domingo, 15 de setembro de 2013

Os piores sempre chegam ao poder


ze-dirceu-lula-dilma-607x387.jpgQual é a definição técnica de estado?  O que uma instituição deve ser capaz de fazer para ser classificado como um estado? 
Essa instituição deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos entre os habitantes de um dado território sejam trazidos a ela para que tome a decisão suprema ou para que dê sua análise final.  Mais ainda: deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos envolvendo ela própria sejam decididos por ela ou por seus funcionários.
Implícito no poder que esse agente tem de proibir todos os outros de agirem como juiz supremo está, como a segunda característica definidora de um estado, o poder de tributar: para determinar unilateralmente o preço que aqueles que recorrem à justiça devem pagar por seus serviços.
Baseando-se nessa definição de estado, é fácil entender por que existe um desejo de se controlar um estado.  Pois quem quer que detenha o monopólio da arbitragem final dentro de um dado território pode fazer as leis.  E aquele que pode legislar, inclusive em causa própria, pode também tributar.  Certamente, essa é uma posição invejável.
A partir do momento em que passa a existir uma instituição que detenha o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito, então consequentemente essa instituição também irá definir quem está certo e quem está errado em casos de conflito em que os próprios membros desta instituição estejam envolvidos. Ou seja, ela não é apenas uma instituição que decide quem está certo ou errado em conflitos entre terceiros, mas ela também é a instituição que irá decidir quem está certo ou errado em casos em que seus próprios membros estejam envolvidos.
Uma vez que você percebe isso, então se torna imediatamente claro que tal instituição não apenas pode, por si mesma, provocar conflitos com cidadãos comuns para em seguida decidir a seu favor quem está certo e quem está errado, como também pode perfeitamente absolver todos os seus membros que porventura tenham sido flagrados em delito.  Isso pode ser exemplificado particularmente por instituições como o Supremo Tribunal Federal.  Se um indivíduo incorrer em algum conflito com uma entidade governamental, ou se algum membro do aparato estatal for flagrado em delito, o tomador supremo da decisão — aquele que vai decidir sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que nada mais é do que o núcleo da própria instituição que está em julgamento.
Assim, é claro, será fácil prever qual será o resultado da arbitração desse conflito: o estado sempre estará certo.  Consequentemente, é fácil perceber a falácia fundamental presente na construção de uma instituição como o estado.
Murray Rothbard certa vez descreveu o estado como uma gangue de ladrões em larga escala. E se você observar bem verá que há um vasto esforço de propaganda feito pelo estado e por aqueles em sua folha de pagamento — ou por aqueles que gostariam de estar em sua folha de pagamento — para nos convencer de que é perfeitamente legítimo que uma organização essencialmente parasítica viva à nossa custa mantendo um alto padrão de vida, que ela nos mate (com sua polícia despreparada), que ela nos roube com seus impostos, que ela nos convoque compulsoriamente para o serviço militar e que ela controle totalmente nosso modo de vida.
A motivação fundamental daqueles que defendem o estado é saber que, uma vez dentro da máquina pública, eles terão acesso a gordos salários, empregos estáveis e uma aposentadoria integral. Aqueles que estão fora do serviço público defendem o estado por saber que ele lhes dará vantagens em qualquer barganha sindical. Além desses cidadãos, há também empresários que defendem o estado. Estes estão pensando em subsídios e garantias governamentais, contratos polpudos para obras públicas e no uso geral do governo para alimentar seus amigos e enfraquecer seus concorrentes. O estado, para eles, é garantia de riqueza.
Em todo e qualquer lugar, o estado sempre se resume a ganhar à custa de outros. Não houve qualquer avanço nessa realidade. Podemos mudar as definições e alegar que, porque votamos, estamos nos governando a nós mesmos. Mas isso não altera a essência do problema moral do estado: tudo que ele tem e arrecada, ele adquire por meio da coerção e intimidação de cidadãos inocentes.
A insustentável defesa do estado
O mais sofisticado argumento em favor do estado deve ser brevemente examinado.  Desde Hobbes, este argumento tem sido repetido incessantemente.  Funciona assim: no estado natural das coisas, antes do estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos permanentes.  Todos alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras intermináveis.  Não há como sair dessa situação instável por meio de acordos; pois afinal quem iria fazer cumprir esses acordos?  Sempre que a situação se mostrasse vantajosa, um ou ambos os lados iriam quebrar o acordo.  Logo, as pessoas reconheceram que há somente uma solução para o desideratum da paz: o estabelecimento, por consentimento, de um estado — isto é, de uma entidade externa e independente, que assumiria a função de fiscal e juiz supremo.
Porém, se essa tese está correta, e os acordos requerem um fiscal externo que os torne vinculantes, então um estado criado por consentimento nunca poderá existir.  Pois, para fazer cumprir o próprio acordo do qual resultará a formação de um estado (tornar esse mesmo acordo vinculante), um outro fiscal externo, um estado anterior, já teria de existir.  E para que esse estado tenha podido existir, um outro estado anterior a ele deveria ter sido postulado, e assim por diante, em uma regressão infinita.
Por outro lado, se aceitarmos que estados existem (e é claro que eles existem), então esse próprio fato contradiz a história hobbesiana.  O estado em si surgiu sem a existência de qualquer fiscal externo.  Presumivelmente, na época do suposto acordo, nenhum estado anterior existia para arbitrar esse acordo.  Ademais, uma vez que um estado criado por consentimento passa a existir, a ordem social resultante continua sendo autoimposta.  Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo é tornado vinculante por uma entidade externa.  Entretanto, o próprio estado não está vinculado da mesma forma a um fiscal externo.  Não existe absolutamente nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre agentes do estado e súditos do estado; da mesma forma, não há nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre os próprios agentes do estado ou as próprias agências do estado. 
