segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Band-aids,

GERAL

 por Elton Simões

Como é frequentemente o caso, o inicio foi modesto, simplório, despretensioso. Quase irrelevante. Em 1921, Earle Dickson certamente não podia imaginar que sua invenção faria historia.
Earle apenas queria ajudar sua esposa, Josephine, a curar os pequenos, mas frequentes, cortes nos dedos que a afligiam. Notou que a gaze e o esparadrapo utilizados para proteger os ferimentos de sua esposa invariavelmente caiam. Decidiu inventar um curativo que protegeria os pequenos cortes e permaneceria firmemente colado aos dedos. A solução foi colocar um retalho de gaze no centro de uma fita adesiva. Nascia o Band-Aid.
Com o sucesso, Band-Aid virou substantivo e verbo. Passou a ter outros significados. No dicionário, band-aid também quer dizer solução temporária para um problema; ou aquilo que parece ser uma solução mais não tem qualquer efeito concreto.
Por definição, os band-aids da vida servem, e mesmo assim somente em alguns casos, para resolver, de forma temporária, pequenos problemas. A aplicação de band-aids não resolve questões relevantes, nem serve de remédio efetivo para qualquer coisa. Band-aids são soluções temporárias, precárias, ineficazes. Quebra-galhos, mesmo.
Apesar disso, são politicamente atraentes. Os golpes de caneta desfechados na aplicação dos band-aids dão a impressão de que as coisas estão resolvidas. Iludem, ou pelo menos, tentam iludir.
Band-aids vem em muitas formas, e com diferentes nomes. Às vezes se chamam bolsas. Outras vezes, subsídios. Invariavelmente beneficiam poucos à custa de muitos. Em todos os casos, vendem a ilusão de que, em algum lugar, existe um almoço de graça.


Band-aids são cúmplices perfeitos em estratégias cujo único objetivo é empurrar, para um futuro indefinido, mas não necessariamente distante, os problemas com a barriga. Evitam o confronto as causas dos problemas.
Ao fim e ao cabo, aplicações sucessivas e indiscriminadas de soluções temporárias (e ineficazes) a problemas permanentes geram custos, sofrimento e prejuízos. Quando a conta é apresentada, o arrependimento vem.
A má noticia vem acompanhada da constatação de que, de fato, como dita o senso comum, não existe almoço de graça. Band-aids não resolvem.

Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca

Qual é a prioridade?

GERAL

, por Edgard Flexa Ribeiro

Há um aspecto pouco mencionado sobre a proposta de se construir toda uma ferrovia que comporte um trem-bala entre Rio e São Paulo: qual seria a prioridade disso? Será que não haveria coisa mais urgente a ser pensada, projetada e feita?
Não faz muito tempo, enquanto já se falava nesse trem-bala, todos viram as filas imensas de caminhões que vinham do planalto central carregados com a segunda maior safra de soja do mundo, todos parados nas estradas, esperando dias e noites para descarregá-la no porto, em Santos.
O embarque era tão lento que teve país desistindo de comprar a soja brasileira: ia demorar muito para embarcar, e o navio não podia esperar.
Mas é claro que tinha que ser assim: não há outro meio de transporte para que tudo que o Brasil produz no planalto central chegue ao litoral da região Sudeste. Só com caminhão.
Não há ferrovia para isso. Já houve, faz tempo, com os recursos de então. Hoje não há mais.
Os portos de Santos, de Sepetiba e do Rio só recebem caminhões. As preocupações nacionais nunca se ocuparam em fazer uma ligação ferroviária entre o planalto central e o litoral do país e os portos do Sudeste.
O problema é a Serra do Mar: um obstáculo superável, mas nada fácil.
Mais ao norte, no Espírito Santo, pode ser feito o escoamento do que se produzia no vale do Rio Doce pelo porto de Tubarão. Mais ao Sul, do Paraná ao Rio Grande, também se pode fazer alguma coisa.
Mas no trecho de litoral entre Rio de Janeiro e São Paulo — que poderia ter portos que atendessem à produção de Minas, Goiás e Mato Grosso — não há acesso ferroviário.
O que o país poderia fazer pelo desenvolvimento de toda essa área, com meio adequado de transporte até o litoral, seria muito. Na agricultura, na pecuária e até para que ali também florescesse a indústria — por que não?
De certa forma, complementaria tudo que o país pretendeu fazer ao mudar a capital para lá. Não precisava tanto só para abrigar a burocracia...
Esse seria um desafio que valeria a pena enfrentar. Uma alavanca importante para o desenvolvimento do país.
Já ir depressa por terra entre Rio e São Paulo parece falta de visão do futuro. Não chega a ser uma prioridade...

