domingo, 21 de julho de 2013

Com muito orgulho

ZUENIR VENTURA


Quando o gigante acorda — seja nas ruas, seja num estádio de futebol — também desperta na gente um pouco daquele conde Afonso Celso que temos dentro de nós. Quem não sentiu pelo menos uma vez vontade de afirmar "por que me ufano de meu país"? Se eu tivesse ido ao Maracanã domingo, teria deixado de lado o pudor da pieguice cívica para participar do coro que cantou o Hino Nacional à capela ou entoou o "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor" — eu e mais de 70 mil pessoas. Assistindo ao jogo com a Espanha pela TV, em casa, sozinho, me arrepiei várias vezes, enxuguei lágrimas, dei pulos com o punho cerrado, fiz enfim tudo aquilo que em geral acho ridículo nos torcedores fanáticos: a vibração histérica e a emoção barata. Nunca pensei que fôssemos reeditar aquele espetáculo de 63 anos atrás, quando o velho Maraca cantou "Touradas de Madri", enquanto dava um olé de 6x1 nos avós de Iniesta e Xavi.
Só que desta vez foi melhor, porque fomos campeões, não morremos na praia do Uruguai, sem falar que o jogo foi mais dramático, com lances épicos eletrizantes, como aquele de David Luiz, com o nariz quebrado, deslizando em alta velocidade até a linha do gol para realizar o impossível: jogar a bola para o alto e por cima do travessão. Não é todo dia que se vê um milagre desses. E o gol de Fred deitado, ele, que no jogo anterior já tinha marcado com a canela? Tão original quanto a proeza foi o comentário do autor: "Fiz tanta coisa boa deitado, faltava um gol." E Neymar, que começou o torneio carregado de dúvidas e terminou empunhando três taças só para ele? Porém, advertem as estatísticas, quem ganha essa competição não ganha a Copa do Mundo. Ótimo, porque pelo visto esse time gosta de contrariar expectativas pessimistas.
Não só em campo o Brasil costuma ser imprevisível. Assim como a Seleção deu a volta por cima, revertendo as piores previsões, também o cenário político mudou de um dia para o outro, desarrumando os prognósticos eleitorais para o ano que vem. Quem poderia prever que a popularidade de Dilma iria despencar de 57% para 30%? E a de Alckmin, de Haddad, de Cabral e de Eduardo Paes? O mais divertido é que não dá para partido algum comemorar. Todos perderam. Ainda bem. Ninguém pode cantar de galo e tripudiar: "Eu não disse?" Mais uma vez ficou provado também que todos nós — jornalistas, institutos de opinião, sociólogos, analistas políticos — não falhamos: acertamos sempre o que passou, nunca o por vir. Somos profetas do passado.
Assistindo ao jogo em casa pela TV, sozinho, fiz tudo aquilo que, em geral , acho ridículo nos torcedores fanáticos: a vibração histérica e a emoção barata.
Publicado no Globo 

O Brado Da Juventude!!!

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA


CARLOS VIEIRA
Meu personagem de hoje é nascido nas décadas finais do século XX. Veio ao mundo perto da margem de um Lago, numa mansão opulenta, num espaço perto de dez mil metros. Família sagrada, de missa dominical, de atos compulsivos de filantropia, talvez para saldar as dívidas da culpa inconsciente de um modo de ser baseado no canibalismo capitalista selvagem. Poderia ser filho de um empresário, de um político, de um jurista ou mesmo de alguém da classe privilegiada desse país que traz em seu patrimônio existencial – a alienação da consciência política e social. 
O filho educado em um bom colégio, mas um colégio que execra a formação cultural e foca sua especialidade em preparar para “vestibular”. É desprezível ter cultura, é importante ultrapassar um vestibular, fazer uma faculdade, não por opção vocacional, mas para garantir um futuro “maravilhoso”, uma aposentadoria perfeita! Meu personagem, por exemplo, é advogado. Poderia ser médico, engenheiro ou funcionário público. O que chama atenção, é que vive uma vida profissional meio autômata, sente-se sem objetivo, cumpre horários, bate ponto eletrônico, ganha um belo salário, mas não consegue saber porque é depressivo, vazio e indiferente a uma vida afetiva. 
Esse é um protótipo de uma juventude que de repente parou, pensou, sentiu-se esvaziada, desrespeitada e sem futuro. Desacreditado, descrente na justiça, nas organizações governamentais, na ética, na família, nos vínculos afetivos, e principalmente agora, cientes de que a ilusão chegou no limite - a ilusão de uma vida melhor. Esse mesmo personagem é aquela pessoa que olha para o lado e vê o pai montar esquemas de corrupção; dar um passo a frente e enxerga o desrespeito pelas condições básicas de habitação, educação, justiça, alimentação e civilidade. Enxerga um caos que, sendo eleitor, seus eleitos estão mais preocupados com enriquecimento e poder pessoal do que usar recursos para programas sociais e que atentem para o futuro do nosso país. Governa-se no Brasil, ainda e somente pensando no presente, na oligarquia dos partidos, na preservação no Poder, fato curiosamente difundido na América Latina. 
Outros personagens da vida cotidiana trabalham, dão duro, pagam seus três meses de salário para os impostos abusivos. São até felizes (?), mas intuem que algo está se quebrando e é preciso fazer algo antes do Apocalipse.! Mas meu personagem, agrupado com outros, resolveu sair às ruas para clamar um “brado retumbante” e pedir justiça social. Não aumentos de centavos, mas, mais do que isso: conscientizar à população, da situação na qual vivemos; que a cada dia parece, mesmo travestida de “crescimento sustentável” e mais perto do filme que a geração dos seus pais viveram, que estamos numa antecâmara da “agonia social sem saída(?). 
Reforma política; reforma tributária, reforma talvez na composição do legislativo, reforma ética e da justiça. As “bolsas da vida”, expediente necessário, mas transitório, parece apontar para a manutenção de “eleitores de cabresto”. Dezenas de ministérios, para quê? O brado da juventude é para acordar também os “adultos crescidos”, alienados e conformados com suas aposentadorias ou empanturrados de riqueza pessoal em detrimento de falta de recursos. 
Não convence pensar em direita, esquerda, golpes fantasiosos, liderança de partidos querendo tirar proveito do movimento sábio e um pouco ingênuo da juventude. A nova ordem exige novos vértice de pensamento que não se encaixam mais nas pobres ideias dos nossos políticos e de profissionais em conluio com o poder perverso! É doloroso ver investimentos de bilhões em eventos esportivos como se nossa saúde pública humana estivesse boa e como se ganhar campeonatos confederados ou mundias assegurasse o nosso futuro.
Curiosamente, reporto o leitor a um homem, visionário, “louco”, místico, verdadeiro e um tanto profeta - William Blake (1757-1827). Nascido na Inglaterra, poeta, desenhista, pintor, gravador, impressor e até compositor. Viveu sua vida preocupado e denunciando as consequências desumanas da era industrial. Reporto ao leitor, nesse momento “blakeano” de uma nova ordem na vida dos brasileiros, um de seus poemas que toca fundo as questões do mundo contemporâneo. 
“O Limpador de Chaminés” 
“ Quando mamãe morreu eu era moleque,/ E ao vender-me meu pai, minha língua a custo é que/ gritava arre, arre, arre, arre-dor:/ Durmo em fuligem, das chaminés sou varredor. 
O pequeno Tom Dacre chorou ao ser raspado/ seu cabelo, tal qual um cordeiro, anelado/Eu disse. Calma, Tom, deixa, sem os cabelos/ ao menos a fuligem não poderá tê-los. 
Se acalmou, & naquela mesma noite então,/ Quando ele adormeceu, surgiu-lhe uma visão,/ Dick, Joe, Ned, Jack, e milhares de varredores,/ Em negros ataúdes trancados, sem dores. 
Com chave luminosa um anjo apareceu/ E abriu-os, livrando cada menino do seu./ Riam e saltitavam, desciam o vale,/ Para lavar-se num rio e ao sol brilharem. 
Então, nus, brancos, todas as bolsas deixadas,/ Subiram para as nuvens, brincaram nas vagas/ Do vento. E o Anjo disse ao Tom: Se fores bom/ Menino, terás Deus por pai & alegria por dom. 
Tom acordou e no escuro nos levantamos/ Pegou bolsas e escovas do nosso ramo./ Tom se foi na manhã fria, alegre e aquecido./ Não há nada a temer, se o dever é cumprido.”
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