Sempre que houver acordos feitos entre o estado e seus cidadãos, ou entre uma agência do estado e outra agência, tais acordos serão mediados apenas pelo próprio estado.  O estado não está vinculado a nada exceto às suas autoimpostas regras, isto é, às restrições que ele se impõe a si mesmo.  Em relação a si próprio, o estado ainda está no estado natural de anarquia caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não há na hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.
Mais ainda: se aceitarmos a ideia hobbesiana de que a fiscalização de regras mutuamente consentidas requer um agente externo independente, isso por si só iria descartar a hipótese da criação de um estado.  De fato, tal ideia constitui um argumento conclusivo contra a instituição de um estado, isto é, de um monopolista da arbitração e da decisão suprema.  Pois teria de existir uma entidade independente para arbitrar todos os casos que envolvessem algum agente do estado e eu (um cidadão privado), ou que envolvessem apenas agentes do estado.
Da mesma forma, teria de haver uma entidade independente para todos os casos que envolvessem conflitos intraestado (e teria de haver uma outra entidade independente para o caso de conflitos entre várias entidades independentes).  Porém isso significa, é claro, que tal estado (ou qualquer entidade independente) não seria um estado no sentido por mim definido lá no princípio, mas simplesmente uma de várias agências arbitradoras de conflitos, operando em ambiente de livre concorrência.
O que leva os piores ao poder
Em uma democracia, a entrada no aparato governamental é livre.  Qualquer um pode se tornar presidente, primeiro-ministro, senador, deputado, prefeito, vereador etc.  No entanto, liberdade de entrada nem sempre é algo bom.  Liberdade de entrada e livre concorrência na produção de bens é algo positivo, porém livre concorrência na produção de maus é algo negativo.  Que tipo de "empreendimento" é o governo?  Resposta: ele não é um produtor convencional de bens que serão vendidos a consumidores voluntários.  Ao contrário: trata-se de um "negócio" voltado para a expropriação — por meio de impostos e inflação monetária (que nada mais é do que falsificação de dinheiro) — e receptação de bens roubados.  Por conseguinte, liberdade de entrada no governo não tem o efeito de melhorar algo bom.  Pelo contrário: torna as coisas piores do que más, isto é, aprimora o mal.
Dado que o homem é como ele é, em todas as sociedades existem pessoas que cobiçam a propriedade de outros.  Algumas pessoas são mais afligidas por esse sentimento do que outras, mas os indivíduos normalmente aprendem a não agir de acordo com tal sentimento, ou até mesmo chegam a se sentir envergonhados por possuí-lo.  Geralmente, somente alguns poucos indivíduos são incapazes de suprimir com êxito seu desejo pela propriedade alheia, e são tratados como criminosos por seus semelhantes e reprimidos pela ameaça de punição física.
Quando a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade alheia.  O que antes era considerado imoral e era adequadamente suprimido, agora passa a ser considerado um sentimento legítimo.  Todos agora podem cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar no governo.  Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se tornar uma ameaça.
Consequentemente, sob condições democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo pela propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido.  Toda e qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada publicamente.  Em nome da "liberdade de expressão", todos são livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade alheia.  Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de todos.  Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está isento das demandas redistributivas. 
Pior: em decorrência da existência de eleições em massa, aqueles membros da sociedade com pouca ou nenhuma inibição em relação ao confisco da propriedade de terceiros — ou seja, amorais vulgares que possuem enorme talento em agregar uma turba de seguidores adeptos de demandas populares moralmente desinibidas e mutuamente incompatíveis (demagogos eficientes) — terão as maiores chances de entrar no aparato governamental e ascender até o topo da linha de comando.  Daí, uma situação ruim se torna ainda pior.
A seleção de regentes governamentais por meio de eleições populares faz com que seja praticamente impossível uma pessoa boa ou inofensiva chegar ao topo da linha de comando.  Políticos são escolhidos em decorrência de sua comprovada eficiência em serem demagogos moralmente desinibidos.  Assim, a democracia virtualmente garante que somente os maus e perigosos cheguem ao topo do governo. 
Nesse cenário, as pessoas passam a desenvolver a habilidade de mobilizar apoio público em favor de suas próprias posições e opiniões, utilizando-se de artifícios como demagogia, poder de persuasão retórica, promessas, esmolas e ameaças.  Quanto mais alto você olhar para uma hierarquia estatal, mais você encontrará pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que supostamente deveriam fazer.  Não é nenhum obstáculo para a carreira de um político ser imbecil, indolente, ineficiente e negligente.  Ele só precisa ter boas habilidades políticas.  Isso também contribui para o empobrecimento da sociedade.
Com efeito, como resultado da livre concorrência política e da liberdade de escolha das massas, aqueles que ascendem irão se tornar indivíduos progressivamente maus e perigosos.
Nada seria melhor do que apenas citar as palavras de H.L. Mencken
Os políticos raramente, se nunca, são eleitos apenas por seus méritos — pelo menos, não em uma democracia.  Algumas vezes, sem dúvida, isso acontece, mas apenas por algum tipo de milagre.  Eles normalmente são escolhidos por razões bastante distintas, a principal delas sendo simplesmente o poder de impressionar e encantar os intelectualmente destituídos.
