segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pirâmides de insensatez

MUNDO


Dorrit Harazim, O Globo
Não é preciso ter dado aulas de Direito Constitucional em Harvard nem ter recebido o Prêmio Nobel da Paz ou ocupar o cargo de presidente dos Estados Unidos da América para saber que a troca de governo que derrubou o presidente egípcio Mohamed Mursi no início de julho foi um golpe militar. Barack Obama, com tantas credenciais, sabia.
Sabia, mas preferiu não saber. E perdeu a chance de fazer então o que talvez venha a ser compelido a fazer algum dia: cortar a ajuda militar anual de US$ 1,3 bilhão que os EUA fornecem às Forças Armadas egípcias desde 1979, para garantir a defesa de Israel.
Pressionado pelas imagens dos mais de 600 cadáveres recolhidos nas ruas do Cairo após a matança desta quarta-feira, Obama anunciou apenas a suspensão dos exercícios militares conjuntos com o Egito, programados para setembro. Para muitos, foi muito pouco e veio tarde.

Corpos reunidos na mesquita de El-Iman para identificação. Foto: Khalil Hamra / AP

O contorcionismo verbal de Obama para não chamar o golpe de golpe, e neste caso ser obrigado por lei a suspender a ajuda, persistiu mesmo depois da fuzilaria. “Sabemos que muitos egípcios, milhões de egípcios, talvez mesmo uma maioria de egípcios pediam uma mudança de curso”, comentou o presidente ao lamentar as mortes.
A convicção de que o cordão umbilical bilionário com o Cairo é vital aos interesses americanos se baseia na suposição de que ele permite aos EUA manter sua influência na região e exercer um papel decisivo nos rumos tomados pelos líderes do Egito. Só que tudo na evolução do golpe liderado pelo general Abel Fattah al-Sisi aponta em direção contrária.
Se a derrubada do caótico governo de Mohamed Mursi teve pontos de interesse comum para os militares egípcios e o governo americano — livraram-se da indigesta Irmandade Muçulmana no poder —, é possível que Washington tenha pouca serventia para os generais do Cairo agora que o golpe adquiriu dinâmica própria.
O influxo de US$ 12 bilhões que a Arábia Saudita e os emirados do Golfo se apressaram a oferecer aos golpistas também empalidece bastante o poder de barganha americano.
Enquanto isso, é bom não esquecer, o primeiro presidente eleito do Egito continua preso e incomunicável em algum lugar do país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário