domingo, 29 de setembro de 2013

O autor a partir do autor: ficção, tradução e metalinguagem


Primeiro livro do uruguaio Mario Levrero publicado no Brasil, com tradução e posfácio de Joca Reiners Terron.
"Deixa comigo", de Mario Levrero
“Deixa comigo”, de Mario Levrero
Deixa comigo, romance do uruguaio Mario Levrero (1940-2004), faz parte da coleção “Otra língua”, editada pela Rocco e coordenada por Joca Reiners Terron. Terron, aliás, assina a tradução (a primeira realizada até hoje de uma obra de Levrero) e o excelente posfácio, “Mario Levrero, romancista luminoso” (título em alusão à sua obra mais conhecida: La novela luminosa).
O livro divide-se em três partes. O romance Deixa comigo, publicado no Uruguai nos anos 1990; uma interessantíssima “Entrevista imaginária com Mario Levrero, por Mario Levrero”; e finalmente o posfácio de Terron, em que não se trata de analisar criticamente o romance que ele traduziu, mas de apresentar o autor Mario Levrero ao leitor brasileiro. Nesse caso, o leitor bem pode começar a leitura pelo posfácio, se assim desejar, pois não encontrará spoilers.
A trama de Deixa comigo gira em torno da seguinte situação: um escritor (o narrador) recebe uma inusitada proposta de sua editora – ele precisa encontrar o escritor de um excelente manuscrito recebido por ela, mas cujo autor – Juan Pérez – não fora localizado. Caso obtenha sucesso, seu romance (o do narrador-personagem) será publicado e ele receberá um bom adiantamento referente a direitos autorais.
Como se vê, a confusão entre realidade e ficção, a metalinguagem, as várias narrativas, enfim, são complexos os elementos que Levrero articula em um texto, não obstante, enxuto, de leitura ágil, em um enredo que transita entre a novela e o romance.
Quase a totalidade da trama se passa em Penurias, cidade em que supostamente Juan Pérez vive, e retrata as andanças do narrador em seu encalço. Há um quê de romance policial – não por acaso a epígrafe do livro é de Raymond Chandler (questão retomada na entrevista de Levrero por ele mesmo) –, mas os eventos inusitados vividos pelo narrador-personagem, muitas vezes sem relação direta com o objeto de sua busca, ganham destaque. A história é bem finalizada, também à semelhança dos bons romances policiais, uma vez que os elementos para o encaixe das peças, conquanto já estivessem presentes, não são entregues de bandeja.
De todo modo, talvez a maior importância deste livro seja mesmo a de introduzir o leitor brasileiro à obra desse escritor multifacetado (foi também fotógrafo, editor, jornalista, autor de quadrinhos), introdução que se perfaz, como vimos, em três frentes: uma ficção representativa; um relato inventivo e inspirado do próprio Levrero, repleto de ironias e em estrito diálogo com a ficção, mas que, justamente por isso, tem muito a dizer sobre o autor (a partir do autor), e um elucidativo posfácio, no qual se pontua a trajetória profissional de Mario Levrero, bem situada a aspectos biográficos.
Bom saber que há mais títulos da coleção “Otra língua” vindo por aí…

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