Para a plateia

LUIZ GARCIA


Mesmo se for oportunismo do PMDB, seu novo discurso pode dar certo entre os que condenam o gigantismo da máquina do governo 
Arecente agitação nas ruas, apesar do mau comportamento de uma minoria — o que parece ser infelizmente inevitável —, despertou nos políticos brasileiros, cujo instinto de sobrevivência é reconhecidamente notável, o desejo de convencerem a opinião pública de que, como ela, também se preocupam em melhorar o desempenho da administração pública. 
Isso explica a recente crítica do PMDB ao governo federal. Na última terça-feira, a Executiva Nacional do partido, depois de três horas de discussão, divulgou uma nota com críticas tão pesadas quanto surpreendentes à administração da presidente Dilma Rousseff. 
O PMDB chegou a sugerir que ela reduza o número de ministérios, para enxugar a máquina do governo e reduzir os seus gastos. O vice-presidente Michel Temer participou da reunião e se esforçou, sem êxito algum, para baixar o tom das críticas à administração de Dilma. 
Outros aliados do governo, como Amauri Teixeira, vice-líder do PT na Câmara dos Deputados, acusaram o PMDB do feio pecado de adotar o discurso da oposição. O senador petista Jorge Viana, por exemplo, reconheceu que existe um gigantismo no governo — mas acrescentou que "muitos jogam para a plateia". 
Na verdade, muitos observadores diriam, com razão, que a plateia realmente preferiria menos ministérios e mais ações concretas de verdadeiro interesse público. O PMDB pode estar agindo de forma oportunista, mas certamente procura, pelo menos, ter o aplauso da opinião pública — inclusive dos eleitores que não costumam votar nele. O novo — alguns diriam novíssimo — discurso do partido vai ao encontro do que pensa a fatia do eleitorado que não costuma votar em candidatos aliados do PT. 
Pode dar certo com essa guinada, principalmente — talvez exclusivamente — junto aos cidadãos que enxergam no gigantismo da máquina do governo um dos seus defeitos, talvez o mais grave deles. 
Mas a nova atitude do partido pode também ser vista como puro oportunismo. A resposta da opinião pública talvez tenha essa opinião, concordando com os petistas que acusam o PMDB de "jogar para a plateia". Em geral, como provam diversos episódios da história política do país, o eleitor brasileiro costuma saber a diferença entre posições políticas sinceras e guinadas que têm cheiro de manobras, supostamente sinceras, quando, na verdade, não passam de tentativas de ir ao encontro do que pensa a maioria do eleitorado.
Publicado no Globo

Os Jovens do Restelo

NELSON MOTTA


Há quase um mês, a presidente Dilma comparava os que criticavam o governo ao Velho do Restelo, de Camões, como símbolo do derrotista agourento. Hoje a rainha está nua. E ninguém ousa lhe contar. O mito da grande gestora ruiu: como mostrou a reportagem de José Casado, seu governo não conseguiu gastar em 2012 nem metade das verbas do orçamento para Saúde, Educação e Transporte — o que desmoraliza qualquer gestão. E também é a prova cabal de que não falta dinheiro para investir, mas capacidade de usá-lo em benefício da população. 
Com os assessores e aliados que tem, que se borram de medo dela, a presidente não tem pior adversário do que seu temperamento autoritário, mesmo sendo uma democrata. Um exemplo é a recente sugestão, crítica jamais, do ministro Gilberto Carvalho à presidente, em reunião ministerial para aplacar os protestos: "Temos que estar mais juntos dos movimentos sociais. Esta meninada que está nas ruas antigamente estava com a gente. Não está mais." 
Por que será? rsrsrs 
Uma pista: 74% dos petistas consultados pelo Datafolha são a favor da prisão imediata dos mensaleiros condenados. Eles também se sentem traídos. Como estar mais junto de movimentos sociais espontâneos, sem lideranças nem manadas domesticadas, que não podem ser cooptados com verbas e cargos? Será que ele não entendeu que as jovens multidões estão contra os privilégios, a corrupção e a incompetência dos governos, do PT e dos demais partidos? Ou tem medo de dizer e a rainha gritar "cortem-lhe a cabeça"? 
Na mesma reunião, a ministra Maria do Rosário diagnosticou que "houve um afastamento do governo das demandas dos movimentos sociais. O governo está longe do PT antigo". 
Mas os movimentos sociais da ministra estão longe das ruas, não estão demandando nada além do de sempre, se contentam com verbas e afagos do ministro Gilberto. A UNE, os sindicatos amestrados e os movimentos sociais estatizados não estavam na rua. Quem estava eram os Jovens do Restelo, a classe média, a antiga e a nova, que paga a conta. Para eles, do PT antigo de Zé Dirceu, João Paulo e Genoino, quanto mais longe, melhor.
Publicado no Globo 

Yankees, go home!

