domingo, 29 de setembro de 2013

O poder incorruptível da empatia

Dizer que somos uma nação amaldiçoada pelo coletivismo vertical e pelo culto à malandragem não resolve nada.
Celso de Mello
Assim como a Revolta do Vintém, este ano pode entrar para os anais da história sem receber a menção merecida dentro da historiografia brasileira. Não obstante, este foi o ano em que a nação brasileira foi às ruas protestar contra a corrupção, os altos impostos, exigir serviços públicos de qualidade e, principalmente, o ano em que, com o aparelhamento do Supremo Tribunal Federal, se consolida a autocracia do governo petista. Todos sabemos que o novo julgamento do maior escândalo de corrupção na história do país, o mensalão, pode acabar em pizza e continuaremos sem resposta sobre como extinguir o problema da corrupção no país do jeitinho.
Graças à genialidade brasileira, atribui-se o problema da corrupção à herança histórica deixada pela colonização portuguesa a fim de explicar a ambivalência moral endêmica no país até os dias de hoje. Em sua dissertação, Maria Fernandes, em um momento espartano, aventurou-se em afirmar:
Brasileiros preferem ouvir uma mentira carregada de sentimentos à verdade dita de maneira direta. Brasileiros não sabem lidar com a palavra “não”. Brasileiros se sentem constrangidos em negar alguma coisa a alguém, assim como se magoam quando alguém se coloca contra suas ideias.
Certamente, culpar o passado pelos nossos atos foi um esplêndido jeitinho encontrado em favor da manutenção do status quo. E ai de quem se meter a besta de contestar esta verdade.
Durante meus anos de faculdade nos Estados Unidos, um amigo de faculdade, brasileiro, casou-se com uma americana de Nova Iorque. Ainda me lembro da excitação da noiva com a decisão de se mudar para o Brasil e vivenciar a alegria e o calor humano dos brasileiros junto com o calor dos trópicos. Não demorou dois anos, lá estava eu recebendo o casal em minha casa para o nosso habitual jantar entre amigos e, lógico, perguntando sobre os motivos do retorno. Sua resposta foi surpreendente. Com os olhos cheios de lágrimas, ela disse: “Eu fiquei muito triste com a quantidade de crianças abandonadas pelas ruas do país, como se fossem um inseto peçonhento, e de ver como são invisíveis para as pessoas. Me fez lembrar dos horrores que meu povo viveu no Holocausto e de como ninguém fez nada para nos salvar.”
Mahatma Gandhi afirmou que “uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias”. Segundo o pesquisador Martin Hoffman, as raízes da moralidade se encontram na empatia, pois é importante para a internalizarão e escolha de princípios morais como normas de comportamento, senso de certo e errado, e a percepção de atos nocivos ou prejudiciais. Em outra palavras, é a capacidade de se colocar no lugar do outro, e de compreender como os próprios atos podem afetá-lo, que define certas regras morais a serem seguidas. Quanto maior for nossa capacidade de tomar decisões pautadas no respeito ao outro, na solidariedade, na tolerância, da busca pela justiça, mais justa será nossa sociedade e mais conscientes serão as nossas escolhas na hora de eleger governantes.
Recentemente voltei aos Estados Unidos e decidi fazer uma consulta com meu antigo dentista. Ele rapidamente puxou a conversa para os preparativos da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, e estava especialmente curioso para saber mais sobre os crimes humanitários relativos aos despejos em massa que estão ocorrendo no Rio de Janeiro. Sem graça, tentei informá-lo da melhor maneira que pude sobre os desmandos políticos que não param de pipocar na imprensa. Ele ouviu atentamente minha explicação e indagou: “E o que você está fazendo para que essa injustiça não continue ocorrendo com seus compatriotas?”
Responder que somos uma nação amaldiçoada pelo coletivismo vertical, que transfere a responsabilidade para terceiros, e pelo culto à malandragem poderia parecer inverossímil até para o mais lunático dos pacientes do Pinel. Então, talvez a melhor resposta para a pergunta do dentista esteja em um texto de 1877 de Tobias Barreto, que impressiona pela atemporalidade e precisão com que nos descreve:
Entre nós o que há de organizado é o Estado, não é a Nação, é o governo, é a administração, pelos seus altos funcionários [...]; não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido, sem outro liame entre si a não ser a comunhão da língua, dos maus costumes e do servilismo. Os cidadãos não podem, ou melhor, não querem combinar a sua ação. Nenhuma nobre aspiração os prende uns aos outros.
“Nenhuma nobre aspiração os prende uns aos outros”. Nossa aversão aos pobres e à pobreza não consegue ser atenuada pelo lirismo da pureza infantil, muito menos suscitar empatia pela fragilidade das crianças de rua. Até que ponto, porém, nós, os 190 milhões de brasileiros, continuaremos fingindo que há razões plausíveis para nos esquivarmos de nossas responsabilidades? Maria Fernandes, na dissertação acima, acredita que no “momento em que mais pessoas de um mesmo grupo começam a comungar de uma mesma visão ou perspectiva é possível afirmar que uma mudança de valores acontece na sociedade.”
Talvez ainda presenciemos muitos dias de pizza pela frente, mas quem sabe, se começarmos a deixar nossa empatia florescer e assumirmos patrioticamente nossas responsabilidades, encontremos um caminho que beneficie a solução de mazelas sociais e corrupções sistêmicas da nação brasileira.

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