domingo, 29 de setembro de 2013

Quem são os intelectuais?

Quem são os intelectuais?

“Quando os intelectuais falam dos intelectuais estão falando, na realidade de si próprios, mesmo se por uma curiosa duplicação de personalidade acabam por falar da própria confraria, como se a ela não pertencessem” (Norberto BOBBIO[1]
A postura sobre o intelectual é carregada de contrariedades. Depende de quem o analisa, e dele próprio. A origem intelectual tem como marco o dia 14 de janeiro de 1898. Nesta data, apareceu em Paris, no jornal L’aurore, oManifeste des intellectuales, assinado por ilustres escritores como Zola, Anatole France, Proust, a favor de Dreyfus. Entao, o termo já estava incorporado e aceito na acepção vigente. Os intellectuales, segundo Bobbio, viam-se como não-políticos e enquanto homens de letras que combatiam “a razão de Estado em nome da razão sem outras especificações, defendendo a verdade da qual se consideram os depositários contra a “mentira útil”. [2]
Antes de ser assumido pelos dreyfusistas, o termo estava associado à palavra russa intelligentsia, que se tornou comum no idioma italiano:
“No particular contexto da história da Rússia pré-revolucionária, de fato, o termo, usado, ao que tudo indica, pela primeira vez, pelo romancista Boborykin, e difundido nos últimos decênios do século XIX, significava o conjunto (não necessariamente constituindo um grupo homogêneo) dos livres pensadores – que iniciaram, promoveram e ao fim fizeram explodir o processo de crítica da autocracia czarista e, em geral, das condições de atraso da sociedade russa.” [3]
No movimento operário socialista, o termo se tornou célebre a partir de Lenin e sua obra Que fazer?(1902), quando ele difundiu a tese de Karl Kautsky, segundo a qual a consciência socialista do proletariado é exterior a este. O que significa afirmar que não resulta espontaneamente da luta direta entre as classes sociais, mas sim como produto do acúmulo de profundos conhecimentos científicos, algo só possível aos intelectuais. Na base desta polêmica está a idéia, já presente em Platão (A República), de que os trabalhadores necessita de uma vanguarda iluminada, de filósofos e líderes que indiquem o caminho. A estes caberia a tarefa pedagógica de educar, no sentido de levar a teoria revolucionária aos trabalhadores, liderá-los e governar. Eis o núcleo central da concepção de partido revolucionário, portador da razão e demiurgo da história.
De qualquer forma, os intelectuais correspondem a uma categoria mais antiga do que imaginamos. Os doutos, philosophes, literatos, gens de lettre, enfim, os intelectuais modernos, tem como predecessores os religiosos, clérigos e outros que, nos diversos contextos sociais, expressaram o poder ideológico. Como ressalta Bobbio:
“Embora com nomes diversos, os intelectuais sempre existiram, pois sempre existiu em todas as sociedades, ao lado do poder econômico e do poder político, o poder ideológico, que se exerce não sobre os corpos como o poder político, jamais separado do poder militar, não sobre a posse de bens intelectuais, dos quais se necessita para viver e sobreviver, como o poder econômico, mas sobre as mentes pela produção e transmissão de idéias, de símbolos, de visões, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra (o poder ideológico é extremamente dependente da natureza do homem como animal falante)”. [4]
A palavra, escrita e falada, é o instrumento principal do poder ideológico. Os intelectuais são os que têm as condições propícias para o exercício deste poder. A quem favorecem? Contribuem para reprodução ou a crítica do status quo? Nenhum intelectual é política e ideologicamente neutro. Qual é, portanto, o seu papel social, a sua função?
Referência
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo, Editora UNESP, 1997.

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