sábado, 17 de agosto de 2013

As melancias totalitárias se encontram no Rio - e querem empobrecer você



watermelons-2012.jpgUm "ambientalista" é um socialista totalitário cujo objetivo verdadeiro é ressuscitar o socialismo e o planejamento centralizado daeconomia sob a desculpa de estar "salvando o planeta" do capitalismo e de suas 'consequências nefandas'.  Ele é 'verde' por fora, mas vermelho por dentro, daí ser apropriadamente rotulado de "melancia".
Um conservacionista, em contraste, é alguém que está genuinamente interessado em solucionar problemas ambientais e ecológicos e em proteger animais e plantas e seus habitats.  Ele não propõe que o governo force uma separação entre homem e natureza por meio da estatização da terra e de outros recursos, do confisco da propriedade privada, da proibição da criação privada de certos tipos de animais, da regulação do consumo de calorias etc.  Ele não é um ideólogo socialista determinado a destruir o capitalismo.  Ele não se manifesta publicamente dizendo ansiar para que um novo vírus surja e aniquile milhões de humanos, como fez o fundador da ONG "Earth First".  Com alguma frequência, ele busca maneiras de utilizar as instituições do capitalismo para solucionar problemas ambientais.  Há até um novo rótulo para tal pessoa: ambientoendedor.  Ou ele também pode ser considerado um "ambientalista pró-livre mercado" que entende como direitos de propriedade, direito consuetudinário e mercados podem resolver vários problemas ambientais, como de fato já o fizeram.
À luz desta distinção entre um ambientalista e um conservacionista, "Melancias do Mundo, Uni-vos!" deveria ser o tema da próxima conferência ambientalista, a Rio +20, a ser realizada no Rio de janeiro a partir de 19 de junho.  O encontro será dedicado a infindáveis maquinações sobre como criar uma economia mundial centralmente planejada (sob o controle dos burocratas da ONU), sempre tomando o cuidado de utilizar o mais novo eufemismo criado para designar um planejamento central socialista: "desenvolvimento sustentável". 
Isto não significa que as Melancias do Mundo serão bem-sucedidas; significa apenas que elas são tão numerosas quanto moscas sobre um rebanho bovino, e que jamais irão desistir de sua quimera a respeito de uma economia mundial socialista e centralmente planejada, não importa o pesadelo que o socialismo tenha sido para milhões de pessoas ao redor de todo o mundo.
Embora a histeria ambientalista não seja algo realmente novo na história do mundo, poucos sabem quem realmente criou e estimulou a atual estratégia utilizada pelas melancias: seu inventor foi uma das eminências pardas do socialismo acadêmico, o falecido e famoso economista Robert Heilbroner
Tudo começou em um ensaio publicado em 10 de setembro de 1990 na revista The New Yorker intitulado "Após o Comunismo".  Escrito justamente durante o colapso mundial do socialismo — e durante a tardia constatação de que os governos socialistas ao longo do século XX haviam assassinado mais de 100 milhões de seus próprios cidadãos como parte do "preço" de se estabelecer o "paraíso socialista" na terra —, o ensaio de Heilbroner foi um grande mea culpa (ver o livro Death by Government, de Rudolph Rummel).  Ele até mesmo chegou escrever as palavras "Mises estava certo" a respeito das inerentes falhas e contradições do socialismo, referindo-se aos escritos de Ludwig von Mises nas décadas de 1920 e 1930 que explicavam em grandes detalhes por que o socialismo jamais poderia funcionar como sistema econômico (além de seu livro Socialism, ver seu artigo seminalO cálculo econômico sob o socialismo).
Após admitir que ele próprio estava completamente equivocado ao longo de todo o último meio século, durante o qual ele havia dedicado toda a sua carreira acadêmica promovendo o socialismo nos EUA (o propósito dissimulado de seu livro The Worldly Philosophers, que fez dele um milionário), Heilbroner, com muito pesar, lamentou que "Não estou muito esperançoso quanto às chances de o socialismo continuar sendo considerado uma importante forma de organização econômica..." Enquanto grande parte do resto do mundo celebrava freneticamente a morte desta instituição diabolicamente cruel, Heilbroner estava aos prantos e de luto.
Porém, em vez de enfrentar a realidade de que todas as formas de socialismo são inerentemente más, cruéis e tirânicas, Heilbroner enfatizou que "o colapso das economias planejadas nos forçou a repensar o significado de socialismo".  (Por estar escrevendo para a The New Yorker, Heilbroner, muito coerentemente, pressupôs que todos os leitores eram ideólogos socialistas como ele, daí o pronome oblíquo "nos").  Afinal, continuou ele, "o socialismo é uma descrição geral da sociedade em que gostaríamos que nossos netos vivessem."  Porém, "o que restou, portanto," da "honorável denominação 'socialismo'?", perguntou Heilbroner.
O homem estava obviamente deprimido e desanimado com o fato de que a história havia demonstrado que sua carreira acadêmica havia sido uma completa fraude, mas ele não estava disposto a conceder derrota e admitir este fato.  Tampouco estava ele dispoto a desistir de perpetrar os mesmos tipos de fraude que havia perpetrado durante todo o meio século anterior.  Um novo subterfúgio deveria ser inventado, disse ele, para enganar ou acalentar o público, fazendo com que ele se mostrasse novamente disposto a adotar o socialismo.  Isso poderia demorar um pouco, admitiu ele, mas se "nós" obtivermos êxito, "nossos bisnetos ou tataranetos poderão estar preparados para se submeter a arranjos sociais que nossos filhos e netos rejeitaram."
O subterfúgio sugerido por Heilbroner foi explicado por ele próprio da seguinte maneira: "Há, no entanto, uma outra maneira de olharmos para o socialismo.  Tal maneira seria concebê-lo... como a sociedade que irá inevitavelmente surgir caso a humanidade tenha de lidar com ... o fardo ecológico que o crescimento econômico vem impondo ao ambiente."  Em outras palavras, "nós" socialistas temos todos de nos transformar em melancias.  Se um número suficientemente grande do público puder ser ludibriado por este subterfúgio, então o "capitalismo terá de ser monitorado, regulado e restringido de tal forma que seria difícil chamar esta nova ordem social de capitalismo".
Foi esta, portanto, a estratégia recomendada por Heilbroner em seu ensaio de 1990.  Os socialistas teriam de mudar sua postura: em vez de acusar o capitalismo de ineficiência e desperdício, a nova estratégia seria acusá-lo de destruição ambiental e, consequentemente, criar inúmeras burocracias, regulamentações e leis com a explícita intenção de subverter totalmente as características do capitalismo a ponto de fazer com que, segundo os próprios socialistas, o novo arranjo social gerado não possa de modo algum ser considerado capitalismo.
E é exatamente isto o que será discutido no próximo evento ambientalista no Rio.

