segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O manicômio tributário

O manicômio tributário


Dária Leon - Por Alexandre Versignassi e Felipe van Deursen
 
Foto: Pica Pau
Em 1821, dom Pedro, recém-nomeado príncipe regente, viu-se em uma enrascada. O Brasil estava quebrado. Para tentar reverter o quadro, uma de suas primeiras medidas foi abolir o imposto do sal e da navegação de cabotagem, que encareciam a produção de charque, um dos principais itens da economia de então. É, o excesso de impostos já era um entrave. Brasileiro, você sabe, paga muito imposto. Somos só o 75º país em PIB por habitante. Mas temos a 14ª carga tributária mais alta: 36,2% em relação ao PIB.
Mas o buraco é mais embaixo. Se fosse uma pessoa, nossa carga tributária seria aquele namorado problemático, cheio de picuinhas e histórias mal contadas. Imposto é uma coisa tão complicada no Brasil que as empresas gastam 108 dias por ano só para preparar, registrar e pagar tributos. Estamos em 130º no ranking de burocracia do Banco Mundial (que é de trás para a frente: quanto mais embaixo na lista, mais burocrático é o país). Se sua Praga fosse aqui, Franz Kafka teria muita inspiração para escrever a respeito (a República Tcheca manda um salve do 65º lugar, aliás). A média nos países desenvolvidos é de uma semana para tratar da papelada. “Já ouvi donos de multinacionais dizerem que as equipes da área de tributação são dez vezes maiores aqui que no exterior”, diz Fernando Pimentel, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil. “É um manicômio tributário”.
As empresas gastam um terço do ano para lidar com impostos. São 88 tributos federais, estaduais e municipais, que vão da contribuição para a aposentadoria à taxa de lixo. Além disso, as regras mudam constantemente: 46 normas tributárias sâo editadas por dia. A cada 26 minutos, a Receita Federal cria uma nova regra.
Olhe seu sapato. Se for Made in China, ele custava cerca de US$ 5 quando desembarcou no Porto de Santos. A partir daí, o preço sobe. Primeiro, é o Imposto de Importação, um tributo federal que, no sapato, é de 35%. Depois, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é recolhido pelos Estados (e, em cada um deles, há uma tarifa diferente). Os famosos PIS e Cofins também aparecem nessa operação. O Programa de Integração Social (PIS) foi criado para alimentar um fundo de pagamento de seguro-desemprego. Já a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) serve para investimentos em saúde, previdência e assistência social. No caso do sapato, eles somam 9,1%. Também há uma taxa de Cofins exclusiva para importados e, no exemplo chinês, uma sobretaxa de US$ 13,85 por par desembarcado no Brasil. É uma medida antidumping do governo. Ou seja, ela serve para evitar que o preço baixíssimo do calçado chinês prejudique a indústria calçadista brasileira – e também dá uma folga para que essa indústria não seja obrigada a baixar suas margens de lucro por causa da concorrência.
Ok. Agora, se o seu sapato foi fabricado aqui, a história muda. São 12% de ICMS e mais 9,25% de PIS e Cofins. Mais outros 34% de Imposto de Renda e de Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), um imposto que também foi criado para ser revertido em saúde, previdência e assistência social. Depois são 0,04% de IOF, o Imposto Sobre Operações Financeiras. E ainda tem os gastos com os funcionários: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que é aquela poupança que o governo faz em seu nome, caso você seja demitido sem justa causa. E a taxa do INSS, o Instituto Nacional da Seguridade Social, que um dia pagará sua minguada aposentadoria. Somados, dão 6,5%. Assim, o calçado sai da linha de produção a R$ 59, segundo a gerente de custos de uma fábrica de grande porte que preferiu não ser citada. Cansou? Pois isso é só na indústria. Sobre o varejo, incidem ICMS, PIS e Cofins, além de um outro, o ISS, sobre serviços, cobrado em cada município (varia entre 2% e 5%).
Calma que piora. Se você simplesmente somar os percentuais de impostos, a conta não fecha. É que há tributos que incidem uns sobre os outros. E vão depender se a empresa paga imposto sobre o lucro presumido ou real, por exemplo. E aí os preços ficam como ficam. No ovo de Páscoa, 38,5% do valor cobrado são impostos. E, no bacalhau importado, gordurosos 43,7%. Por isso que cada vez mais gente vai às compras no exterior: um Samsung Galaxy SIII, em Miami, sai por R$ 650. Em São Paulo, o celular não sai por menos de R$ 2.048. Pelo menos em parte, dá para culpar os impostos: lá são só 7%, enquanto aqui são quase 40%.
Para desatar o nó, economistas, políticos e empresários clamam pela reforma tributária. A maioria dos especialistas ouvidos pela SUPER defende que o imposto migre do consumo para o patrimônio, ou seja, que pese sobre o lucro e sobre a renda e não sobre trabalho, produção e consumo. Isso faz muita diferença. “Hoje, a maior parte do que pagamos de imposto é sobre o faturamento [tudo o que entra em caixa], não sobre o lucro”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Eloi Olenike. Ou seja: os comerciantes têm de pagar impostos gordos mesmo quando têm prejuízo. Isso estimula bastante a livre-iniciativa – só que ao contrário.
Enquanto a reforma não sai, alguns setores da economia fazem acordos pontuais. No ano passado, por exemplo, a indústria automobilística foi beneficiada pela redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Resultado: a venda de veículos subiu 4,6% em relação a 2011 – e o IPI virou garoto-propaganda dos comerciais de carro.
Mas não. Os impostos não explicam tudo sozinhos. Nem o custo Brasil. Outro fator também entra na conta: o “lucro Brasil”.

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