Será que algum deles iria se arriscar a dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade sobre a real situação do país, tanto em questões internas quanto externas?  Algum deles irá se abster de fazer promessas que ele sabe que não poderá cumprir — que nenhum ser humano poderia cumprir?  Irá algum deles pronunciar uma palavra, por mais óbvia que seja, que possa alarmar ou alienar a imensa turba de idiotas que se aglomeram ao redor da possibilidade de usufruir uma teta que se torna cada vez mais fina?  Resposta: isso pode acontecer nas primeiras semanas do período eleitoral, mas não após a disputa já ter ganhado atenção nacional e a briga já estiver séria.
Eles todos irão prometer para cada homem, mulher e criança no país tudo aquilo que estes quiserem ouvir.  Eles todos sairão percorrendo o país à procura de chances de tornar os ricos pobres, de remediar o irremediável, de socorrer o insocorrível, e de organizar o inorganizável.  Todos eles irão curar as imperfeições apenas proferindo palavras contra elas, e irão resolver todos os problemas com dinheiro que ninguém mais precisará ganhar, pois já estaremos vivendo na abundância.  Quando um deles disser que dois mais dois são cinco, algum outro irá provar que são seis, sete e meio, dez, vinte, n
Em suma, eles irão se despir de sua aparência sensata, cândida e sincera e passarão a ser simplesmente candidatos a cargos públicos, empenhados apenas em capturar votos.  Nessa altura, todos eles já saberão — supondo que até então não sabiam — que, em uma democracia, os votos são conseguidos não ao se falar coisas sensatas, mas sim ao se falar besteiras; e todos eles dedicar-se-ão a essa faina com vigoroso entusiasmo.  A maioria deles, antes do alvoroço estar terminado, passará realmente a acreditar em sua própria honestidade.  O vencedor será aquele que prometer mais com a menor possibilidade de cumprir o mínimo.
Conclusão
O esfacelamento das instituições e um colapso econômico não levam automaticamente a melhorias.  As coisas podem piorar em vez de melhorar.  O que é necessário são ideias — ideias corretas — e homens capazes de entendê-las e implementá-las tão logo surja a oportunidade.  Em última instância, o curso da história é determinado pelas ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas, e por homens atuando sobre — e sendo inspirados por — ideias verdadeiras ou falsas. 
A atual bagunça também é resultado de ideias.  É o resultado da aceitação avassaladora, pela opinião pública, da ideia da democracia.  Enquanto essa aceitação prevalecer, uma catástrofe será inevitável, e não haverá esperança de melhorias mesmo após sua consumação.  Por outro lado, uma vez que a ideia da democracia seja reconhecida como falsa e malévola — e ideias podem, em princípio, ser mudadas quase que instantaneamente — uma catástrofe pode ser evitada.
A principal tarefa aguardando aqueles que querem mudar as coisas e impedir um completo colapso é a 'deslegitimização' da ideia da democracia, apontando-a como a raiz do presente estado de progressiva 'descivilização'.  Para esse propósito, deve-se começar apontando a dificuldade de se achar muitos proponentes da democracia na história da teoria política.  Quase todos os grandes pensadores tinham verdadeiro desdém pela democracia.  Mesmo os Pais Fundadores dos EUA, atualmente um país considerado o modelo de democracia, se opunham estritamente a ela.  Sem uma única exceção, eles viam a democracia como sendo nada mais do que umaoclocracia.  Eles se consideravam membros de uma 'aristocracia natural', e, em vez de uma democracia, eles defendiam uma república aristocrática. 
Ademais, mesmo entre os poucos defensores teóricos da democracia, como Rousseau, por exemplo, é praticamente impossível encontrar alguém que defenda que a democracia seja expandida para além de comunidades extremamente pequenas (vilarejos ou cidades).  De fato, nas pequenas comunidades, onde todo mundo conhece todo mundo pessoalmente, a maioria das pessoas reconhece que a posição dos 'abonados' é normalmente baseada em suas superiores conquistas pessoais, assim como a posição dos 'desprovidos' é explicada por sua inferioridade e deficiências pessoais.  Sob essas circunstâncias, é muito mais difícil se safar tentando despojar as outras pessoas de sua propriedade para benefício próprio.  Em distinto contraste, nos grandes territórios que abarcam milhões ou mesmo centenas de milhões de pessoas, em que os potenciais saqueadores não conhecem suas vítimas, e vice versa, o desejo humano de se enriquecer a si próprio à custa de terceiros não está sujeito a quase nenhuma contenção.
Ainda mais importante, é preciso deixar claro novamente que a ideia de democracia é imoral e antieconômica.  Quanto ao status moral do governo da maioria, devemos mostrar que tal arranjo permite que A e B se unam para espoliar C, C e A por sua vez se juntem para pilhar B, e então B e C conspirem contra A etc.  Isso não é justiça e sim uma afronta moral.  E em vez de tratar a democracia e os democratas com respeito, eles deveriam ser tratados com aberto desprezo e ridicularizados como as fraudes morais que são. 
Por outro lado, em relação à qualidade moral da democracia, deve-se enfatizar inflexivelmente que não é a democracia, mas sim a propriedade privada, a produção e as trocas voluntárias as fontes supremas da civilização humana e da prosperidade.
A propriedade privada é tão incompatível com a democracia quanto o é com qualquer outra forma de domínio político.  Em vez de democracia, tanto a justiça quanto a eficiência econômica requerem uma sociedade pura e irrestritamente baseada na propriedade privada.



Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.

Sete argumentos austríacos contra o euro



eurochair.jpgEm artigo recente publicado neste site, manifestei por que tenho motivos para não acreditar no euro, em contraposição à defesa do mesmo por parte do Professor Jesús Huerta de Soto.  
