domingo, 29 de setembro de 2013

Por que ler Adolfo Bioy Casares

Por que ler Adolfo Bioy Casares

Sua literatura paira entre o real e a fantasia de maneira sublime. Seus textos são concisos e bem trabalhados, além de costurados por temas universais na superfície e nas entrelinhas.
[este é um post da série "Por que ler..." ]
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Bioy Casares
Estou ciente de que pouco se fala sobre Adolfo Bioy Casares no Brasil. O escritor é negligenciado por nossas bandas apesar de inúmeras obras, da longevidade – faleceu em 1999 aos 84 anos – e da amizade com outro argentino renomado, Jorge Luis Borges, com quem escreveu diversos livros em conjunto sob pseudônimos como H. Bustos Domecq. Por isso vale a pena aproveitar que a Cosac Naify irá publicar em breve uma antologia de literatura fantástica assinada pelos dois autores para mergulhar em Casares.
A mesma Cosac trouxe de volta Adolfo Bioy Casares para o país, ao publicar O Sonho dos HeróisHistórias FantásticasDiário da Guerra do Porco e A Invenção de Morel. Este último, obra-prima de Casares, foi considerada por Borges como uma obra perfeita:
Em espanhol, são pouco frequentes, ou mesmo raríssimas, as obras de imaginação raciocinada. Os clássicos exerceram a alegoria, os exageros da sátira e algumas vezes a mera incoerência verbal; de datas recentes, recordo apenas um ou outro conto deLas fuerzas extrañas e algum de Santiago Dabove — injustamente esquecido. La invención de Morel (cujo título alude filialmente a outro inventor ilhéu, Moreau) traz para as nossas terras e para o nosso idioma um gênero novo.
Discuti com o seu autor os pormenores da trama; reli-a. Não me parece imprecisão ou hipérbole classificá-la de perfeita.
Sei que Borges é um bom chamariz e até entendo que alguns podem tentar isolá-lo, desmontá-lo como sendo a minha base para a defesa de Casares. Na verdade, cito Borges porque ele próprio não conseguia acreditar que Bioy Casares não fosse tão conhecido. Georgie – fã de Dante e Cervantes – considerava toda a obra do conterrâneo como uma joia rara na literatura mundial.
“A inteligência de Borges era irreprimível. Ele estava sempre inventando coisas e sempre estava me propondo histórias. Ele gostava de falar de literatura como eu gosto. E nos sentíamos muito amigos.” – Bioy Casares sobre Borges.
Nascido no bairro de Palermo, no dia 15 de setembro de 1914, Adolfo Bioy Casares era descendente de avó inglesa e graças a ela aprendeu as primeiras letras tanto no idioma espanhol quanto no inglês. Casares era de uma família privilegiada, o que contribuiu para facilitar suas viagens e estudos. Desde a infância, teve acesso às obras mais importantes da literatura universal. Prólogo foi escrito quando tinha apenas 15 anos, e a publicação foi financiada pelo pai. Esse início nas letras se torna ainda mais compreensível ao termos em vista que o pai do autor era um escritor que nunca publicara, e que tivera medo de buscar uma vida através da escrita. Mas foi a amizade com Borges, e seu casamento com Silvina Ocampo, que tiveram papel fundamental, quase a de um ultimato, na decisão de Casares de esquecer os estudos em Filosofia e Letras para se dedicar totalmente à literatura.
Não torçam o nariz ainda.
Afinal de contas, por que ler o Casares? Sua literatura paira entre o real e a fantasia de maneira sublime. Seus textos são concisos e bem trabalhados, além de costurados por temas universais na superfície e nas entrelinhas. Apodero-me desse clichê para afirmar que muitas histórias contadas por Adolfo Bioy Casares fazem alusão à história do Dr. Fausto. Há muitos estudos que apontam Fausto como principal influência dentro das narrativas do autor argentino – Faustine, por exemplo, é o nome do interesse amoroso do narrador de A Invenção de Morel.
