terça-feira, 19 de novembro de 2013

Contra o Homo Proletarius - a ascensão dos pobres pelo empreendedorismo

Contra o Homo Proletarius - a ascensão dos pobres pelo empreendedorismo
 

Andreia-Miranda-300x156.png"Classe média é o atraso de vida! A classe média é a estupidez! É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista," grita Marilena Chauí. A audiência aplaude. Discursando no Centro Cultural São Paulo no dia 13 de maio para o lançamento do livro Lula e Dilma, Marilena Chauí admite que sua oposição à classe média é motivada menos por massa cinzenta e mais pelas glândulas salivares: "Por que eu defendo esse ponto de vista? Não é só por razões teóricas e políticas. É porque eu odeio a classe média!" Segue o vídeo:

Para uma marxista como Marilena Chauí, a divisão da sociedade em classes com interesses irreconciliáveis não pode se reduzir a uma sopa de letrinhas A-B-C-D. Chauí não está defendendo a estagnação econômica do trabalhador brasileiro. O que ela critica em coerência com o marxismo clássico é considerar qualquer melhoria no padrão de vida da classe trabalhadora como a transição para uma nova classe social.
Para um marxista, tratar o aumento quantitativo da renda como se fosse um salto qualitativo de classe seria como se, para um racista, um negro se tornasse branco apenas porque se mudou para o Leblon.
Em vez de se olhar para a renda, as classes deveriam ser categorizadas por outros critérios, como sua posição em relação aos meios sociais de produção. Para realmente subir de classe, um trabalhador precisaria se apropriar dos meios de produção que exploram sua mão de obra e passar a extrair mais valia de outros trabalhadores. Mas se essa mobilidade vertical for generalizada, se todos os dias um grande número de trabalhadores virarem empresários, a teoria de luta de classes socialista perde seu sentido.
É difícil para um marxista aceitar que, em vez de ler Das Kapital e assistir às palestras da Marilena Chauí, os pobres brasileiros estão abrindo seus próprios negócios. E essa insubordinação ao status proletário está acontecendo nas regiões mais pobres das cidades brasileiras. Apenas nas favelas consideradas pacificadas, o Sebrae-RJ formalizou cerca de 1.700 empresas só em 2011. Não é pouca coisa em termos absolutos, mas trata-se de uma pequena fatia do capitalismo que está subindo os morros. O Sebrae-RJ estimava em 2012 que 92% dos negócios nas favelas continuavam atuando na informalidade.
O Complexo do Alemão no Rio quer ir mais longe e construir seu próprio templo capitalista: um shopping center em plena favela. Segundo o site da BBC,
Orçado em cerca de R$ 22 milhões, o novo centro comercial deve abrigar 500 lojas e tem previsão de inauguração para novembro. As obras ainda não começaram e o local exato onde será instalado o shopping ainda é incerto, mas uma característica já faz com que ele seja diferente dos mais de 800 empreendimentos do tipo espalhados pelo Brasil: 60% das lojas serão comandadas por moradores da favela.
Ao se tornarem seus próprios patrões em busca do lucro, esses moradores estão formando uma nova classe média. Da próxima vez que vier a BH, coloco-me à disposição para levar Chauí ao Oiapoque. Talvez vendo de perto, ela deixe pra lá essa mania de chamar o sujeito que cria empregos e aumenta o poder aquisitivo dos pobres de "reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista." Olha só a cara desses terroristas:
Será que o ódio de Marilena Chauí pela classe média é maior que seu amor pelos pobres? Se sim, as notícias de empreendedorismo na favela devem soar como um arrastão de mais valia. Quando uma pessoa deixa de ser uma empregada vivendo de salário e passa a ser uma empregadora vivendo de lucro, ela está traindo o processo do historicismo materialista.
Quando Andreia Miranda monta uma venda de souvenires no Morro Dona Marta, quando Cristina da Silva Oliveira abre um albergue no Morro Chapéu-Mangueira, quando Carolina Pacheco dos Santos inaugura um café no Morro da Providência, cada uma delas está se distanciando do proletariado e se aproximando da burguesia. Essas mulheres estão se tornando potenciais inimigas da humanidade.
A popularização das ideias marxistas prega a condenação dos pobres ao trabalhismo. Dentro do materialismo histórico de Karl Marx e Friedrich Engels, o trabalho humano se estabelecia como o patamar supremo alcançado pela evolução natural darwinista. Enquanto os demais animais já nascem com os instrumentos de sobrevivência em sua constituição física, a espécie humana precisa trabalhar para fabricar seus próprios instrumentos. O marxismo, em sua versão popular, substitui o homo economicus fechado na maximização de seu próprio bem-estar pelo homo proletarius fechado na sua condição de trabalhador.
