domingo, 21 de julho de 2013

Primeiros passos




A tese de doutorado do engenheiro de computação Guilherme Nunes Nogueira Neto
 é dedicada integralmente aos voluntários anônimos que colaboraram com suas 
investigações. A esperança destes pacientes, alimentada pela expectativa imposta 
por suas próprias condições de vidas, marcou os testes conduzidos pelo pesquisador 
da Unicamp. Ele, porém, teve de se manter firme à realidade, frustrando, algumas vezes, 
os sonhos destas pessoas.
“Uma pergunta emblemática que o lesionado medular faz quando chega ao nosso
 laboratório é: ‘escuta, mas eu ou voltar a caminhar?’ Infelizmente, temos de deixá-lo
alerta quanto à realidade do problema, explicando que, inicialmente, é só um exercício.
Mas, no fundo, eu acredito que a estimulação elétrica neuromuscular tenha perspectivas
 futuras”, prevê Guilherme Nogueira.
O seu doutorado foi defendido no início deste ano junto à Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. A proposta do trabalho consistiu em
viabilizar um sistema automático de estimulação elétrica para lesionados medulares,
empregando uma nova técnica de controle motor.
“Nós já conseguimos, em ambiente de laboratório, que alguns pacientes fiquem de pé,
apoiados em barras. Agora, o próximo passo é fazer com que eles deem alguns passos
para que possamos monitorá-los. Existe toda a possibilidade que isso aconteça por meio
 da estimulação elétrica. O grande problema é sempre a etapa fora do laboratório, ou
 seja, fazer com que isso se transforme num sistema no qual os voluntários usem na rua,
em casa, no dia a dia”, reconhece.
O principal ganho do sistema de estimulação elétrica neuromuscular é o benefício à
qualidade de vida dos pacientes, embora ainda não seja possível recuperar os movimentos
 naturais perdidos pela lesão. As investigações podem, no entanto, auxiliar no
 desenvolvimento de novas terapias que permitiriam a realização dos sonhos dos
 lesionados.
O sistema elaborado pelo pesquisador da Unicamp restaura, artificialmente, as funções
perdidas pela musculatura, que ficaram inativas, muitas vezes, por longo período. O
 diferencial é o monitoramento e controle automático dos movimentos por meio da
 mecanomiografia, grandeza mecânica responsável por registrar a vibração dos músculos
em contração.
O estudioso afirma que os exercícios utilizando a estimulação elétrica neuromuscular
previnem uma série de acometimentos comuns aos lesionados medulares, como má
 circulação sanguínea, incontinência urinária e intestinal, osteoporose, úlceras, trombose,
 embolia pulmonar, entre outros. “O sistema traz benefícios do ponto de vista fisioterapêutico
e fisiológico, podendo auxiliar médicos, clínicas de fisioterapia, além de pesquisadores que
trabalham na área”, garante o engenheiro da computação.
De acordo com ele, o método funciona por meio de um equipamento controlado por um
software. O trabalho é resultado de parceria entre a Unicamp e a Pontifícia Universidade
 Católica do Paraná (PUCPR), da qual Guilherme Nogueira é docente. O pedido de patente
 já foi requerido junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
A orientação da pesquisa de Nogueira coube à docente Vera Lúcia da Silveira Nantes
Button, do Departamento de Engenharia Biomédica da FEEC. O professor Percy Nohama,
que atua na PUCPR e na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), coorientou
 o estudo. Houve financiamento parcial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
 e Tecnológico (CNPq).
O pesquisador da Unicamp informa que os ensaios com voluntários lesionados e hígidos
 (não lesionados), ambos sem treinamentos prévios, foram realizados no Laboratório de
Engenharia de Reabilitação (LER) da PUCPR e na Associação dos Deficientes Físicos do
 Paraná (ADFPR). Os testes foram divididos em quatro etapas.
SISTEMAS DE CONTROLE
A estimulação elétrica neuromuscular tem auxiliado lesionados medulares a contornar
 as dificuldades impostas pela perda de movimentos. Os estímulos elétricos de baixa
 intensidade ativam a musculatura, permitindo a realização de movimentos funcionais
durante os exercícios.
A técnica necessita, porém, de sistemas de controle artificiais devido à perda, pela
lesão medular, do controle motor natural daquele membro. Fenômenos como a fadiga
muscular também comprometem os movimentos realizados pela estimulação elétrica,
complementa o engenheiro da computação.
“A constituição muscular dos lesionados é diferente da nossa. Portanto, a capacidade
de sustentar uma posição, mesmo que artificial, para eles é bem difícil. A musculatura é
mais fraca. A perda de desempenho por conta destes fatores é um dos problemas que
a estimulação elétrica neuromuscular enfrenta”, expõe Guilherme Nogueira.
É neste sentido que os sistemas de controle vêm sendo estudados e aperfeiçoados,
situa o pesquisador. “A ideia do nosso trabalho foi usar uma nova estratégia como
sistema de controle, capaz de acompanhar, indiretamente, as condições metabólicas
e fisiológicas da musculatura durante o exercício. Existem algumas técnicas clássicas,
como o acompanhamento de lactato e a utilização da eletromiografia, procedimento
mais convencional empregado para monitorar as contrações musculares”, explica.
ALTERNATIVA
A inovação da pesquisa, assegura Guilherme Nogueira, foi utilizar outra técnica que
 permitisse um monitoramento mais eficiente. “A estimulação elétrica é uma grandeza
elétrica, assi
m como a eletromiografia. Desenvolvemos um primeiro sistema a partir da eletromiografia,
mas ele não era rápido suficiente. Por se tratar das mesmas grandezas, um sinal interferia
no registro do outro. A ideia foi partir para uma alternativa, usando a mecanomiografia,
 que monitora a grandeza mecânica”, justifica.
Com a mecanomiografia, não há interferência do estímulo elétrico no sinal mecânico.
“Nos sistemas convencionais, a leitura do sinal pela eletromiografia é realizada nos
 intervalos, ou seja, quando não se aplica a estimulação elétrica. É o chamado sinal
residual. Não é um sinal completo porque a grandeza é a mesma. Já com a mecanomiografia,
 a vantagem seria poder aplicar a estimulação elétrica monitorando o sinal motor durante
 todo o tempo, que passa a ser integral”, compara.

