sábado, 7 de setembro de 2013

A AÇÃO SEM REAÇÃO

A AÇÃO SEM REAÇÃO


POR ANTONIO MACHADO

A disparada do dólar é um fenômeno global e chegou para ficar por bom tempo, se a recuperação em curso nos EUA não sofrer retrocesso. O fenômeno provoca sequelas que extrapolam a depreciação do real. Brasil e brasileiros estão mais pobres em dólar, embora, exceto em viagens ao exterior, esse efeito ainda seja pouco sentido no bolso.

A inflação devida ao encarecimento das importações — do trigo (com que se faz o pão) ao celular (do qual, tirando a carcaça, tudo mais vem de fora) — será gradual. E poderá até ser baixinha, se a reação preventiva do Banco Central ao esfriar a demanda, levar as empresas a optar entre subir preço e perder venda ou buscar produtividade.

A redução do poder de compra medido em dólar não é definitiva, mas condicionada ao que se fizer daqui para a frente. Não se trata do que tem feito o Banco Central, garantindo liquidez ao fluxo externo de pagamentos e proteção cambial (chamada de hedge) por meio da banca às empresas endividadas em dólar. Isso serve para baixar a febre.

No limite, o BC fará leilões de venda física de dólares da reserva de divisas (US$ 373,7 bilhões no dia 19) do país. Talvez não chegue a tanto. Tais medidas são para ordenar a desvalorização, não contê-la, já que inútil. Destinam-se a evitar que a especulação dirija o mercado e exagere o ajuste (overshooting, conforme o jargão) rumo a um cenário de liquidez global um pouco mais estreita. Quanto menor?

Vai depender da velocidade da volta à normalidade monetária dos EUA. Ela se dará em dois estágios. No primeiro, o Federal Reserve vai reduzir até zerar a emissão excepcional de dólar, hoje ao ritmo de US$ 85 bilhões/mês. No segundo, a taxa de juro básica, análoga à nossa Selic, ao redor de zero (contra 8,5% ao ano aqui), começará a subir. Pela ótica do Fed, esse processo será organizado. Começou em maio com o aviso de que se aproxima a hora do fim do laxismo.

Foi a alvorada para bancos centrais, Tesouros nacionais, políticas econômicas, bancos, empresas, investidores começarem a se preparar. Não se introduz mudanças tectônicas no mundo monetário à socapa. É o que estamos assistindo, com os gestores de hot money procurando pescar vantagens nas águas das economias mais enfraquecidas.

Know-how contra crises

 Infelizmente, fora a China, até agora, o tumulto cambial é a situação recorrente em todas as economias emergentes, nós, entre elas, com o cenário mais complicado onde há deficit externo (o nosso é de 3,1% do PIB). E pior para as que extraem o grosso das receitas em dólar da exportação de commodities. Depois da bonança, graças ao apetite chinês por alimentos e matérias-primas, elas entraram num ciclo de baixa, devido ao ajuste da China. E disso também padecemos. Reservas volumosas e o know-how obtido pelo BC na gestão de crises cambiais, e foram muitas no passado, reciclado depois do crash de Wall Street, em setembro de 2008, tornam o processo menos ruinoso e com menor risco, em princípio, de disrupções na economia.

Especulação com causa

Em nota distribuída segunda-feira, o presidente do BC, Alexandre Tombini, garantiu estar atento ao “realinhamento global das moedas” e ao suprimento de liquidez. Por agora, numa operação associada à recompra de títulos públicos pelo Tesouro, a depreciação parou no assoalho do patamar de R$ 2,40. Até quando? Nem o BC pode saber. A especulação quer mais juros para continuar aplicada em reais. E tira sua força do desequilíbrio entre o nível de demanda, dado pelo consumo privado e pelo investimento supridos por importações, e um mundo menos disposto a bancar deficits estruturais. Baixar demanda é a sequela do aumento do dólar em relação ao real, o que passa por alguma inflação para elevar a competitividade industrial.

Salário paga sozinho?

Esse é o embate estrutural entre o câmbio depreciado e o nível da atividade, o que torna falacioso alegar, como alguns ministros têm feito, que a alta do dólar é boa para a indústria e não tem impacto inflacionário. É a mudança de preços relativos que deve alavancar a indústria, o que implica promover a produção à custa da importação, com os custos da transição repassados ao consumidor doméstico.

Se for só esse o resultado, a economia voltará a crescer depois de completado o ajuste, mas com poder de compra em dólar menor. E isso quando, não obstante o aumento real de 70,5% desde 2003, o poder de compra em termos de salário mínimo continue baixo. Pelo índice Big Mac da revista The Economist, o prosaico hambúrguer toma quase três horas de trabalho aqui, contra 35 minutos nos EUA, 53 na Grécia há cinco anos em recessão, 18 na Austrália. Com maior produtividade do gasto fiscal e da máquina pública, o ônus cambial pode ser menor.

Derrama de US$ 32 tri

Entre 2006 e 2012, o suprimento de liquidez no mundo, segundo nota do banco inglês Bedlam, cresceu US$ 32 trilhões em dólar. Quando os governos reduzirem tais estímulos, prevê-se o enxugamento de US$ 1 trilhão a US$ 3 trilhões no médio prazo, conforme o ritmo da volta do crescimento econômico nos EUA, Europa, Inglaterra, Japão, os que mais abusaram das emissões para fortificar a economia. Trata-se de mudança brutal. Os governos não vão ficar parados. A China já iniciou o ajuste para depender menos dos investimentos em infraestrutura e de exportações para crescer, promovendo o mercado interno. E nós? Para crescer sem riscos externos, deve-se elevar a poupança nacional, sinônimo de superavit fiscal, ao menos enquanto o pré-sal não passar de despesa. E os políticos já querem gastá-lo por conta... Tais coisas ilustram a desembaraço da especulação.

Um comentário:

  1. Derrama de US$ 32 tri

    Entre 2006 e 2012, o suprimento de liquidez no mundo, segundo nota do banco inglês Bedlam, cresceu US$ 32 trilhões em dólar. Quando os governos reduzirem tais estímulos, prevê-se o enxugamento de US$ 1 trilhão a US$ 3 trilhões no médio prazo, conforme o ritmo da volta do crescimento econômico nos EUA, Europa, Inglaterra, Japão, os que mais abusaram das emissões para fortificar a economia. Trata-se de mudança brutal. Os governos não vão ficar parados. A China já iniciou o ajuste para depender menos dos investimentos em infraestrutura e de exportações para crescer, promovendo o mercado interno. E nós? Para crescer sem riscos externos, deve-se elevar a poupança nacional, sinônimo de superavit fiscal, ao menos enquanto o pré-sal não passar de despesa. E os políticos já querem gastá-lo por conta... Tais coisas ilustram a desembaraço da especulação.

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