sábado, 7 de setembro de 2013

INDÚSTRIA SEM GÁS



POR ANTONIO MACHADO

Num dia tomado de simbolismos sobre o significado para os rumos da indústria e da tecnologia no mundo, motivado pela compra da divisão de telefonia celular da Nokia pela Microsoft, o IBGE jogou um balde de água fria ao divulgar que a produção industrial recuou em julho, repetindo o movimento em ziguezague que vem desde meados de 2012.

Os sinais de rearticulação das cadeias produtivas globais começam a ficar visíveis com o desentesouramento dos caixas bilionários das grandes multinacionais da indústria e de serviços no momento em que o mercado financeiro vive sobressaltado pela expectativa do fim do laxismo monetário do Federal Reserve, já antecipada pelo aumento da taxa de juros dos treasuries dos EUA. Há algo além desse viés.

O movimento previsível, pela ótica financista, tenderia a reforçar o empoçamento no mercado de papéis dos EUA dos lucros retidos pelas grandes corporações. A Microsoft fez o contrário, ao sacar US$ 7,2 bilhões de seu caixa gigantesco para comprar à vista e em dinheiro a operação completa de celular da Nokia, incluindo as patentes, e, assim, incorporar à sua atividade principal, basicamente a produção de softwares, também um braço industrial.

A empresa fundada por Bill Gates e Paul Allen e conhecida pelo seu programa mais famoso, o Windows, segue o Google, que pagou US$ 12,5 bilhões em agosto de 2011 pelo controle da Motorola, ambas, por sua vez, reconhecendo o sucesso do modelo da Apple, que sempre fez tudo no mundo da tecnologia da informação, TI, simplesmente — do sistema operacional ao aparelho (embora com fabricação terceirizada), sejam celulares, smartphones, consoles de games, tablets e notebooks.

Trata-se de uma transformação aparentemente maior do que a simples aquisição de uma empresa por outra. Falaremos disso noutro dia. Por ora, importa atentar para os movimentos cruzados entre produtores de “inteligência” na direção da indústria física e vice-versa.

O Google não desmente rumores de que pode considerar uma incursão no setor automotivo como passo seguinte ao seu sistema de piloto automático, que dispensa o motorista. Também se fala da aproximação de montadoras como Ford, GM e Toyota do mundo criativo e glamouroso dos startups do Vale do Silício. É a chamada “internet das coisas”, que traz a funcionalidade do smartphone a fogões e automóveis, por exemplo, que começa a tomar forma. E nada lhe escapa na indústria.

A reação dos mastodontes

A decisão estratégica da Microsoft pode revelar-se um tiro n’água, já que a projeção da Nokia no mercado de celular é um espectro do que foi. De dominante, com 40% do mercado global em 2007, sucedendo à liderança da Motorola, hoje lhe resta 15%, e é um pigmeu no ramo de smartphone, com 3%. Mas o potencial transformador pode ser maior — se bem-sucedida —, que a outra operação gigante um dia antes.

A Verizon, uma das grandes telcos dos EUA, comprou a fatia de 45% da inglesa Vodafone na empresa criada por ambas em 2000 no mercado americano, a Verizon Wireless. Foi um negócio de US$ 130 bilhões, o terceiro maior da história, sendo US$ 58,9 bilhões em dinheiro e o restante em ações. O tamanho do cheque à vista sugere duas visões.

Uma delas é a expectativa de retomada da economia real. Outra, a “desfinanceirização” relativa dos negócios — a sequela dos tempos da desregulamentação do mercado financeiro, que levou à hegemonia da banca nos EUA e depois em escala global, culminando com o caos dos derivativos de recebíveis e o estouro da bolha das hipotecas.

Distante das tendências

E a nossa indústria em meio a esse frenesi? É expectadora, além de consumidora potencial de tecnologias e processos que um dia baterão em nosso mercado. A industrial brasileira está atrasada a tudo isso e inova pouco, apesar dos programas oficiais de suporte à inovação, com subvenção, financiamento barato e subsídios fiscais.

Sem grandes diferenciais competitivos, sujeita-se às oscilações da economia, como dos juros e da taxa cambial. Ela já usufruiu o que poderia da valorização do mercado doméstico. Parou no teto por não ter condições competitivas num cenário de economia aberta.

Passo lento e relutante

É o que explica a evolução errática da produção — estar no limite, influenciada por qualquer aragem da economia. Cresceu 2,1% em junho e recuou 2% em julho, tanto quanto o aumento em relação a igual mês de 2012. Mas piorou. Ao contrário de junho, quando só uma entre as quatro categorias de uso teve queda, agora todas recuaram, até bens de capital, que informam sobre o ritmo do investimento, com redução de 3,3%, contra aumento de 6,5% no mês anterior.

A indústria caminha para frente, mas a passo lento e relutante, o que empaca o aumento acumulado em 12 meses, apenas 0,6% até julho. Os dados antecedentes de produção de agosto indicam outro mês ruim, desfazendo o bom momento do PIB no segundo trimestre.

Mediocridade não é sina

O desempenho pífio da indústria, que se salva pela perspectiva um pouco mais alentadora do investimento, pode ser revertido, mas com outra abordagem. A política de apoio à inovação, por exemplo, terá de buscar a criação de indústrias capazes de competir, aqui e fora, sem aditivos como protecionismo tarifário. Satisfazer-se apenas com a produção no país, sem domínio sobre partes da cadeia produtiva no mundo, também não cria vantagens comparativas nem emprego de ponta.

Uma política industrial que ignore o peso majoritário do capital estrangeiro no setor de transformação leva a desperdiçar esforços (e dinheiro) sem contrapartida da instalação de centros de decisão no país. As multis operam assim na China — condição para merecer o tratamento de empresa chinesa. Seria como dar o incentivo do IPI ao setor automotivo não sobre o preço de venda de carros, mas a partes da cadeia produtiva que tomem o país como plataforma de exportação global. O que se quer da indústria? A resposta define a política.

Um comentário:

  1. Uma política industrial que ignore o peso majoritário do capital estrangeiro no setor de transformação leva a desperdiçar esforços (e dinheiro) sem contrapartida da instalação de centros de decisão no país. As multis operam assim na China — condição para merecer o tratamento de empresa chinesa. Seria como dar o incentivo do IPI ao setor automotivo não sobre o preço de venda de carros, mas a partes da cadeia produtiva que tomem o país como plataforma de exportação global. O que se quer da indústria? A resposta define a política.

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