Como o STF chancelou o monopólio estatal dos Correios



postavlozka.jpgNo dia 26 de outubro de 2010, Leandro Roque, editor e tradutor do site do InstitutoLudwig von Mises Brasil, escreveu um texto intitulado "A urgente necessidade de se desestatizar os Correios", o qual foi republicado no dia 16 de junho de 2012.
No texto, Leandro deixa claro por que a desestatização da produção de qualquer bem ou da prestação de qualquer serviço será sempre benéfica para os consumidores, e por que, ao revés, a estatização será sempre maléfica, beneficiando apenas burocratas, políticos e sindicalistas.
No presente texto, contarei para vocês uma história que poucos conhecem, sobretudo os que não são da área jurídica. Trata-se de um processo que tramitou no Supremo Tribunal Federal, a ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 46, ajuizada pela ABRAED (Associação Brasileira das Empresas de Distribuição) contra a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), na qual foi questionada a constitucionalidade da Lei nº 6.538/1978, que "dispõe sobre os serviços postais" no Brasil. Esta lei não apenas assegura o monopólio dos serviços postais aos Correios (arts. 2º e 9º), como considera crime a "violação do privilégio postal da União" (art. 42).
Na petição inicial, que pode ser lida na íntegra aqui, a ABRAED alegou que a lei questionada afrontaria as seguintes regras da nossa Constituição Federal de 1988art. 1º, inciso IV; art. 5º, inciso XIII; e art. 170, caput, inciso IV e parágrafo único. Tais regras possuem a seguinte redação:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IV - livre concorrência;
(...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
A ABRAED ajuizou a ação porque os Correios estavam ingressando com várias medidas judiciais contra empresas de distribuição que prestavam serviços de entrega de malotes, jornais, revistas, contas de água e luz etc. Em tais ações, os Correios alegavam ter o monopólio de todo e qualquer serviço postal e tentavam impedir tais empresas de distribuição de continuar exercendo livremente suas atividades. Um absurdo, mas, infelizmente, chancelado pela legislação!
A ABRAED não requereu o fim do monopólio dos Correios, mas apenas que ele ficasse restrito especificamente a cartas, entendidas estas como "papel escrito, envelopado, selado, enviado de uma parte a outra com informações de cunho pessoal".
Em um longo, bem escrito e percuciente voto, o qual pode (e deve!) ser lido na íntegra aqui, o relator do processo, Ministro Marco Aurélio, decidiu pela procedência da ação, entendendo que o monopólio estatal dos Correios "viola os princípios da livre iniciativa, da liberdade no exercício de qualquer trabalho, da livre concorrência e do livre exercício de qualquer atividade econômica"[1].
No entanto, todos os demais Ministros discordaram. Ao final, prevaleceu a tese do Ministro comunista[2] Eros Grau. Sem conseguir rebater os irrefutáveis argumentos de Marco Aurélio, Eros Grau saiu pela tangente e começou seu voto assim:
Acabamos de ouvir um longo voto, muito bonito desde o seu primeiro momento, quando o Ministro relator começou fazendo uma exposição sobre a interpretação, o círculo hermenêutico, a pré-compreensão, temas que entendo fascinantes. Mas vou pedir vênia para divergir. Diria, inicialmente, que toda a exposição atinente à atividade econômica em sentido estrito perde o sentido porque o serviço postal é serviço público.
Mais adiante, repetiu o falso argumento:
 O serviço postal não consubstancia atividade econômica em sentido estrito, a ser explorada por empresa privada. Por isso é que a argumentação em torno da livre iniciativa e da livre concorrência acaba caindo no vazio, perde o sentido.
Como a refutação do longo e bem articulado voto do Ministro Marco Aurélio era impossível, em seu curto e insosso voto Eros Grau apelou para frases de efeito como "a realidade social é o presente; o presente é vida; e vida é movimento". E ainda achou espaço para incluir no seu voto a seguinte pérola:
No Brasil, hoje, aqui e agora — vigente uma Constituição que diz quais são os fundamentos do Brasil e, no artigo 3º, define os objetivos do Brasil [porque quando o artigo 3º fala da República Federativa do Brasil, está dizendo que ao Brasil incumbe construir uma sociedade livre, justa e solidária] — vigentes os artigos 1º e 3º da Constituição, exige-se, muito ao contrário do que propõe o voto do Ministro relator, um Estado forte, vigoroso, capaz de assegurar a todos existência digna. A proposta de substituição do Estado pela sociedade civil, vale dizer, pelo mercado, é incompatível com a Constituição do Brasil e certamente não nos conduzirá a um bom destino.
O Ministro Joaquim Barbosa acompanhou a tese do comunista Eros Grau e também se achou no direito de proferir sua pérola, ao afirmar o seguinte:
Uma análise pormenorizada do que consubstanciaria o serviço postal conduz inafastavelmente à constatação de que o interesse primordial em jogo é o interesse geral de toda a coletividade. É do interesse da sociedade que, em todo e qualquer município da Federação, seja possível enviar/receber cartas pessoais, documentos e demais objetos elencados na legislação, com segurança, eficiência, continuidade e tarifas módicas. Não é mera faculdade do Poder Público colocar esse serviço à disposição da sociedade, e muito menos deixar sua completa execução aos humores do mercado, informado por interesses privados e econômicos.
Viram só? O Ministro Joaquim Barbosa acha que a melhor forma de assegurar serviços postais seguros, eficientes, contínuos e baratos para todos é entregar esses serviços a uma estatal monopolista. Se eu fosse um Ministro presente naquela sessão de julgamento, eu o interpelaria sem titubear: "Ministro Joaquim, vamos estatizar toda a economia, a fim de que em todas as áreas do mercado tenhamos empresas estatais oferecendo bens e serviços de forma eficiente, segura, contínua e barata?" O perigo era ele não entender que eu estava sendo irônico e responder: "Vamos!"
O Ministro Carlos Ayres Britto, outro conhecido por proferir pérolas nas sessões de julgamento do STF[3], também votou pela manutenção do monopólio estatal dos Correios. Ele disse que os Correios precisam ser monopolistas para "favorecer a comunicação privada entre pessoas, a integração nacional e o sigilo da correspondência". Mais um que acredita que estatais monopolistas são melhores prestadoras de serviços e fornecedoras de bens do que empresas privadas atuando em regime de livre competição.
No final das contas, os Correios, como era de se esperar, mantiveram seu monopólio estatal[4], mas com uma importante ressalva, felizmente. Os Ministros excluíram do monopólio a distribuição de boletos, jornais, livros e periódicos. Menos mal. Confiram a ementa do julgado:
"ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI.
1. O serviço postal —- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado —- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público.
2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar.
3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X].
4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969.
5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado.
6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal.
7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade.
8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo."
(ADPF 46, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020)
Que o monopólio estatal é péssimo, sobretudo para o consumidor, qualquer pessoa sensata sabe. Essas pessoas também sabem que monopólios estatais não são apenas ineficientes, mas antros de corrupção e de toda sorte de baixaria do mundo político e burocrático. Os Correios, evidentemente, não fogem a essa regra[5].
Mas e daí? À luz da Constituição, era preciso encontrar uma interpretação jurídica que acabasse com o monopólio estatal dos Correios. Os Ministros do STF tiveram a chance de fazê-lo no julgamento da ADPF 46, mas, com exceção do Ministro Marco Aurélio, fugiram do verdadeiro debate — livre iniciativa e livre concorrência são ruins para o consumidor? Um monopólio estatal atende melhor o consumidor do que um mercado desimpedido e competitivo? — e caíram no falacioso argumento do comunista Eros Grau, para quem "serviços públicos" não configuram "atividade econômica em sentido estrito" e, pois, são insuscetíveis de prestação pela iniciativa privada, sabe-se lá por quê? Sabendo que a expressão "monopólio" tem um sentido pejorativo, Eros Grau usou um eufemismo — "privilégio legal" — e conseguiu vencer a sua "luta de classes"[6]. Pior para todos nós, defensores da liberdade econômica.


