quinta-feira, 18 de julho de 2013

Governar menos para empreender mais


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HB.jpgEntrevista concedida ao Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo 
Com a menor taxa de juros em dois anos, o Brasil ainda convive com uma inflação alta em comparação com outros países e o governo precisa soltar as amarras da atividade econômica, abrindo espaço para a livre iniciativa.  Helio Beltrão, presidente do Instituto Ludwig von Mises, afirma ser improvável uma recessão no Brasil, mas o PIB deve crescer menos de 5% pelo menos nos próximos dois anos.

Ibef News: O BC reduziu a Selic para 9% ao ano — a menor taxa em dois anos — mesmo com a inflação distante do centro da meta.  Como você vê esse curso de ação por parte do BC?
Helio Beltrão:  O saudoso Millôr Fernandes dizia que "a inflação está para a economia assim como a falsificação está para a moeda".  Millôr tinha razão.  O Banco Central pode criar moeda do nada, tal qual um falsificador.  Essa "inflação da moeda" gera distorções e a ilusão de que certas atividades dão lucro.  A inflação brasileira é alta demais; a própria meta de 4,5% é alta.  Compare com Peru (banda de 1% a 3%), Chile, Colômbia e México (de 2% a 4%), e os países desenvolvidos em geral (2%).
A pesquisa Focus indica cerca de 5% para o IPCA em 2012, e 5,5% em 2013.  Acho provável que esse cenário se realize. Após a superinflação que amargamos durante os anos 1980 e 1990, nós não merecíamos mais essa inflação de terceiro mundo.
Ibef News: A revista americana The Atlantic trouxe na capa de sua edição de abril o presidente do Fed, Ben Bernanke. Como você avalia o desempenho dele?
Helio Beltrão: O fracasso do Fed, tanto na última década quanto na atual gestão, é retumbante.  Sob Alan Greenspan, produziu a maior bolha de todos os tempos, devido principalmente à política de baixas taxas de juros; as consequências incluem desemprego, piora nas contas governamentais e protestos em países europeus.
Sob Bernanke, a ação tem sido intensificar a mesma política que contribuiu para a crise de 2007/08.  Hoje é racional para um banco tomar esse dinheiro a custo zero e comprar um estoque de papel higiênico, que ao menos se valoriza com a inflação.  O papel-moeda do Fed, portanto, se tornou pior que papel higiênico!  Banqueiros centrais sofrem da pretensão do conhecimento: como fabricantes de árvores de Natal, eles acham que podem fazer um trabalho melhor que o da natureza.
Ibef News: Você é presidente do Instituto Ludwig von Mises Brasil — cujo homônimo foi líder de uma das principais escolas de pensamento econômico do século XX.  De que forma seria possível lidar com a atual crise global segundo o pensamento da Escola Austríaca?
Helio Beltrão: Daqui para frente, o recomendável é que o Fed pare de injetar moeda e volte a permitir taxas de juros reais positivas.  Ele também deve permitir que o sistema se desalavanque — liquide dívidas em excesso, bem como investimentos ruins e insustentáveis (que não teriam existido não fosse essa política de juros negativos), ainda que isso derrube os preços de alguns ativos.
Ibef News: Como você avalia o chamado "capitalismo de estado" da China? O país cresce cerca de 10% em média há pouco mais de três décadas sob esse "sistema".
Helio Beltrão: Parece-me que o Brasil se assemelha mais a um modelo de capitalismo de estado do que a China. Empreender ou ser empresário no Brasil é um desafio quixotesco: o país é uma ilha de iniciativa cercada de governo por todos os lados.  A intrusão estatal é asfixiante, fruto de um garrote de mais de oitenta impostos, uma burocracia acachapante, incontáveis estatais e um governo que a cada semana troca as regras.  Ser empresário hoje significa estar próximo do "rei" ou participar da corte.  O estado chinês, por outro lado, governa menos em aspectos econômicos: patrocinou um choque de liberalismo a partir de 1978, e parece mais amigável à iniciativa privada, a despeito da linha dura nas questões política e de liberdades individuais.
Ibef News: Nos EUA já está até nos para-choques o slogan "End the Fed".  Bancos centrais seriam de fato dispensáveis?
Helio Beltrão: O problema não são os bancos centrais em si, ou as funções que teoricamente possuem, mas seu caráter monopolista.  Isso gera situações estranhas à economia de mercado — como determinar os juros por decreto a cada 45 dias, fazer com que os bancos tenham lucros privados e prejuízos socializados, e permitir que os correntistas tenham seus fundos garantidos pelo estado.  Não se analisam as causas fundamentais das crises sistêmicas; os custos das crises nunca são internalizados pelos bancos, e sedimentou-se no imaginário do mercado termos como "put de Greenspan" e "too big to fail".  Não é necessário, portanto, extinguir-se o banco central e suas "fotos da onça pintada" — basta acabar com a obrigação de que usemos exclusivamente a sua moeda e suas regras.
Ibef News: O Brasil vem de dois trimestres de desempenho mais fraco e, no primeiro semestre deste ano, também perdeu fôlego. Como você avalia o desempenho do país atualmente?
Helio Beltrão: O Brasil está entrando na fase de contração do ciclo econômico descrito pela teoria dos ciclos da Escola Austríaca. A acentuada expansão monetária e de crédito iniciada em 2009 estimulou a economia. Porém, a restrição no crescimento da oferta monetária iniciada em meados de 2011 não apenas arrefeceu o crescimento econômico (artificial), como também está elevando a inadimplência das empresas e famílias.
No lado fiscal, tivemos em 2009 um dos maiores impulsos do passado recente, porém desde 2011 o governo está sendo mais moderado, inclusive nos desembolsos do BNDES. O cenário externo favorável dos últimos dez anos dá mostras de fadiga, com o comércio internacional em queda e os principais centros de exportação de capital em crise.  Finalmente, o governo aumenta suas intrusões em diversos setores da economia.  Por todos esses fatores, o PIB não deve voltar aos níveis de 5% de crescimento nos próximos dois anos, embora também seja improvável uma recessão séria.  O Brasil poderia estar muito melhor.
Ibef News: No limite, que papel tem o governo em termos da economia do país?
Helio Beltrão: O principal papel do governo é governar menos para que o empreendedor possa empreender mais. O governo deve cortar as amarras à atividade econômica, como eliminar e reduzir impostos ao máximo, substituir regulamentações estatais por outras não-estatais determinadas por agências independentes em competição, e privatizar o máximo possível — mas sem transformar um monopólio estatal em um oligopólio privado de compadres.

Helio Beltrão é o presidente do Instituto Mises Brasil.

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