segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Por que não houve inflação de preços no Japão?



tokyo.jpgUm leitor manda-me a seguinte pergunta: Por que o Japão, mesmo com tantos estímulos monetários desde 1990, não tem inflação?
E a minha resposta direta é: simplesmente porque não houve estímulos monetários, apenas estímulos fiscais.
O leitor mais iniciado poderá se espantar com a resposta acima, uma vez que é público e notório que o Banco Central do Japão (BOJ) vem mantendo sua taxa básica de juros em níveis ridículos há anos.  Sendo assim, duas perguntas tornam-se inevitáveis: como é possível dizer que não houve expansão monetária no Japão quando se sabe que o BOJ manteve os juros perto de zero durante anos?  É possível manter juros baixos e, ao mesmo tempo, não haver expansão monetária?
Antes de partir para a empiria e mostrar dados que comprovam o que estou dizendo, vou antes reter-me um pouco na sempre indispensável teoria.
Juros altos x expansão monetária
Como tentei deixar claro nesse artigo sobre a taxa SELIC, quando o banco central quer reduzir os juros, ele expande a base monetária — isto é, ele cria dinheiro do nada e compra títulos da dívida que estão em posse do sistema bancário.  Tal medida fará com que haja mais dinheiro em posse dos bancos, os quais poderão agora emprestar mais a preços menores.  Ou seja, aumenta-se a oferta de dinheiro, diminui-se seu preço.
De forma inversa, quando o banco central quer aumentar os juros, ele vende títulos para os bancos e, com isso, reduz a quantidade de dinheiro que o sistema bancário tem disponível para empréstimos.  Menor oferta de dinheiro, maior o seu preço.
Dessa explicação, é comum tirar a seguinte conclusão: se os juros estão baixos, é sinal de que o banco central está injetando dinheiro no sistema; e se os juros estão extremamente baixos, é sinal então de que o banco central está injetando quantidades cada vez maiores de dinheiro no sistema.
Entretanto, tal relação não é tão direta assim.  E é justamente isso que torna o estudo da ciência econômica algo tão fascinante, para não dizer divertido.  Simplesmente não existe uma relação matematicamente exata entre as variáveis.  Da mesma forma que um aumento na quantidade de dinheiro terá um efeito imprevisível sobre os preços (você apenas sabe que os preços seriam menores caso não tivesse ocorrido esse aumento na quantidade de dinheiro, mas é incapaz de saber com exatidão qual será relação matemática exata entre ambos), um aumento na oferta monetária possui uma relação imprevisível com os juros.
É perfeitamente possível o banco central expandir a base monetária e, ainda assim, provocar um aumento dos juros.  E, da mesma forma, é perfeitamente possível o banco central simplesmente parar de criar dinheiro e, com isso, obter uma redução dos juros.
Eis aí um fato que poucos compreendem.  É possível haver grande expansão monetária em um ambiente de juros altos, bem como haver desprezível (ou até mesmo nula) expansão monetária com juros baixos.
Um bom exemplo de cada caso seria o Brasil, para o primeiro caso, e a Suíça, para o segundo.  Embora soe estranho a princípio, o problema fica mais fácil quando se analisa os fundamentos da política monetária.
Por exemplo, pela teoria, se a oferta monetária fosse congelada, essa repentina "escassez" de moeda geraria um aumento de juros muito alto no mercado interbancário. Isso de fato é verdade no curto prazo — afinal, se a impressão de dinheiro cessou, a quantidade a ser emprestada entre os bancos parou de aumentar, e essa súbita paralisia pode gerar um aumento temporário de juros.
Entretanto, uma vez entendida que a quantidade de dinheiro não vai mais aumentar, os agentes econômicos (desculpe o jargão economicista) perceberão que de nada adiantará cobrar juros nominais altos: afinal, como eles seriam pagos?  Em um cenário de quantidade de moeda fixa, se você emprestar 100 reais e cobrar 10% de juros, não haverá como receber 110 reais, pois não está havendo aumento na oferta monetária.  Assim, se você não cobrar juros (muito) menores, simplesmente não fará empréstimo algum.  Esse raciocínio, aliás, não é exclusividade austríaca. Milton Friedman — monetarista convicto que no final da vida passou a defender a extinção do banco central — também concluiu que era isso que ocorreria.
Esse cenário descrito acima ocorre, por exemplo, na Suíça, país de banco central tradicionalmente conservador (no sentido de incorrer em baixíssimas expansões monetárias) e de juros (no caso, refiro-me à SELIC deles) também baixos.
Já o cenário inverso ocorre no Brasil. Se o BC pratica expansões monetárias mais vultosas e a economia é fechada (o que significa que as pressões inflacionárias não podem ser abrandadas pelas importações), então grande parte dessa expansão irá se traduzir em grande aumento de preços.  Sendo assim, os bancos embutem essas expectativas inflacionárias no valor dos juros que eles cobram.  Ou seja: a maior expansão monetária gerou, ao contrário do imaginado, um aumento nos juros (tanto na SELIC quanto nos juros cobrados das pessoas físicas e jurídicas).
Logo, é perfeitamente possível haver juros altos concomitantes a grandes expansões monetárias, e juros baixos concomitante a pequenas (e até mesmo nulas) expansões monetárias.
E o Japão pertence ao segundo caso.
A empiria japonesa — agregados monetários
Como qualquer outro banco central, o Banco Central do Japão controla a base monetária de seu país.  Ele faz isso comprando e vendendo títulos da dívida do governo em posse do sistema bancário.  A base monetária é a única variável monetária que está sob controle direto de um banco central.  Ela é o melhor indicador para se saber qual a postura adotada por um banco central.
O gráfico a seguir, fornecido pelo Fed, o banco central americano, mostra o comportamento da base monetária japonesa desde 1992.
1.jpg
O eixo vertical, à esquerda, mostra a variação percentual da base monetária em relação ao ano imediatamente anterior.  De 1992 a 1999, a base monetária cresceu anualmente a uma taxa sempre inferior a 10%.  Durante um rápido período entre 1999 e 2000 ela chegou a uma taxa de crescimento de 15%, porém despencando logo em seguida para 0%.  De 2001 a 2003, um ano de recessão para o país, ela cresceu a taxas mais vigorosas.  Entretanto, esse crescimento foi praticamente anulado pela postura mais contracionista adotada a partir de meados de 2003, quando a taxa de crescimento começou a diminuir até se tornar negativa desde o início de 2006 até meados de 2007.  Desde então o crescimento tem sido praticamente nulo.
Ou seja, de 1992 até 2008, o Banco Central japonês adotou uma política monetária, no mínimo, contida.
Para se ter uma ideia, desde a criação do real, o Banco Central brasileiro, o campeão dos juros altos, jamais praticou uma taxa de crescimento da base monetária menor do que 10% ao ano.  De 1996 a 2008, a média da expansão da base monetária brasileira foi de mais de 18% ao ano, e jamais praticando contração, como fez o BOJ em 2006-2007.
Entretanto, a base monetária não é o melhor indicador monetário para se "prever" o comportamento dos preços.  Os agregados monetários M1 e M2 fazem isso com mais acurácia.  O leitor mais aficionado pode ler esta publicaçãodo Banco Central japonês e ver que a definição que eles dão para o M1 (papel-moeda em poder do público + depósitos à vista) e o M2 (M1 + depósitos a prazo) é praticamente idêntica à do Banco Central brasileiro.  Eis o gráfico da taxa de variação anual de ambas as variáveis:
2.jpg
Nota-se que de 1992 a 2002, o M2 japonês cresceu a taxas inferiores a 3%, e de 2003 até o início de 2009, o crescimento foi ainda menor.  O M1 praticamente seguiu o mesmo padrão de comportamento, apresentando apenas eventuais surtos localizados, principalmente em 2001-2003, ano de recessão.  Fora esse período, e além de um período entre 1995 e 1996, quando chegou a 15%, o crescimento do M1 sempre esteve abaixo de 10%.  E de 2003 até o presente, M1 cresceu menos de 5% ao ano.
Comparando-se novamente com o Brasil, desde a criação do real o M1 brasileiro jamais ficou abaixo de 10%.  De 1995 a 2008, a taxa média de crescimento anual do M1 foi de 19%.  A do M2 foi de 15%, com picos de 40%.
Ou seja, novamente pode-se dizer que os agregados monetários japoneses cresceram a taxas extremamente contidas, principalmente o M2.
A empiria japonesa — índice de preços
Vejamos agora como se comportaram os preços ao consumidor japonês.  O gráfico é o penúltimo desta página.  (Por favor, perdoe a incompetência deste articulista, que não conseguiu copiá-lo para cá).
De 1992 a 1999, a inflação de preços esteve em sua maior parte ao redor de 0%.  Em 1997 os preços subiram módicos 2%, a maior taxa do período.  De 1998 a 2007, a taxa anual foi ligeiramente deflacionária, mas nunca houve deflação maior do que 1% durante um período de 12 meses.  Em 2008, os preços subiram 2% novamente, e depois voltaram a cair.
A empiria japonesa — crescimento econômico
Como mostra esse gráfico, de 1990 a 2008, o PIB real (já considerando preços e produção) japonês subiu de 450 trilhões de ienes para 560 trilhões.  Um aumento de 24%, ou 1,2% ao ano.  Para um país rico e com taxa de fecundidade nula, tal crescimento da riqueza per capita é bastante razoável — no mínimo, não é catastrófico.  Entretanto, quando se considera a taxa de poupança dos japoneses, tal crescimento está muito aquém do potencial.
Conclusão
Quando se compreende a teoria, a realidade japonesa torna-se perfeitamente compreensível.  Embora não tenha havido uma sistêmica deflação de preços — ao contrário do que apregoa uma aterrorizada mídia —, tampouco houve qualquer motivo para que tivesse havido uma inflação de preços no Japão.
Como mostrou o gráfico, o M2 se manteve praticamente estável desde 1992, sempre em níveis mínimos.  A base monetária e o M1, embora tenham apresentado surtos esporádicos, cresceram a maior parte do tempo a taxas anuais menores que 10%, valores módicos para os padrões monetários atuais.
Tudo isso significa que, em resposta a uma suave expansão monetária, o crescimento econômico ocorrido, embora bastante tímido, foi suficiente para fazer os preços declinaram levemente.  Tal comportamento é consistente com a teoria monetária ensinada tanto pela Escola Austríaca quanto pela Escola de Chicago.  Um aumento do produto (como demonstrado, média de 1,2% ao ano) em conjunto com um aumento muito pequeno da oferta monetária (em especial do M2) gera preços em queda.
Eis o cenário ideal: inflação monetária nula e economia crescendo de 2 a 3% ao ano.  Em teoria, nesse ambiente os preços ao consumidor iriam cair por volta de 2 a 3% ao ano.  O Japão, durante quase duas décadas, tem estado muito próximo deste ideal — mais próximo do que qualquer outro país industrializado.
A Escola Austríaca é a favor de inflação monetária zero, de modo que os preços apresentem uma queda constante e suave.  Já a Escola de Chicago defende uma política de preços estáveis, o que exige uma oferta monetária crescendo lenta porém constantemente.  Nesses termos, o Japão é mais Chicago do que austríaco, porém, em termos exclusivamente monetários e de preços, é o país que mais se aproximou da Escola Austríaca nas últimas duas décadas.
Fiz questão de enfatizar o trecho acima porque, embora o banco central japonês tenha tido um comportamento decente, o mesmo não pode ser dito do governo japonês, que durante esse mesmo período vem praticando uma insana política de déficits e endividamento crescente. 
A dívida, que era de 65% do PIB em 1992, pulou para incríveis 185% do PIB em 2009.  Os déficits anuais constantemente ultrapassaram os 6% do PIB.  (Veja no último gráfico desta página).  Essa política fiscal foi, sem dúvida, uma das principais causas do baixo crescimento econômico japonês — para um povo que poupa muito, era de se esperar taxas de crescimento anuais mais robustas do que 1,2%.  Porém, como o governo consome toda essa poupança para financiar seus déficits, os investimentos ficam comprometidos, pois não há recursos sobrantes para financiá-los.  E isso engessa o crescimento.
Se o governo japonês cortasse gastos e equilibrasse seu orçamento, parando de incorrer em déficits, a poupança dos japoneses deixaria de ser utilizada para financiar o governo, passando a ser liberada para investimentos realmente produtivos, o que daria um grande impulso à economia.  Isso, em conjunto com a baixa expansão monetária praticada pelo BOJ, elevaria enormemente o padrão de vida dos japoneses.
Não há nenhuma "armadilha da liquidez" no Japão.  Tampouco houve falta de estímulos fiscais.  Também não houve problema de estímulos monetários, dado que a taxa de juros sempre foi baixa.  O que vem ocorrendo no Japão é um exemplo prático de duas teorias em conflito: keynesianismo na política fiscal e chicaguismo na política monetária.
Na humilde opinião deste articulista, o que vem emperrando a economia japonesa é justamente a política fiscal.


Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

A década dourada


 

gold-bars.jpgCom o ouro hoje flutuando ao redor de US$ 1.200 a onça e com os "especialistas" dizendo que o ouro está passando por uma bolha, é importante que os investidores se lembrem de que há apenas uma década o cenário era bastante diferente.  No ano 2000, o ouro apresentou uma média anual, nada impressionante, de US$ 279 a onça — a menor cotação em duas décadas.  Naquela época, a maioria dos analistas pensava que, como metal monetário, o ouro estava acabado.  Eles diziam que seu preço jamais iria se recuperar e que somente desequilibrados com capacetes de aço iriam investir no metal.  Eu fui um dos poucos comentaristas financeiros a dizer publicamente que o ouro não apenas era viável, como também apresentaria uma trajetória ascendente no longo prazo.
Com o benefício da visão retrospectiva, podemos todos hoje ver que o consenso estava errado.  O ouro apresentou um desempenho extraordinário quando comparado ao Dow Jones, à NASDAQ e ao mercado imobiliário americano.  O motivo pelo qual eu pude confiantemente prever esse resultado é porque sempre ignoro as 'certezas' advindas do mercado financeiro, principalmente aquelas determinadas pelo consenso de Wall Street.  Ao invés disso, estudo as tendências fundamentais.
Os anos 2000 - O grande século americano?
Dez anos atrás, os Estados Unidos eram os maiores consumidores mundiais de energia, os preços dos imóveis estavam, em âmbito nacional, se apreciando constantemente, o governo apresentava um superávit orçamentário e havia um consenso predominante de que o mundo havia entrado em um período de Pax Americana — estabilidade trazida pela permanente predominância americana.
No cenário internacional, o ouro estava apenas surgindo, nenhum país ocidental poderia sequer imaginar qualquer perspectiva de calote, e BRICs ainda não era um acrônimo, mas apenas material de se construir casas [em inglês, brick = tijolo].  Essas circunstâncias traziam uma tendência extremamente baixista para o ouro, especialmente quando se considera que o dólar estava, naquela época, bastante valorizado — como havia muitos anos não se via — em relação às outras principais moedas mundiais.
Mas eu corretamente percebi que esse grande mosaico iria se desfazer rapidamente.
A tartaruga e a lebre
No final da década de 1970, a China começou a se mover em direção a uma economia de mercado.  Nas décadas seguintes, a economia chinesa cresceu exponencialmente, consequência do fato de mais de um bilhão de pessoas terem ganhado a liberdade econômica de competir na economia mundial.  Enquanto outros ainda estavam presos àquela mentalidade da Guerra Fria, EUA versus URSS, em que o colapso soviético garantiu o perpétuo domínio americano, eu estava prestando atenção a esse trem de carga chinês, que já se aproximava de nós a uma velocidade extremamente espantosa.
Eu percebi que, enquanto todo o Terceiro Mundo estava adotando o capitalismo, o Ocidente estava adotando políticas sociais cada vez mais pródigas, e seus governos se endividavam crescentemente e recorriam à inflação da oferta monetária para pagar por tudo isso.  As economias em desenvolvimento estavam comprando vários desses dólares recém-impressos, o que fazia com que sua cotação se mantivesse em níveis enganosamente altos.  Porém, todas as ações têm consequências, e eu sabia que essa inflação voltaria para assombrar a economia americana.
Ademais, toda essa impressão de dinheiro estava criando maciças distorções na economia doméstica — primeiro a bolha das empresas pontocom, depois a bolha imobiliária, seguida da bolha do mercado financeiro até a atual bolha dos títulos do governo americano.
2010 - O grande colapso americano
Atualmente, a China é o maior consumidor mundial de energia, os preços dos imóveis americanos estão nos níveis mais baixos de uma geração, Washington está incorrendo em déficits que chegam à casa dos trilhões (uma ordem de magnitude que era imaginada apenas em tons sarcásticos em 2000), e os EUA estão suspendendo seus exercícios militares por temor de estarem perturbando do governo chinês.
Desde 2000, o euro se tornou a alternativa imediata para uma moeda de reserva mundial, a economia da Islândiaderreteu, a Grécia conseguiu evitar esse destino unicamente pela benevolência de seus vizinhos, e os investidores americanos mais espertos voltaram-se para os BRICs para neles investir, aumentar e preservar seu capital.
Essa transformação da economia global, e a turbulência que a acompanha, gerou uma tendência altista para o ouro.  Atualmente temos visto o metal amarelo atingir altas nominais recordes, silenciando momentaneamente aqueles até então ferozes críticos desse investimento — os quais, logo em seguida, voltaram a rugir, desta vez dizendo que há uma bolha no mercado de ouro.
Bolha ou alta sustentável?
Como resposta, vou retornar à única estratégia que importa para investidores de longo prazo: analisar os fundamentos.  E a verdade é que as tendências fundamentais não se alteraram.
O governo americano continua acrescentando novos gastos no orçamento (saúde pública, crédito tributário para compradores de imóveis, ampliação do seguro-desemprego) e novas regulamentações (tributação de pequenas transações, impostos sobre bancos, limites às taxas cobradas por cartões de crédito), solapando a competitividade americana e empurrando o país para um endividamento ainda maior.  Embora o euro tenha crescido um tanto, ele ainda é muito novo e muito problemático para substituir o dólar como reserva mundial.  O governo chinês vem mantendo uma contraproducente âncora cambial entre o dólar e o yuan, a qual está apenas começando a ser relaxada.  Esse processo teria de já estar completado para que a moeda chinesa pudesse ganhar o status de moeda de reserva mundial.
Em suma, o dólar está mais perto do que nunca do colapso, e não há nenhuma outra moeda nacional pronta para assumir seu lugar.  Creio que o mundo poderá brevemente descobrir que não há melhor alternativa do que o dinheiro já comprovado pela história — o ouro.
Alguns de vocês podem já estar familiarizados com esses argumentos, e dizer que eles são antiquados.  Os mesmos analistas de Wall Street que não viram a bolha das empresas pontocom e a bolha imobiliária estão agora alertando que o ouro já chegou ao seu ápice e está bastante sobrevalorizado.  Entretanto, eles estavam utilizando esses mesmos argumentos ainda em 2006, quando o ouro ainda estava em US$ 600 a onça.
Enquanto isso, em abril daquele ano, escrevi um comentário com algumas observações pessoais: nenhuma das minhas ações de mineradoras tinha sofrido algum desdobramento (split), aqueles que investiam em metais preciosos não estavam ricos como os magnatas do setor imobiliário ou os milionários das empresas pontocom, e o setor da minha empresa responsável pelos investimentos em ouro tinha apenas um empregado.  Falava-se apenas em imóveis; ouro nunca era mencionado.  Motoristas de táxi não estavam dando dicas quentes sobre como investir em ouro.  Com efeito, nove de cada dez pessoas nas ruas eram incapazes de dizer o preço vigente do ouro dentro de uma margem de erro de US$ 200!  E esse ainda é o caso hoje.
Um apetite saudável por ouro
Uma década após o ouro ter começado sua atual corrida ascendente, ainda estamos na metade do seu pico histórico, quando ajustado pela inflação.  A subida tem sido lenta e ordenada, com o preço consolidado nos últimos três meses ao redor de US$ 1.200 a onça.  Mergulhos como a recente queda para baixo de US$ 1.160 foram corretamente identificados como oportunidades de barganha para compra.
Não obstante uma longa ascensão sem nenhum grande reverso, os aurofóbicos em Wall Street ainda se recusam a ver o ouro como um bom investimento; porém, eles estavam errados quanto aos fundamentos em 2000, e os fundamentos não se alteraram.  À medida que o mundo se aproxima do colapso do dólar americano, os preços do ouro só têm uma direção a seguir: para cima.
Continuo recomendando a investidores que mantenham de 5 a 10% de sua riqueza em metais preciosos (fisicamente, e não apenas em papeis que os representem).  À parte a probabilidade de que ouro e prata irão subir de preço, metais preciosos oferecem benefícios atemporais, tais como privacidade financeira, eliminação de riscos de terceiros (se você os armazenar por conta própria), além de proteção contra confiscos do governo, contra onerosas regulamentações de valores mobiliários e contra alíquotas tributárias punitivas. 
Peter Schiff 
é o presidente da Euro Pacific Capital e autor dos livros The Little Book of Bull Moves in Bear MarketsCrash Proof: How to Profit from the Coming Economic Collapse e How an Economy Grows and Why It Crashes.  Ficou famoso por ter previsto com grande acurácia o atual cataclisma econômico.  Veja o vídeo.  Veja também sua palestra definitiva sobre a crise americana -- com legendas em português 
Tradução de Leandro Roque