Nunca é demais repetir o que frisei no primeiro parágrafo de meu artigo mencionado: embora seja unanimidade entre os economistas da Escola Austríaca que o melhor sistema monetário é aquele baseado na plena liberdade de escolha das moedas, há divergências quanto ao formato do sistema monetário e cambial que cada um considera como o mais adequado para assegurar o que é consenso entre eles: a economia de mercado, o respeito às regras de subsidiariedade, as liberdades individuais, os direitos de propriedade, a crítica ao nacionalismo econômico, a austeridade fiscal e monetária dos estados e, o que é mais importante, aquilo que podemos denominar de "a despolitização do dinheiro".
Os defensores do euro argumentam, com razão, que o padrão-ouro, como Mises sempre afirmou, serve como um freio para separar a determinação do poder aquisitivo da moeda das ambições e doutrinas dos partidos políticos e dos grupos de pressão, e que o euro seria uma boa forma para a obtenção dessa separação, que é desejada por todos os economistas austríacos, sejam eles favoráveis ou não à moeda europeia única. Neste artigo aprofundarei e estenderei um pouco mais minhas objeções ao euro, com base nos argumentos marcantemente austríacos que listarei e comentarei brevemente em seguida, em ordem de importância aleatória.
1º. O euro não foi capaz de assegurar a separação entre o dinheiro e a política
No artigo mencionado, observei, como Philipp Bagus, que, infelizmente, a adoção do euro deu respaldo a que vários governos independentes pudessem usar um sistema de bancos centrais para financiar seus gastos, emitindo títulos públicos que podem ser comprados pelo sistema bancário e usando esses papéis como colaterais para garantir novos empréstimos junto ao Banco Central Europeu.  Assim, a base monetária aumenta e os preços tendem a subir, não só no país deficitário, como em toda a zona do euro. Vemos, então, que os governos encontraram no euro uma forma de transferirem os gravames sobre seus déficits para outros países da comunidade, bem como para o resto do mundo, sob a forma de senhoriagem.
Se um país financia um pequeno déficit de 1%, mas os preços de toda a zona do euro sobem 10%, é provável que caiam os gastos reais do governo, bem como seu poder político, mas a inflação de preços depende do financiamento do déficit global da Comunidade Econômica Europeia.  Isto significa que, se outros governos têm déficits mais elevados, aquele governo mais responsável e austero, que não produza déficit orçamentário ou que mantenha um déficit menor pode estar perdendo na redistribuição intereuropeia, o que significa um prêmio ao mau comportamento e um castigo ao bom.
E mais: quanto maior o déficit de um governo em relação aos déficits dos outros estados-membros, mais fácilpara este governo transferir os custos de sua irresponsabilidade para os estrangeiros!  É uma dinâmica explosiva e que leva a um caminho inflacionário.  Essa monetização perniciosa só poderia ser evitada se as instituições em que se baseiam o Euro e a própria CEE fossem perfeitas, o que evidentemente não vem acontecendo e muito provavelmente não virá a acontecer.  Em suma, a ideia de que o euro poderia colocar os governos em camisas de força, impedindo-os de gastarem mais do que arrecadam, não se concretizou na realidade e me parece difícil — para não dizer impossível — que venha a sê-lo.
2º. Governos irresponsáveis são a regra e governos responsáveis a exceção
Parece-me um tanto ingênuo crer que a instituição do euro forçaria todos os governos da CEE a agirem com a austeridade fiscal e monetária que a Escola Austríaca exige, por várias razões, das quais a principal é que se trata de governos, o que significa — além de todos os outros males que os economistas austríacos sempre combateram —, que agem politicamente.  Isso quer dizer que, enquanto existirem governos — de províncias, países ou comunidades de países — as influências políticas sempre vão prevalecer. Assim como não há como esperarmos de um gavião que ele deixe de mergulhar no ar para atacar um quero-quero, não há também como acreditar que um governo não vá gerar déficits orçamentários e tentar monetizá-los.  Se puder fazer isso à custa de "contribuintes" de outros países, melhor ainda para eles, porque suas chances de permanecer no poder não diminuirão.
Todos os economistas da Escola Austríaca sabem que o estado é um mal — para muitos, um mal necessário, desde que restrito a certos limites mínimos; para outros, mais libertários, um mal desnecessário; para Rothbard, um inimigo — e, sendo assim, a crença de que os governos seriam forçados pelo Euro (e o BCE) a ter comportamentos de freiras carmelitas descalças parece fugir da realidade.  Governos são governos, com seu próprio ethos político arbitrário e gastador e ponto final.  Onde há governo, há falta de juízo econômico.
3º. O euro não toca na questão do monopólio do dinheiro
É unânime entre os austríacos a crítica aos monopólios legais, àqueles que são instituídos pelo estado mediante leis. Muitos economistas, desde os pós-escolásticos (que foram os protoaustríacos) defendem com argumentos sólidos a tese de que o monopólio legal de emitir moeda dos governos (e, por extensão, dos bancos por eles manipulados) é tão pernicioso quanto os demais monopólios.  Por que cargas d'água com a moeda e o crédito haveria de ser diferente?
A melhor solução, então, caminha no sentido oposto ao de uma moeda única estatal ou supraestatal: a extinção dos bancos centrais e a implantação da competição na indústria da moeda e do crédito, em moldes semelhantes ao sugerido por Hayek em 1974, sob um sistema de 100% de reservas.  O euro não somente mantém o monopólio nacional; ele o amplia para nível continental!  É como se o locutor de uma partida de futebol anunciasse durante um jogo: "atenção, sai o nacionalismo monetário e entra o internacionalismo monetário".