A ideia de homo proletarius pode amarrar os pobres à imobilidade social do trabalhismo. Ela atribui a riqueza dos ricos à exploração, selando com vácuo ideológico o ar de empreendedorismo que os pobres precisam para deixar de ser pobres. Apenas rico pode empreender. Os pobres podem apenas trabalhar.
A retórica anti-empreededorismo faz mais mal ao pobre do que ao rico. Porque mesmo o rico marxista não vai jogar fora a oportunidade de se preparar para o mercado, de continuar os negócios da família ou de investir em ações. Essa instrução de como navegar pelo capitalismo já vem de casa.
Mas o pobre costuma ser pobre em parte porque sua família não soube como sair da pobreza. O caminho ao enriquecimento não é o trajeto que o pobre faz de mãos dadas com seus pais. É uma trilha nova que precisa ser desbravada. Quando jogamos os pobres contra o empreendedorismo, contra a classe média, estamos privando-lhes de oportunidades do crescimento econômico e social. Como diz Thomas Sowell em The Quest for Cosmic Justice, o anticapitalismo priva os pobres de adquirirem capital humano:
Para os atualmente menos afortunados membros da sociedade, os custos da inveja podem ser especialmente altos quando ela faz desviar seu intelecto e sua energia. Nas áreas em que as pessoas mais pobres carecem de capital humano — habilidades, educação, disciplina, visão —, uma das fontes para adquirir essas coisas são as pessoas que prosperaram por essas formas de capital humano. Isso pode acontecer diretamente através da aprendizagem, conselhos, ou tutela formal, ou pode acontecer indiretamente através da observação, imitação e reflexão.
No entanto, todas estas formas de fazer avançar a sair da pobreza podem acabar queimadas por uma ideologia de inveja que atribui a maior prosperidade dos demais à "exploração" de pessoas como eles mesmo, à opressão, ao preconceito, ou a motivos indignos, como "ganância", racismo etc. A aquisição de capital humano, em geral, parece fútil sob esta concepção e a aquisição de capital humano dos exploradores, dos avarentos, e dos racistas especialmente desagradável.
"O trabalho não é um recurso especificamente humano", dizia Ludwig von Mises, "é o que o homem tem em comum com todos os outros animais."
Mises se opunha ao homo proletarius de Marx. Ele não via o homem como uma mera máquina material que trabalha, mas como um agente espiritual que cria. Quando o primeiro homem uniu duas rodas em um eixo, ele não estava apenas cumprindo uma tarefa trabalhosa. Ele estava realizando uma ação empreendedora.
O trabalho por si só não gera riqueza. Apenas o trabalho produtivo gera riqueza. O esforço de se levar um sorvete até a boca pode ser o mesmo de se levar um sorvete até a testa. É a razão humana que empregará nosso trabalho em direção à satisfação humana. O socialista que não entende essa distinção corre o risco de empobrecer seus ouvintes e ainda desperdiçar um sorvete.
A teoria econômica moderna ensina que o capital é mais que um substituto ao trabalho. Apenas o capital enriquece o trabalho humano. Como escreveu Mises, "não há outra maneira de fazer os salários subirem que não seja por meio do investimento em mais capital por trabalhador.  Mais investimento em capital significa dar ao trabalhador ferramentas mais eficientes."
O trabalhador brasileiro ganha pouco porque falta capital para deixar seu trabalho mais produtivo. Ou o morro se move até o capital, ou o capital se move até o morro. Uma forma de resolver o problema é aumentar o número de capitalistas, principalmente permitindo que mais pobres se tornem capitalistas. Se ao desejar que o capitalismo coma na mão dela, a dona de um albergue no Cantagalo aumenta o estoque de capital no morro, ela está de fato aumentando a comida na mão de seus vizinhos.
O trabalhismo do homo proletarius trata o trabalho mais como um fim em si mesmo e menos como um meio para o consumo. Preocupados em dividir a sociedade em classes antagônicas, seus defensores acreditam em tirar dos que têm capacidade para dar para os que têm necessidade. Por isso, a capacitação dos necessitados deve ser a prioridade, mesmo que esse progresso cause a ascensão de uma nova burguesia de ex-pobres. Não queremos um partido apenas para os trabalhadores, queremos um partido para todos os pobres, não importa o tamanho de seus sonhos ou a classe de suas ambições.
O velho socialismo quer os pobres de mãos abertas, prontas para a esmola política, ou de mãos fechadas, prontas para a revolução violenta. O novo capitalismo quer os pobres de mãos cheias, para poder consumir, produzir e empreender.
Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York.  Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com