Anticapitalismo, escolha o seu



CokeAntiCapitalism.jpgMuita gente é contra o livre mercado porque, sem a intervenção do governo, a economia não prospera.  Máquinas substituem trabalhadores.  O capital, ao invés de ser usado na produção, vai para a especulação.  O desemprego aumenta, uma minoria de ricos enriquece enquanto uma massa crescente de desempregados vive da mão para a boca ou morre de fome.  Com menos consumo, a produção cai.  Todos ficam tímidos e com medo de investir devido ao risco, e então entesouram seu dinheiro em casa, tirando-o de circulação; o mercado como um todo vai à falência.
Já outro argumento, vindo frequentemente das mesmas bocas, sustenta que o livre mercado é mau porque cria nas pessoas, por meio da propaganda, um milhão de falsas necessidades, fazendo da massa (exceção feita, claro, aos "conscientizados"...) zumbis do consumo, atrás de celulares, carros e tênis comprados em 20x "sem juros".  Escravos do consumo, perdem o gosto pela vida simples e pelos bens mais elevados do espírito.  Meninas preocupadas com o peso têm que escolher entre o doce e a fruta, jovens angustiados têm que escolher entre exatas e humanas. 
Agora chegou a vez dos intervencionistas escolherem qual dos dois ataques ao capitalismo deve permanecer; pois os dois ao mesmo tempo não dá!  Ou o livre mercado destrói empregos e empobrece as massas, impedindo-as de consumir o básico, ou ele as enriquece de tal maneira que as permite viver atrás do supérfluo.  Teses contrárias não podem ser ambas verdadeiras.
Mas podem ser ambas falsas.  Vejam só: a falácia do desemprego resultante do livre mercado é das mais velhas da ciência econômica.  Não, a tecnologia não gera desemprego: pelo contrário, ao tirar trabalhadores de algum ramo que fica mais eficiente com máquinas, ela libera mão-de-obra para outros ramos, que antes recebiam menos trabalhadores ou até mesmo nenhum.  Se uma máquina sozinha dá conta de produzir o alimento, podemos parar de trabalhar o dia inteiro na plantação e escrever livros, trabalhar em hospitais, etc.  
E não precisamos ter medo do entesouramento.  Mesmo que uma parcela da população entesourasse seu dinheiro (isto é, escondesse embaixo do colchão ao invés de ganhar juros aplicando no banco — que o usaria para novos investimentos) o efeito dessa retirada do dinheiro da economia seria a queda dos preços; ou seja, quem não tomou a decisão genial de esconder seu dinheiro e não ganhar juros (e eu pensando que no capitalismo as pessoas eram gananciosas.....) poderá comprar mais produtos a preços reduzidos.  Ao longo do século XIX, a tendência era de queda de preços (que é o natural quando a produtividade aumenta) e todas as economias cresceram muito; os perigos da deflação são um mito.
Quanto ao consumo zumbi, tenha dó, né?  Em tempos muito mais liberais, portanto muito mais capitalistas, o consumismo não era um problema tão grande assim.  Muita gente tem inveja e não gosta de ver, por exemplo, pobre consumindo.  Se pobre compra celular que tira foto, é porque foi manipulado pelo marketing, e não porque sua vida será efetivamente facilitada.  Ver consumismo genérico nos outros é a coisa mais fácil do mundo.  Difícil é apontar os casos específicos.  Pois é óbvio que o consumidor sabe que não precisa do tênis para sobreviver, assim como não precisamos de pratos e talheres; ele quer o tênis, pois o deixará mais confortável e vai "pirar as minas na balada".
propaganda apenas apresenta a marca aos consumidores; tenta deixá-la gravada na cabeça deles para que se lembrem mais tarde e comprem o produto. A marca, por sua vez, tem o papel valioso de carregar informações.  Se um tênis é Nike, já sei que será caro, mas também sei que posso esperar uma certa qualidade.  Nenhuma das duas, propaganda ou marca, são infalíveis ou onipotentes; quantas campanhas publicitárias fracassadas já não ocorreram (ex: mudança de sabor da Coca-Cola), e quantas marcas antes poderosíssimas são hoje uma sombra (AOL, alguém?)...
Ouso dizer que, de fato, muitos gastam dinheiro com superfluidades.  E a intenção por trás desses gastos é, via de regra, impressionar os demais; um desejo que, embora moralmente questionável, não foi engendrado nem pelo capitalismo nem pela propaganda.  Não é de hoje que a vaidade (que, mais do que a preocupação com a beleza física, é o querer ser glorificado aos olhos dos demais) é um pecado capital. Tenho a forte impressão que muita gente com objeções ao capitalismo objeta, na verdade, ao pecado original; mas isso é outro assunto...
Quer ser anti-capitalista?  É direito seu, ninguém é perfeito.  Se os argumentos serão bons ou não, veremos caso a caso.  Mas antes de começar, preste a si mesmo a cortesia de verificar que os ataques são, ao menos, internamente consistentes.  Melhor tomar o risco de fazer uma escolha de uma opinião que pode ser falsa do que sustentar opiniões que, conjuntamente, não têm como ser verdadeiras.
Joel Pinheiro da Fonseca é mestrando em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta e escreve no blog Ad Hominem.


