quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O povo contra as torturas na Polícia do Exército

MEMÓRIA DA DITADURA



Quando ele chegou ali há 40 anos, fora sequestrado por um grupo armado. Estava encapuzado, jogado no fundo de um carro, sem saber para onde estava sendo levado. Hoje de manhã, o jornalista Álvaro Caldas, ex-preso político, desembarcou do táxi na porta lateral do quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, que abrigou na Tijuca, Rio, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Coordenação de Defesa Interna), um dos mais famigerados centros de tortura da ditadura pós-64. Como não sabia chegar lá, Caldas pegou o táxi na Praça Saens Pena.
O DOI foi criado para unificar o combate àqueles que ousaram entrar para a luta armada contra a ditadura. Pelo DOI, passaram centenas de prisioneiros -- a maioria clandestinamente --, onde eram torturados. Entre os mortos ali estão pelo menos dois nomes da lista de 125 desaparecidos políticos -- Rubens Paiva e Mário Alves, que foi empalado com um cabo de vassoura.
Então militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), uma dissidência do PCB, Álvaro Caldas era repórter especial do "Jornal do Brasil" foi um dos primeiros a dar nomes de seus torturadores num livro, "Tirando o capuz", publicado pela primeira vez em 1981.
-- Sofri todo tipo de tortura no DOI-Codi, onde fui preso duas vezes. Na primeira vez fiquei 70 dias totalmente incomunicável e preso clandestinamente. Os cariocas não têm ideia do que passou aí dentro. Toda vez que passo aqui ainda dá medo -- contou Álvaro Caldas, em entrevista ao nosso blog.
Se hoje Álvaro Caldas pode desembarcar de táxi na porta do que foi uma das mais violentas masmorras da ditadura, em 40 anos as coisas parecem ter mudado pouco para o Exército, no que se refere à memória política do país. Integrantes da Comissão estadual da Verdade foram recebidos pelo comandante do 1º BPE, tenente-coronel Luciano, que explicou que cumpre ordens de não abrir o quartel para visitação. As ordens são do Comando Militar do Leste, subordinado ao Exército.O presidente da Comissão, Wadih Damous, disse que está disposto a ir ao ministro da Defesa, Celso Amorim, convidá-lo para fazer uma visita à PE. A Comissão quer transformar o local num centro de memória da ditadura de 64.
-- Essa proibição é ilegal e antidemocrática -- protestou Damous.
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que esteve preso  no DOI-Codi do Rio de 19 a 29 de julho de 1977, foi se unir ao grupo que queria entrar no quartel, dessa vez pela porta da frente. 
-- Este foi o centro de tortura mais sofisticado do país na década de 70 -- afirmou Ivan, que tomou conhecimento da visita por meio de nota publicada na coluna de Ancelmo Gois anteontem.
-- Eu me emocionei ao ler a nota e fiz questão de vir -- lembra Ivan.
Estiveram lá também grupos como Tortura Nunca Mais -- que desde 1985 luta pelo esclarecimento de crimes praticados por agentes da ditadura, que resultaram em 500 mortos e desaparecidos em todo o país. Também participaram do ato ex-presos políticos como Paulo Sérgio Paranhos, de 70 anos -- que esteve no DOI por três meses, em dezembro de 1969 -- e o ex-fuzileiro naval Emílio Cavalcanti, de 80 anos, que militou na Aliança Libertadora Nacional (ALN). Cavalcanti contou que bem antes de 64 o quartel da PE já era conhecido como um local de torturas. Ele lembra que em 1952 um amigo dele foi preso ali por participar de manifestações da campanha O Petróleo é Nosso, no governo Vargas.
A pracinha que fica em frente à porta lateral do quartel da PE, na Rua Pinto de Figueiredo, parecia uma daquelas reuniões das mães da Praça de Maio, que lutam pelo esclarecimento dos desaparecimentos políticos na Argentina. Participaram jovens do Coletivo Memória, Verdade e Justiça -- entre os quais há grupos que se dedicam a caçar torturadores do regime militar -- fizeram um varal cujas bandeirinhas eram fotos e resumo da história de desaparecidos políticos, muitos deles presos pelo Exército. Ao final do ato, gritaram três vezes o nome do "camarada Mário Alves", seguido de "presente". 
Foram até a PE advogados de ex-presos políticos como Marcelo Cerqueira e Modesto da Silveira, baluartes da democracia quando era praticamente impossível denunciar as atrocidades do regime militar.
Tanto Cerqueira como Modesto passaram pelo DOI-Codi como presos políticos. Cerqueira foi levado para lá em 1965. Modesto conta que ali foi "psicologicamente torturado", depois de ter sido sequestrado em 1968, logo depois do AI-5, o golpe dentro do golpe. Irônico, Cerqueira chegou a pedir "dá um choque elétrico aí", ao soldado que montava guarda na porta principal. A grande dificuldade daqueles advogados à época era conseguir comprovar que seus clientes estavam presos no DOI-Codi, onde o filho chorava e ninguém ouvia. Nem mesmo os vizinhos do prédio Esther e Elias, que fica em frente à Barão de Mesquita 425. No térreo funciona um cabeleireiro, onde a movimentação no quartel virou a conversa da hora.
-- Moradores mais antigos do prédio contam que o quartel é assombrado pois bem depois do fim da ditadura ainda se ouvia gritos por lá à noite -- contou uma das cabeleireiras que, "por via das dúvidas" achou melhor não se identificar.

 
Integrantes da Comissão estadual da Verdade entram no quartel, onde foram recebidos pelo comandante por dez minutos

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