Edgard Flexa Ribeiro é professor.

Graças à altivez do diplomata Eduardo Saboia, o senador boliviano escapou do cerco armado por Evo Morales e Patriota


Se conseguisse manter na vertical a espinha dorsal, o chanceler AntonioPatriota estaria celebrando desde sábado, a exemplo dos democratas do mundo inteiro, a chegada ao Brasil de um perseguido político asilado há 15 meses numa representação do Itamaraty — e impedido de dali sair pela arrogância de um tirano de ópera-bufa. Como vive de joelhos, Patriota determinou a divulgação da seguinte nota sobre a libertação do senador boliviano Roger Pinto Molina:
O Ministério das Relações Exteriores foi informado, no dia 24 de agosto, do ingresso em território brasileiro, na mesma data, do Senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado há mais de um ano na Embaixada em La Paz. O Ministério está reunindo elementos acerca das circunstâncias em que se verificou a saída do Senador boliviano da Embaixada brasileira e de sua entrada em território nacional. O Encarregado de Negócios do Brasil em La Paz, Ministro Eduardo Saboia, está sendo chamado a Brasília para esclarecimentos. O Ministério das Relações Exteriores abrirá inquérito e tomará as medidas administrativas e disciplinares cabíveis.
A nota de hoje do Ministério das Relações Exteriores reflete a crise moral por que passa a diplomacia brasileira”, retrucou o advogado Fernando Tibúrcio, que defende o parlamentar cassado e caçado por Evo Morales. “Ao invés de proteger e prestigiar um funcionário que deveria ser visto como exemplo, alguém que corajosamente tomou a única medida cabível numa situação de emergência, o Itamaraty optou por jogar Eduardo Saboia aos leões. Pior, inviabilizou a sua volta à Bolívia, por razões óbvias de segurança”.
Tibúrcio constatou que, na ânsia de bajular o lhama-de-franja, o chanceler “não foi capaz nem mesmo de lembrar que a esposa do Ministro Conselheiro Eduardo Saboia, funcionária do Consulado-Geral em Santa Cruz de la Sierra, e os filhos do casal, permanecem na Bolívia”. A nota oficial abjeta confirma que, se dependesse do ministro, a clausura de Pinto Molina se estenderia por muitos meses, ou anos. A sorte do senador é que ainda há no Itamaraty homens que honram o legado da instituição, cultivam valores morais e não desengavetam os direitos humanos apenas quando lhes convém.
“Se tudo deu certo, se uma grave questão humanitária foi resolvida,  foi graças aos funcionários da embaixada”, afirma Tibúrcio. Graças sobretudo à bravura e à altivez de Eduardo Saboia. Segundo o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores e um dos participantes do resgate de Pinto Molina, a vítima de Evo Morales viajou de La Paz para o Brasil acompanhado por Eduardo Saboia e escoltado por fuzileiros navais que integram o esquema de segurança da embaixada. (Nessa espécie de missão no exterior, militares se subordinam não ao Ministério da Defesa, mas ao chefe da representação diplomática).
Na viagem de 22 horas até Corumbá, a 1.600 km de distância, os dois carros com placas consulares que transportaram o grupo passaram por cinco postos policiais antes de alcançar a fronteira da Bolívia com Mato Grosso do Sul. Já em território brasileiro,  Saboia telefonou para Ferraço. “Ele me disse que não tinha como levar o senador  até Brasília”, relata o parlamentar capixaba. “Tentei falar com o presidente Renan Calheiros e com outras autoridades, sem sucesso. Então consegui um avião e fui buscá-lo e levá-lo para Brasília”.
Ferraço confirmou que Sabóia se vinha mostrando crescentemente preocupado com a situação de Pinto Molina: “Ele me disse que advertiu o Itamaraty, porque a situação logo ficaria inadministrável. Molina estava com depressão, sua saúde estava se deteriorando”. Inconformado com o teatro do absurdo, Saboia avisou que, se aparecesse alguma oportunidade, ele próprio trataria de resolver o impasse. “Não sei se o governo acreditou”, diz Ferraço.
Não acreditou, grita  a reação repulsiva dos condutores da política externa da cafajestagem. Também surpreendido com a viagem rumo à liberdade do senador que ousou enfrentá-lo, Evo Morales determinou ao Ministério das Relações Exteriores que rebaixasse Pinto Molina a “fugitivo da Justiça”. Se pudesse, o chanceler de Dilma Rousseff já teria deportado o perseguido.  Agora é tarde: por enquanto alojado na casa de Ferraço, Roger Pinto Molina é um asilado político que o governo está obrigado a proteger.
Os democratas venceram mais uma. E terminaram o fim de semana estimulados pela reafirmação de que um Eduardo Paes Saboia vale mais que milhares de antonios patriotas.

A coragem de Eduardo Saboia salvou a honra do país

Celso Arnaldo:

Eduardo Saboia
CELSO ARNALDO ARAÚJO
Ressalvadas as devidas proporções geopolíticas, a operação que culminou com a libertação do senador Roger Pinto Molina de seu intolerável cativeiro de 455 dias num cubículo da Embaixada do Brasil na Bolívia tem notáveis semelhanças com a história real que inspirou Argo ─ Oscar 2013 de melhor filme. Com o jovem ministro-conselheiro Eduardo Saboia no papel do agente de inteligência interpretado por Ben Affleck, que comandou o resgate de seis americanos escondidos na Embaixada canadense em Teerã, em 1979. Evo Morales como o desprezível lhama-aiatolá que assinou a sentença de morte do perseguido político. E os homúnculos que hoje comandam o Itamaraty no figurino dos beleguins iranianos feitos de pateta na fuga.
O “rigoroso inquérito” anunciado pelo atual ministro das Relações Exteriores, bravata em diplomatiquês de boteco de Brasília, contrasta com a entrevista serena, em português de gente decente, do ministro Saboia ao Fantástico ─ que, a começar pela presidente Dilma, sempre se jactando de seu inventário de lutas pelas melhores causas, deveria ser exibida repetidamente, como lição de casa, aos altos funcionários públicos que se dizem servidores da pátria e dos grandes propósitos humanos.
Eduardo Saboia arriscou sua vida numa perigosíssima jornada por terra até Corumbá; sua carreira, que provavelmente será ceifada depois do episódio; e a própria família, que ficou em La Paz, a metros do malandro que se faz de chola ─ para solucionar, radicalmente, um impasse interminável que o governo brasileiro não dava a menor mostra de querer resolver. Escoltou o senador Roger ao Brasil, para o asilo a que tem direito.
Disse o diplomata, ao chegar a Brasília:
─ Eu escolhi a porta estreita e lutei o bom combate. Eu não me omiti. Eu optei pela vida e salvei a honra do meu país, que eu defendo sempre.
Mais:
─ Eu escolhi a vida. Eu escolhi proteger uma pessoa, um perseguido político, como a presidente Dilma foi perseguida.
É bastante duvidoso que Dilma avalize com esse mesmo sentido o resgate cinematográfico engendrado pelo ministro Saboia. Não é sua especialidade colocar em prática o que diz que pensa, em termos de valores humanos superiores. O mais provável é que Patriota faça sua cabeça, culminando com a punição de Saboia por alta traição.
No fim de semana, de qualquer forma, Dilma estava muito ocupada lendo a nota de pesar que o pessoal da Secretaria de Comunicação preparou para ela lamentar a morte, quase simultânea, de dois campeões de 58, De Sordi e Gylmar. Uma maria-mole para quem adivinhar a abertura da nota. Na mosca:
─ O futebol brasileiro está de luto.
O Ministério das Relações Exteriores também. Ou nós com relação a eles.