Ainda vale a pena lutar pela liberdade no Brasil


traintrackscrossing.jpgEntrevista publicada originalmente na edição impressa da revista Vila Nova, em dezembro de 2012
O advogado e professor André Luiz Ramos é autor dos best-sellers"Direito Empresarial Esquematizado" e "O Direito de Empresa no Código Civil", publicados pela Editora Método. André é ProcuradorFederal da Advocacia Geral da União (AGU) e atualmente assessora um Ministro do STJ. Na conversa que teve com a Revista, o advogado falou sobre sua carreira, opiniões políticas e também, é claro, sobre Direito.

1. Conte-nos um pouco sobre você: quem é André Luiz Santa Cruz Ramos?
Tenho 34 anos, sou pernambucano, formado na vetusta Casa de Tobias Barreto, a Faculdade de Direito do Recife (UFPE), e há aproximadamente uma década me dedico às ciências jurídicas, mais especificamente ao direito empresarial, como advogado, professor e autor. Moro atualmente em Brasília, em razão do cargo público que ocupo. Como jurista, tenho me preocupado em difundir o pensamento liberal no direito, por entender que essa área do conhecimento está, sobretudo no Brasil, muito dominada por uma cultura estatista/coletivista que é, na minha modesta opinião, extremamente nociva ao desenvolvimento econômico e social do país, ao contrário do que pensam os seus defensores, os quais pautam os debates no mainstream acadêmico.
2. Como era o seu trabalho na Advocacia Geral da União?
Estou afastado das minhas funções de Procurador Federal há pouco mais de um ano, desde que fui cedido ao Superior Tribunal de Justiça. Na AGU, atuei na assessoria do Advogado-Geral da União em 2005/2006, na Procuradoria do INSS de Pernambuco em 2007/2008 e na Procuradoria do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a autoridade antitruste brasileira) em 2009/2011. A advocacia pública é muito parecida com a advocacia privada, com a diferença de que o cliente do advogado público é o estado, o que traz vantagens (prazos processuais mais longos, por exemplo) e desvantagens (necessidade de defender em juízo ações estatais com as quais você, muitas vezes, não concorda pessoalmente).
O estado é um litigante contumaz, e o professor Hans-Hermann Hoppe, autor que tenho lido muito ultimamente, tem uma explicação muito convincente para esse fenômeno: se o estado tem o monopólio jurisdicional, sendo o julgador de última instância em qualquer litígio, inclusive naqueles em que o próprio estado é parte, ele não tem incentivos para reduzir conflitos, mas para criar conflitos, na expectativa de que sejam decididos em seu favor. Essa é a principal causa do assoberbamento do Poder Judiciário e da morosidade da justiça estatal. E o pior é que, para corrigir esse problema, o estado oferece que solução? Supressão de direitos e garantias processuais do jurisdicionado. O estado, "empresário monopolista" da jurisdição, cria o problema e propõe resolvê-lo, sempre de forma ineficiente, prejudicando o "consumidor" dos serviços judiciários. Por isso eu tenho defendido tanto a arbitragem, que felizmente tem crescido e funcionado, sobretudo para as empresas, como um eficiente meio alternativo de solução de litígios. Somente com a quebra efetiva do monopólio da jurisdição estatal, de tal forma que o Poder Judiciário se veja obrigado a competir com tribunais arbitrais privados nos mais variadas ramos do direito, é que o cidadão terá acesso a serviços judiciários baratos e eficientes. É preciso que a arbitragem deixe de ser privilégio das grandes empresas e se torne acessível também aos pobres, especialmente em ramos como o direito do trabalho e o direito do consumidor.
3. Você é também assessor de um Ministro do STJ. Deve ser uma experiência interessante estar em um dos centros de poder do país, não?
O STJ é conhecido como "Tribunal da cidadania". Por ser responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, decide cotidianamente lides que envolvem os mais variados assuntos, de simplórias questões de vizinhança a complexas questões ambientais, de conflitos familiares a grandes contratos administrativos, de relevantes litígios societários a intrincadas discussões tributárias. As decisões do Supremo Tribunal Federal têm mais visibilidade, mas eu me arrisco a dizer que as decisões do STJ são muito mais impactantes na vida das pessoas e das empresas. No meu caso, como assessoro um Ministro que atua numa das Turmas da Segunda Seção, que cuida das questões de direito privado (direito civil e direito empresarial, basicamente), é um trabalho muito gratificante e prazeroso, porque lido exatamente com os ramos do direito que são objeto de minha investigação acadêmica.
4. Fale-nos sobre sua posição política?
Quem me conhece há muito tempo sabe que nunca fui de esquerda. Quem me conhece há pouco tempo sabe que não sou direita. Antes que pensem que sou o Kassab (risos), explico: há alguns anos eu conheci o libertarianismo e rapidamente me tornei um libertário.
Os libertários, em sua maioria, rejeitam a divisão esquerda x direita, tal qual difundida por Norberto Bobbio, e preferem a classificação baseada no diagrama de Nolan, que leva em conta a defesa das liberdades econômicas e individuais. O esquerdista geralmente é um defensor da liberdade individual, rejeitando a intromissão excessiva do estado quanto aos costumes. O direitista, por outro lado, defende mais a liberdade econômica, criticando a excessiva intervenção estatal no mercado. O libertário, por sua vez, defende tanto a liberdade individual quanto a liberdade econômica, de forma ainda mais radical que esquerdistas e direitistas. Assim, o libertário rejeita a esquerda e a direita porque ambas padecem do mesmo mal: põem o estado acima do indivíduo.
Para o libertarianismo, que tem como princípio fundamental a não-iniciação de agressão, o problema do estado não se resume à sua ineficiência (sim, o mercado pode fornecer qualquer bem ou serviço de forma mais eficiente que o estado), mas tem a ver, sobretudo, com a sua ilegitimidade, já que o estado se sustenta no uso sistematizado da coerção, instrumentalizada especialmente via tributação. A existência do estado é incompatível, portanto, com uma sociedade livre, a qual deve ser construída sob os pilares da propriedade privada, do livre mercado e da ordem espontânea decorrente da interação voluntária entre as pessoas.
E, para que fique claro, libertários não gostam de desordem, mas apenas entendem que o mercado pode fornecer, de forma mais eficiente e mais ética, qualquer produto ou serviço demandado pelas pessoas, inclusive os serviços de segurança e justiça, que tanto preocupam aqueles liberais que ainda ficam "com um pé atrás" em relação ao libertarianismo.
Libertários também não são libertinos. Eu, por exemplo, sou católico e comungo de muitos valores da pauta dos chamados conservadores. Apenas não entendo legítimo o uso do estado para impor tais valores à sociedade. A difusão de tais valores deve ser feita pacificamente, por meio da livre persuasão, e tal tarefa cabe aos grupos familiares, às igrejas, às associações civis etc., e jamais ao estado.
5. E quais os reflexos de uma posição deste tipo no Direito? Há espaço para ela, especialmente aqui no Brasil?
Não apenas no direito, mas em todas as áreas das ciências humanas e sociais o libertarianismo é pouquíssimo conhecido, e mesmo assim muito criticado (talvez até por não o conhecerem corretamente). Em minhas obras, aulas e palestras tenho defendido idéias libertárias, e a reação, na maioria das vezes, é de espanto. Algumas pessoas até dizem: "André, eu concordo com muita coisa que você fala, mas acho que você peca pelo radicalismo". Ora, mas eu não vejo o radicalismo como um defeito per se, sobretudo se o radical tem convicção do acerto das idéias que defende.
No direito, o pensamento liberal/libertário ou é solenemente ignorado ou é impunemente agredido, nos mais variados ramos. O estado é endeusado. O binômio função social/justiça social é uma espécie de mantra. O primado liberal da igualdade formal (igualdade perante a lei) foi substituído pela defesa da igualdade material, e o estado é visto como o instrumento para a imposição desse inatingível igualitarismo, o qual, como bem disse Murray Rothbard, é uma revolta contra a natureza.
Até no direito privado o pensamento estatista é dominante. Toda a doutrina contratualista, por exemplo, foi revista, e os princípios da autonomia privada e da força obrigatória das avenças (pacta sunt servanda) foram submetidos a uma perniciosa relativização. O contrato agora tem que atingir sua função social, seja lá o que isso signifique, e o tal dirigismo contratual está na moda: "a lei liberta e a liberdade escraviza", bradam os artífices dessa nova teoria geral dos contratos, a qual se baseia na intervenção estatal para suposta proteção dos contratantes mais fracos. É um absurdo. Até no direito empresarial, em que os contratantes são empresários, é difícil defender a liberdade negocial hodiernamente.
6. Muito se tem falado no Direito sobre Neoconstitucialismo. Você poderia nos explicar o que é?
Vou falar como um leigo, porque o direito constitucional nunca foi objeto de minhas pesquisas acadêmicas. Não vejo o neoconstitucionalismo com bons olhos. Li recentemente um bom artigo do Daniel Sarmento sobre o tema, no qual ele diz que há quem aplauda entusiasmadamente as mudanças no direito trazidas pelo neoconstitucionalismo, e há quem as critique com veemência. Eu me incluo no segundo grupo. O neoconstitucionalismo, grosso modo, significa a constitucionalização de todo o direito (fala-se até na constitucionalização do direito civil, um absurdo descomunal!). Ora, como liberal, não gosto da nossa Constituição socialista de 88, então jamais poderia apoiar um movimento que visa a espalhar os valores socialistas de nossa Carta Magna a todo o ordenamento jurídico.