[1] O voto tem trechos muito bons, em que o Ministro faz uma defesa firme e consistente da livre iniciativa e da livre concorrência e faz críticas acerbas ao monopólio estatal de qualquer atividade econômica. No entanto, o Ministro parece não defender uma total desestatização do setor, já que flerta em alguns momentos com a ideia do Estado regulador. Sobre o assunto, nunca é demais relembrar os excelentes textos de Leandro Roque sobre as privatizações brasileiras (http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=637 e http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=646), nos quais ele, mais uma vez, deixa claro que privatizar sem desestatizar é insuficiente, representando, quando muito, uma mera mudança de endereço dos burocratas, que saíram das vetustas estatais e foram para as modernas agências reguladoras, facilmente capturadas pelos amigos do rei.
[2] Não sabia que Eros Grau é comunista? Então leia isso aqui: Sim, o Ministro comunista, hoje aposentado, confessou que tentava preservar a utopia do comunismo nos votos que proferia. Com certeza esse foi um dos votos em que ele fez isso, não é mesmo?
[3] Em seu voto na ação que pedia aos casais homossexuais os mesmos direitos dos heterossexuais, ele afirmou que "o órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza". No julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa, ele se saiu com essa: "enquanto o indivíduo é gente, o membro do poder é agente. Para sair da singela condição de gente para a de agente, é preciso maior qualificação, e essa é a razão de ser da Ficha Limpa". Que erudição!
[4] Nesses julgamentos eu sempre me lembro de uma advertência feita por Hans-Hermann Hoppe: "Atualmente, o que ocorre é que, na eventualidade de um conflito entre um cidadão e o estado, será sempre o estado (ou um juiz que é empregado do estado) quem irá decidir quem está certo.  Se o estado decidir, por exemplo, que eu tenho de pagar a ele mais impostos e que eu não posso permitir que pessoas fumem no restaurante do qual sou o dono, e se eu não concordar com nenhuma destas decisões, o que posso fazer a respeito?  Posso apenas recorrer a um tribunal estatal, cujos juízes — muito bem remunerados com o dinheiro coletado pelo estado via impostos — são pagos para impingir as regulamentações do governo.  E o que estes juízes, com toda a probabilidade, irão decidir?  Que tudo isto é legal, obviamente!".
[6] Pelas informações sobre o julgamento que constam do site do próprio STF, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não se manifestou como interessado para defender a livre iniciativa e a livre concorrência. Isso é estranho, porque no site do Ministério da Justiça há um link que explica para que servem o CADE e os demais órgãos integrantes do SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência), e lá é possível ler o seguinte: "A defesa da concorrência preocupa-se com o bom funcionamento do sistema competitivo dos mercados. Ao se assegurar a livre concorrência, garante-se não somente preços mais baixos, mas também produtos de maior qualidade, diversificação e inovação, aumentando, portanto, o bem-estar do consumidor e o desenvolvimento econômico. A defesa da concorrência não se presta a proteger o concorrente individual, mas sim a coletividade, que se beneficia pela manutenção da concorrência nos mercados. O consumidor, portanto, é sempre o beneficiário final das normas de defesa da concorrência". Talvez se o CADE, autoridade estatal, tivesse explicado isso ao comunista Eros Grau e seus seguidores, o julgamento da ADPF 46 tivesse outro desfecho.

André Luiz Santa Cruz Ramos é Procurador Federal, mestre e doutorando em Direito Empresarial, e autor bestseller na área jurídica, sendo o autor de livros como Curso de Direito Empresarial (JusPodivm) e Direito Empresarial Esquematizado (Método).  Ouça sua entrevista concedida ao IMB.

Observações sobre as causas do declínio da civilização romana



WondolowskiFallOfRome.jpgA compreensão dos efeitos da intervenção do governo sobre os preços de mercado permite-nos entender as causas econômicas de um evento histórico da maior importância: o declínio da civilização romana.
Não é necessário especificar se a organização econômica do Império Romano poderia ou não ser qualificada como capitalista.  O que interessa é que não há dúvida de que o Império Romano no século II, o período dos Antoninos — os "bons imperadores" —, havia alcançado um alto grau de divisão do trabalho e de comércio interregional.  Diversos centros metropolitanos, um número considerável de cidades médias e inúmeras pequenas cidades eram as sedes de uma civilização refinada.  
Os habitantes dessas aglomerações urbanas eram plenamente supridos de alimentos e matérias-primas, não apenas pelos distritos rurais vizinhos, mas também pelas províncias distantes.  Uma parte destes suprimentos fluía para as regiões urbanas como renda de ricos proprietários de terras que residiam nas cidades.  Mas parte considerável era comprada da população rural que, em troca, recebia os produtos fabricados pelos moradores das cidades.
Havia um comércio intenso entre as várias regiões do império.  Não apenas nas indústrias de transformação, mas também na agricultura, havia uma tendência cada vez maior à especialização.  As várias partes do império já não eram mais economicamente autossuficientes; haviam-se tornado interdependentes.
O que provocou a queda do império e a ruína de sua civilização não foram as invasões bárbaras, mas sim a desintegração dessa interdependência econômica.  Os agressores externos simplesmente se aproveitaram de uma oportunidade que lhes foi oferecida pelo enfraquecimento interno do império.  De um ponto de vista militar, as tribos que invadiram o império nos séculos IV e V não eram superiores aos exércitos que as legiões haviam derrotado facilmente algum tempo antes.  Mas o império havia mudado; sua estrutura econômica e social tornara-se medieval.
A liberdade que Roma concedia ao comércio interno e externo sempre foi limitada.  Em relação ao comércio de cereais e outros gêneros de primeira necessidade, era ainda mais limitada do que em relação às demais mercadorias.  Era considerado injusto e imoral pedir pelo trigo, azeite e vinho — gêneros de primeira necessidade daquele tempo — preços maiores do que os habituais, e as autoridades municipais rapidamente reprimiam o que considerassem especulação.  Impedia-se assim o desenvolvimento de um eficiente comércio atacadista dessas mercadorias.
A política da annona,[1] que era equivalente à estatização ou municipalização do comércio de cereais, pretendia corrigir essa falha; mas seus efeitos foram bastante insatisfatórios.  Os cereais se tornaram escassos nas aglomerações urbanas e os agricultores se queixavam de que o cultivo não era remunerador. 
A interferência das autoridades impedia que a oferta se ajustasse a uma crescente demanda.
A hora da verdade chegou quando os imperadores, diante dos distúrbios políticos dos séculos III e IV, resolveram recorrer à degradação da moeda.  A combinação de uma política de preços congelados com a deterioração da moeda provocou a completa paralisação tanto da produção quanto do comércio dos gêneros de primeira necessidade, e desintegrou a organização econômica da sociedade.  Quanto mais eficaz era o tabelamento de preços imposto pelas autoridades, maior o desespero das massas urbanas que não tinham onde comprar alimentos.
O comércio de grãos e de outros gêneros de primeira necessidade desapareceu por completo.
Para não morrer de fome, as pessoas fugiam da cidade para o campo e tentavam produzir, para si mesmas, cereais, azeite, vinho e o de que mais necessitassem.  Por outro lado, os grandes proprietários rurais reduziram a produção de excedentes agrícolas e passaram a produzir nos seus domínios — as vilas — os produtos artesanais de que necessitavam.  A agricultura em larga escala, já seriamente comprometida pela ineficiência do trabalho escravo, tornava-se completamente inviável pela falta de preços compensadores.
Os proprietários rurais não conseguiam mais vender nas cidades; os artesãos urbanos perdiam a sua clientela.  Para atender às suas necessidades, os proprietários rurais passaram a contratar diretamente os artesãos para trabalharem em suas vilas. Abandonaram a agricultura em larga escala e se converteram em meros recebedores de rendas de seus arrendatários e meeiros.  Esses coloni eram escravos alforriados ou proletários urbanos que voltavam para o campo.
As grandes propriedades rurais foram tornando-se cada vez mais autárquicas.  As cidades, o comércio interno e externo, as manufaturas urbanas deixaram de exercer a sua função econômica.  A Itália e as províncias retornaram a um estágio mais atrasado da divisão social do trabalho.  A estrutura econômica da antiga civilização, que havia alcançado um nível tão alto, retrocedeu ao que hoje é conhecido como a organização feudal típica da Idade Média.
Os imperadores se alarmaram com essa evolução que solapava o seu poder militar e financeiro.  Mas reagiram de maneira infrutífera, sem atingir a raiz do mal.  A compulsão e coerção a que recorreram não podiam reverter a tendência de desintegração social que, ao contrário, era causada precisamente pelo excesso de compulsão e coerção.
Nenhum romano tinha consciência do fato de que o processo era provocado pela interferência do governo nos preços e pela deterioração da moeda.  Em vão os imperadores promulgaram leis contra os moradores que relicta, civitate rus habitare maluerit[2] (abandonavam a cidade, preferindo viver no campo).
O sistema da leiturgia — serviços públicos que deviam ser prestados pelos cidadãos ricos — apenas acelerou ainda mais o retrocesso da divisão do trabalho.  As leis que dispunham sobre as obrigações especiais dos armadores, os navicularii, não conseguiram sustar o declínio da navegação, da mesma maneira que as leis relativas aos cereais não conseguiram impedir a escassez de produtos agrícolas nas cidades.
A maravilhosa civilização da Antiguidade desapareceu por não ter sabido ajustar o seu código moral e o seu sistema legal às exigências da economia de mercado.  Uma ordem social está fadada a desaparecer se as ações necessárias ao seu bom funcionamento são rejeitadas pelos padrões morais, são consideradas ilegais pelas leis do país e são punidas pelos juízes e pela polícia.
O Império Romano se esfacelou por ter ignorado o liberalismo e o sistema de livre iniciativa.  O intervencionismo e o seu corolário político, o governo autoritário, destruíram o poderoso império, da mesma forma que necessariamente desintegrarão e destruirão, sempre, qualquer entidade social.