sábado, 24 de agosto de 2013

Aprendizado com Joaquim, por Vitor Hugo Soares

GERAL


Ao tempo em que toca adiante a fase final e definitiva, que deverá desaguar no cumprimento das sentenças dos réus, condenados no julgamento do processo do Mensalão – com afinco, rigor necessário e sem titubeios ou meias palavras no trabalho a cumprir, “porque o país e a sociedade têm pressa” – o ministro presidente do STF, Joaquim Barbosa, continua a demonstrar sua enorme e inesgotável capacidade de surpreender.
Nas últimas duas semanas, retomadas as atividades na Suprema Corte do Brasil, em ambiente minado por velhos truques de astúcias judiciais protelatórias, além de novas armadilhas, o ministro Joaquim segue aparentemente inabalável em sua missão de magistrado. E vai além, na invejável conduta política e pessoal, como demonstrado nos mais recentes e duros embates.
Joaquim Barbosa tem suprido com sobras, dentro e fora do Tribunal que ele comanda (com alcance muito além das fronteiras nacionais) duas das carências mais sentidas do Brasil destes tempos temerários que atravessamos: a de firmeza nas atitudes e a de exemplos significativos dos homens públicos.
Com o andar da locomotiva reposto aos trilhos, depois dos trancos e abalos dos últimos dias, estou cada dia mais convencido do relevante papel do presidente do STF no aclaramento de questões essenciais da Justiça e do Jornalismo. Principalmente no enfrentamento das desconfianças e medos recíprocos de um lado e do outro.


Na historicamente complexa e intrincada relação com juízes, nas coberturas jornalísticas de processos judiciais (comecei minha carreira de repórter cobrindo o Fórum Rui Barbosa para o jornal A Tarde, na Bahia), um dos principais ensinamentos do caso Mensalão se dá exatamente nesse ponto. Isso, sem dúvida, a partir do jeito próprio e especial de ser e de atuar do presidente Joaquim.
O julgamento que corre no Supremo, despido dos salamaleques entre pares (jornalistas também), que o ministro Barbosa abomina e não suporta declaradamente, exibe, com todas as nuances e contrastes, uma realidade que durante décadas e décadas se manteve intocada. Nos julgamentos nos fóruns e nas coberturas da imprensa, para regozijo e gozo intelectual das duas partes, em suas respectivas feiras de vaidades.
O presidente do STF mostra com palavras e ações práticas, no seu trabalho no comando (repita-se) do processo Mensalão, aquilo que o experiente jornalista argentino Claudio Andrada, do Clarin, já havia apontado em 1993, no lúcido depoimento no livro “Entre Periodistas”, editado por Teódulo Dominguez.
Um guia de como pensar e fazer jornalismo que não canso de ler, reler e citar, pois a cada dia parece mais atual e verdadeiro em cada uma de suas 228 páginas e mais de uma dezena de entrevistas-depoimentos. Tudo com estilo e arte de quem sabe fazer perguntas e de quem sabe dar boas respostas.
Ali está dito que justiça tem duas partes: a da justiça em si e, logo, a da política: “A política está presente em todas as resoluções tomadas pela justiça, em qualquer nível, seja um juiz da primeira instância ou um juiz da Corte Suprema”, assinala Andrada.