Também não me agrada essa moda da "principialização" de tudo e da consequente idéia de que o choque entre princípios se resolve pela tal "ponderação de interesses". Isso tem dado margem para que os princípios liberais, como autonomia privada, força obrigatória dos contratos, livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada, etc., sejam relativizados ou mesmo solapados de forma quase despercebida. Quando quaisquer desses princípios se chocam com outros princípios ditos sociais, estes vencem com larga folga. Mostrei isso recentemente num artigo intitulado "a mentalidade anticapitalista do STF", publicado no site do Instituto Ludwig von Mises Brasil, no qual analisei alguns julgados da nossa Suprema Corte.
7. E o ativismo judicial? A seu ver, é um movimento benéfico?
Essa me parece ser outra característica nociva desse movimento denominado neoconstitucionalismo: a excessiva judicialização da política e das relações econômicas e sociais. Isso acarreta um aumento do poder do estado sobre os indivíduos, algo que, para um liberal, é muito preocupante.
8. Você tem se dedicado a divulgar as noções de liberdade e propriedade pelo país. É um desafio hoje?
É um trabalho hercúleo. Vivemos numa sociedade estatólatra, que acredita em soluções de cima pra baixo. Como disse Bastiat, todos querem viver às custas de todos. E erra feio quem pensa que o estatismo é uma característica restrita às classes mais baixas da população, educadas e mantidas na estado-dependência. Aliás, o que o estado gasta para sustentar grupos privilegiados é impressionante: de artistas a atletas, de empreiteiras a bancos, a estado-dependência é um mal quase universal.
Em palestras recentes pelo Nordeste, defendi a ideia de que nós, liberais, temos que mostrar que o capitalismo beneficia principalmente os pobres e fugir desse rótulo de que somos elitistas e sem "consciência social". Ao contrário! Os pobres, sim, serão os maiores beneficiários de uma real abertura da economia brasileira.
Protecionismo, regulamentação de profissões, salário mínimo, etc., são imposições estatais que só impedem que pobres ascendam social e economicamente. Para provar isso, os liberais têm a seu favor a boa teoria econômica e a experiência prática: afinal, os países que ostentam os melhores índices de liberdade econômica são também os que apresentam os melhores índices de desenvolvimento social.
9. Parece que as pessoas se acostumaram a ter suas vidas mais presas… Você tem essa impressão? O que fazer?
Sim, eu compartilho dessa opinião. É a cultura do estado-babá que se impregnou em nossa sociedade. Em vez de os cidadãos vigiarem o estado, é o estado quem os vigia. Trata-se de uma inversão de valores perigosíssima.
O que fazer? Travar uma verdadeira guerra no campo das idéias, como Mises sempre defendeu: a única forma de combater idéias ruins é com idéias boas. E essa guerra deve ser travada em um front estratégico: o sistema educacional. O controle do estado sobre a educação é sua principal arma. É assim que ele consegue manter a maior parte da população numa eterna "servidão voluntária", para lembrar o famoso ensaio de Étienne de La Boétie. Formas alternativas de educação, que fujam ao controle estatal (como ohomeschooling, por exemplo, hoje muito mais viável por causa da internet), podem contribuir muito para que num futuro próximo as pessoas comecem a sair do "caminho da servidão".
10. Há um crescimento do intervencionismo no Brasil e no mundo como um todo?
Eu não conheço a realidade do mundo todo, mas no Brasil acho que esse maior intervencionismo é visto com facilidade. Além do aumento exponencial da intervenção estatal na economia nos últimos anos, estamos vendo uma excessiva intromissão do estado na vida privada. Grupos de pressão barulhentos tomam conta do aparelho estatal e o usam para impor a todos um modo de vida: são os eco-chatos, que querem ruas sem carros e supermercados sem sacolas plásticas; os devotos de Dráuzio Varela, que querem controlar nossos hábitos sociais e alimentares; os desarmamentistas, que querem os cidadãos de bem reféns da bandidagem; os politicamente corretos, que querem criminalizar a expressão de pensamentos e idéias. É isso o que vejo, e a reação, na minha opinião, não tem sido satisfatória.
11. E como ficam as liberdades individuais e os direitos fundamentais, conquistados a tão duras penas?
Para um liberal, direitos fundamentais são a vida, a liberdade e a propriedade, isto é, "direitos negativos", que não exigem um fazer estatal. Aprendi lendo Bastiat que a verdadeira e genuína lei é a que protege o indivíduo contra ataques a esses direitos. Hoje, porém, a lei foi pervertida, e o estado, que para os liberais clássicos deveria existir apenas para garantir esses direitos, é o seu maior agressor.
Uma série de supostos "direitos positivos", que exigem um fazer estatal, foram criados do nada (moradia, saúde, educação, emprego etc.), como se não vivêssemos num mundo de escassez, como se tais "direitos" pudessem ser criados com uma canetada, e não por meio de acordos consensuais. Para dar esses novos "direitos" a todos, o estado se agiganta e tem que agredir aqueles direitos fundamentais verdadeiros, fazendo uso cada vez mais intenso da regulação e da tributação, por exemplo.
12. Quem são seus autores preferidos e suas maiores influências?
Há aproximadamente três anos sigo a linha do que se tem chamado de austro-libertarianismo, numa alusão à tradicional escola austríaca de economia (Mises, Hayek etc.) e à filosofia política libertária (Rothbard, Hoppe etc.). Considero-me um neófito ainda, mas se tivesse que apontar um autor preferido, diria que é o Murray Rothbard. Atualmente, como estou escrevendo minha tese de doutorado, que é na área do direito antitruste, estou lendo autores como Dominick Armentano e Thomas DiLorenzo, ambos ligados à nova geração de "austríacos" do Mises Institute, sediado no Alabama, que tive o prazer imenso de conhecer ano passado, quando fui bolsista de um programa de intercâmbio deles chamado Mises University.
13. Por que escolheu o Direito?
Sinceramente, não sei dizer. Meu pai e meus dois irmãos são engenheiros, mas acho que eu não tinha inteligência o bastante para seguir a mesma carreira que eles, então me restou o Direito (risos).
14. Arrepende-se de algo nessa jornada em defesa da liberdade?
Um arrependimento que tenho é de ter conhecido tarde demais as idéias liberais e libertárias. Queria ter feito o curso de direito com o conhecimento do liberalismo e libertarianismo que tenho hoje. É muito ruim ter que correr contra o tempo.
Outro arrependimento é o de ter entrado para o serviço público. Se pudesse voltar no tempo, não teria tomado essa decisão. Enquanto não sair, terei que ouvir calado as justas críticas de que a defesa radical e intransigente de minhas idéias é incoerente com minha atuação. Isso me perturba, não posso negar. Para compensar, tento exercer minhas atribuições atuais sempre em defesa da liberdade, na medida do possível.
15. Você é autor de um best-seller sobre Direito Empresarial, o livro "Direito Empresarial Esquematizado". Por que esse ramo? Qual sua importância e o que se pode esperar do Direito Empresarial hoje, na conjuntura política que vivemos?
Meu mestrado foi na área do direito processual civil, mas o primeiro emprego de professor que me foi oferecido, numa faculdade privada de Recife, foi na área do direito empresarial, e eu aceitei. Coisas do destino. Um ano depois, fui morar em Brasília e o destino voltou a me aproximar do direito empresarial, já que meu chefe não pôde aceitar um emprego de professor nessa área e me indicou. Mergulhei de cabeça nesse ramo do direito, fiz duas pós-graduações na FGV e iniciei o doutorado na PUC-SP. Nesse ínterim, percebi que o mercado editorial carecia de um manual de direito empresarial com linguagem mais simples e didática. Pelo fato de a editora que aceitou publicar a primeira edição ser voltada para as pessoas que se preparam para concursos públicos, o livro vendeu muito bem. Mais uma vez, o destino me ajudou.
O direito empresarial vive um momento delicado. A tentativa de unificação do direito privado levada a efeito pelo Código Civil de 2002 não foi boa para ele. A onda "socializante" e "publicizante" das ciências jurídicas atingiu o direito empresarial em cheio; logo ele, o regime jurídico dos empresários, que precisa, pois, ser mais liberal e menos intervencionista.
No momento, um projeto de lei em trâmite na Câmara prevê a instituição de um novo Código Comercial brasileiro, que revogaria todas as regras do Código Civil de 2002 que cuidam da matéria, bem como as regras remanescentes do Código Comercial de 1850. A idéia de um novo Código Comercial, em si, é boa, mas traz consigo o perigo de que regras ainda mais intervencionistas sejam aprovadas. Por isso, o meio empresarial e os defensores do livre mercado devem acompanhar com bastante atenção a tramitação desse projeto de lei. Como eu escrevi em artigo recente, o novo Código Comercial é a "última trincheira" em defesa do livre mercado em nosso ordenamento jurídico.
16. Que dizer a quem está um pouco decepcionado com os rumos do país?
Que vale a pena lutar pela liberdade, como tantos grandes homens e mulheres fizeram ao longo de toda a história. E lutar pela liberdade é, em última instância, defender o indivíduo contra a opressão estatal. Não pode haver luta mais nobre e glorificante.