[1] Annona — política adotada pelo Império Romano, e que consistia em distribuir gratuitamente cereais para a população pobre das cidades.
[2] Corpus Juris Civilis, 1, un. C.X. 37
Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

O que realmente é o fascismo


por  

fascismo.jpgTodo mundo sabe que o termo fascista é hoje pejorativo; um adjetivo frequentemente utilizado para se descrever qualquer posição política da qual o orador não goste.  Não há ninguém no mundo atual propenso a bater no peito e dizer "Sou um fascista; considero o fascismo um grande sistema econômico e social."
Porém, afirmo que, caso fossem honestos, a vasta maioria dos políticos, intelectuais e ativistas do mundo atual teria de dizer exatamente isto a respeito de si mesmos.
O fascismo é o sistema de governo que carteliza o setor privado, planeja centralizadamente a economia subsidiando grandes empresários com boas conexões políticas, exalta o poder estatal como sendo a fonte de toda a ordem, nega direitos e liberdades fundamentais aos indivíduos e torna o poder executivo o senhor irrestrito da sociedade.
Tente imaginar algum país cujo governo não siga nenhuma destas características acima.  Tal arranjo se tornou tão corriqueiro, tão trivial, que praticamente deixou de ser notado pelas pessoas.  Praticamente ninguém conhece este sistema pelo seu verdadeiro nome.
É verdade que o fascismo não possui um aparato teórico abrangente.  Ele não possui um teórico famoso e influente como Marx.  Mas isso não faz com que ele seja um sistema político, econômico e social menos nítido e real.  O fascismo também prospera como sendo um estilo diferenciado de controle social e econômico.  E ele é hoje uma ameaça ainda maior para a civilização do que o socialismo completo.  Suas características estão tão arraigadas em nossas vidas — e já é assim há um bom tempo — que se tornaram praticamente invisíveis para nós.
E se o fascismo é invisível para nós, então ele é um assassino verdadeiramente silencioso.  Assim como um parasita suga seu hospedeiro, o fascismo impõe um estado tão enorme, pesado e violento sobre o livre mercado, que o capital e a produtividade da economia são completamente exauridos.  O estado fascista é como um vampiro que suga a vida econômica de toda uma nação, causando a morte lenta e dolorosa de uma economia que outrora foi vibrante e dinâmica.
As origens do fascismo
A última vez em que as pessoas realmente se preocuparam com o fascismo foi durante a Segunda Guerra Mundial.  Naquela época, dizia-se ser imperativo que todos lutassem contra este mal.  Os governos fascistas foram derrotados pelos aliados, mas a filosofia de governo que o fascismo representa não foi derrotada.  Imediatamente após aquela guerra mundial, uma outra guerra começou, esta agora chamada de Guerra Fria, a qual opôs o capitalismo ao comunismo.  O socialismo, já nesta época, passou a ser considerado uma forma mais branda e suave de comunismo, tolerável e até mesmo louvável, mas desde que recorresse à democracia, que é justamente o sistema que legaliza e legitima a contínua pilhagem da população.
Enquanto isso, praticamente todo o mundo havia esquecido que existem várias outras cores de socialismo, e que nem todas elas são explicitamente de esquerda.  O fascismo é uma dessas cores.
Não há dúvidas quanto às origens do fascismo.  Ele está ligado à história da política italiana pós-Primeira Guerra Mundial.  Em 1922, Benito Mussolini venceu uma eleição democrática e estabeleceu o fascismo como sua filosofia.  Mussolini havia sido membro do Partido Socialista Italiano.
Todos os maiores e mais importantes nomes do movimento fascista vieram dos socialistas.  O fascismo representava uma ameaça aos socialistas simplesmente porque era uma forma mais atraente e cativante de se aplicar no mundo real as principais teorias socialistas.  Exatamente por isso, os socialistas abandonaram seu partido, atravessaram o parlamento e se juntaram em massa aos fascistas.
Foi também por isso que o próprio Mussolini usufruiu uma ampla e extremamente favorável cobertura na imprensa durante mais de dez anos após o início de seu governo.  Ele era recorrentemente celebrado pelo The New York Times, que publicou inúmeros artigos louvando seu estilo de governo.  Ele foi louvado em coletâneas eruditas como sendo o exemplo de líder de que o mundo necessitava na era da sociedade planejada.  Matérias pomposas sobre o fanfarrão eram extremamente comuns na imprensa americana desde o final da década de 1920 até meados da década de 1930.
Qual o principal elo entre o fascismo e o socialismo?  Ambos são etapas de um continuum que visa ao controle econômico total, um continuum que começa com a intervenção no livre mercado, avança até a arregimentação dos sindicatos e dos empresários, cria leis e regulamentações cada vez mais rígidas, marcha rumo ao socialismo à medida que as intervenções econômicas vão se revelando desastrosas e, no final, termina em ditadura.
O que distingue a variedade fascista de intervencionismo é a sua recorrência à ideia de estabilidade para justificar a ampliação do poder do estado.  Sob o fascismo, grandes empresários e poderosos sindicatos se aliam entusiasticamente ao estado para obter estabilidade contra as flutuações econômicas, isto é, as expansões e contrações de determinados setores do mercado em decorrência das constantes alterações de demanda por parte dos consumidores.  A crença é a de que o poder estatal pode suplantar a soberania do consumidor e substituí-la pela soberania dos produtores e sindicalistas, mantendo ao mesmo tempo a maior produtividade gerada pela divisão do trabalho.
Os adeptos do fascismo encontraram a perfeita justificativa teórica para suas políticas na obra de John Maynard Keynes.  Keynes alegava que a instabilidade do capitalismo advinha da liberdade que o sistema garantia ao "espírito animal" dos investidores.  Ora guiados por rompantes de otimismo excessivo e ora derrubados por arroubos de pessimismo irreversível, os investidores estariam continuamente alternando entre gastos estimuladores e entesouramentos depressivos, fazendo com que a economia avançasse de maneira intermitente, apresentando uma sequência de expansões e contrações.
Keynes propôs eliminar esta instabilidade por meio de um controle estatal mais rígido sobre a economia, com o estado controlando os dois lados do mercado de capitais.  De um lado, um banco central com o poder de inflacionar a oferta monetária por meio da expansão do crédito iria determinar a oferta de capital para financiamento, e, do outro, uma ativa política fiscal e regulatória iria socializar os investimentos deste capital.
Em uma carta aberta ao presidente Franklin Delano Roosevelt, publicado no The New York Times em 31 de dezembro de 1933, Keynes aconselhava seu plano:
Na área da política doméstica, coloco em primeiro plano um grande volume de gastos sob os auspícios do governo.  Em segundo lugar, coloco a necessidade de se manter um crédito abundante e barato. ... Com estas sugestões . . . posso apenas esperar com grande confiança por um resultado exitoso.  Imagine o quanto isto significaria não apenas para a prosperidade material dos Estados Unidos e de todo o mundo, mas também em termos de conforto para a mente dos homens em decorrência de uma restauração de sua fé na sensatez e no poder do governo. (John Maynard Keynes, "An Open Letter to President Roosevelt," New York Times, December 31, 1933 in ed. Herman Krooss, Documentary History of Banking and Currency in the United States, Vol. 4 (New York: McGraw Hill, 1969), p. 2788.)