ZUENIR VENTURA


Será que Barack Obama vai continuar em silêncio diante da indignação de Dilma Rousseff, que ameaça recorrer à ONU contra a "interferência" da Agência de Segurança Nacional, a NSA americana? Será que ele, tão politicamente correto, não vai fazer nada contra a "violação da nossa soberania e dos direitos humanos"? Como disse o professor de Direito Constitucional Pedro Serrano, é "um ato de agressão".
Essa verdadeira invasão de privacidade revolta não apenas nossas autoridades, mas também os cidadãos em geral, porque é um atentado à individualidade de todos e de cada um de nós. Aliás, já pedi ao José Casado — que teve acesso aos documentos vazados e produziu, com Roberto Kaz e Glenn Greenwald, um extraordinário furo de reportagem — para procurar entre os milhões de mensagens de brasileiros monitoradas pelos EUA os telefonemas e e-mails começando pela letra "Z". Fico imaginando aqueles burocratas fuçando minha intimidade.
É claro que se trata de mania de grandeza, uma herança paranoica da época de nossa ditadura militar, quando a prática do grampo era disseminada entre políticos, jornalistas, artistas, intelectuais em geral (Ziraldo e eu ficamos presos durante meses por causa de uma conversa gravada, tida como perigosamente subversiva). Até há pouco tempo, me surpreendia interrompendo o interlocutor do outro lado da linha: "Isso a gente fala pessoalmente, por telefone é perigoso." Mas aqueles eram tempos de generais e de censura aqui, e de Nixon e guerra do Vietnam lá. Hoje, porém, não será pior? Há pelo menos mais sofisticação, com o advento da globalização, da internet e da revolução da tecnologia da informação. Antigamente, a operação de escuta era demorada: instalação do microfone, gravação, transcrição da fita. Agora, o volume de informações monitoradas é gigantesco. "Só no mês de janeiro deste ano", informa a reportagem, "a NSA rastreou 2,3 bilhões de dados nos EUA", e o Brasil ficou pouco atrás, sendo o país mais espionado da América Latina, e isso sem ser base de terrorismo, só de corrupção.
Em tempos de passeatas e cartazes, não surpreende que desenterrem uma palavra de ordem ao mesmo tempo fora de moda e muito atual: "Yankees, go home."
Honra ao mérito desse jovem D. Quixote, herói real num mundo virtual: o ex-técnico da NSA Edward Snowden, que está vivendo em trânsito, atualmente no aeroporto de Moscou, fugindo dos americanos como um criminoso por ter denunciado essa diabólica rede de espionagem eletrônica.
Essa verdadeira invasão de privacidade revolta não apenas nossas autoridades, mas também os cidadãos em geral.
Publicado no Globo

Homenagem a Graciliano Ramos!

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA


CARLOS VIEIRA
A Feira Literária de Parati fez uma homenagem nesse ano a Graciliano Ramos (1892-1953). O “Velho Graça” completaria 150 de existência. Graciliano nasceu na pequena cidade de Quebrangulo, na zona da mata do Estado de Alagoas. Romancista, cronista, contista, jornalista, político e funcionário público. 
Seus romances, Caetés(1925); São Bernardo(1934); Angústia publicado em 1936; Vidas Secas(1938); Infância publicado em 1945; Insônia, publicado em 1947 e Memórias de um cárcere, publicado postumamente, deixaram um acervo literário que canta em prosa as vicissitudes da realidade social do nordeste brasileiro.. Escreve também, um livro belíssimo de Carta de amor à Heloísa, sua esposa, publicado em 1922. Graciliano teve incursão na política, tendo sido Prefeito de Palmeira dos Índios; Secretário de Educação do Governo de Alagoas e Inspetor Federal de Ensino Secundário do Rio de Janeiro. 
Muitos outros dados biográficos poderiam informar mais sobre o nosso escritor, mas o que desejo enfatizar hoje é um aspecto atualíssimo desse nosso ícone da Literatura Brasileira. 
Em seu livro – Linhas Tortas- lançado pela Editora Record, Rio de Janeiro-São Paulo em 2005 ( 21ª.Edição ) , nova edição baseada na primeira, em 1962 pela Editora Martins Fontes, encontram-se belas crônicas. Quero me referir à crônica que nomeia seu livro, “Linhas Tortas”. 
Preocupado com a reforma da Constituição Brasileira, Graciliano desfila uma denúncia por demais atual, uma denúncia ao Poder Político. Tomo a liberdade de citar fragmentos dessa escrita, uma vez que lendo, pareceu-me que o Alagoano já tinha consciência de fatos que até hoje existem em nosso país. 
“A constituição da república tem um buraco. É possível que tenha muitos, mas sou pouco exigente e satisfaço-me com referir-me a um só. 
Possuímos, segundo dizem os entendidos, três poderes – o executivo, que é o dono da casa, o legislativo e o judiciário, moços de recados, gente assalariada para o patrão fazer figura e deitar empáfia diante das visitas. Resta ainda um quarto poder, coisa vaga, imponderável mas que é tacitamente considerado o sumário dos três 
...Aí está o rombo na constituição, rombo a ser preenchido quando ela for revista, metendo-se nele a figura interessante do chefe político, que é a única força de verdade. O resto é lorota... Todos eles são mais ou menos chefes. Não se sabe bem de que, mas é certo que o são. Graúdos, risonhos, nutridos, polidos, escovados, envernizados, lá estão inchando, inchando. São os grossos batráquios da lagoa republicana. 
Muito menos volumosos, coaxam pelos cantos chefitos incolores, numerosos, em chusma, minúsculas pererecas de poças d’água... São, a um tempo, intendentes ou prefeitos, juízes, promotores, advogados e jurados, conselheiros municipais, comissários de polícia e inspetores de quarteirão. Realizam a pluralidade na unidade! 
E ainda há quem duvide do mistério da Santíssima Trindade... 
Ponha-se, pois, o chefe político no galarim e mande-se à fava o resto. Metam-no, honestamente, em letra de forma. Entre ele, triunfante, com armas e bagagens, em nosso magno estatuto. 
Peguemos o chefe político, agitemo-lo no ar e berremos o estribilho com que a imprensa, há tempos, nos anda a amolar – A constituição da república precisa de uma rescisão. In Jornal de Alagoas – Maceió, AL, março de 1915.”
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