André Luiz Santa Cruz Ramos é Procurador Federal, mestre e doutorando em Direito Empresarial, e autor bestseller na área jurídica, sendo o autor de livros como Curso de Direito Empresarial (JusPodivm) e Direito Empresarial Esquematizado (Método).  Ouça sua entrevista concedida ao IMB.

domingo, 11 de agosto de 2013

Ouro e liberdade econômica



N. do T.: Antes de virar presidente do Banco Central americano em 1987 e renunciar a todos os seus ideias, Alan Greenspan era um famoso objetivista seguidor das teorias de Ayn Rand.  Seu artigo a seguir, de 1966, é uma fantástica defesa do padrão-ouro, das mais completas e incitantes já escritas.  É realmente lamentável que, assim que cheguem ao poder, pessoas idealistas abdiquem de suas crenças, vendam-se ao status quo e se curvem às delícias do poder.  Como presidente do Fed, Greenspan fez exatamente o oposto do que sempre defendeu ao longo de sua vida em relação ao gerenciamento da oferta monetária de uma economia.  Tal abdicação de ideais custou aos EUA sua maior recessão desde a Grande Depressão.
Embora defenda um sistema bancário de reservas fracionárias, lastreado em ouro, o texto o faz com argumentações sólidas, e reconhece que tal sistema é propenso a ciclos econômicos, embora em menor escala e intensidade que o atual sistema.
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Esse artigo apareceu originalmente no panfleto O Objetivista, publicado em 1966, e reproduzido no livroCapitalism: The Unknown Ideal, de Ayn Rand