Keynes se mostrou ainda mais entusiasmado com a difusão de suas ideias na Alemanha.  No prefácio da edição alemã da Teoria Geral, publicada em 1936, Keynes escreveu:
A teoria da produção agregada, que é o que este livro tenciona oferecer, pode ser adaptada às condições de um estado totalitário com muito mais facilidade do que a teoria da produção e da distribuição sob um regime de livre concorrência e laissez-faire. (John Maynard Keynes, "Prefácio" da edição alemã de 1936 da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, traduzido e reproduzido in James J. Martin, Revisionist Viewpoints (Colorado Springs: Ralph Myles, 1971), pp. 203?05.)
Controle estatal do dinheiro, do crédito, do sistema bancário e dos investimentos é a base exata de uma política fascista.  Historicamente, a expansão do controle estatal sob o fascismo seguiu um padrão previsível.  O endividamento e a inflação monetária pagaram pelos gastos estatais.  A resultante expansão do crédito levou a um ciclo de expansão e recessão econômica.  O colapso financeiro gerado pela recessão resultou na socialização dos investimentos e em regulamentações mais estritas sobre o sistema bancário, ambos os quais permitiram mais inflação monetária, mais expansão do crédito, mais endividamento e mais gastos.  O subsequente declínio no poder de compra do dinheiro justificou um controle de preços e salários, o qual se tornou o ponto central do controle estatal generalizado.  Em alguns casos, tudo isso aconteceu rapidamente; em outros, o processo se deu de maneira mais lenta.  Porém, em todos os casos, o fascismo sempre seguiu este caminho e sempre descambou no total planejamento centralizado.
Na Itália, local de nascimento do fascismo, a esquerda percebeu que sua agenda anticapitalista poderia ser alcançada com muito mais sucesso dentro do arcabouço de um estado autoritário e planejador.  Keynes teve um papel-chave ao fornecer uma argumentação pseudo-científica contra o laissez-faire do velho mundo e em prol de uma nova apreciação da sociedade planejada.  Keynes não era um socialista da velha guarda.  Como ele próprio admitiu na introdução da edição nazista da Teoria Geral, o nacional-socialismo era muito mais favorável às suas ideias do que uma economia de mercado.
Características
Examinando a história da ascensão do fascismo, John T. Flynn, em seu magistral livro As We Go Marching, de 1944, escreveu:
Um dos mais desconcertantes fenômenos do fascismo é a quase inacreditável colaboração entre homens da extrema-direita e da extrema-esquerda para a sua criação.  Mas a explicação para este fenômeno aparentemente contraditório jaz na seguinte questão: tanto a direita quanto a esquerda juntaram forças em sua ânsia por mais regulamentação.  As motivações, os argumentos, e as formas de expressão eram diferentes, mas todos possuíam um mesmo objetivo, a saber: o sistema econômico tinha de ser controlado em suas funções essenciais, e este controle teria de ser exercido pelos grupos produtores.
Flynn escreveu que a direita e a esquerda discordavam apenas quanto a quem seria este 'grupo de produtores'.  A esquerda celebrava os trabalhadores como sendo os produtores.  Já a direita afirmava que os produtores eram os grandes grupos empresariais.  A solução política de meio-termo — a qual prossegue até hoje, e cada vez mais forte — foi cartelizar ambos.
Sob o fascismo, o governo se torna o instrumento de cartelização tanto dos trabalhadores (desde que sindicalizados) quanto dos grandes proprietários de capital.  A concorrência entre trabalhadores e entre grandes empresas é tida como algo destrutivo e sem sentido; as elites políticas determinam que os membros destes grupos têm de atuar em conjunto e agir cooperativamente, sempre sob a supervisão do governo, de modo a construírem uma poderosa nação.
Os fascistas sempre foram obcecados com a ideia de grandeza nacional.  Para eles, grandeza nacional não consiste em uma nação cujas pessoas estão se tornando mais prósperas, com um padrão de vida mais alto e de maior qualidade.  Não.  Grandeza nacional ocorre quando o estado incorre em empreendimentos grandiosos, faz obras faraônicas, sedia grandes eventos esportivos e planeja novos e dispendiosos sistemas de transporte.
Em outras palavras, grandeza nacional não é a mesma coisa que a sua grandeza ou a grandeza da sua família ou a grandeza da sua profissão ou do seu empreendimento.  Muito pelo contrário.  Você tem de ser tributado, o valor do seu dinheiro tem de ser depreciado, sua privacidade tem de ser invadida e seu bem-estar tem de ser diminuído para que este objetivo seja alcançado.  De acordo com esta visão, é o governo quem tem de nostornar grandes.
Tragicamente, tal programa possui uma chance de sucesso político muito maior do que a do antigo socialismo.  O fascismo não estatiza a propriedade privada como faz o socialismo.  Isto significa que a economia não entra em colapso quase que imediatamente.  Tampouco o fascismo impõe a igualdade de renda.  Não se fala abertamente sobre a abolição do casamento e da família ou sobre a estatização das crianças.  A religião não é proibida.
Sob o fascismo, a sociedade como a conhecemos é deixada intacta, embora tudo seja supervisionado por um poderoso aparato estatal.  Ao passo que o socialismo tradicional defendia uma perspectiva globalista, o fascismo é explicitamente nacionalista ou regionalista.  Ele abraça e exalta a ideia de estado-nação.
Quanto à burguesia, o fascismo não busca a sua expropriação.  Em vez disso, a classe média é agradada com previdência social, educação gratuita, benefícios médicos e, é claro, com doses maciças de propaganda estatal estimulando o orgulho nacional.
O fascismo utiliza o apoio conseguido democraticamente para fazer uma arregimentação nacional e, com isso, controlar mais rigidamente a economia, impor a censura, cartelizar empresas e vários setores da economia, repreender dissidentes e controlar a liberdade dos cidadãos.  Tudo isso exige um contínuo agigantamento do estado policial.
Sob o fascismo, a divisão entre esquerda e direita se torna amorfa.  Um partido de esquerda que defende programas socialistas não tem dificuldade alguma em se adaptar e adotar políticas fascistas.  Sua agenda política sofre alterações ínfimas, a principal delas sendo a sua maneira de fazer marketing.
O próprio Mussolini explicou seu princípio da seguinte maneira: "Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado".  Ele também disse: "O princípio básico da doutrina Fascista é sua concepção do Estado, de sua essência, de suas funções e de seus objetivos.  Para o Fascismo, o Estado é absoluto; indivíduos e grupos, relativos."
O futuro
Não consigo imaginar qual seria hoje uma prioridade maior do que uma séria e efetiva aliança anti-fascista.  De certa maneira, ainda que muito desconcertada, uma resistência já está sendo formada.  Não se trata de uma aliança formal.  Seus integrantes sequer sabem que fazem parte dela.  Tal aliança é formada por todos aqueles que não toleram políticos e politicagens, que se recusam a obedecer leis fascistas convencionais, que querem mais descentralização, que querem menos impostos, que querem poder importar bens sem ter de pagar tarifas escorchantes, que protestam contra a inflação e seu criador, o Banco Central, que querem ter a liberdade de se associar com quem quiserem e de comprar e vender de acordo com termos que eles próprios decidirem, por aqueles que insistem em educar seus filhos por conta própria, por aqueles investidores, poupadores e empreendedores que realmente tornam possível qualquer crescimento econômico e por aqueles que resistem ao máximo a divulgar dados pessoais para o governo e para o estado policial.
Tal aliança é também formada por milhões de pequenos e independentes empreendedores que estão descobrindo que a ameaça número um à sua capacidade de servir aos outros por meio do mercado é exatamente aquela instituição que alega ser nossa maior benfeitora: o governo.
Quantas pessoas podem ser classificadas nesta categoria?  Mais do que imaginamos.  O movimento é intelectual.  É cultural.  É tecnológico.  Ele vem de todas as classes, raças, países e profissões.  Não se trata de um movimento meramente nacional; ele é genuinamente global.  Não mais podemos prever se os membros se consideram de esquerda, de direita, independentes, libertários, anarquistas ou qualquer outra denominação.  O movimento inclui pessoas tão diversas como pais adeptos do ensino domiciliar em pequenas cidades e pais em áreas urbanas cujos filhos estão encarcerados por tempo indeterminado e sem nenhuma boa razão.
E o que este movimento quer?  Nada mais e nada menos do que a doce liberdade.  Ele não está pedindo que a liberdade seja concedida ou dada.  Ele apenas pede a liberdade que foi prometida pela própria vida, e que existiria na ausência do estado leviatã que nos extorque, escraviza, intimida, ameaça, encarcera e mata.  Este movimento não é efêmero.  Somos diariamente rodeados de evidências que demonstram que ele está absolutamente correto em suas exigências.  A cada dia, torna-se cada vez mais óbvio que o estado não contribui em absolutamente nada para o nosso bem-estar.  Ao contrário, ele maciçamente subtrai nosso padrão de vida.
Nos anos 1930, os defensores do estado transbordavam de ideias grandiosas.  Eles possuíam teorias e programas de governo que gozavam o apoio de vários intelectuais sérios.  Eles estavam emocionados e excitados com o mundo que iriam criar.  Eles iriam abolir os ciclos econômicos, criar desenvolvimento social, construir a classe média, curar todas as doenças, implantar a seguridade universal, acabar com a escassez e fazer vários outros milagres.  O fascismo acreditava em si próprio.
Hoje o cenário é totalmente distinto.  O fascismo não possui nenhuma ideia nova, nenhum projeto grandioso — nem mesmo seus partidários realmente acreditam que podem alcançar os objetivos almejados.  O mundo criado pelo setor privado é tão mais útil e benevolente do que qualquer coisa que o estado já tenha feito, que os próprios fascistas se tornaram desmoralizados e cientes de que sua agenda não possui nenhuma base intelectual real.
É algo cada vez mais amplamente reconhecido que o estatismo não funciona e nem tem como funcionar.  O estatismo é e continua sendo a maior mentira do milênio.  O estatismo nos dá o exato oposto daquilo que promete.  Ele nos promete segurança, prosperidade e paz.  E o que ele nos dá é medo, pobreza, conflitos, guerra e morte.  Se queremos um futuro, teremos nós mesmos de construí-lo.  O estado fascista não pode nos dar nada.  Ao contrário, ele pode apenas atrapalhar.
Por outro lado, também parece óbvio que o antigo romance dos liberais clássicos com a ideia de um estado limitado já se esvaneceu.  É muito mais provável que os jovens de hoje abracem uma ideia que 50 anos atrás era tida como inimaginável: a ideia de que a sociedade está em melhor situação sem a existência de qualquer tipo de estado.
Eu diria que a ascensão da teoria anarcocapitalista foi a mais dramática mudança intelectual ocorrida em minha vida adulta.  Extinta está a ideia de que o estado pode se manter limitado exclusivamente à função de vigilante noturno, mantendo-se como uma entidade pequena que irá se limitar a apenas garantir direitos essenciais, adjudicar conflitos, e proteger a liberdade.  Esta visão é calamitosamente ingênua.  O vigia noturno é o sujeito que detém as armas, que possui o direito legal de utilizar de violência, que controla todas as movimentações das pessoas, que possui um posto de comando no alto da torre e que pode ver absolutamente tudo.  E quem vigia este vigia?  Quem limita seu poder?  Ninguém, e é exatamente por isso que ele é a fonte dos maiores males da sociedade.  Nenhuma lei, nenhuma constituição bem fundamentada, nenhuma eleição, nenhum contrato social irá limitar seu poder.
Com efeito, o vigia noturno adquiriu poderes totais.  É ele quem, como descreveu Flynn, "possui o poder de promulgar qualquer lei ou tomar qualquer medida que lhe seja mais apropriada".  Enquanto o governo, continua Flynn, "estiver investido do poder de fazer qualquer coisa sem nenhuma limitação prática às suas ações, ele será um governo totalitário.  Ele possui o poder total".
Este é um ponto que não mais pode ser ignorado.  O vigia noturno tem de ser removido e seus poderes têm de ser distribuídos entre toda a população, e esta tem de ser governada pelas mesmas forças que nos trazem todas as bênçãos possibilitadas pelo mundo material.
No final, esta é a escolha que temos de fazer: o estado total ou a liberdade total.  O meio termo é insustentável no longo prazo.  Qual iremos escolher?  Se escolhermos o estado, continuaremos afundando cada vez mais, e no final iremos perder tudo aquilo que apreciamos enquanto civilização.  Se escolhermos a liberdade, poderemos aproveitar todo o notório poder da cooperação humana, o que irá nos permitir continuar criando um mundo melhor.
Na luta contra o fascismo, não há motivos para se desesperar.  Temos de continuar lutando sempre com a total confiança de que o futuro será nosso, e não deles.
O mundo deles está se desmoronando.  O nosso está apenas começando a ser construído.  O mundo deles é baseado em ideologias falidas.  O nosso é arraigado na verdade, na liberdade e na realidade.  O mundo deles pode apenas olhar para o passado e ter nostalgias daqueles dias gloriosos.  O nosso olha para frente e contempla todo o futuro que estamos construindo para nós mesmos.  O mundo deles se baseia no cadáver do estado-nação.  O nosso se baseia na energia e na criatividade de todas as pessoas do mundo, unidas em torno do grande e nobre projeto da criação de uma civilização próspera por meio da cooperação humana pacífica.
É verdade que eles possuem armas grandes e poderosas.  Mas armas grandes e poderosas nunca foram garantia de vitória em guerras.  Já nós possuímos a única arma que é genuinamente imortal: a ideia certa.  E é isso que nos levará à vitória.
Como disse Mises,
No longo prazo, até mesmo o mais tirânico dos governos, com toda a sua brutalidade e crueldade, não é páreo para um combate contra ideias.  No final, a ideologia que obtiver o apoio da maioria irá prevalecer e retirar o sustento de sob os pés do tirano.  E então os vários oprimidos irão se elevar em uma rebelião e destronar seus senhores.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque

