fracionárias.  Em um mercado que não seja afetado pela interferência de tais políticas bancárias "inflacionistas", as taxas de juros refletiriam a real disponibilidade de meios (poupança) que podem ser emprestados para que as empresas ponham em prática e terminem todos os projetos iniciados.  Essas taxas de juros que existiriam em um mercado desimpedido são conhecidas como "naturais" ou "estáticas".  Se essas taxas de juros fossem obedecidas e não manipuladas, o desenvolvimento econômico ocorreria sem interrupção — exceto caso houvesse a influência de calamidades naturais ou atos políticos como guerras, revoluções e coisas do tipo.  O fato de que o desenvolvimento econômico segue um caminho ondulante, instável e flutuante deve ser atribuído tanto às intervenções feitas nosistema bancário quanto às intervenções feitas pelo sistema bancário, algo que altera toda a política das taxas de juros.
O ponto de vista que predomina amplamente entre políticos, empresários, a imprensa e a opinião pública é o de que reduzir as taxas de juros para níveis abaixo daquele criado pelas condições de mercado é um importante objetivo a ser perseguido pela política econômica, e que a maneira mais simples de se fazer isso é por meio da expansão do crédito bancário.  Sob a influência desse ponto de vista, as tentativas de se desencadear um crescimento econômico por meio da volumosa concessão de empréstimos baratos repetem-se ad infinitum.  De início, sem dúvida, o resultado de uma expansão do crédito atende às expectativas.  As empresas contratam mais, gastam mais, investem mais e os negócios se energizam.  Desenvolve-se uma fase ascendente na economia.  Entretanto, os efeitos estimulantes de uma expansão do crédito não podem continuar para sempre.  Mais cedo ou mais tarde, o boom criado nos negócios e nos empreendimentos, sustentado pelo crédito fácil, terá de chegar ao fim.
Caso as taxas de juros de livre mercado — isto é, as taxas de juros vigentes antes de qualquer interferência do sistema bancário por meio da criação de crédito adicional e sem lastro — fossem mantidas, seriam lucrativas apenas aquelas empresas e aqueles negócios para os quais houvesse uma disponibilidade de fatores de produção (equipamentos e mão-de-obra) na economia.  Com a redução dos juros por meio da expansão do crédito, porém, outros empreendimentos, os quais antes não eram lucrativos, repentinamente aparentam ser lucrativos.  É exatamente o fato de tais empreendimentos agora serem iniciados que faz com que a economia entre em sua fase ascendente. 
Entretanto, como tais empreendimentos estão meramente utilizando dinheiro criado do nada, a economia não está rica o bastante para eles.  Não há uma maior disponibilidade de materiais e equipamentos com os quais esses empreendimentos poderão trabalhar.  O fato de haver mais dinheiro na economia não significa que houve uma concomitante maior produção de bens de capital a serem utilizados nesses investimentos.  Logo, os recursos necessários para tais empreendimentos não estão imediatamente disponíveis; eles terão de ser retirados de outros empreendimentos.  Caso tais recursos estivessem disponíveis, então a expansão do crédito não teria sido necessária para fazer com que esses novos projetos parecessem ser possíveis.
A consequência da expansão do crédito
Como a expansão do crédito não aumenta a oferta de bens reais, tudo o que ela cria é um rearranjo.  O efeito inicial dessa briga por recursos é um aumento tanto nos salários daqueles setores que estão em expansão quanto nos preços dos bens de capital que estão sendo empregados nesses novos investimentos.  A expansão do crédito distorce a realidade econômica e desvia investimentos, retirando-os do caminho até então determinado pelo atual estado de riqueza da economia e das condições de mercado.  A expansão do crédito faz com que a produção seja direcionada para caminhos que ela seguiria apenas se a economia já tivesse produzido um aumento na oferta dos bens materiais necessários para sustentar os novos investimentos. 
Como resultado, tal crescimento econômico não se possui uma base sólida.  Não há uma prosperidade real; tem-se apenas uma prosperidade ilusória.  Ele não se sustenta sobre um aumento da riqueza econômica.  Ao contrário, ele surgiu porque a expansão do crédito criou a ilusão de tal aumento.  Cedo ou tarde, tornar-se-á claro que essa situação econômica foi construída sobre pilares de areia.