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Um antagonismo praticamente histérico em relação ao padrão-ouro é uma postura que une estatistas de todas as persuasões.  Eles parecem sentir — talvez ainda mais clara e sutilmente que muitos defensores consistentes do laissez-faire — que o ouro e a liberdade econômica são inseparáveis, que o padrão-ouro é um instrumento que fomenta o laissez-faire, e que um implica e requer o outro.
Para entender a fonte desse antagonismo, é necessário primeiro entender a função específica do ouro em uma sociedade livre.
O dinheiro é o denominador comum de todas as transações econômicas.  É a mercadoria que serve como meio de troca, que é universalmente aceitável por todos os participantes de uma economia como meio de pagamento por seus bens e serviços, e que pode, por conseguinte, ser utilizado como um padrão de mensuração de valor de mercado e como de reserva de valor — isto é, como meio de poupança.
A existência de tal mercadoria é uma pré-condição para uma economia baseada na divisão do trabalho.  Se os homens não possuíssem uma mercadoria de valor objetivo que fosse largamente aceita como dinheiro, eles teriam de recorrer a algum tipo primitivo de escambo ou serem forçados a viver em comunidades agrícolas auto-suficientes e, assim, privar-se das inestimáveis vantagens trazidas pela especialização.  Se os homens não tivessem meios para calcular o valor e guardá-lo — isto é, poupar —, então nem o planejamento de longo prazo e nem qualquer comercialização seriam possíveis.
Qual meio de troca será aceitável para todos os participantes de uma economia não é algo determinado arbitrariamente.  Em primeiro lugar, o meio de troca deve ser durável.  Em uma sociedade primitiva, em que a riqueza é escassa, o trigo pode ser suficientemente durável para servir como um meio de troca, dado que todas as trocas ocorreriam somente durante e imediatamente após a colheita, não deixando nenhum excedente para ser acumulado.  Porém, em economias nas quais considerações sobre reservas de valor são importantes — como ocorre em sociedades mais ricas e civilizadas —, o meio de troca deve ser uma mercadoria durável, geralmente um metal.
Um metal é escolhido geralmente porque é homogêneo e divisível: cada unidade é exatamente igual a todas as outras, e ele pode ser fundido, misturado e moldado em qualquer quantidade.  Jóias preciosas, por exemplo, não são nem homogêneas nem divisíveis.  Ainda mais importante, a mercadoria escolhida como meio de troca deve ser um bem de luxo.  O desejo humano por bens de luxo é ilimitado e, portanto, bens de luxo sempre serão demandados e sempre serão aceitos.  Trigo é um bem de luxo em civilizações subnutridas, mas não em uma sociedade próspera.  Cigarros normalmente não serviriam como dinheiro, porém assumiram essa função na Europa imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, onde eles passaram a ser considerados um artigo de luxo.  O termo "bem de luxo" implica escassez e alto valor unitário.  Por ter um alto valor unitário, tal bem é facilmente portável; por exemplo, uma onça de ouro vale meia tonelada de ferro gusa.
Nos estágios iniciais de uma economia monetária em desenvolvimento, vários meios de troca podem ser utilizados, uma vez que uma ampla variedade de mercadorias poderia satisfazer as condições acima delineadas.  Entretanto, uma das mercadorias irá começar gradualmente substituir todas as outras, por ser mais amplamente aceita.  As preferências quanto à mercadoria que será utilizada como reserva de valor serão deslocadas para aquela que vem sendo mais amplamente aceita, algo que, por sua vez, irá torná-la ainda mais aceita.  Essa mudança será progressiva até o momento em que essa mercadoria finalmente se torna o único meio de troca.  O uso de um único meio de troca é altamente vantajoso pelo mesmo motivo que uma economia monetária é superior a uma economia de escambo: possibilita que as trocas ocorram em uma escala incalculavelmente mais ampla.
Se esse meio de troca será o ouro, a prata, conchas do mar, gado ou tabaco, é algo opcional e que irá depender do contexto e do estágio de desenvolvimento de uma dada economia.  Com efeito, todos esses bens já foram utilizados, em várias épocas, como meio de troca.  Mesmo no presente século, duas grandes commodities, ouro e prata, foram utilizadas como meio internacional de troca, com o ouro se tornando o meio predominante.  O ouro, por ter usos tanto artísticos quanto funcionais, e por ser relativamente escasso, possui vantagens significativas em relação a todos os outros meios de troca.  Desde o início da Primeira Guerra Mundial, ele passou a ser praticamente o único padrão internacional de troca.  Se todos os bens e serviços fossem pagos em ouro, o pagamento de altos valores seria difícil de ser realizado, e isso tenderia a limitar a amplitude da divisão do trabalho e da especialização de uma sociedade.[*]
Sendo assim, a extensão lógica da criação de um meio de troca é o desenvolvimento de um sistema bancário e de instrumentos de crédito (certificados de depósitos) que funcionam como substitutos do ouro — e que são plenamente conversíveis em ouro, é claro.
Um sistema bancário livre e baseado no ouro é capaz de expandir o crédito criando certificados de depósitos de acordo com as necessidades de produção da economia.  Os indivíduos que possuem ouro são induzidos, por meio do pagamento de juros oferecidos pelo sistema bancário, a depositar seu ouro em um banco (depósitos esses que podem ser sacados por meio de cheques).  Porém, dado que raramente todos os depositantes irão querer sacar todo o seu ouro do sistema bancário ao mesmo tempo, o banco poderá manter como reservas apenas uma fração de todo o ouro depositado.  Isso permitirá ao banco emprestar mais do que a quantidade total dos depósitos em ouro que possui (o que significa que ele criará títulos de ouro em quantidade maior do que o total de ouro que possui em suas reservas).  Porém, essa quantidade de empréstimos que ele pode criar não é arbitrária: ele terá de saber avaliar o quanto poderá conceder de empréstimos em relação às suas reservas e calibrar tudo de acordo com a condição e a qualidade de seus investimentos.
Quando os bancos emprestam dinheiro para financiar empreendimentos produtivos e lucrativos, os empréstimos são quitados rapidamente, e o crédito bancário continua amplamente disponível.  Porém, quando os empreendimentos financiados pelo crédito bancário são menos lucrativos e, consequentemente, mais demorados para serem quitados, os bancos logo descobrem que seus empréstimos pendentes estão em excesso em relação às suas reservas de ouro — e eles começam a restringir novos empréstimos, normalmente cobrando taxas de juros mais altas.  Isso tende a restringir o financiamento de novos empreendimentos, além de exigir dos atuais devedores que eles aprimorem sua lucratividade se quiserem obter mais crédito para expansões adicionais. 
Assim, sob o padrão-ouro, um sistema bancário livre torna-se o guardião da estabilidade econômica e do crescimento econômico equilibrado.  Quando o ouro passa a ser aceito como o meio de troca pela maioria das nações — ou mesmo por todas elas —, um padrão-ouro internacional, livre e desimpedido, passa a fomentar a divisão do trabalho em escala mundial, bem como o mais amplo comércio internacional possível.  Ainda que as unidades de troca (o dólar, a libra, o franco, o marco etc.) sejam diferentes de um país para o outro, quando todas elas são definidas em termos de ouro, as economias dos diferentes países tendem a agir como se fossem uma só — desde que não haja restrições no comércio ou nos movimentos de capital.  Crédito, taxas de juros e preços tendem a seguir padrões similares em todos os países. 
Por exemplo, se os bancos de um dado país expandem o crédito muito frouxamente, as taxas de juros daquele país tenderão a cair, induzindo seus correntistas a retirar dali seu ouro e enviá-lo para outros países cujos bancos paguem juros maiores sobre os depósitos.  Isso irá imediatamente causar uma escassez de reservas bancárias no país do "crédito frouxo", induzindo-o a readotar padrões mais rígidos de concessão de crédito e, com isso, retornando a taxas de juros maiores e mais competitivas.
Até hoje, um sistema bancário completamente livre e desimpedido, em conjunto com um padrão-ouro sólido, jamais foi implementado.  Porém, antes da Primeira Guerra Mundial, o sistema bancário dos EUA (e na maior parte do mundo) era baseado no ouro e, mesmo com os governos intervindo ocasionalmente, o sistema bancário era mais livre do que controlado.  Periodicamente, como resultado da rápida expansão do crédito, os bancos ficavam alavancados até o limite de suas reservas de ouro, o que levava a um acentuado aumento dos juros, fazendo com que novas concessões de crédito fossem canceladas e que a economia entrasse em uma profunda — porém bastante curta — recessão.  (Comparados às depressões de 1920 e 1932, os declínios econômicos anteriores à Primeira Guerra Mundial foram de fato bastante brandos).  Eram as limitadas reservas de ouro que impediam que as expansões desequilibradas da atividade econômica chegassem ao tipo desastroso a que nos acostumamos após a Primeira Guerra Mundial.  Os períodos de reajuste econômico eram curtos e as economias rapidamente restabeleciam fundamentos sólidos sobre os quais retomavam sua expansão.
Porém, esse processo de cura era erroneamente diagnosticado como sendo a doença: se a escassez de reservas bancárias estava causando declínios econômicos — argumentaram os intervencionistas —, então por que não encontrar um modo de ofertar reservas crescentes aos bancos, de modo que estes não mais precisassem se preocupar com a quantidade delas?  Se os bancos puderem continuar emprestando dinheiro indefinidamente — alegaram —, então nunca mais teremos declínios econômicos.  E, assim, criou-se o Federal Reserve (o Banco Central americano) em 1913.  Ele é formado por doze sucursais regionais que nominalmente são geridas privadamente, mas que, na verdade, são garantidas, controladas e mantidas pelo governo.  O crédito expandido pelo Fed é na prática (embora não legalmente) lastreado pelo poder de tributação do governo federal.  Tecnicamente, ainda estávamos no padrão-ouro; os indivíduos ainda tinham a liberdade de portar ouro [liberdade essa abolida em 1933 por Roosevelt e só restaurada em 1975], e o ouro continuava sendo utilizado como reservas bancárias.  Hoje, porém, o crédito expandido pelo Banco Central (que cria reservas bancárias formadas meramente por dinheiro de papel) passou a servir como moeda de curso forçado utilizada para pagar os correntistas.
Quando a economia americana passou por uma suave contração em 1927, o Fed criou mais reservas bancárias de papel na esperança de evitar qualquer possível escassez de reservas bancárias.  Ainda mais desastrosa, entretanto, foi a tentativa do Fed de ajudar a Grã-Bretanha, cujo ouro estava fugindo para os EUA em decorrência da recusa do Banco Central da Inglaterra em permitir que os juros subissem quando as forças de mercado assim exigiam (tal medida era politicamente inaceitável).  O raciocínio das autoridades envolvidas era o seguinte: se o Fed injetasse quantias excessivas de dinheiro de papel nas reservas dos bancos americanos, as taxas de juros nos EUA cairiam para níveis comparáveis àqueles vigentes na Grã-Bretanha.  Isso ajudaria a interromper a atual fuga de ouro da Grã-Bretanha para os EUA, impedindo assim o embaraço político de o Banco Central da Inglaterra ter de elevar os juros. 
O Fed obteve êxito; ele interrompeu a fuga de ouro da Inglaterra, porém quase destruiu a economia mundial nesse processo.  O excesso de crédito que o Fed injetou na economia foi parar na bolsa de valores — desencadeando um fantástico frenesi especulativo.  Com muito atraso, os burocratas do Fed resolveram enxugar esse excesso de reservas por eles criado.  Ao fazerem isso, o boom da bolsa de valores foi interrompido.  Mas era tarde demais: já em 1929, os desequilíbrios especulativos haviam se tornado tão estupefacientes, que essa tentativa de enxugamento monetário gerou uma forte redução e uma consequente degradação da confiança na economia. Como resultado, a economia americana entrou em colapso.  A Grã-Bretanha saiu-se ainda pior: ao invés de absorver e lidar com as consequências de sua insensatez, ela simplesmente abandonou por completo o padrão-ouro em 1931, destruindo o que restava da confiança no sistema e gerando uma série de falências bancárias em escala mundial. 
As economias de todo o mundo mergulharam na Grande Depressão da década de 1930.
Seguindo a lógica reminiscente da geração anterior, os estatistas argumentaram que o padrão-ouro era primariamente o culpado pela débâcle do crédito que levou à Grande Depressão.  Caso não houvesse o padrão-ouro, argumentaram eles, a recusa da Grã-Bretanha em honrar seus compromissos em ouro, em 1931, não teria provocado a quebra dos bancos ao redor do mundo.  (A ironia é que, desde 1913, o mundo não estava mais no padrão-ouro clássico, mas sim naquilo que passou a ser chamado de "padrão-ouro misto"; ainda assim, foi o ouro quem recebeu toda a culpa).  Porém, a oposição ao padrão-ouro sob qualquer arranjo — oposição essa oriunda de um número crescente de defensores do estado assistencialista — foi estimulada por um critério muito mais sutil: a compreensão de que o padrão-ouro é incompatível com déficits orçamentários crônicos (a marca distintiva do estado assistencialista).  Despido de seu jargão acadêmico, o estado assistencialista nada mais é do que um mecanismo por meio do qual os governos confiscam a riqueza dos membros produtivos da sociedade para financiar uma ampla variedade de esquemas assistencialistas.  Uma parte substancial desse confisco é efetuada por meio da tributação.  Porém, os estatistas defensores do assistencialismo rapidamente perceberam que, se quisessem manter seu poder político, a quantia tributada teria de ser limitada, pois os impostos não podem subirad eternum.  Logo, restava-lhes a opção de recorrer aos maciços déficits orçamentários — isto é, eles teriam que gastar mais do que arrecadavam, tendo de cobrir essa diferença com empréstimos, emitindo títulos do governo para financiar os gastos assistencialistas em larga escala.
Sob um padrão-ouro, a quantidade de crédito que uma economia pode sustentar é determinada pelos ativos tangíveis dessa economia, dado que cada instrumento de crédito é, em última instância, um título lastreado por algum ativo tangível.  Porém, sob o padrão-ouro, os títulos do governo não são lastreados por riqueza tangível, mas somente pela promessa de que o governo irá quitá-los por meio de futuras receitas tributárias.  Isso faz com que tais títulos tenham mais dificuldades de ser aceitos pelo mercado financeiro.  Um grande volume de títulos do governo pode ser vendido ao público somente a juros progressivamente maiores.  Assim, os déficits orçamentários do governo sob um padrão-ouro tornam-se severamente limitados.
A abolição do padrão-ouro possibilitou aos estatistas defensores do assistencialismo utilizar o sistema bancário como meio de expandir ilimitadamente o crédito.  Por meio da compra de títulos públicos em posse dos bancos, o Banco Central aumenta as reservas bancárias dos bancos, as quais são inteiramente formadas por dinheiro de papel.  Os bancos passam a ter mais dinheiro em suas reservas, as quais tornam-se "lastreadas" por esses títulos públicos, que passam a ser tratados como se fossem ativos tangíveis e substitutos perfeitos do ouro.  Nesse processo, o indivíduo que está em posse de algum título público ou que possua depósitos bancários acredita que possui um título genuinamente lastreado por algum ativo real.  Mas o fato é que agora não existem mais ativos reais.
Como a lei da oferta e da demanda não pode ser abolida, à medida que a oferta de dinheiro aumenta em relação aos bens existentes na economia, os preços também terão de subir.  Consequentemente, toda a renda que foi poupada pelos membros produtivos da sociedade perde valor em termos de poder de compra.
Quando se contabiliza tudo, o indivíduo descobre que essa perda representa os bens que foram adquiridos pelo governo, para fins assistencialistas ou outros quaisquer, com o dinheiro criado pelo Banco Central para comprar títulos públicos que estavam em posse do sistema bancário — dinheiro esse que, após sua criação, foi utilizado para financiar a expansão tanto do crédito bancário quanto da dívida pública (compra de títulos emitidos pelo Tesouro).
Na ausência do padrão-ouro, não há como o indivíduo proteger sua poupança do confisco que ocorre por meio da inflação.  Não existe mais uma reserva de valor confiável.  Se existisse, o governo torná-la-ia ilegal, assim como fez com o ouro.  Se todos os cidadãos decidissem, por exemplo, converter seus depósitos bancários em prata ou cobre ou em qualquer outro bem, e em seguida se recusassem a aceitar cheques como forma de pagamento por seus bens, os depósitos bancários (formados por dinheiro de papel) perderiam todo o seu poder de compra, e a expansão do crédito bancário fomentada pelo governo passaria a ter valor zero.  A política financeira do estado assistencialista requer que não haja maneiras com que os proprietários de riqueza possam se proteger.
Eis aí o prosaico segredo por trás das investivas dos estatistas assistencialistas contra o ouro.  Os déficits orçamentários do governo são simplesmente um esquema por meio do qual se confisca a riqueza dos membros produtivos da sociedade.  O ouro impede que esse insidioso processo aconteça.  O ouro é um protetor dos direitos de propriedade.  Quando se compreende isso, não há mais dificuldades para se entender o ódio dos estatistas ao padrão-ouro.
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[*] N. do T.: na época em que esse artigo foi escrito, a onça do ouro valia apenas US$ 35 dólares, o que de fato dificultava grandes transações.  Porém, hoje, devido a toda inflação monetária que ocorreu desde aquela época, a situação se inverteu: com a onça do ouro agora valendo US$ 1.400, o problema passou a ser o pagamento de pequenos valores — função essa que a prata poderia assumir sem problemas.

Alan Greenspan nascido em 1926, é economista e foi presidente do Federal Reserve System, o Banco Central americano, de 1987 a 2006.

Tradução de Leandro Roque

A diferença entre genuínos capitalistas e progressistas



riqueza.jpgA visão que os progressistas têm do governo é facilmente entendida e faz todo o sentido quando você finalmente entende como eles pensam, quais são os equívocos de suas ideias e quais são as pressuposições implícitas que elas têm a respeito da origem da renda. 
A visão dos progressistas ajuda a explicar as políticas que eles apóiam, tais como a redistribuição de renda, e a linguagem que eles utilizam, como suas inflamadas exortações para que os ricos "deem algo de volta" para a sociedade.
Em termos gerais, os progressistas entendem a economia de uma das duas maneiras a seguir:
1) Eles supõem que a verdadeira fonte de renda das pessoas é uma gigantesca pilha de dinheiro que, em teoria, deveria ser distribuída igualmente entre todas as pessoas da sociedade.  O motivo de algumas pessoas terem mais dinheiro que outras é simplesmente porque elas chegaram a essa pilha primeiro e gananciosamente pegaram uma fatia injustamente grande para elas.  Sendo esse o caso, a justiça requer que os ricos deem algo de volta; e se eles não fizerem isso voluntariamente, o governo deve confiscar seus ganhos ilicitamente adquiridos e restituí-los aos seus donos de direito.
2) A outra visão progressista, concorrente a essa, pressupõe que toda a renda é distribuída, como em uma política de distribuição de renda.  É como se houvesse um distribuidor de dinheiro.  O motivo de algumas pessoas terem mais dinheiro do que outras é porque o distribuidor de dinheiro é racista, machista, conservador ou um representante dos "grandes interesses do capital".  Nesse caso, a única coisa certa a ser feita com aqueles para quem o distribuidor de dinheiro injustamente deu muito dinheiro é obrigá-los a devolver a fatia ilícita de seus ganhos.  Se eles se recusarem a fazer isso voluntariamente, então é função do governo desencadear a fúria daReceita Federal sobre estes insensíveis, confiscando seus ganhos ilícitos para restituí-los aos seus donos de direito.  Em suma, deve haver uma redistribuição do dinheiro na sociedade — ou aquilo popularmente conhecido como 'redistribuição de renda'.
Já os sensatos e racionais reconhecem que, em uma sociedade livre, a renda não é nem confiscada nem redistribuída; em sua grande maioria, ela é obtida por meio do trabalho.  A renda é ganha quando um indivíduo satisfaz seus semelhantes.  Quanto maior a capacidade e aptidão de satisfazer seus semelhantes, maior a fatia de riqueza que este indivíduo pode adquirir deles.  Essa fatia de riqueza é representada pela quantidade de dinheiro que ele recebe de seus semelhantes.
Digamos que eu me ofereça para lavar o seu carro.  Por ter feito isso de maneira competente, você me paga $20.  Ato contínuo, eu vou a uma mercearia e peço "Dê-me 1kg de carne e seis latas de cerveja que meus semelhantes produziram".  Com efeito, o vendedor vai me perguntar, "Williams, você está pedindo aos seus semelhantes para que eles lhe sirvam.  Você por acaso os serviu também?" E eu respondo, "Sim."  E o vendedor emendará "Então prove!"
Nesse momento vou mostrar os $20 que obtive por ter servido meu semelhante.  Podemos pensar nesses $20 como "certificados de performance".  Eles representam a prova de que eu prestei serviços ao meu semelhante.  O raciocínio em absolutamente nada mudaria caso eu fosse, por exemplo, um ortopedista com uma enorme clientela, ganhando $500.000 por ano por ter prestado serviços aos meus semelhantes.  Ademais, tendo eu já lavado o carro do meu semelhante ou já curado sua fíbula fraturada, o que mais eu devo a ele ou a qualquer outra pessoa?  Qual a justificativa de eu ser obrigado a distribuir meus ganhos para terceiros?  Agora, se alguém quiser ser caridoso, isso é outro assunto, totalmente distinto.
Compare a moralidade de ter de servir o seu semelhante para poder ganhar uma fatia daquilo que ele produz com a (i)moralidade de receber dinheiro redistribuído pelo governo (seja via assistencialismo, funcionalismo público, ou grandes empresários que trabalham que recebem subsídios do governo).  O que ocorre é que o governo simplesmente diz a esse povo: "Você não precisa servir o seu semelhante para adquirir uma fatia de tudo o que ele produz.  Nós vamos confiscar parte do que ele produz e dar tudo para você.  Apenas vote em mim".
Afinal, quem deveria devolver parte do que ganhou?  Pense em Bill Gates, que fundou a Microsoft, ou em Steve Jobs, que fundou a Apple Computer, ou em Sam Walton, que fundou a Wal-Mart.  Qual desses bilionários adquiriu sua riqueza nos obrigando a comprar seus produtos?  Qual deles confiscou a propriedade de terceiros?
Cada um desses três — e milhares de outros — é um indivíduo que enriqueceu prestando serviços aos seus semelhantes, criando produtos que tornaram a vida melhor e mais fácil.  O que mais eles devem?  Para quem eles devem?  Eles já deram e "redistribuíram" a sua fatia.
Compare-os agora aos homens do governo.  Compare os bens e serviços que cada um produziu e compare a maneira como eles enriqueceram.  É justo?
Logo, se há alguém que realmente tem a obrigação de devolver algo para a sociedade, estes são os ladrões e receptadores do roubo legalizado — a saber, as pessoas que utilizam o governo, inclusive vários magnatas que recebem subsídios corporativos, para viver à custa de seus semelhantes. 
Quando um país vilipendia os produtivos e transforma em mascotes os improdutivos, seu futuro está condenado. 

Walter Williams é professor honorário de economia da George Mason University e autor de sete livros.  Suas colunas semanais são publicadas em mais de 140 jornais americanos.

Tradução de Leandro Roque