A meu ver, com efeito, não é correto afirmar que o euro atacou o nacionalismo monetário, porque na verdade ele o ampliou para além das fronteiras dos países, com a diferença de que esse novo nacionalismo passou a ser exercido por governos que externalizaram seus efeitos perversos para os pagadores de tributos de outras nações.
4º. O euro não se mostrou uma boa proxy para o regime do padrão ouro
Outro argumento muito utilizado pelos defensores do Euro é que ele teria a desejada propriedade de funcionar como uma boa aproximação para o regime de padrão-ouro que, como sabemos, impede os governos de "politizarem" a moeda e o crédito.  Mas, será que impede mesmo?
Bem, é óbvio que se trata de um regime superior ao que vige no mundo desde que o padrão-ouro foi abandonado, mas que também padece de imperfeições.  Para não voltarmos muito no tempo, até à época de Nabucodonosor da Babilônia, vejamos o que Rothbard escreveu em seu magistral tratado de História do Pensamento Econômico, An Austrian Perspective on the History of Economic Thought, edição do Mises Institute em ePub, no capítulo dedicado ao extraordinário Juan de Mariana (1536-1624):
Voltando sua atenção à teoria e à prática monetária, Mariana, em seu breve tratado De Monetae Mutatione (Sobre a Alteração do Dinheiro, 1609), denunciou seu soberano,Filipe III de Espanha, por roubar o povo e debilitar o comércio por meio da adulteração da cunhagem de cobre.  Ele notou que esta adulteração também contribuía para a crônica inflação de preços da Espanha ao aumentar a quantidade de dinheiro no país.  Filipe III havia zerado a dívida pública ao adulterar a composição de suas moedas de cobre, desta forma triplicando a oferta de dinheiro. [pp. 719-720]
[…]
Mariana também relatou uma história sobre desvalorização e seus efeitos desastrosos, e demonstrou que um dos pressupostos básicos de um governo é manter todos os padrões de peso e mensuração — e não somente para o dinheiro —, e que seu histórico de adulteração destes padrões é dos mais vergonhosos.  A Castilha, por exemplo, alterou suas mensurações para o azeite e o vinho com o intuito de criar um imposto oculto, e isso gerou uma grande confusão seguida de uma revolta popular. [pp. 725-726]
[...]
Mariana cunhou uma frase que precedeu uma das observações favoritas que Ludwig von Mises viria a fazer sobre os economistas mais de três séculos e meio mais tarde: "Não há nenhum absurdo que não venha a ser defendido por algum teólogo". [pp. 734-735]
Com essas citações de Rothbard não pretendo "atacar" o padrão-ouro, só quero reafirmar que estados — leia-se: seus mandatários — sempre são estados, mesmo sob o regime do padrão-ouro. Por isso, o argumento de que o uuro agiria como uma second Best solution, além de não se ter verificado na prática, já perde muito de seu sentido.
5º. O euro agride frontalmente o princípio da subsidiariedade
Este argumento certamente é um dos mais poderosos.  Um dos princípios basilares da Escola Austríaca é o dasubsidiariedade, que implica descentralização, individualização, tanto no âmbito político quanto no da economia. De acordo com esse princípio, se você tem um problema qualquer com seu vizinho, o melhor a fazer, antes de qualquer outra providência, é tentar resolvê-lo conversando com ele e não recorrendo ao síndico do prédio. Se isso não resolver, recorra ao síndico e, se isso também não der certo, vá à administração de seu bairro e assim sucessivamente, até chegar ao governo federal.
Isso permite a qualquer um defender, por exemplo, com um arsenal de argumentos sólidos (que por uma questão de espaço deixo ao leitor a tarefa de descobrir), a adoção de moedas diferentes até mesmo entre bairros de uma mesma cidade, pois cada bairro tem suas características, sua história, seus botequins, escolas, cinemas, clubes, tipos de pessoas, tradições, costumes etc.  Ora, o euro é exatamente o oposto, porque é centralizador, coloca todo o poder nas mãos de um BCE, sem levar em conta que, até mesmo dentro de um mesmo país, existem diferenças marcantes de cultura, de hábitos e de costumes.  Um italiano do sul é muito diferente de um italiano do norte, embora ambos sejam italianos.  Um grego é diferente de um francês que, por sua vez, é diferente de um alemão que, por sua vez, difere de um português.
Assim, por uma questão de coerência, já que nós, austríacos, somos unânimes na defesa do princípio da subsidiariedade, não podemos aceitar o euro como uma instituição boa, o máximo que podemos admitir é aceitá-la como o menor dos males, a não ser que nosso lema passe a ser do tipo "subsidiariedade, ma non troppo"...
Nunca é demais lembrar que o maior defensor de um banco central mundial, para controlar a moeda e as taxas de juros e de câmbio em todo o planeta, foi Keynes e que a ideia de um governo mundial tem tinturas flagrantemente socialistas. Não há nada de austríaco em ideias desse tipo.
6º. O euro agride a história da moeda como uma ordem espontânea
Também este é um forte argumento contra o euro ou moedas semelhantes. Todos conhecem a história da moeda e dos sistemas monetários, de como o mundo evoluiu do sistema de economia de trocas até o estado atual da moeda eletrônica, passando pela mercadoria-moeda, pela moeda-commodity, pela moeda-papel, pelo papel-moeda e pela moeda escritural, tudo isso acontecendo como resultado da ação humana nos mercados — mas uma ação humana natural, não planejada. Ou, para usarmos a terminologia de Hayek: a moeda é uma ordem espontânea, tal como a linguagem e os próprios mercados.