Com isso, a expansão do crédito através da criação de meios fiduciários adicionais terá inevitavelmente de chegar ao fim.  Mesmo que os bancos quisessem continuar essa política expansionista indefinidamente, eles não poderiam — nem mesmo se eles fossem forçados a tal pela maior das pressões externas.  O contínuo aumento na quantidade de meios fiduciários — medida necessária para manter os juros constantemente abaixo dos de mercado — leva a um contínuo aumento nos preços.  A inflação poderá continuar apenas enquanto a opinião pública acreditar que ela será interrompida no futuro próximo.  Entretanto, tão logo todos os agentes econômicos estejam convictos de que a inflação não será interrompida, haverá um inevitável pânico.  Ao estimar o valor do dinheiro e das mercadorias, o público levará em conta, antecipadamente, os aumentos futuros dos preços.  Como consequência, os preços subirão desordenadamente, fora de qualquer racionalidade.  No extremo, as pessoas deixam de usar aquele dinheiro já condenado pelo aumento incessante dos meios fiduciários.  O público então passará a utilizar moedas estrangeiras, metais preciosos ou qualquer outra coisa que tenha "valor real".  O escambo também passa a ser praticado.  Em suma, a moeda entra em colapso.
A política de expansão do crédito normalmente é abandonada muito antes de se chegar a esse ponto crítico.  Ela é interrompida por causa da situação que se desenvolve nas relações de comércio internacional, e também, e principalmente, por causa da experiência já adquirida com crises passadas.  Em todo caso, a política de expansão do crédito terá necessariamente de chegar ao fim — ou mais cedo, devido à mudança de postura do sistema bancário, ou mais tarde, quando houver um catastrófico colapso da moeda.  Quanto mais cedo a expansão do crédito for interrompida, menores serão os danos causados pelos investimentos errôneos feitos pela atividade empreendedorial, mais branda será a crise e mais curto será o período de estagnação econômica.
A existência de crises econômicas recorrentes e periódicas é a consequência necessária de tentativas repetidamente renovadas de reduzir as taxas de juros "naturais" vigentes no mercado por meio de políticas de crédito fácil.  Os ciclos econômicos nunca irão desaparecer enquanto os homens não aprenderem a evitar tais medidas artificiais, pois uma expansão econômica artificialmente estimulada terá inevitavelmente de terminar em crise e recessão.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

"Falhas de mercado" e informações assimétricas



assimetria.gifPrêmio Nobel de economia de 2001 foi concedido ao trio George A. Akerlof, Joseph E. Stiglitz e A. Michael Spence por "suas análises sobre mercados com informações assimétricas" e por seus "avanços na análise dos mercados e do controle de informação".
Quando estava no meu primeiro ano da pós-graduação, foi-me concedida a tarefa de ler a famosa monografia de George Akerlof, "O Mercado dos Limões", a qual havia sido publicada no The Quarterly Journal of Economics em 1970, e desde então é tida como um trabalho clássico.
O trabalho é bastante interessante e até mesmo intelectualmente instigante.  "Limões" é altamente lido, ao contrário da maioria das coisas que são publicadas hoje nos "principais" periódicos acadêmicos sobre economia.  No que mais, o trabalho representou uma bem-vinda ruptura com a tese da "informação perfeita", a qual dominou a economia neoclássica desde a época de Alfred Marshall.
O tema da "informação imperfeita" defendida por economistas é o seguinte: os indivíduos que interagem no mercado não dispõem de toda a "informação perfeita" que é necessária para fazer com que os mercados funcionem de maneira adequada, como indicado pelo ponto de equilíbrio demonstrado na famosa Interseção Marshalliana, em que oferta e demanda sempre se igualam.  Considerando-se, portanto, que há essa "falha de mercado", o que os indivíduos devem fazer para que os mercados funcionem?
Ademais, os mercados também são flagelados pela assimetria de informação, que é o que ocorre quando a informação necessária para que compradores e vendedores cheguem ao "equilíbrio" não está igualmente distribuída entre todos os participantes de mercado.  Akerlof fornece o exemplo do mercado de carros usados (daí o "limões" do título de sua monografia; "limões" são uma gíria para carros usados em mau estado, mas queapenas os donos sabem dessa condição).
De acordo com um ditado popular sobre o mercado de carros usados, quando alguém compra um carro usado, ele "está comprando os problemas de outra pessoa".  Os compradores de carros usados possuem muito menos informação do que os vendedores sobre quais carros são "limões".  O que parece ser um bom carro no estacionamento da revendedora pode perfeitamente acabar se revelando uma tremenda barca furada tão logo o novo proprietário o estiver dirigindo no centro da cidade.  A perspectiva de um carro usado acabar se revelando um limão pode gerar uma espiral catastrófica no mercado de carros usados.  Por causa dessa incerteza, compradores serão mais relutantes a pagar bem por um determinado carro usado, sendo que, caso eles de fato soubessem com certeza que o carro que estão comprando não é um limão, estariam dispostos a pagar mais.  Em consequência dessa relutância em se pagar mais, os vendedores retirarão seus melhores carros do mercado, dado que consideram que os preços oferecidos são inadequados.  Isso, por sua vez, induz os compradores a oferecer preços ainda menores, já que, com os melhores carros fora do mercado, as chances de se adquirir um limão aumentam substancialmente.  Essa espiral descendente ameaça destruir esse mercado por completo.
Note que todo o problema se originou de um fato: os compradores desconfiados decidem que não há como saberse o carro é bom ou ruim, e os vendedores são incapazes de persuadi-los do contrário.  Daí a teoria da "informação assimétrica": uma situação em que o vendedor ou o comprador possui alguma informação importante que o outro lado não possui.
A solução apresentado pelos economistas seguidores dessa teoria é que o governo imponha novas regulamentações ao mercado.  A regulamentação, argumentam eles, obriga todos os lados a fornecerem todas as suas informações.  Ademais, "leis antilimões" que obriguem os vendedores a restituir os compradores caso o carro não corresponda ao esperado irá impedir que o mercado entre em colapso.
Essa análise econômica da informação imperfeita foi criada com a intenção de abolir da ciência econômica os modelos irrealistas de "concorrência perfeita", modelos estes nos quais não há "falhas de mercado" e todos os lados obtêm todas as informações necessárias.  Akerlof nem de longe foi a primeira pessoa a explorar esta área.  Ludwig von Mises, F.A. Hayek,  Murray N. Rothbard e Israel Kirzner já escreviam sobre isso antes de Akerlof publicar seu ensaio.  (O artigo de Israel Kirzner de 1976, Knowing about Knowledge: A Subjectivist View of the Role of Information, é, em minha opinião, um ensaio bastante superior ao dos limões.  Foi publicado no livroPerception, Opportunity, and Profit: Studies in the Theory of Entrepreneurship.  Kirzner e os outros austríacos sabem que a informação imperfeita é parte inerente ao processo de mercado, e não um obstáculo ao funcionamento do mercado.)
Não apenas isso, como também a análise austríaca é muito superior a tudo o que foi escrito pelo trio Nobel, pois os austríacos reconhecem o papel do empreendedor em lidar com as realidades da informação imperfeita.
De acordo com Akerlof e outros, os participantes do mercado, ao lidarem com as realidades da informação imperfeita, têm pouco ou nenhum incentivo para adquirir mais informações para si próprios.  Eles estão "empacados" em um desequilíbrio que não pode ser corrigido — isto é, não pode ser corrigido a menos que o governo venha ao socorro.  No entanto, tanto a teoria quanto uma simples observação prática mostram que Akerlof está errado.
Em primeiro lugar, o livre mercado possui meios para fornecer informações para aqueles que delas precisam.  Por exemplo, empresas frequentemente oferecem todos os tipos de suporte aos seus produtos para mostrar que elas creem que seus produtos são dignos de serem adquiridos.  Elas oferecem garantias e concedem reembolso para proteger os consumidores contra eventuais defeitos e para garantir que eles fiquem satisfeitos.  Se os compradores de carros querem ter mais informações sobre carros usados, por que eles não conseguiriam obtê-la?  Há várias maneiras de isso ser feito.
Tenho um conhecido que é especialista em assuntos automotivos.  Frequentemente ele é chamado por seus amigos, e por amigos de seus amigos, para acompanhá-los até uma revendedora para analisar os carros lá vendidos.  Ele leva consigo algumas ferramentas para testar a qualidade do carro e constatar a veracidade das informações fornecidas pelo vendedor.  Dentre outras coisas, ele leva um ímã o qual ele desliza ao longo do carro para descobrir se a lataria já foi danificada e se o vendedor utilizou alguma substância à base de fibra de vidro para cobrir os amassados.  Especialistas como esse meu amigo podem ser livremente contratados para ir às revendedoras e "equalizar" um pouco a assimetria de informações.
Ademais, vale notar que o mercado de carros usados nunca entrou em colapso em nenhum lugar do mundo (ao menos, não nas economias razoavelmente desenvolvidas).  Em vários locais, inclusive, ele é ainda mais dinâmico do que o mercado de carros novos [como aconteceu no Brasil na década de 1980, durante o Plano Cruzado].  Outra pergunta que vale ser feita é: por que se pressupõe que os vendedores dos melhores carros, ao estabelecerem seus preços, não irão levar em conta a falta da informação dos compradores?