O Oscar da Flip

VERISSIMO


Há dias reclamei aqui da pouca atenção dada ao futebol do Oscar, em contraste com a exaltação de outros jogadores da seleção. Os elogios a Neymar etc. não eram descabidos, mas a importância de Oscar não foi reconhecida como, na minha opinião, merecia. Entre parênteses: no texto sobre o Oscar usei, como exemplo de jogador altruísta que joga mais para o time do que para a torcida, o Servílio, acrescentando que não me lembrava qual era seu time, na sua melhor fase. Claro que choveu ajuda para meu cérebro combalido. Servílio foi daquele Palmeiras chamado de "Academia" de tão bom que era, e formava com Tupanzinho uma dupla que rivalizava com a de Pelé e Coutinho no Santos. Fecha parênteses. Coisa parecida com o reconhecimento insuficiente do Oscar aconteceu na Flip deste ano. Sem dúvida a figura mais importante da festa era o Roberto Calasso, mas nem na promoção prévia dos convidados ou no noticiário do evento se deu o devido destaque à sua presença. Calasso foi o Oscar da Flip.
Ele é um daqueles italianos da linha do Umberto Eco (mas bem melhor do que o protótipo), comentaristas culturais que combinam erudição cornucópica com pensamento original e proporcionam uma leitura fascinante para quem tiver paciência com alguns trechos obscuros, quando a erudição e a criatividade se tornam um pouco demais — pelo menos para este cérebro combalido. O romancista e ensaísta Italo Calvino e o crítico literário Franco Moretti são do mesmo time. A obra de Calasso (para ficar só nos livros traduzidos para o português, todos, acho eu, pela Companhia das Letras) incluem "As núpcias de Camdus e Harmonia", um estudo da mitologia grega; "Ka", sobre a mitologia hindu; "K", sobre o Kafka; "As ruínas de Kasch", um longo ensaio sobre a Europa dos séculos dezoito e dezenove concentrado na figura do estadista francês Talleyrand, que conseguiu servir à revolução francesa, a Napoleão e à restauração dos Bourbons sem perder a cabeça ou o prestígio; "Os quarenta e nove degraus" e "Literatura e os deuses". É de Calasso um texto chamado "A loucura que vem das ninfas" que inclui o melhor comentário sobre o "Lolita" do Nabokov já publicado.
Enfim, foi um dos melhores intelectuais que já pisou nas pedras de Paraty sem chamar muita atenção, embora, como Oscar, merecesse todas. A mesa dele foi mediada pelo excelente Manuel da Costa Pinto. Este sabia com quem estava falando.
A figura mais importante da festa era o Roberto Calasso, mas nem na promoção prévia dos convidados ou no noticiário do evento se deu o devido destaque à sua presença.
Publicado no Globo

Só metadados

LUIZ GARCIA


A denúncia de que os Estados Unidos mantêm um sofisticado sistema de espionagem no Brasil, através do acesso ilegal a e-mails e telefonemas, é, sem dúvida, um prato cheio para a presidente Dilma Rousseff. Sendo verdadeira a acusação — e tudo indica que é — cria-se para o governo, e para os partidos políticos em geral, uma esplêndida oportunidade de se manifestar e agir em perfeita consonância com a opinião pública. 
Dilma definiu, e com inteira razão, o comportamento dos EUA — um aliado histórico do Brasil — como uma violação da soberania brasileira e dos direitos humanos. E prometeu uma medida necessária e sensata: apresentar um protesto na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Além disso, anunciou que recorrerá à União Internacional de Telecomunicações, pedindo que garanta a segurança cibernética das comunicações. São as únicas saídas: não seria do nosso interesse uma reação mais severa, como um rompimento de relações ou uma ridícula represália militar. 
O Brasil tem, digamos assim, um peso médio nas Nações Unidas. É suficiente para estabelecer uma discussão do problema na ONU; não lhe faltarão aliados para, pelo menos, constranger o governo americano, forçando-o a dar explicações humilhantes e, quem sabe, uma promessa formal que desativará a espionagem eletrônica. Será, se a diplomacia brasileira agir com severidade e inteligência, uma derrota desagradável, para não dizer humilhante, para Washington. Outros países de peso médio nas Nações Unidas terão uma dupla oportunidade: tanto apoiarem o protesto brasileiro como exigirem que não venham a ser — se é que já não são — vítimas do mesmo tipo de espionagem. 
O governo brasileiro tem duplo interesse no recurso à ONU: tanto conseguir de Washington uma promessa formal de que não faz mais, como descobrir que vantagens ou interesses levaram o governo americano a se interessar tanto pelos e-mails e telefonemas dos cidadãos de um país que é seu aliado histórico.
Pode ser que a tentativa de levar o problema para as Nações Unidas seja frustrada pelos diplomatas americanos: ninguém ignora o prestígio do país mais poderoso do mundo. Por um lado, não faltam aliados de Washington com amizade e dívida que serão obviamente cobradas na ONU. Por outro, certamente não faltam governos, amigos ou não do Brasil, que devem ter forte curiosidade de saber se Washington também tem interesse indevido em seus e-mails e telefonemas. 
A presidente Dilma Rousseff reagiu, até agora, com energia na medida certa. Além da decisão política de recorrer às Nações Unidas, faz bastante sentido o seu pedido à União Internacional das Telecomunicações, solicitando providências técnicas na sua área. Fora isso, só lhe restava esperar a reação de Washington. 
Como em qualquer outra situação parecida, só resta ao governo dos EUA a desagradável tarefa de pedir desculpas e prometer que não faz mais. Por enquanto, só se ouviu a voz do embaixador americano, jurando que o seu país apenas faz o registro de metadados. 
Para quem nunca ouviu falar nisso, como eu, isso significa número de telefones discados, com data, hora e duração da chamada. O que, pelo menos para um leigo, não ajuda muito para garantir a segurança nacional da maior potência do mundo.
Publicado no Globo

A terapia do susto

NELSON MOTTA


Estamos vivendo dias de espanto, com Renan Calheiros se tornando o paladino das forças do bem, ávidas para atender prontamente as reivindicações populares, mesmo cortando na carne do Senado, e com o apoio de Sarney! Estamos dependendo da independência, da grandeza, da integridade e do espírito público do PMDB de Henrique Alves e Eduardo Cunha para evitar desastres armados pelos estrategistas do Planalto e apoiados pelo PT e o PCdoB, como o plebiscito de araque. Que fase! 

Seguindo orientação de Lula, 25 governadores, 37 ministros, a base parlamentar aliada e os movimentos sociais foram recebidos pela presidente, filmados e fotografados, mas não falaram nada e nem foram consultados nas propostas e decisões do governo, só ouviram em silêncio, remoendo sua raiva, frustração e impotência. Os prefeitos pelo menos vaiaram. 