Ninguém é capaz de dizer como será o sistema monetário daqui a — digamos — vinte ou trinta anos.  Quem poderia imaginar, cerca de vinte anos atrás, que poderíamos pagar nossas compras na padaria com um cartão de débito?  Ou que um brasileiro em viagem de turismo a Miami possa comprar um tênis em uma loja e pagá-lo com seu cartão de crédito?  Da mesma forma, quem pode antever com certeza o papel a ser desempenhado no sistema monetário, por exemplo, pelo bitcoin, pela deep web ou pelas impressoras 3-D, ou por qualquer outra invenção nova que vier a surgir?
Se a instituição da chamada "moeda de curso legal" já foi uma grande agressão a esse processo espontâneo, o euro não é um ataque menos relevante ao mesmo.  De uma hora para outra, de uma forma "planejada" — ou seja, absolutamente antiaustríaca —, tiraram de circulação moedas nacionais — cada uma delas valendo de acordo com a responsabilidade ou irresponsabilidade de seu governo emissor — e substituíram-na por uma moeda única, emitida por um banco central internacional, na crença ingênua de que, dali em diante, todos os governos dos países membros agiriam de maneira igualmente responsável, pelo bem de todos.  Suíça e Inglaterra, sabiamente, esquivaram-se de entrar na embarcação, desconfiadas de que poderia soçobrar.
Definitivamente, não compreendo — embora respeite suas opiniões — como economistas que defendem a liberdade individual e o livre mercado podem ser favoráveis a algo que representa, ao mesmo tempo, centralização de poder, monopólio e planejamento, como é o caso do euro.
7º. Taxas de câmbio são preços e devem ser determinadas por compradores e vendedores
Esse ponto talvez seja o mais polêmico entre os austríacos, já que muitos deles, incluindo o grande Mises, eram favoráveis a um regime de padrão-ouro com taxas de câmbio fixas.  Compreendo que o padrão ouro serviria para tornar menos aguda a disposição dos governos para devorar orçamentos e para emitir, mas sempre é bom lembrar que quem fixaria a taxa de câmbio seria esse mesmo agente devorador de recursos, isto é, o governo. Nada impediria, assim como o exemplo de Filipe III citado acima, que qualquer governo, movido por interesses políticos, mexesse na taxa de câmbio para obter dividendos políticos.
A taxa de câmbio é um preço e, portanto — e como é difícil para mim imaginar um austríaco que não pense dessa forma! —, deve ser determinada pelo processo de mercado, por compradores e vendedores.  Os argumentos de que isso prejudicaria o comércio internacional não procedem, porque têm forte apelo macroeconômico, algo profundamente anti-austríaco.
Observações finais
Reafirmo, para finalizar, que o sistema monetário que considero mais compatível com a cataláctica austríaca, com o processo de mercado, com a ação humana individual voluntária ao longo do tempo e em condições de incerteza genuína, passa pela extinção dos bancos centrais (nacionais ou internacionais), pelo fim do monopólio estatal do estado sobre a moeda, pela permissão aos bancos para emitirem cada um sua própria moeda, pela obrigatoriedade de manutenção de 100% de reservas por parte dos bancos e, de preferência, que tal sistema seja lastreado — aí sim — no ouro, sempre atendendo ao princípio da subsidiariedade e não centralizando as decisões.

Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Visite seu website.


Por que o estado cresce e o que podemos fazer quanto a isso


por  

esmagado.jpgApesar de toda a retórica adotada unanimemente por políticos de que "irão trabalhar para um estado mais eficiente" e reduzir o fardo estatal de sobre nossas carteiras, o leviatã a cada dia vai se tornando incontrolavelmente mais opressivo e mais dispendioso.  E essa é uma tendência mundial.

Independentemente de qual seja o partido no poder, em qualquer país, parece não haver limites para a tributação, para a gastança, para o endividamento, para a inflação monetária e para toda a intrusão estatal em nossas vidas.  Nada disso é algo predestinado, inevitável, como todos os políticos querem nos fazer pensar; ao contrário, é algo completamente reversível, desde que suas causas sejam compreendidas.  Somente se entendermos as razões para o crescimento governamental é que teremos alguma chance de revertê-lo.
1. Grupos de interesse
Há duas maneiras de uma pessoa ganhar a vida: voluntariamente por meio do processo de mercado ou coercivamente por meio do processo político.  Os grupos de interesse são organizações — empresariais e sindicais — que optam por este último método, fazendo lobby junto ao governo com o intuito de aprovar leis e regulamentações que os favoreçam, seja na forma de maiores tarifas de importação ou na forma de uma carga tributária e de uma burocracia mais complexa, que dificultem a entrada no mercado de novos concorrentes.
Tais grupos aglomeram-se em torno do governo como moscas ao redor de uma lata de lixo.  Estes trombadinhas com ternos Armani assaltam o Tesouro e manipulam o aparato regulatório governamental em benefício próprio.  E os políticos, quase sem exceção, se mostram excepcionalmente contentes em ser parceiros dessa gente, porque assim garantem reeleições, mais dinheiro e mais poder.
Os grupos de interesse de maior êxito (1) têm um propósito bem definido e uma estratégia coerente; (2) têm uma disposição para direcionar muito dinheiro para seus esforços; (3) dependem fortemente da intervenção governamental, pois uma ligeira mudança nas regulamentações pode significar a diferença entre o sucesso e bancarrota total; (4) recebem polpudos e óbvios benefícios do governo, ao passo que o custo fica escondido e disperso por toda a economia; (5) possuem a suprema capacidade de revestir suas depredações em um manto de preocupação pelo bem-estar geral.