O economista e os monopólios



minimi.pngA denúncia dos males provocados pelos monopólios sempre foi uma das tarefas centrais da teoria econômica. A despeito disso, o economista moderno defende com surpreendente frequência esquemas que envolvem monopólios. Como isso é possível?
Por que tão poucos economistas preferem mercados livres a privatizações acompanhadas de regulação rígida? Se de fato as firmas não têm interesse em ofertar bens ditos públicos, por que tanto zelo em proibir que elas tentem? Por que os economistas se irritam tanto diante da simples menção à proposta de Hayek de introduzir competição na esfera monetária? Por que tanta relutância para aplicar a teoria de monopólio na atividade política e estatal?
Existem várias causas para esse fenômeno, algumas das quais explorarei neste artigo. Argumentarei que certos aspectos da evolução da teoria econômica fizeram com que o monopólio passasse a ser considerado, na visão dos economistas, um predador banguela, na medida em que a teoria econômica moderna alimenta a impressão de que os monopólios poderiam ser satisfatoriamente regulados e utilizados para melhorar o desempenho que seria obtido em mercados livres "imperfeitos".
Em termos mais específicos, destacarei duas características da teoria microeconômica que sustentam a ilusão de monopólios domáveis pela regulação: (i) a crença de que as curvas de custos da teoria de equilíbrio estático teriam contrapartidas literais no mundo real, de modo que poderiam ser estimadas empiricamente e (ii) a crença de que essas curvas de custo seriam invariantes em relação à estrutura de mercado, ou seja, o conhecimento a respeito das formas mais baratas de produzir um bem não dependeria da existência de um grau maior ou menor de competição.
Em termos mais gerais, essas duas características são derivadas (a) do gradual abandono de uma concepção de competição associada à ideia de rivalidade em favor de outra calcada na noção de equilíbrio, (b) do gradual abandono de uma concepção institucionalista de economia em favor de outra calcada na busca pela especialização técnica e (c) do gradual abandono de uma concepção metodológica que interpretava as relações teóricas como entidades abstratas em favor de outra calcada na busca de conceitos empiricamente operacionais.
Em termos mais abstratos, essas três tendências são redutíveis a uma só: o progressivo domínio da visão de mundo positivista na Economia. Para que essas afirmações todas sejam entendidas e discutidas, façamos o caminho de volta: examinarei inicialmente as tendências (a), (b) e (c) ao longo do desenvolvimento da teoria de competição e monopólio e em seguida criticarei as características (i) e (ii).
Ao longo da evolução da teoria, a variação no tratamento dado ao monopólio reflete a mudança gradual que sofreu a noção de competição: de processo de rivalidade empresarial a uma alocação de equilíbrio eficiente, obtida sob as hipóteses de produto homogêneo, livre entrada e conhecimento perfeito.[1]
Durante o período da escola clássica, a partir de Adam Smith, a crítica aos monopólios tratava em larga medida de monopólios legais: as regulações impostas pelos governos, tanto no comércio exterior quanto nos mercados internos de cada país, refletiam a busca por privilégios monopolísticos, que bloqueavam a atividade competitiva. Esta última, por sua vez, era essencialmente vista como a atividade pela qual os empresários rivalizavam entre si na tentativa de lucrar com sua produção oferecida aos consumidores.
Depois da revolução marginalista de 1871, a compreensão de como isso é feito foi aprofundada: a nova teoria do valor mostrou como os recursos escassos de uma sociedade tendem a ser alocados às necessidades mais urgentes, com o auxílio do sistema de preços. Essa nova concepção apenas reforçou a visão clássica de competição: em um mercado competitivo os empresários são livres para sugerir aos consumidores diferentes usos possíveis dos limitados recursos e o lucro é a recompensa aos empresários que melhor antecipam as soluções que geram mais valor do que o custo de oportunidade dos recursos empregados. O monopólio, como antes, é associado às restrições impostas pela regulação estatal ao processo competitivo de experimentação e não pela busca de equilíbrios competitivos eficientes. De fato, como relata DiLorenzo[2], a implementação da legislação antitruste nos Estados Unidos no final do século dezenove não refletiu a opinião dos economistas do período, que não consideravam a mera concentração de firmas em um instante do tempo ou outras coisas que viriam a ser violações a lei antitruste como ameaças ao processo rival de competição.
A partir da década de trinta, porém, com a formalização da Economia, a preocupação exclusiva com a descrição do equilíbrio competitivo fez com que aatividade competitiva fosse ignorada. A competição deixou de ser um verbo para descrever um estado: um mercado competitivo seria aquele caracterizado pelo preço igual ao custo marginal de produção. Com isso, os economistas deixaram de perceber que os dados descritos pela teoria de equilíbrio não existiriam sem a atividade competitiva que antecede o equilíbrio. Práticas como publicidade ou a experimentação com qualidade e preços, antes vistas como parte essencial do processo competitivo, passaram a ser vistas como sinais de atividade anticompetitiva. A visão clássica de competição, abandonada a partir de então, sobreviveu na teoria moderna apenas entre os austríacos, que não aderiram a revolução formalista na disciplina.
O formalismo moderno, por outro lado, favoreceu o abandono de uma visão de mundo institucionalista que caracterizava a economia até então. A obtenção de alocações eficientes nos mercados passou a ser vista como um problema técnico. Isso permitiu que economistas pudessem ignorar o entorno institucional, como se este fosse uma questão à parte do problema técnico de encontrar soluções alocativas eficientes. Confiar a uma instituição estatal, monopolista, a tarefa de regulação do monopólio deixou então de soar paradoxal.
Finalmente, associado a esse tecnicismo temos o abandono da postura filosófica tradicional a respeito da natureza da teoria econômica, em favor de uma interpretação positivista dessa ciência. Para autores como Mill, Senior, Menger, Keynes (pai e filho) ou Hayek, representantes da tradição antiga, as relações entre as variáveis da teoria não representam grandezas observáveis na prática, mas apenas relações abstratas, que desconsideram todas as outras variáveis que influenciam o fenômeno complexo concreto estudado pela economia. Para esses autores, a teoria pura teria caráter puramente "algébrico"[3], na medida em que nunca poderíamos substituir valores concretos nas fórmulas.