Pela primeira vez na história deste país, prefeitos recebem dinheiro de um governo e vaiam. Mas todo mundo entendeu que eles não querem um jabá, mas negociar democraticamente a distribuição do Fundo de Participação dos Municípios e depender menos do poder imperial de Brasília. Com o povo de suas cidades bufando nos seus cangotes, os prefeitos querem mostrar serviço, como nunca na história deste país. 

Quando 81% dos brasileiros avaliam os políticos como "corruptos ou muito corruptos", para conter sua voracidade, associada a empresários inescrupulosos e funcionários venais, são criados incontáveis mecanismos de controle, e de controle do controle, aumentando o poder da burocracia e atrasando os projetos e investimentos públicos. Criando mais dificuldades para vender novas facilidades, aumentam a corrupção. São mais mãos a serem molhadas, mas o custo é sempre repassado aos consumidores finais: nós. 

Mas o presidente do PT atribui as dificuldades do governo a falhas de comunicação, como se o governo não gastasse mais de um bilhão de reais por ano em triunfais campanhas publicitárias de João Santana vendendo o Brasil Maravilha de Lula e Dilma. Pelo contrário, o governo é vítima de seu excesso de comunicação, contrastado fragorosamente pela realidade das ruas.
Publicado no Globo

Fase de gangorra

LUIZ GARCIA


O Senado votou na semana passada uma questão de visível importância: o destino dos candidatos ao mandato sem votos — ou seja, os suplentes. Derrubou uma prerrogativa, digamos assim, caseira: ou seja, o direito de senadores escolherem parentes como suplentes. E também reduziu de dois para um o número de suplentes de cada senador. Foi um golpe severo no nepotismo — um caso típico e obviamente contrário ao interesse público —, uma ressurreição, em plano mais modesto, do antigo direito dos reis de serem sucedidos pelos filhos. O que — nem é preciso lembrar — não faz sentido em regimes democráticos, que têm como ponto de partida o direito da sociedade de escolher seus representantes pelo voto popular. 

Os senadores decidiram corretamente. Mas, como não é raro, fizeram uma concessão bastante discutível: mantiveram o suposto direito dos suplentes de herdar os mandatos até o fim, em caso de vacância definitiva. Derrubaram com isso a decisão anterior de mantê-los no cargo apenas até as próximas eleições — o que poderia significar menos de um ano. 

Ou seja: transformaram os suplentes em herdeiros de um mandato que não conquistaram nas urnas em vez de simples substitutos eventuais e provisórios. O que é precisamente o que significa a expressão "suplente". 

Deve-se reconhecer que o Senado não vive, digamos assim, os seus melhores dias — que já teve, não poucas vezes, na defesa do regime democrático que vivemos hoje. Há mais dois exemplos: na semana passada, mais uma vez foi adiada — e não pela primeira vez — a proposta de emenda constitucional que elimina o foro privilegiado para deputados e senadores, e também foi suspensa a instalação do grupo de trabalho que discutirá a reforma política, pelo motivo menor de que dois petistas disputam a coordenação do trabalho. 

A decisão sobre os suplentes merece óbvios aplausos. Mas eles não nos deixam esquecer que o índice de eficiência do órgão mais importante do Legislativo está, nestes dias, abaixo do nível que o país merece e precisa. Na mais generosa hipótese, está numa fase de gangorra: com altos e baixos.
Publicado no Globo

Apoiando o Uruguai na regulação da maconha

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Há dois anos, em minha qualidade de presidente da Comissão Global de Política sobre Drogas, realizei um chamado público pela descriminalização do consumo de drogas e pela experimentação com modelos de regulação legal. Eu e meus colegas fizemos este chamado a partir do reconhecimento de que o proibicionismo fracassou em muitos níveis. Por tempo demais, o modelo repressivo implicou o desperdício de recursos públicos inestimáveis, que pouco resultado proporcionou para a segurança e a saúde públicas. 
Assim, apoiamos a busca de modelos de regulação legal porque acreditamos que reduzirão o poder do crime organizado e ajudarão a proteger a saúde e a segurança das pessoas. Por este motivo, acho que a proposta do Uruguai de regular a maconha é digna de consideração. 
Uma série de fatores leva a concluir sobre a necessidade de um controle regulatório no Uruguai e em muitas outras localidades do mundo. Um fato relevante é que, no modelo repressivo, os usuários estão vinculados ao mercado criminoso. Essas pessoas são efetivamente conduzidas a um mercado ilícito que não impede a venda de drogas a menores de idade, não se preocupa com indivíduos que desenvolvem o uso problemático ou certifica a qualidade sanitária da substância, envolvendo a cadeia de uso em um contexto de violência e delinquência. 
Estes são apenas alguns dos riscos para as pessoas que fazem uso de maconha. Porém, o próprio mercado gera preocupações adicionais. 
O lucro deste mercado sustenta uma economia informal, cujo alcance pode ser apenas estimado. Os informes oficiais indicam que o tamanho do mercado de maconha no Uruguai gira em torno dos US$ 30 a US$ 40 milhões por ano. Quanto deste dinheiro é utilizado para corromper as forças de segurança ao largo das fronteiras dos países de origem da droga? Quanto deste dinheiro é utilizado para subornar a polícia ou é "lavado" através de instituições financeiras? E quanto acaba sendo empregado na compra de armas e financiamento de quadrilhas criminosas? 
Tais preocupações não são derivadas do consumo de drogas, mas consequências de uma política que ignora as condições do mundo real. 
A proposta de regulação que se discute no Uruguai não parece centrar esforços na geração de lucros, mas na promoção da saúde e segurança públicas. Também é evidente que essa proposta possa significar uma soma pela subtração: simplesmente retirar recursos do crime organizado seria um benefício em si mesmo. 
Como em qualquer lugar do globo, a transformação interna na política sobre drogas gera controvérsia, simpatizantes e antagonistas. No Uruguai, diversas organizações sociais e personalidades públicas consolidaram seu apoio à plataforma "Regulación Responsable", que tem por objetivo enriquecer o debate cidadão com dados reais e tornar visível o apoio à iniciativa de regulação da maconha. Com muito entusiasmo, saúdo o compromisso da cidadania uruguaia e com satisfação declaro publicamente minha adesão a Regulación Responsable.
A proposta de regulação que se discute no Uruguai não parece centrar esforços na geração de lucros, mas na promoção da saúde e segurança públicas.
Publicado no Globo de hoje. Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, ex-presidente da República. Este artigo foi escrito para o grupo de jornais associados ao GDA.