A tênue linha entre fantasia e realidade está impregnada em O Diário da Guerra do Porco. Nesta narrativa, Bioy mostra a fúria dos jovens contra os mais velhos. Na verdade, eles odeiam a velhice e temem tornarem-se tão inútil quanto os idosos. Parece meio triste? Mas imagine que Bioy Casares nunca afirma a veracidade dos fatos dentro das suas histórias, todas elas se permeiam em devaneios, entre esperanças e desilusões e medos, e no fim deixam o leitor sem saber se tudo aquilo fora verdade. Um idoso tornar-se o grande amor da mais bela jovem da cidade é possível? O estilo utilizado pelo escritor para descrever a cena e todas as suas consequências deixa tudo dúbio. Seus enredos têm essa mistura de fantástico, abordando o amor, mantendo o suspense e sempre questionando qual o papel do ser humano, espiritual ou físico, na Terra, na época em que é descrita a história.
Em A Invenção de Morel, Bioy Casares cria uma máquina capaz de proporcionar a vida eterna, mas sem vida. Difícil? Imagem a imagem, na tela de cinema, andando bem a sua frente: a personagem se emociona, chora, ri e não envelhece, mas você não pode tocá-la, não pode interagir, você só pode olhar. Nesse ponto a brincadeira entre vida eterna, alma e Deus se invertem, para formar uma história melancólica e cheia de suspense. Sua obra máxima cria embates entre o espírito, o homem e a máquina – influenciada sobretudo por A Ilha do Dr. Moreau e As Aventuras de Pinóquio.
O Sonho dos Heróis, por sua vez, subverte os temas recorrentes do autor, ao tratar do destino e de como todas as coincidências parecem tomar conta da nossa fraca humanidade.
Os três livros tratam a morte como o maior dos medos do ser humano, espelhando assim talvez o maior temor de Bioy Casares: a própria morte. A busca por imortalidade dos seus personagens talvez refletisse um dos desejos mais fortes do escritor, a fim de impedir sua própria velhice. Essa vertente recorrente pode ser vista também nas histórias curtas, como o conto “O Relojoeiro de Fausto”, em que aparece a desaceleração da velhice para impedir a morte e alcançar a imortalidade através do atraso do relógio biológico.
Bioy Casares sobre sua literatura fantástica:
Bem, é um espelho de 3 faces e, nesse espelho, se via a realidade do quarto e eu mesmo em uma perspectiva infinita, repetida milhares de vezes. Foi o primeiro fato fantástico que aconteceu em minha vida e que, seguramente, me incitou a escrever sobre as coisas que se parecessem com esse reflexo tão maravilhoso. Borges disse que tenho horror a espelhos. Nada mais falso que isso. Sempre me senti atraído por eles, gosto até daquele verde em volta deles. Parecem-me lindíssimos.
E o que autor pensava sobre religião? No programa Roda Viva em que participou ele nos falou:
Janer Cristaldo: E o que o senhor acha da afirmação de Borges de que a teologia é um gênero como a literatura fantástica?
Bioy Casares: Acho que estou de acordo.
José Geraldo Couto: E também a psicanálise? O senhor concorda que a psicanálise é um gênero da literatura?
Bioy Casares: Acho que é outra catástrofe.
Rinaldo Gama: O senhor é ateu. Não acredita em nenhuma forma de superioridade.
Bioy Casares: Sou ateu, graças a Deus.
O fantástico mundo criado por Adolfo Bioy Casares vem de um terreno essencialmente doméstico, “realístico” e que encobre, e se mantém paralelo, ao feérico. Os cenários mundanos usados pelo autor causam certa estranheza, dado o seu tamanho e o isolamentos de seus personagens; a ilha “deserta” d’A Invenção de Morel ou a Buenos Aires tão vasta para Gauna contrastam com os ambientes fechados de casarões da burguesia portenha. A melancolia de seus protagonistas, a fantástica transformação da ciência em magia, o uso da tecnologia para elevar o espírito… para ler Bioy não se necessita coragem e nem vontade, é só abrir um livro e se encantar.
Ler Adolfo Bioy Casares é prazer infindo.

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