sábado, 10 de agosto de 2013

O Mal Estar Atual

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA


CARLOS VIEIRA
Em 1930 Sigmund Freud publicou um trabalho inédito e revolucionário – “ O Mal Estar na Civilização – texto de alcance social e também consequente às suas pesquisas de clínica e teoria psicanalíticas. 
Desenvolvendo seu pensamento, Freud frisa, que civilização seria tudo aquilo que distingue o homem da sua condição de animal. Hoje sabemos, que é inevitável pensar na natureza humana como sendo uma junção e um conjunto dialético que autoriza dizer: a natureza humana não pode ser dissociada da sua natureza animal. Somos, todos, animais-humanos, termo que enfatiza e nos conscientiza das nossas qualidades de homem civilizado juntamente com sua “parte” animalesca. Negar a animalidade humana é negar a sua essência de Ser, e também não cuidar, uma vez consciente desse fato, dos nossos impulsos cruéis e não civilizados. 
O Homem perdeu sua alma angelical quando, expulso do Paraíso, tornou-se “anjo caído”, ou pessoa dotada de maldade, desejo sexual e agressivo, e não mais a figura mítica de “entes puros, obedientes e dependentes das ordem do Céu, no sentido de criar uma pessoal santa, imaculada. 
Freud fala das pulsões: pulsões sexuais (vida) e pulsões destrutivas(morte); de desejos de amar como também movimentos pulsionais para destruir. Desse modo, após reflexão sobre o texto, não fica mais dúvida quanto ao fato de sermos feitos com uma tessitura de amor e ódio, de construção e destruição. Amor e ódio, em parte de origem primordial, filogenética, constitucional, como também por resultado das influencias do meio ambiente, tendo como meio ambiente, primeiro a influência dos pais e também da sociedade e da cultura. 
Acontece que, se imaginarmos a “ficção” de alguém que satisfaz todos os seus desejos; que todos os seus impulsos deveriam ser satisfeitos, estaríamos num mundo da “predominância do princípio do prazer, onde a frustração, a interdição não teriam função alguma. A questão é que se impõem, inevitavelmente, as regras da realidade, da civilização, da proibição, do incesto, obrigando o EU de todos nós, se adaptar, ou como disse o próprio Freud – civilizar os instintos. Ato contínuo: o indivíduo tende a ser inimigo da civilização – a civilização, a aculturação, colocam obstáculos ao desejo por desejar e ao ser atendido seja como for, a fim de satisfazer seus anseios. 
Na linguagem psicanalítica, o Narcisismo teria de ser atendido, pois, “no mundo somente conta o EU e os Outros(se é que existe a noção do Outro!) estará para me atender”. Veja, o artigo do mestre foi escrito em 1930; estamos no século XXI, mas sua atualidade é tão gritante que podemos dizer que Freud é um autor contemporâneo e não um clássico. Hoje vivemos numa sociedade que prega o prazer pelo prazer; que usa as pessoas como objetos de consumo para satisfação dos seus desejos; que a noção de Alteridade já caiu de moda, assim como a noção de Interdição. Não é disparate pensar que, a voracidade, a inveja e a necessidade de uso e abuso, criam uma ambiência atual de um individualismo e egocentrismo cruéis – para vencer, para ter, para acumular riquezas, para manter-se no poder. As pessoas usam de mecanismos psicopáticos, perversos, moldando sua vida numa vida de “consumo material e consumo das outras pessoas” para satisfazer seus impulsos, os mais primitivos. Roubam, matam, corrompem, estrupam, criam gangues tanto nos morros quanto dentro da sociedade, dita, classe média e alta, tudo no sentido de obter poder e prazer. 
Freud, em seu belo artigo, tinha de ser odiado como foi, pois renunciar seus impulsos animalescos, frear suas vontades perversas, desenvolver civilidade, generosidade ao próximo, amor grupal, sentido de comunidade e bem estar-social, é tudo o que as personalidades e grupos narcísicos destrutivos não querem abrir mão. 
Escreve o nosso Freud em seu texto:...”Acrescentemos que é um processo a serviço de Eros(Vida), que pretende juntar indivíduos isolados, famílias, depois etnias, povos e nações numa grande unidade, a da humanidade. 
Guimarães Rosa, em sua obra insaturada de sabedoria, “Grande Sertão: Veredas, pela fala de Riobaldo, seu personagem, escreveu: “O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo.” O nosso brilhante escritor-diplomata sabia das coisas, e lendo essa passagem somos levados a concluir: já que sabemos que, dentro de nós existe um “Demônio”, só nos resta cuidar dos” malasartes luciferianos” antes que ele nos mate. 
Cuidar, civilizar, aculturar, dar senso de realidade, respeito e consideração pelo outro, são medidas trabalhosas, é claro, que temos de inibir a nossa violência destrutiva. 
Termino com o final do artigo de Sigmund Freud nessa obra eterna:” A meu ver, a questão decisiva para a espécie humana é saber se, e em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as perturbações trazidas à vida em comum pelos instintos de agressão e autodestrutividade... Atualmente os seres humanos atingiram um tal controle das forças da natureza, que não lhes é difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o último homem.”
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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