Pompa e circunstância

ZUENIR VENTURA


É provável que tenha sido um dos casamentos mais caros do ano, R$ 2 milhões, e o mais inadequado para o momento em que a onda de protestos teve como motivação inicial o alto preço e a má qualidade dos transportes públicos. É que o avô da noiva, Jacob Barata, é ninguém menos que o empresário conhecido no Rio como Rei dos Ônibus, e o pai do noivo, o ex-deputado Francisco Feitosa, é seu sócio em negócios no Ceará. A união do poder econômico, a pompa ostensiva e algumas infrações soaram como deboche: os dois Mercedes que conduziam os pais e padrinhos dos nubentes, por exemplo, carregavam 22 multas e permaneceram duas horas estacionados debaixo da placa "proibido estacionar". Assim, antes da cerimônia, na entrada da Igreja do Carmo, no Centro da cidade, cerca de 100 "espectadores" organizaram protestos, mas pacíficos e bem-humorados. Além de cartazes gozando o acontecimento — "Uuuuu, todo mundo pra Bangu"; "Hahaha, o noivo vai broxar" —, um casal encenava uma paródia em que ela de branco, véu e grinalda, oferecia baratas de plástico em bandeja. A polícia manteve distância e não precisou intervir.
A recepção no Copacabana Palace, porém, degenerou. Enquanto os manifestantes vaiavam os que iam chegando, alguns convidados de dentro do hotel revidavam lançando cédulas de real. Até que alguém jogou da sacada um cinzeiro na cabeça do jovem Ruan Martins do Nascimento, que estava protestando. Ferido, ele foi levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde recebeu seis pontos. O principal acusado da agressão, reconhecido pela vítima, é o sobrinho-neto de Barata, Daniel, de 18 anos, que nega, assumindo apenas como erro ter jogado um aviãozinho feito de R$ 20 sobre os que estavam lá embaixo.
Para agravar a situação, faltava um personagem, que ultimamente tem estado presente em todas as ocorrências desse tipo: a Tropa de Choque, que chegou exibindo toda a sua truculência. Embora o ato de violência tivesse partido de dentro da festa, não dos que protestavam do lado de fora, os PMS desembarcaram espalhando spray de pimenta e apontando seus fuzis com bombas de efeito moral contra os manifestantes. Pelo menos dessa vez não jogaram gás lacrimogêneo no interior de clínica médica, como na semana passada. Por que tanto despreparo?
Ontem, o secretário de Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira, reconheceu os excessos da polícia, prometeu punição e disse que o governo vai criar cursos de aperfeiçoamento e capacitação para os PMs. Ótimo. Mas alguma providência mais urgente precisa ser tomada para disciplinar as tropas que estão saindo às ruas.
Embora o ato de violência tivesse partido de dentro da festa, não dos que protestavam do lado de fora, os PMS desembarcaram espalhando spray de pimenta e apontando seus fuzis.
Publicado no Globo

Manter a ordem

LUIZ GARCIA


É muito fácil falar mal da polícia, aqui e na maioria dos países — mesmo nos mais adiantados, com a possível exceção de democracias tranquilas, tipo Suíça ou Noruega. 
Em geral, quem reclama e se queixa é a opinião pública — da qual a imprensa é, ou tenta ser, porta-voz tão fiel quanto eloquente (ou, na opinião de alguns, simplesmente barulhento). É por isso notável o comportamento do nosso governo estadual, a propósito da reação da PM às manifestações populares de dias recentes. 
É indiscutível que, por mais justa que fosse a causa, a rapaziada caiu na bagunça. Talvez seja mais correto dizer que, no meio de uma manifestação legítima e em boa causa, havia grupos que perderam o controle, se é que já não saíram de casa sem ele. E seu comportamento obviamente prejudicou a visão da opinião pública sobre um protesto absolutamente legítimo. Não é fácil, para os legítimos líderes dos eventos, evitar que isso aconteça — mas devem ter essa preocupação, evitá-lo tanto quanto possível. 
A ação dos policiais, embora legítima na sua origem e na sua intenção, foi prejudicada, na opinião pública, pela falta de controle de alguns deles. Principalmente no caso de uma moça de 26 anos, atingida por uma bomba lançada por um PM, que lhe causou a perda da visão num olho. 
É notável — e raro — que as autoridades tenham reconhecido que os policiais reagiram com força excessiva. Talvez seja necessário incluir na formação de policiais a consciência de que a energia usada na repressão a criminosos profissionais não pode ser a mesma empregada no restabelecimento da ordem em protestos legítimos de cidadãos. 
Pode ser possível — na verdade, indispensável — incluir, na formação dos nossos PMs, a consciência de que deve haver uma nítida diferença entre o combate a bandidos e a manutenção da ordem no caso de manifestações de reivindicação ou protesto de cidadãos honestos. É provável ou talvez inevitável que, nesta segunda hipótese, baderneiros ou mesmo criminosos profissionais entrem em ação. 
Cabe à polícia — e reconhecemos que não é muito fácil, às vezes quase impossível — distinguir uns de outros. Manter a ordem já não é simples; restabelecê-la, bem mais complicado. 
Mas não custa lembrar que também é dever e interesse dos manifestantes legítimos fazerem o possível para não serem confundidos com baderneiros, amadores ou profissionais.
Publicado no Globo 

A saga de Ulysses Guimarães



Sinopse

"A História de Mora" engloba uma série de episódios ocorridos em torno de um ícone da política brasileira no século 20: Ulysses Guimarães. Figura central no processo de democratização do país, no livro do jornalista Jorge Bastos Moreno traz momentos históricos decisivos e trágicos da trajetória do deputado e constituinte são contados por um narrador especial, que a tudo vê com olhos de esposa, dona Ida Malani de Almeida, carinhosamente apelidada de Mora.
A visão feminina faz toda a diferença. No meio de uma às vezes terrível luta política entre homens, o livro apresenta um olhar marginal no melhor sentido do termo, um olhar cheio de afeto e sentimento, mas também perspicaz como só uma mulher sabe ser. Ou, nas palavras do antropólogo Roberto Da Matta, que assina a introdução da obra, "Mora observava tudo tirando dos fatos a sua participação como um ator fora do proscênio e, com isso, filtrava e desvestia os acontecimentos da aura da sacralidade e segredo que tipificam o mundo político, no caso do Brasil e o mundo em geral"