É quase impossível encontrar uma transação na qual os indivíduos possuam exatamente as mesmas informações.  Assimetrias de informações estão presentes em todos os lugares, e nenhum critério aceitável já foi proposto para separar as assimetrias "aceitáveis" das "inaceitáveis".  Ademais, suponhamos que um determinado mercado realmente entre em colapso, exatamente da maneira como Akerlof descreveu.  Tal colapso teria ocorrido em consequência das ações voluntárias dos consumidores, e isso não viola direitos de ninguém.  Logo, não haveria nenhuma justificativa para pedir a intervenção governamental em um processo cuja ocorrência se deu justamente de acordo com os desejos do público consumidor — isto é, do mercado.
No mais, empreendedores já criaram na internet vários websites em que consumidores fornecem suas opiniões sobre vários produtos e serviços, atribuindo notas aos vendedores destes produtos e serviços.  Há também vários websites em que vendedores e potenciais compradores se "encontram" e fazem ofertas, expandindo desta forma a concorrência e abrindo novos mercados para todos que quiserem participar.
Em outras palavras, as pessoas sabem criar maneiras de lidar com a questão da imperfeição das informações, as quais são, por si sós, uma mercadoria escassa e valiosa.  Negar tal fato é se negar a examinar as transações que ocorrem no mundo real.
A crença de que regulamentações governamentais podem "solucionar" o "problema da informação" é risível, para não dizer completamente fora da realidade do mundo.  No mínimo, o governo cria problemas de informação, pois várias regulamentações proíbem as pessoas envolvidas em transações de descobrir — ou agir de acordo com — fatos relevantes.  Um bom exemplo aconteceu há alguns anos, em Washington, D.C.  A câmara municipal promulgou uma lei que proibia os planos de saúde de discriminar potenciais clientes com base em doenças já adquiridas.  Isto é, se um indivíduo já doente quisesse fazer um seguro-saúde para ter menos gastos, ele não poderia ser rejeitado (que é exatamente a mesma coisa de um indivíduo querer fazer um seguro anti-incêndio enquanto sua casa está sendo destruída pelo fogo).  Com efeito, pela lei, as seguradoras nem sequer poderiam fazer perguntas às pessoas sobre questões relativas à saúde.  Algum tempo depois, os vereadores disseram estar "estupefatos e furiosos" com o fato de os planos de saúde terem ameaçado não mais emitir apólices para absolutamente nenhum habitante da cidade.
Portanto, o governo não traz mais certeza às transações; na verdade, ele apenas piora tudo.  É impossível os indivíduos saberem tudo sobre tudo.  O defeito essencial da literatura sobre informação assimétrica está no fato de ela centrar-se nos incentivos relacionados a dados dispersos sobre produtos e não nas informações sobre as instituições e os procedimentos que nos permitem lidar com essa dispersão.  A noção de que autoridades centrais podem corrigir imperfeições de mercado pressupõe que essas autoridades sabem exatamente quais medidas funcionarão melhor mesmo elas estando fora da experiência do mundo real.  É só a experiência de mercado, com o sistema de lucros e prejuízos, que pode revelar dados sobre condições econômicas obscuras.  E é só assim que podemos saber como melhor lidar com estes problemas.
Em vez de indicar a necessidade de intervenções governamentais, assimetrias de informação fazem com que o livre funcionamento do mercado seja algo ainda mais importante.  Tendo como guia a busca por lucros e a aversão a prejuízos, empreendedores irão determinar os métodos menos custosos para lidar com os problemas de informação.  Decretos governamentais podem até fazer com que alguns se sintam melhores, na crença de que os problemas foram resolvidos, mas a ausência de cálculos de lucro e prejuízo, para não falar também da pressão de lobistas e grupos de interesse, faz com que a possibilidade de haver resultados economicamente mais eficientes em decorrência das regulamentações esteja apenas no campo das superstições.
A vida é incerta, não importa como ela seja vivida.  A ideia de que o processo político, que é uma das coisas mais volúveis da face da terra, pode fornecer as bases para a certeza e para a estabilidade é uma ideia que só pode ser defendida por quem vive em alguma espécie de dimensão paralela.

William L. Anderson é um scholar adjunto do Mises Institute, leciona economia na Frostburg State University. 
Tradução de Leandro Roque