O governador e o jornal, por Ruy Fabiano


O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, do PT, é um estudioso da liberdade de imprensa. Nas horas vagas de sua função - que, ao que parece, são muitas -, decidiu pesquisar o maior jornal de seu estado, o Zero Hora, do Grupo RBS.
Como detesta improvisos e amadorismos, quis basear seu estudo em dados científicos. Contratou, então, um instituto especializado nesse tipo de pesquisa – a Foco Opinião e Mercado Ltda., de Santa Catarina – para avaliar se o dito jornal é ou não imparcial nas coberturas que faz de seu governo.
Para tanto – detalhe irrelevante -, serviu-se do tesouro do Estado, de lá sacando a módica quantia de R$ 400 mil, que, claro, não fará falta a ninguém. Não se sabe a que conclusão chegou a tal pesquisa, que não foi – e provavelmente não será – publicada.
O Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul não entendeu - e não gostou: “Não se depreende qual a finalidade e o interesse público, em possível desatendimento às disposições constitucionais, na realização dos gastos”, diz o texto da representação que o procurador-geral Geraldo Da Camino encaminhou ao Tribunal de Contas do Estado.
Os procuradores em geral são chatos. Têm sempre dúvidas e suspeitas e estão sempre procurando alguma coisa errada. Daí o nome da função. No caso, porém, o procurador achou estranho gastar R$ 400 mil numa pesquisa que poderia sair quase de graça.

Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul

De fato, para aferir a imparcialidade de um jornal basta lê-lo, o que implica a aquisição do exemplar, na faixa dos R$ 2. Mas – e isso escapa à perspicácia do procurador -, o governador talvez tenha feito a opção mais cara para não contaminar a resposta com suas idiossincrasias e preconceitos.
Possivelmente, já tenha sua resposta pessoal, mas não julgou suficiente: quer ser justo. Por isso, acionou a Secretaria Estadual de Comunicação e InclusãoDigital, para encomendar o serviço. O que são, afinal, R$ 400 mil, sobretudo quando não nos pertencem, não é? O que, afinal, é o dinheiro público?
Há controvérsias: uns acham que, sendo público, não é de ninguém – e, portanto, é de qualquer um; outros, inversamente, acham que, sendo público, é de todos, o que não autoriza ninguém a dele se servir, senão em benefício de todos. O governador não se mete nessas polêmicas. É imparcial.

Petrópolis mais Pacatuba, por Cacá Diegues


Cacá Diegues, O Globo
A maturidade de uma cinematografia nacional se mede pela distância entre seus filmes. O contrário disso seria a sujeição a um único gênero, o tédio imperdoável da representação única de um país. Nada mais inapropriado para o cinema brasileiro, fabricado num vasto território cuja grande vantagem civilizatória é a diversidade de manifestações regionais, étnicas, culturais, suas diferentes geografias física e humana. Mais do que uma forçação de barra, seria um crime cometido contra nós mesmos. Um suicídio cultural.
Um exemplo dessa saudável distância em um mesmo universo está em cartaz no país. De um lado, o belo e sofisticado filme de Bruno Barreto, “Flores raras”; na outra ponta desse mesmo espectro, “Cine Holliudy”, a surpreendente comédia antropológica de Halder Gomes.
“Flores raras” conta a história do encontro entre a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto), ganhadora do Prêmio Pulitzer de poesia, e a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires), criadora do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro da passagem dos anos 1950 para os 60.

Miranda Otto, como Elizabeth Bishop e Glória Pires como Lota de Macedo Soares

Com uma encenação luminosa e delicada, Bruno Barreto não só nos narra a história dos sentimentos entre essas duas mulheres formidáveis, como nos traça também um impecável retrato da sociedade carioca e brasileira daquele momento de transição.
A Bishop cai na malemolente teia sedutora do Brasil quase que por acaso. Ela veio apenas visitar rapidamente uma amiga brasileira que, naquele momento, vive com Lota em Petrópolis, e acaba se apaixonando por essa.
O que o filme nos mostra não é apenas a densa história de amor entre as duas mulheres; mas também a difícil conquista da poeta contrariada, pelo país que observa com imenso espirito crítico, como alguém que reage à atração por algo que sabe que não lhe fará bem.
Essa droga cultural do excesso e do jorro vicia Elizabeth, que, já vivendo no país, escreve esse verso irritado e contundente, no poema “Questões de viagem”: “There are too many waterfalls here” (numa tradução livre, “aqui tem cachoeiras demais”).
Inaugurando sua carreira internacional no último Festival de Berlim, “Flores raras” ganhou o prêmio de público da sessão “Panorama”, repetindo a mesma premiação em Tribeca (Nova York), Los Angeles e San Francisco. Agora está em cartaz por todo o Brasil.