Coluna Nhenhenhém


Campos: 'Volta, Lula' é fardo
Eduardo Campos lembrou a Lula que o processo eleitoral de 2014 começa agora em setembro, quando se esgota o prazo para mudança de partido. 
Aí então, Campos já saberá onde terá palanques para as eleições presidenciais. Se tiver um número mínimo de dez estados, ele se sentirá confortável para definir sua candidatura. Mas só a anunciará em janeiro, no Congresso do PSB. 
Sem rodeios, mas com elegância, o governador acusou o ex-presidente de ter antecipado em um ano o debate sucessório quando lançou a reeleição da Dilma. 
— Você sabe por que eu fiz isso. Foi para conter o movimento interno do "Volta, Lula" no momento em que a Dilma estava bem nas pesquisas. Mas, agora, com a queda de popularidade, o movimento cresceu. 
Mesmo percebendo que a conversa caminhava para a reafirmação do apoio a Dilma, Campos exorcizou: 
— É tiro no pé, atestado de incompetência política. Sua candidatura já nasceria com esse fardo, presidente.
Sem saída
O governador, em dialeto pernambucano, falou ao conterrâneo do "desmantelo" que provocaria uma suposta desistência sua. 
Com outras palavras, disse que, se a Dilma for para o segundo turno, o PT vai precisar dele. Se for ele para o segundo, o PT vai precisar dele ainda mais, para preservação e aperfeiçoamento do projeto de governo do campo progressista a que pertencem os dois partidos.
ET
Não mais que de repente, Brasília, por algumas horas, virou uma espécie de Varginha (MG): a via-sacra de Serra pelos gabinetes do Senado. 
Como a criançada faz com ele nas campanhas, segui os passos daquele simpático, mas assustador, extraterrestre e consegui reconstruir o que de mais importante disse aos senadores que visitou.
Aí tem
Primeiro, Serra, nas conversas, tentou desconstruir a presidente. Disse que hoje a Dilma "está reduzida a pó" e que ele não sabe nem se ela termina o mandato. 
Depois, esclareceu que estava em Brasília por questões estritamente pessoais. 
O ex-governador deixou seus interlocutores apavorados e preocupados. 
Todos agora querem saber que motivos pessoais levariam o desalmado à capital do país. 
Façam suas apostas, senhores!
Fofos
No clima de exacerbação total dos ânimos populares contra os políticos, soa quase como um elogio a forma como o vice de Cabral é tratado nas faixas dos protestos. 
Ou ninguém vê diferença entre o "Fora, Cabral!" e o "Vaza, Pezão!"?
Amor
Impressionou-me, na visita que fiz à prefeitura de São Paulo, o esbanjamento de elogios do Fernando Haddad aos tucanos FH e Alckmin. 
O desprezo do alcaide a José Serra só é comparável ao do Serra por ele.
Pecadores
Apesar do vapt-vupt da viagem para ver o Papa, Dilma levará na bagagem duas malas pesadas: Renan e Alves. 
Mas, para chegar perto de Sua Santidade, os dois impuros terão que antes confessar seus pecados, mas sem direito a comunhão.
No ar
Justiça se faça. Desde Sarney até hoje, ministros de São Paulo sempre voltaram para casa no mesmo jatinho da FAB. 
Ontem, por exemplo, Cardozão teve que se sentar ao lado da sua colega Eleonora Menicucci. 
É que só havia os dois no voo.
Ira
A entrevista de Henrique Alves a Fernando Rodrigues defendendo a extinção de 14 ministérios tirou o humor da Dilma. 
A presidente só voltou ao normal quando um assessor sugeriu-lhe responder que só faria a reforma administrativa do governo se pudesse começar pelo Dnocs, o parque de diversão da família Alves.
Armação
Agora em setembro, ou dezembro, ou janeiro, não importa a data, o fato é que Dilma muda ministros, mas não reduz o número de ministérios. 
Claro, tudo o que interessa a "Coisa-Ruim" et caterva não interessa ao país.
Boato
O PMDB se prepara para romper com a Dilma. Dizem que é sério. É crer para ver!
Publicada no Globo

Anitta, a preparada da vez


  • Como uma ex-cantora de igreja foi transformada no fenômeno da vez, repetindo uma velha fórmula no país


Do primeiro vídeo na internet aos primeiros lugares das paradas de sucesso do Brasil, foram apenas três anos para Anitta
Foto: Mônica Imbuzeiro
Do primeiro vídeo na internet aos primeiros lugares das paradas de sucesso do Brasil, foram apenas três anos para Anitta Mônica Imbuzeiro
RIO - Um mês, em tempo de Anitta, é quase uma eternidade. Há menos de duas semanas, a cantora carioca de 20 anos lançou “Anitta”, seu álbum de estreia. O disco estava programado para sair em setembro. Mas, com o estouro da música “Show das poderosas” — alçada ao primeiro lugar das paradas de sucessos do país há cerca de dois meses e ainda entre as três mais tocadas — e a velocidade com que sua carreira foi ganhando vulto, o disco teve que ser antecipado. Numa das cada vez mais raras brechas entre apresentações e aparições promocionais na TV, Anitta conversou com o GLOBO sobre o disco, que está no topo da lista dos mais vendidos do país, com 40 mil cópias comercializadas (até sexta-feira). Se o processo não tivesse sido tão corrido, ela diz que teria feito diferente no disco.

Três anos atrás, por sinal, alguns hão de lembrar, Anitta nem Anitta era. Era Larissa de Macedo Machado, estudante do bairro de Honório Gurgel, que cantava na igreja e fazia dança de salão. O cabelo ainda era crespo, o nariz, um pouco menos afinado, e o corpo menos exuberante, então sem próteses de silicone. Um vídeo seu no YouTube, com um cover da música “Soltinha”, da cantora Priscila Nocetti (estrela da Furacão 2000) foi visto por um dos produtores da equipe de som, o DJ Renato Azevedo, conhecido como Batutinha. Ele a chamou para um teste para ver se de fato sabia cantar. Depois, conferiu como ela se saía no palco. E ficou impressionado com a habilidade da cantora e das amigas no stiletto — modalidade de dança em cima de salto alto, popularizada pela estrela americana Beyoncé. Na mesma hora, resolveu trabalhar com ela.— Eu pensava em uma coisa muito inovadora, chocante. Mas não posso falar o que é, porque eu vou usar essa ideia em outra situação! — conta a moça. — Mas aí a gravadora me abriu os olhos para uma coisa: aqui no Rio, eu posso até estar no cenário há muitos anos (três, na verdade), mas para o resto do Brasil estou começando. O pessoal ainda não tem essa imagem da Anitta.
É uma velha história na música brasileira. Em 1977, o produtor argentino Santiago Malnati, o Mister Sam, viu no programa de calouros de Silvio Santos uma cantora com um belo par de glúteos chamada Maria Odete. Foi atrás dela e se ofereceu para transformá-la em estrela. Só achava que o nome não ajudava. A cantora se lembrou do filme “Aleluia, Gretchen”, que fazia sucesso nos cinemas, e assim nasceu a primeira estrela da música calipígia brasileira, dos hits “Conga, conga, conga” e “Freak le boom boom”. Gretchen vendeu milhões de discos, sumiu e depois virou figura cult, entre participações em filmes pornô e shows em boates GLS.
— A Anitta é um conjunto. A música, a voz, a dança, o carisma e o show — diz Batutinha, que, assim como Mister Sam, convenceu sua pupila a pensar em um nome artístico.
E Larissa, fã da minissérie “Presença de Anita”, tinha uma boa sugestão para dar.
— A Anita tinha um mistério que despertava a curiosidade de homens, mulheres, de todo mundo. Era só uma menina, mas, ao mesmo tempo, era uma mulher. Brincalhona, sexy, mas não vulgar. Eu gostava dessa brincadeira — conta a cantora, que acatou a ideia de Batutinha de dobrar o T do nome.
Da mesma forma que a dança ajudou Anitta a se destacar, ela ajudou Carla Perez. A bailarina do grupo baiano de axé É o Tchan (ex-Gera Samba) foi parte fundamental (e muito planejada), com suas coreografias de grande apelo sexual e a força de sua imagem loura cheia de curvas, para que o grupo vendesse milhões de discos a partir de 1995. E a safra de bibelôs na música brasileira seguiu, em 1999, com Tiazinha, personagem que atuava como assistente de palco do “Programa H”, de Luciano Huck. Interpretada pela atriz e dançarina Suzana Alves, ela chegou a lançar um disco, pop dançante, com músicas de Vinny e Reginaldo Rossi. Hoje, tanto Carla quanto Suzana estão afastadas da música — e do sucesso.
Carência no mercado
Anitta, porém, tem mais afinidades com uma geração posterior de “preparadas”, que se iniciou há cerca de dez anos, quando a cantora Kelly Key surgiu com a música “Baba” (“baba, olha o que perdeu/ baba, a criança cresceu/ bem feito pra você, agora eu sou mais eu/ isso é pra você aprender a nunca mais me esnobar”). Hoje, a cantora se dedica à atividade de jurada no programa “Ídolos kids”, da TV Record.
— A Kelly introduziu a coisa da mulher com discurso forte, mas não deu continuidade nisso. A Perlla (do sucesso “Tremendo vacilão”, de 2006, hoje gravando discos para o segmento gospel) absorveu o vácuo que ela deixou no mercado. Mas quando a Perlla saiu de cena, ficou um buraco muito grande que, aos poucos, virou carência — analisa o produtor e compositor Umberto Tavares, que trabalhou com as duas cantoras e que, junto com o parceiro Mãozinha, cuidou da produção do álbum de Anitta.
Umberto e Mãozinha chegaram à cantora pelas mãos de Kamilla Fialho, 32, ex-empresária do cantor Naldo. Ela resolveu comandar a carreira de Anitta no ano passado após vê-la num show.
— Ela era diferente — conta Kamilla, que então descobriu que Anitta também sabia compor.
As primeiras músicas da cantora, “Vou ficar”, “Fica só olhando” e “Proposta” foram feitas por Batutinha, a partir de ideias dadas por ela.
— Depois, sozinha, fiz “Menina má” — diz Anitta. — Eu nem me achava boa compositora. Aí um produtor pegou a voz que eu tinha deixado em estúdio, produziu a faixa, e ela estourou. Só não sabia se eu conseguiria fazer outra música boa.
Vídeo em Las Vegas
Kamilla Fialho investiu pesado na carreira de Anitta. Ao contratá-la, em junho do ano passado, pagou a multa de R$ 260 mil que a Furacão 2000 exigia para liberá-la. Depois, montou um espetáculo com músicos e bailarinos, cuidou das mudanças de imagem da cantora (roupas, cabelo e plástica no nariz) e ainda gastou mais R$ 40 mil na gravação de um clipe de “Meiga e abusada”, a primeira faixa que Anitta produziu com Umberto Tavares e Mãozinha. O vídeo foi gravado em outubro, em Las Vegas, com direção do americano Blake Farber, que já trabalhara com Beyoncé. Com ele, a cantora virou sensação na internet.
Aos poucos, as grandes gravadoras começaram a cortejar Kamilla atrás do passe de Anitta. Ela conta que passou o mês de dezembro “enrolando” duas delas, até se decidir pela Warner, com a qual assinou contrato em janeiro.
— É necessário pulverizar a Anitta pelo país — diz Kamilla.
— O que eu tinha visto dez anos antes com a Kelly Key agora estava ali, mais desenvolvido — conta o diretor artístico da Warner Wagner Vianna. — A Anitta tem personalidade.
A produção do álbum começou em fevereiro, com um pequeno problema: mesmo juntando todas as músicas da cantora, elas não enchiam um CD. O jeito foi reservar alguns dias de estúdio para Anitta compor com a equipe de produção.
— A galera ficou sem dormir algumas noites. A Anitta deu muita opinião, mas não foi complicado — avalia Wagner.
Nisso, ela fez, sozinha, as músicas “Show das poderosas” e “Tá na mira”. A Warner preferiu a segunda e quis lançá-la como single. Anitta bateu o pé.
— Eu tinha certeza de que o “Show das poderosas” seria um estouro. “Tá na mira” é muito boa. É para mulheres, homens, gays... Mas não acho que era aquela música que até criança iria cantar. O “Show” é — diz.
Cenário internacional
Deu no que deu. O sucesso da canção pôs Anitta em outro patamar pop. Hoje ela viaja sem parar, com diferentes espetáculos. Um deles, o Clube da Anitta (“para o público AAA”, diz Kamilla), reúne oito bailarinos e ingressos a R$ 300. Há ainda o Show das Poderosas, para grandes palcos, com 15 bailarinos, três cenários, quatro trocas de roupa. E o Camarote da Anitta, em que o público pode vê-la retocando a maquiagem.
Em janeiro, ela grava um DVD. E Kamilla já planeja sua carreira internacional, começando por Portugal.
— Eu quero inovar a cada dia, mostrar para as pessoas que não vim para ir embora daqui a pouco. Há um ano, a gente já tinha as ideias que está botando em prática — diz a “poderosa”.

em http://oglobo.globo.com/cultura/anitta-preparada-da-vez-9110966#ixzz2ZjsFmGu8 
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