2. Assistencialismo eleitoreiro
Quanto mais os políticos abrem os cofres para beneficiar determinado grupo de pessoas — seja ele formado por pobres e desempregados, ou por funcionários públicos ou empresários politicamente bem conectados —, maiores são as suas chances eleitorais.  O assistencialismo é um exemplo característico.
Os gastos assistencialistas só vêm crescendo desde a década de 1980, e tudo em nome da ajuda aos pobres.  Mas o dinheiro, em grande parte, não vai para os pobres, que ficam com as migalhas, mas sim para aqueles grupos de interesse poderosos o suficiente para subornar e fazer lobby a favor da redistribuição.  O dinheiro real vai é para os "pobristas" — os reais defensores da pobreza —, para os consultores, para as empreiteiras que constroem as moradias populares, para os funcionários de hospitais públicos, e principalmente para os próprios membros da burocracia que coordena todo o esquema.
Os pobres são maldosa e intencionalmente transformados em uma subclasse perpétua, dependente do governo, para que alguns parasitas possam viver confortavelmente bem à custa de todo o resto da sociedade.  Graças ao estado assistencialista, praticamente não há mais uma genuína mobilidade social.  Os degraus mais baixos da escada foram retirados em nome da compaixão.
3. Permanência nos cargos
Os liberais clássicos defendiam que todo o aparato do governo fosse demitido de seus cargos após cada eleição, para impedir que alguns indivíduos se entrincheirassem perpetuamente na máquina.  Contudo — e apesar de a democracia ter a idéia da renovação —, a maioria dos funcionários estatais se torna permanente, assim como os próprios políticos, constantemente reeleitos.  Os auxiliares dos deputados também se tornaram perenes, sendo que as contratações não param de subir. Os trabalhadores do setor privado precisam trabalhar cada vez mais para sustentar toda essa mamata.  Como os liberais clássicos temiam, criou-se uma classe que melhora de vida à medida que rouba a todos nós.
Foi Jeffrey Tucker quem melhor resumiu a situação:
Não é a classe política quem comanda as coisas.  Como já escrevi inúmeras vezes, políticos vêm e vão.  A classe política é apenas o verniz do estado; é apenas a sua face pública.  Ela não é o estado propriamente dito.  Quem de fato comanda o estado, quem estipula as leis e as impinge, é a permanente estrutura burocrática que comanda o estado, estrutura esta formada por pessoas imunes a eleições.  São estes, os burocratas e os reguladores, que compõem o verdadeiro aparato controlador do governo.
4. Burocracia
A burocracia é necessariamente ineficiente porque não opera dentro do sistema de lucros e prejuízos do mercado.  Sem a pressão para economizar recursos, até mesmo os burocratas bem intencionados acabam gastando em demasia.  E, é óbvio, a maioria dos burocratas não é bem intencionada.  A sua única motivação é aumentar o próprio poder, a própria renda e os próprios benefícios, os quais eles adquirem ao aumentar o número de burocratas sob seu comando no organograma estatal e ao gastarem cada centavo que lhes é alocado.
Se os burocratas de uma agência estatal gastarem menos do que lhes foi alocado, sua fatia no orçamento do ano seguinte pode ser cortada.  Sendo assim, eles gastam seus recursos freneticamente até o fim do ano fiscal.  E, como consequência, essa agência — com a ajuda dos grupos de interesse afiliados a essa agência, com quem o dinheiro é gasto — vai correndo ao Congresso e ao Executivo pedir mais dinheiro.  E estes, eleitos com a ajuda financeira desses grupos de interesses, autorizam um aumento orçamentário para esse importantíssimo serviço público que, coitado, estava sofrendo de insuficiência de fundos.
E aqui cabe um parêntese: sempre me regozijei com essa idéia de "servidor público".  Pode observar: "servidor público", curiosamente, é aquele sujeito que só anda de carro chique, trabalha em ambiente com ar condicionado e sequer tem qualquer contato com o "povo", embora seja o "povo" quem forçosamente lhe sustenta.  Quando algo é classificado como "serviço público", esteja certo de que estão enfiando a mão no seu bolso para benefício próprio.  Serviço público genuíno só pode ser encontrado na iniciativa privada.  O verdadeiro servidor público é aquele sujeito que mantém sua loja de conveniências aberta 24 horas para que você possa fazer um lanche às 3 da manhã.  É aquele sujeito que abre sua padaria às 5 da manhã para que você possa comer algo ainda quente antes de ir trabalhar.  É a rede de fast food a quem você recorre quando seu estômago está vazio e as opções se esgotaram.  Isso é serviço público.
5. Crises
O governo sempre cresce mais rapidamente durante crises, as quais são criadas por ele próprio.  Uma crise é a desculpa perfeita para dar ao governo mais poder e dinheiro para "resolver" o problema, ao mesmo tempo em que o partido da situação paralisa a oposição.  
"Jamais deixe uma crise passar em branco" é o lema de qualquer governo.  É durante crises — sejam elas meras recessões ou grandes colapsos financeiros — que o governo adquire o apoio necessário para se apropriar de uma fatia ainda maior da economia, aumentando seus gastos, incrementando seu poder regulatório, repassando mais dinheiro para seus grupos de interesse favoritos, escolhendo empresas vencedoras (aquelas a quem ele vai ajudar com subsídios e protecionismo) e jogando a conta sobre as perdedoras (aquelas sem conexões políticas).