O sinal motor inserido em um sistema automático permite, conforme o estudioso da
Unicamp, antecipar o momento crítico da perda de desempenho, causado, por exemplo,
 pela fadiga muscular. Além disso, seria possível traçar objetivos mais claros para as
 sessões de treinamento, determinando, assim, a angulação do movimento.
“O sistema de controle se responsabiliza, automaticamente, para que a perna vá até
determinado grau e diminua. Seria possível, inclusive, desenvolver um programa de
 biofeedback, que forneceria informações importantes para que os próprios pacientes
 desenvolvam melhorias nas suas terapias”, acrescenta Nogueira.
ACEITAÇÃO E APRIMORAMENTOS
A aceitação do uso dos sistemas de estimulação elétrica neuromuscular ainda é uma
 barreira, admite o investigador da Unicamp. “A quantidade de cabos pode, por exemplo,
 causar certa rejeição por parte do paciente. E, de fato, isso é compreensível”, reconhece.
Guilherme Nogueira revela que novas técnicas de imagens cinemáticas já vêm sendo
testadas para tornar o uso da estimulação elétrica mais aceitável aos pacientes. “O
objetivo é tentar registrar o ângulo articular por uma câmera para reduzir a quantidade de
cabos. A ideia é fazer com que o voluntário se sinta mais ele”.
Publicações
KRUEGER-BECK, E. et al. Mechanomyographic response during FES in healthy and paraplegic subjects. In: ANNUAL INTERNATIONAL CONFERENCE PROCEEDINGS OF THE IEEE ENGINEERING IN MEDICINE AND BIOLOGY SOCIETY, 2010, Buenos Aires. Anais… Buenos Aires: IEEE, 2010. p. 626-629.
KRUEGER, E. et al. Analysis of functional electrical stimulation parameters by muscular contraction time and knee joint angular variation. Biomedical Engineering Letters, v. 3, n. (in press), 2013. NOGUEIRA-NETO, G. N. et al. Triaxial mechanomyography of the biceps brachii muscle during sustained submaximal isometric contractions. In: IFMBE PROCEEDINGS WORLD CONGRESS ON MEDICAL PHYSICS AND BIOMEDICAL ENGINEERING, 2009, Munich, Germany. Anais… Munich, Germany: Springer, 2009. p. 1502-1505. NOGUEIRA-NETO, G. N. et al. Sistemas implantáveis de estimulação elétrica funcional para controle artificial de movimentos funcionais.
Revista Brasileira de Engenharia Biomédica, v. 26, n. 2, p.121-142, 2010.
SCHEEREN, E. M. et al. Investigation of muscle behavior during different functional electrical stimulation profiles using mechanomyography. In: ANNUAL INTERNATIONAL CONFERENCE OF THE IEEE ENGINEERING IN MEDICINE AND BIOLOGY SOCIETY, 2010, Buenos Aires. Anais… Buenos Aires: IEEE, 2010. p. 3970-3973.
Tese: “Viabilidade do emprego de mecanomiografia no controle motor artificial em lesados medulares empregando estimulação elétrica neuromuscular”
Autor: Guilherme Nunes Nogueira Neto
Orientadora: Vera Lúcia da Silveira Nantes Button
Coorientador: Percy Nohama
Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
Financiamento parcial: CNPq

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