Nessa ótica, tudo o que um economista quer dizer quando afirma que uma curva de custo médio de curto prazo tem forma de U é que, em uma determinada planta industrial de tamanho fixo, produzir nela apenas algumas unidades ou uma quantidade muito grande seria muito caro (pois o custo fixo médio seria alto no primeiro caso e o custo variável médio seria alto no segundo), de modo que existe uma quantidade intermediária que é produzida a custo unitário menor. Isso não significa, no entanto, que possamos conhecer a forma concreta da curva, digamos, por uma auditoria. Hayek nota que o economista moderno tende a confundir o conhecimento abstrato do teórico com o conhecimento prático do agente, ignorando o fato trivial de que minimizar custos é uma batalha diária. Na verdade, não existiria algo como "a" função de produção do setor e portanto uma relação bem conhecida denominada função custo: a cada instante os dados locais se alteram, de modo que, se o gerente ligasse o "piloto automático" e saísse de férias, as curvas de custo rapidamente se deslocariam para cima!
A partir da década de trinta, porém, influenciados por uma visão operacionalista de ciência, as grandezas econômicas passaram a fazer sentido apenas quando mensuráveis em princípio. Temos então economistas sugerindo que o estado, por meio de mandamentos centrais, regule o comportamento das firmas de forma a emular o equilíbrio competitivo, ordenando que as firmas produzam até que o custo marginal (CMg) se iguale ao preço. Mas, pergunta Hayek, como as firmas conheceriam o custo que prevaleceria em competição, se o processo competitivo necessário para que isso fosse conhecido foi bloqueado pela regulação? Nesse ponto, o analista moderno, por falta de sofisticação filosófica, comete uma petição de princípio: supõe conhecido de início a própria solução do problema alocativo.
Esse erro ignora a assimetria entre explicação e previsão no que se refere à análise de fenômenos complexos: quando a tarefa era explicar o funcionamento dos mercados, podemos utilizar as curvas usuais na interpretação algébrica. Quando a tarefa é substituir ou regular os mercados, porém, é necessário que tais curvas sejam interpretadas de forma operacional. As duas interpretações metodológicas contrárias, porém, convivem na visão de mundo do economista moderno. Tome como ilustração o problema do controle de preços, ilustrado na figura. Em um mercado competitivo, o economista mostra que um controle de preços não funciona, pois se o preço for fixo em B, por exemplo, a demanda (D) será maior do que a oferta (S). Para o argumento, não importa o conteúdo concreto das curvas de demanda e custos. Afinal, se essas curvas fossem conhecidas, poderíamos dispensar o uso do sistema de preços! Só faz sentido a liberdade no mercado porque de fato desconhecemos os custos e benefícios envolvidos.
qwww.jpg
Agora, considere no gráfico da direita uma firma monopolista operando em regime de concessão pública. O gráfico ainda é útil para dizer que o preço de monopólio C será superior ao competitivo D, coeteris paribus. O problema surge quando o economista acredita que, como regulador, poderia forçar a firma a operar em D. Isso, como vimos, requer duas ilusões. Em primeiro lugar, reguladores e regulados precisam conhecer as magnitudes envolvidas no mundo real, o que não é possível em um sistema econômico minimamente complexo, cujos fundamentos se alteram a cada instante. Em segundo lugar, é necessário nutrir a esperança de que essa economia seja habitada por anjos que não irão regular o preço em C, maximizando o lucro do monopolista, repartido entre reguladores e regulados. Nem a retomada desse tema clássico pela moderna escola da escolha pública, porém, demove o economista de sua fé na capacidade de controlar (de forma monopolista) os monopólios.
Vista a primeira característica da microeconomia moderna que facilita a crença de que monopólios podem ser domados, a saber, a crença de que as curvas de custo da teoria podem ser observadas na realidade, passamos agora a considerar a segunda, que afirma que os custos não dependem da estrutura de mercado. Essas duas características podem ser ilustrada por meio de uma disparate encontrado em qualquer livro-texto da área: "se o governo fixar o preço de um bem, o monopolista passa a se comportar como se fosse uma firma competitiva, produzindo até que o custo marginal seja igual a esse preço".
Se o governo de fato conhecesse todas as curvas do nosso diagrama da direita, isso teria sentido. Mas por que a análise do diagrama anterior deixou de valer? Se as curvas se alterarem continuamente, poderíamos ter por exemplo um preço fixo menor do que D e teríamos novamente um excesso de demanda. Será que ao longo do tempo teríamos efetivamente alocações mais eficientes?
Além disso, imaginar que os custos unitários de produzir em monopólio seriam idênticos aos custos que ocorreriam sob competição é algo que soa verdadeiramente extraordinário para alguém não comprometido com a teoria, mas é algo necessário para que o dirigismo inerente à visão tradicional seja mantido. Se os custos fossem dados de forma automática, de forma independente da atividade empresarial, poderiam-se expurgar da teoria as características necessárias para que a competição de fato ocorra, como a propriedade privada, que permite a liberdade para experimentar cursos de ação não imaginados anteriormente.
Aqui, entram em contraste as visões austríaca e neoclássica sobre competição. Para a primeira, o mercado funciona como um processo de descoberta e a competição é um estímulo à atividade empresarial que busca novas formas de melhor atender às necessidades dos consumidores. Para a segunda, por outro lado, não existe nada a ser descoberto: os agentes sempre maximizam funções conhecidas e o mercado é apenas um mecanismo de computação. Ao dispensar a função empresarial, relegada a uma análise exógena da inovação, esta concepção burocratiza o funcionamento dos mercados, de modo a abrir caminho para uma análise que ignora os problemas gerados por monopólios dirigidos, tornando possível a crença de que as "falhas de mercado" poderiam ser corrigidas por monopólios regulados.


[1] Para uma excelente história da transformação da noção de competição, ver MACHOVEC, F.M. Perfect Competition and the Trasformation of Economics. Londres: Routledge, 1995.
[2] DiLORENZO, T. The Origins of Antitrust: an interest-group perspective.International Review of Law and Economics, vol. 5, pp. 1985.
[3] HAYEK, F.A. The Theory of Complex Phenomena, in Studies in Philosophy, Politics and Economics, London, UK: Routledge & Kegan Paul. 1967, nota de rodapé 14.

Publicado originalmente no site do Ordem Livre.

Fabio Barbieri é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo.  Atualmente, é professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.