O professor Robert Higgs, em seu grande livro Crisis and Leviathan, mostra que o público sempre perde ao final de uma crise, pois é ele quem fica sobrecarregado com um governo ainda maior depois que a emergência acaba.
6. A mídia
Sempre nos dizem que a grande mídia é oposição ao governo, qualquer que seja ele — um mito muito útil para ambos.  Na realidade, governo e mídia são aliados em todos os assuntos fundamentais.  Tomando-se o exemplo para apenas uma área, a mídia sempre estimula a expansão estatal ao papaguear as declarações econômicas do governo: seja a última enganação declarada pelo Banco Central, ou algumas alegações presidenciais sobre cortar gastos, toda a mídia nada mais é do que uma câmara de ressonância.
O governo, sendo a instituição dominante em nossa sociedade, utiliza a mídia como o fiel da balança que vai determinar quais são os limites aceitáveis para o debate, fora dos quais qualquer indivíduo será rotulado de extremista.  E o governo faz isso por meio dos interesses especiais que controlam grande parte da publicidade veiculada na mídia.   Por exemplo, nada seria melhor para o país, e pior para a burocracia, do que a abolição do imposto de renda físico e jurídico, bem como a abolição do Banco Central.  Mas tais idéias são logo rotuladas de extremistas e indignas de consideração, graças ao conluio entre governo, mídia e grupos de interesse.
7. Intervencionismo
A economia de livre mercado é uma intrincada e cuidadosamente equilibrada rede de preços e trocas. Quando o governo intervém nesse conjunto com a desculpa de corrigir algum suposto problema, ele perturba esse equilíbrio, causando ainda mais problemas, o que consequentemente gera uma desculpa para novas e ainda maiores intervenções.  Ludwig von Mises rotulou este fenômeno de "a lógica do intervencionismo", e é exatamente por isso que uma economia mista é inerentemente instável.  Um sistema intervencionista estará sempre se movendo em direção a mais intervencionismo — socialismo/fascismo.
8. Idéias
Uma última razão por que o estado cresce ilimitadamente é a ausência de entendimento sobre o que é o livre mercado.  As escolas e as universidades são dominadas por esquerdistas e intervencionistas de todos os tipos. Todos os livros-textos seguem pregando que o intervencionismo é necessário.  E assim todo o público permanece ignorante dos males causados pelo estado.
Essas são apenas algumas das razões por que o estado continua crescendo. E como podemos nos opor a isso?
Primeiro, devemos expor todos os crimes do governo, rasgando o manto de mentiras sob o qual se escondem as reais intenções dos grupos de interesse.  Da próxima vez que você ouvir alguém clamando por mais gastos assistencialistas, mostre como o assistencialismo destrói os pobres ao mesmo tempo em que enriquece os verdadeiros recebedores do assistencialismo — os grupos de interesse — à nossa custa e com o auxílio da coerção estatal.  A verdadeira caridade só pode ser privada e voluntária, como bem sabe qualquer um que já lidou com o trabalho de igrejas e já comparou esse serviço com aquele realizado por assistentes sociais governamentais.
Segundo, devemos trabalhar em prol de mudanças radicais — como abolir programas e burocracias ao invés de simplesmente melhorá-los ou torná-los mais eficientes (embora de início possamos aceitar isso).  Se o nosso lado começar condescendente, se já entrarmos no debate concedendo de antemão várias vantagens ao adversário, teremos ainda menos chance de obter melhoras marginais e estaremos tacitamente concordando com todo o sistema e sua base imoral de roubo e fraude.
Terceiro, devemos não só nos recusar a acreditar nas propagandas pró-governo, como também devemos solapá-las, refutá-las e arruiná-las ao máximo perante terceiros, apoiando fontes alternativas de notícias e informações.
Quarto, devemos nos esforçar para colocar professores e alunos pró-livre mercado e pró-liberdade nas instituições de estudo superior, e tentar mobilizar as pessoas por meio de apelos de justiça e de eficiência econômica.  Não há nada mais eficiente para incitar a ação do que atinar para o fato de que você está sendo roubado.
Para nós libertários, que compartilhamos da mesma crença de Lord Acton, a maior virtude política é a liberdade. A nossa visão é a de que a sociedade voluntária, em termos práticos e morais, é a melhor forma de sociedade possível, ao passo que o estado não passa de uma gangue de ladrões em larga escala. O estado pode fazer as mesmas coisas que, se feitas por indivíduos, seriam corretamente consideradas ilegais e criminosas. Só ele é capaz de fazê-las de forma a aparentar que é pelo bem comum e pelo interesse nacional — você sabe, todas aquelas expressões que as escolas públicas e a mídia nos ensinaram.
Em uma definição resumida, para nós libertários o estado não está acima das leis morais.  O que é errado para um indivíduo em sua vida privada também é errado para o estado em toda a sua esfera.  É errado roubar, mas o estado faz isso e chama de 'inflação' ou de 'tributação'; é errado escravizar, mas o estado faz isso e chama de 'serviço militar obrigatório'; é errado matar, mas o estado faz isso e chama de 'erro policial' ou de 'serviço de saúde inadequado' — ou, em caso de homicídio em massa, de 'guerra'.
O roubo, a escravidão e o homicídio são coisas imorais, sejam eles privados ou públicos.  Difundir as idéias da liberdade, do livre mercado e de uma moeda forte, e denunciar, agitar e trabalhar contra os criminosos, é a nossa única chance de ter êxito. Os obstáculos são, obviamente, imensos. Mas temos um mundo a ganhar.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque