quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Criminalidade, drogas e proibição

Criminalidade, drogas e proibição

Tráfico-drogas-Rio.jpgContrariamente à crença popular, o governo não obstrui o surgimento do crime organizado; ele fomenta.
Pare por um momento e pense naqueles setores da economia tipicamente ocupados pelo crime organizado: prostituição, jogos, agiotagem, narcóticos e sindicatos.  O que todos esses setores têm em comum?  Simples.  Ou eles são fortemente regulados pelo estado, ou são pura e simplesmente proibidos por ele.  Em contraste, nos setores que estão relativamente livres da interferência governamental, o crime organizado não se estabelece.
A experiência clássica que comprova a validade dessa explicação é a Lei Seca que vigorou nos EUA no período 1919-1933.  Durante essa época, a produção, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas eram ilegais.  O que aconteceu?  Gangsteres como Al Capone entraram em cena e passaram a controlar o comércio ilegal, aniquilando seus concorrentes nas inevitáveis e infindáveis disputas territoriais.  Entretanto, assim que a Lei Seca foi revogada (em uma das poucas coisas decentes que Franklin Roosevelt fez em toda a sua presidência), o crime organizado abandonou a indústria do álcool e se voltou para os outros setores que continuavam proibidos.
O crime organizado se beneficiou com a Lei Seca porque a polícia efetivamente perseguia e afugentava os legítimos empresários da indústria de bebidas alcoólicas.  Aqui cabe um rápido exercício teórico: Se o estado literalmente declarasse que Al Capone tinha o monopólio da distribuição de bebidas em Chicago, e mandasse qualquer concorrente pra cadeia, então o preço das bebidas em Chicago iria disparar, e Capone obteria lucros exorbitantes em decorrência disso.  Isso é algo óbvio.  De maneira similar, quando o estado ameaça colocar na cadeia todos os distribuidores de bebidas — mas faz vista grossa para Capone, que paga suas propinas em dia —, isso é economicamente similar a um monopólio garantido pelo estado.
Estou utilizando Capone apenas para fazer um argumento ilustrativo.  Não fiz nenhuma pesquisa específica sobre ele, mas é certo que hoje em dia as grandes organizações criminosas pagam regularmente sua propina à polícia — cujo termo técnico é "taxa de proteção".  Se o leitor duvida disso, então é porque ele de fato não entende o essencial do comércio de drogas.  Para uma introdução básica, assista a Serpico, um ótimo filme com Al Pacino baseado na história verídica de um policial do departamento de narcóticos da polícia de Nova York que se recusava a aceitar dinheiro sujo.  (Pensando bem, você pode assistir a praticamente qualquer filme de Al Pacino para aprender que os grandes barões do tráfico rotineiramente subornam a polícia).
Os custos e benefícios marginais da violência nos mercados proibidos
Empiricamente, já deveria estar mais do que óbvio que a violência anda de mãos dadas com os mercados que sofrem de ampla proibição estatal.  Novamente, o experimento clássico é a Lei Seca.  Seria inconcebível imaginar os executivos da Budweiser ordenando um massacre — naquele estilo em que carros passam metralhando a fachada de um estabelecimento — dos seus rivais da Heineken.  Entretanto, quando o estado erradicou grande parte dos produtores dessa indústria, os massacres se tornaram comuns.  Essa constatação ajuda a entender algo maior: as disputas territoriais de gangues rivais que ocorrem atualmente nas grandes cidades são decorrência da proibição das drogas.  Essas disputas não ocorrem, como pensam alguns, porque o comércio de cocaína seja algo intrinsecamente "louco" ou "insensato".
Mas ainda que a maioria dos libertários reconheça a associação entre violência e proibição estatal, suas causas raramente são explicadas.  Bem resumidamente, a explicação é simples: a proibição estatal a qualquer tipo de comércio eleva os benefícios marginais e diminui os custos marginais de se utilizar de violência contra os concorrentes do setor econômico em questão.
Comecemos com os custos, que são mais fáceis de entender.  Nesse exato momento, se você se tornar um distribuidor de cocaína, você estará infringindo leis que podem mandar-lhe para a cadeia por um bom período de tempo.  Entretanto, se você for poderoso o suficiente, você pode dar sacos e mais sacos de dinheiro para a polícia local.  Dessa forma, na margem, o custo de você matar um traficante rival é bem menor do que seria se você gerisse um restaurante tailandês e matasse seu concorrente japonês. 
Por quê?
Quando você é um dono de restaurante qualquer, o pior que o governo pode fazer com você é auditar sua declaração de renda.  Porém, se você for um traficante de cocaína e descuidar da propina, isso pode lhe custar a simpatia dos policiais.  Resultado: você pode ir em cana.  Assim sendo, se você é um traficante e tiver condições de pagar religiosamente a propina da polícia, matar alguém deixa de ser uma medida temerária.  Por outro lado, se você for um dono de restaurante, ordenar a morte do sujeito que está abrindo uma casa de sushi na sua rua seria algo insano.  O traficante tem tiras corruptos na sua folha de pagamento, os quais presumivelmente estariam dispostos a fazer vista grossa a um homicídio caso recebessem uma grana extra.  Além disso, é bem provável que o traficante também tenha conexões ainda mais importantes, não sendo desarrazoado imaginar que ele possa também subornar juízes caso algum dia ele tenha de ir a julgamento.
Já os benefícios marginais da violência são muito maiores para o traficante de cocaína do que para o dono do restaurante tailandês.  Traficantes de drogas não são (completamente) imprudentes; eles operam pelo dinheiro.  Para compensar o alto risco, os retornos monetários do comércio de cocaína têm de ser astronômicos.  (Se você gosta de gráficos, quando o governo ameaça prender os vendedores de cocaína, a curva da oferta se desloca acentuadamente para a esquerda, ao passo que a curva da demanda também se desloca para esquerda, só que muito pouco.  Assim, o preço de equilíbrio do quilo da cocaína dispara, indo para um nível muito acima do seu custo monetário de produção).
Por causa das considerações acima, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado no comércio de cocaína é enorme.  Cada novo cliente pode significar um lucro extra de milhares de dólares por mês.  Em enorme contraste, se o dono do restaurante tailandês "roubar" um cliente do restaurante japonês, isso pode gerar-lhe um acréscimo de meros $100 por mês, pois a margem de lucro na indústria de restaurantes é muito menor que no tráfico de drogas.  Para os traficantes, pode fazer sentido ficar rondando portas de escola, vendendo seus produtos para adolescentes, ou até mesmo dando amostras grátis para novatos (embora eu não saiba se isso de fato ocorre; estou baseando-me nas propagandas antidrogas).  Por outro lado, você nunca vê representantes da Kellogg's vendendo caixas avulsas de Sucrilhos para as crianças.  Por causa dessa enorme diferença, conquistar novos clientes é algo muito mais valioso para quem opera nas indústrias proibidas do que para quem opera no setor livre.  É por isso que matar um rival — e com isso ganhar acesso a seus clientes — é muito mais lucrativo nos setores proibidos.
Portanto, quando o estado ameaça prender os produtores de um determinado bem, ele acaba alterando os incentivos de mercado, de modo que a violência passa a ser muito mais lucrativa para essa indústria. 
Naturalmente, no mundo real, as pessoas não são computadores que calculam robotizadamente suas funções de utilidade — ao contrário do que pensam os economistas neoclássicos.  Assim, não estou dizendo que o mesmo empreendedor vai agir de maneiras distintas, dependendo da política de combate às drogas.  Não estou dizendo que esse empreendedor irá escolher entre ser um homem reto ou um assassino perverso, tudo dependendo apenas do nível de repreensão ao tráfico.  Não.  O que ocorre é que aquelas pessoas que têm predisposição para ser assassinas cruéis ganham um incentivo adicional com a política de ilegalidade de certos mercados, o que permite que elas prosperem e se tornem muito ricas em uma sociedade cujas leis antidrogas são rigorosas. 
Logo, ao invés de ser apenas mais um sociopata — do tipo que mata um sujeito que olhou lascivamente para sua namorada num bar e que, por isso, vai para a cadeia —, as asininas leis antidrogas acabam por fazer com que esse sociopata possa ganhar milhões por ano vendendo cocaína — sendo que com esse dinheiro ele agora poderá comprar armas automáticas, contratar capangas, subornar policiais e se tornar o rei das ruas.
O argumento econômico padrão contra a proibição das drogas
Portanto, no típico argumento livre-mercadista em prol da legalização das drogas, o economista irá argumentar que a proibição gera violência desnecessária, uma vez que as quadrilhas entram em guerra entre si para disputar territórios lucrativos e estratégicos, frequentemente matando inocentes nesse processo.  Em seguida ele irá utilizar a ilustração clássica desse fenômeno como sendo a matança que ocorria no submundo americano durante a época da Lei Seca em Chicago.  Ao passo que, nos dias de hoje, seria inconcebível que executivos de cervejarias rivais saíssem por aí chacinando seus concorrentes, esse método fazia perfeito sentido para Al Capone em relação a seus competidores.
Até aí, o argumento está correto.  Entretanto, quando o economista tenta ir além dessa observação geral para explicar por que a proibição leva à violência, ele frequentemente diz algo mais ou menos assim: "Quando o álcool ou a cocaína são ilegais, os vendedores desses produtos não podem recorrer aos tribunais ou à polícia para protegerem sua propriedade e garantir que os contratos sejam honrados.  Consequentemente, eles têm de se armar até os dentes; e se alguém tentar trapaceá-los, eles têm de resolver as coisas por conta própria, pois chamar a polícia está fora de questão."
Tal explicação pode soar plausível para um liberal clássico, que acha que o governo faz um bom trabalho fornecendo serviços de judiciário e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Mas para um anarcocapitalista, que consistentemente diz que um governo corrupto e faminto por poder irá gerir um departamento de polícia tão bem quanto administraria uma montadora de automóveis, essa postura em relação à legalização das drogas parece um tanto esquisita.  Pois o que está sendo dito é que a violência é causada pela inação do governo, por sua recusa em utilizar seu monopólio da força e da justiça com mais frequência.  A implicação óbvia parece ser a de que, se a polícia nunca respondesse a nenhum pedido de ajuda, de quem quer que seja, a sociedade entraria em colapso.
Esse diagnóstico está totalmente invertido.  A razão por que a proibição das drogas produz enormes estragos nas relações sociais se deve ao fato de ela, a proibição, introduzir mais intervenções no mundo; o problema é que o governo está utilizando sua polícia e seus tribunais excessivamente.  
Por exemplo, imagine uma área pobre de uma grande cidade, infestada de quadrilhas de traficantes que aparentemente circulam por ali sem qualquer restrição, vendendo abertamente drogas nas ruas e becos e descarregando rajadas de metralhadora em qualquer um que apresente um comportamento minimamente suspeito.  A maioria das pessoas iria pensar: "Esse bairro é uma anarquia!  Está faltando estado aqui!  Se ao menos a polícia aparecesse de vez em quando para aplicar as leis...  Mas não, ela é totalmente indiferente ao sofrimento dessa comunidade!"
Novamente, esse diagnóstico está invertido.  A vizinhança está nessa situação terrível justamente porque a polícia opera ali com impunidade.  Se a polícia realmente nunca se preocupasse em impor qualquer lei naquela área, então ninguém teria de se preocupar com o risco de ir pra cadeia por estar vendendo drogas.  Consequentemente, empresas de fora poderiam ir se instalar naquele bairro, abrir lojas com janelas à prova de balas e vigiadas por seguranças muito bem armados, e vender cocaína e outras drogas para os moradores (ou, principalmente, para os clientes que vêm de outros bairros) por uma fração do preço vigente nas ruas.  Essas empresas iriam rapidamente quebrar todas as quadrilhas de traficantes que operam na região, uma vez que os clientes iriam correr em manada para aqueles empreendimentos profissionalmente geridos, principalmente por causa de seus preços baixos e pela qualidade de seus produtos.
Porém, por que isso não ocorre?  Porque se alguns empreendedores tentassem de fato implementar o plano acima, eles seriam rapidamente bloqueados pela polícia, que interromperia suas atividades (com o indisfarçável apoio dos traficantes locais).  Mais ainda: essas empresas teriam suas contas bancárias confiscados por ordem do judiciário, inviabilizando qualquer operação.  Líderes comunitários e religiosos iriam reclamar que uma farmácia não pode vender cocaína para adolescentes em plena luz do dia (embora os traficantes o façam imperturbáveis) e o chefe da delegacia encarregada da região iria concordar.  Com efeito, nem ocorre a qualquer empreendedor tentar fazer o que foi dito acima porque — duh! — seria algo totalmente ilegal.    
Portanto, não é difícil entender que não é a relutância ou a má vontade do governo em proteger certos direitos de propriedade que permite que determinadas comunidades permaneçam em um equilíbrio violento; ao contrário: é justamente o ataque do governo aos direitos de propriedade que faz com que bandidos detenham um poder permanente sobre determinadas regiões.
Similarmente, se um estabelecimento qualquer — um restaurante chinês ou uma lavanderia, por exemplo — em um bairro perigoso é assaltado, a polícia provavelmente também não irá fazer muita hora extra pra tentar resolver o caso.  Ainda assim, essa negligência da polícia para com o estabelecimento em questão (idêntica à negligência para com os bairros tomados por traficantes) não gera uma violência indômita na indústria de lavanderias da região; tampouco tem-se notícias de pessoas sendo mortas por motivo de disputa pelo mercado de rolinhos primavera e frango xadrez.
O motivo é simples: se, por um lado, a polícia não protege os comerciantes em bairros perigosos, por outro, ela também não os molesta, ou, pior ainda, não os sequestra sob a mira de uma arma e os joga em uma jaula por vários anos, pelo "crime" de estar comercializando alguma substância.  Essa é a diferença chave entre a indústria das drogas e todas as outras indústrias, e explica por que a indústria perseguida por agentes armados do governo acaba se tornando (fortemente) militarizada também.
Conclusão
Sabemos que o governo tem um desempenho horrível em todos os empreendimentos que executa, sejam eles educação, pavimentação de estradas, fornecimento de eletricidade e serviços de inteligência.  Considerando-se esse histórico, deveríamos acreditar que o governo é realmente bom em proteger as pessoas contra criminosos?  Se isso é verdade, então por que as pessoas cada vez mais recorrem aos tribunais de arbitramento privados?  Não é óbvio que os tribunais e a polícia estatais são tão ineficientes e contraproducentes quanto todas as outras atividades que o estado se arvora fazer?
Para realmente testarmos as diferentes teorias, precisamos pensar em uma atividade em que o governo (a) não crie empecilhos para os produtores, mas que também (b) não defenda os direitos de propriedade desses mesmos produtores.  Se essas áreas forem repletas de roubo e violência, então meus críticos estão certos.  Mas se esses setores forem geralmente ordeiros e pacíficos, então sou eu quem está certo.
Posso pensar em alguns exemplos em que eu estou certo.  Por exemplo, o comércio pela internet é bem pouco regulado.  Claro, se você comprou um livro de uma pessoa através da Amazon, e o cara não lhe enviou o produto, você pode levá-lo a um tribunal de pequenas causas.  Mas não é isso o que faz o sistema funcionar.  O sistema funciona porque se baseia claramente nos efeitos que uma boa reputação traz para um vendedor, e não porque haja uma ameaça de ações judiciais governamentais.
Da mesma forma, não é a timidez — ou mesmo a ausência — do governo o que permite que a violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes.  O que permite esse desvario é justamente o exercício governamental do seu monopólio sobre o uso legítimo da força.
Mesmo economistas pró-livre mercado frequentemente entram em uma espécie de ponto cego quando se trata do fornecimento de serviços estatais de justiça e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Porém, mesmo nessas áreas, monopólios exercidos por funcionários públicos corruptos são péssimos.  O setor privado poderia resolver vários conflitos violentos se apenas o governo concedesse liberdade para tal.
A teoria econômica padrão diz que os monopólios mantidos à base da violência (ou por sua ameaça) levam a serviços de baixa qualidade e preços altos.  Essa análise se mantém válida mesmo quando o monopólio se refere aos serviços judiciais, policiais e militares.  Os libertários geralmente reconhecem que o governo faz um péssimo trabalho quando tenta educar crianças, manter estradas e gerir hospitais.  Por que, então, alguém em sã consciência iria querer dar a políticos e burocratas a tarefa de nos proteger de ladrões e assassinos?

Robert P. Murphy 
é Ph.D em economia pela New York Universityeconomista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

O problema com o sistema penitenciário

O problema com o sistema penitenciário
abre14112007.jpgOs conservadores sempre tiveram uma visão romantizada do poder policial, vendo-o como se fosse uma linha divisória entre a liberdade e o caos, impedindo que este último prevaleça.  Embora seja verdade que a lei em si é algo vital para a liberdade, e que a polícia possa de fato defender os direitos à vida e à propriedade, disso não necessariamente se segue que qualquer indivíduo comedor de impostos portando uma arma autorizada pelo estado e calçando botas de cano alto esteja do lado do bem.
Todas as regulamentações estatais, bem como todo o tipo de tributação, são, em última instância, escorados e reforçados pelo poder policial, de modo que os defensores do livre mercado têm todos os motivos para sentir receio desse aparato de estilo socialista.
Uma postura não crítica em relação à polícia leva, ao fim e ao cabo, a um apoio irrestrito do estado policial.  E um ótimo exemplo disso é o atual regime iraquiano, cujo governo — apoiado pelos EUA, o maior estado policial do mundo ocidental — vem aplicando leis marciais desde a invasão.  Desnecessário dizer que os conservadores apóiam tais medidas, pois creem que esses métodos constituem passos firmes em direção à liberdade.
É o poder policial, cada vez mais militarizado e federalizado, quem irá, num futuro próximo, confiscar as armas dos cidadãos indefesos e entregá-las para a classe política, impor e executar o toque de recolher, instalar e comandar inúmeros postos de controle e checagem, e cercear nossa liberdade de expressão.
Se você quer ver como o poder policial irá tratar os cidadãos no futuro, quando estes se rebelarem contra seu governo, olhe cuidadosamente para como as tropas americanas tratam os civis iraquianos, ou como o governo norte-coreano lida com seus cidadãos.  As diferenças tendem a se convergir.
Porém, esse não é exatamente o assunto deste artigo.  A questão a ser abordada aqui jaz um pouco mais no âmago do estado policial: as prisões.  Trata-se de um problema inerentemente ligado à visão que os conservadores têm da lei e da justiça.
Construir e preservar todo um sistema carcerário é um dos principais gastos do governo, em todos os níveis.  A taxa de prisioneiros por 1.000 habitantes varia de um país para outro.  O que não varia são os gastos crescentes para sustentar esse regime.  Muitas pesquisas e estatísticas são divulgadas sobre a correlação entre a taxa de aprisionamento e os índices de criminalidade.  Embora a ideia dominante seja a de que quanto mais presos, menos crimes, há outras pesquisas que indicam que, nos EUA, a criminalidade explica apenas 12% do aumento do número de prisões, ao passo que mudanças nas condenações — com o endurecimento sobre os "crimes sem vítimas", como prostituição e drogas — explicam 88% do aumento.
No geral, os gastos com o sistema penitenciário, polícia, judiciário e outros itens relacionados à justiça estão completamente fora de controle.  E o que ganhamos com isso?  Mais justiça, mais segurança e melhor proteção?  Não.  Estamos comprando as correntes da nossa própria escravidão.
Podemos pensar nas cadeias como miniaturas de uma sociedade socialista, onde o governo exerce o controle total.  Exatamente por essa razão, o sistema penitenciário é um fracasso completo para todos — menos para os burocratas que lá trabalham e para as empresas que ganham as licitações para construir as cadeias, seguindo omodelo fascista das PPPs.
A maioria dos presidiários está lá por delitos relacionados a drogas, supostamente sendo punidos por seu comportamento.  Entretanto, o mercado de drogas viceja nas prisões.  Se isso não é a perfeita definição do fracasso, então não sei o que é.
No sistema penitenciário, nada ocorre fora do domínio do governo.  As pessoas encarceradas são completa e totalmente controladas pelos administradores estatais, o que significa que elas não têm valor algum e não podem oferecer nada de valor a ninguém.  Essa condição é certamente o caminho mais certo para se reduzir a vida humana à mais completa ruína.
As pessoas lá dentro são escravas do estado.  Após terem sido condenadas, elas passam a ser consideradas por seus apreensores como nada mais do que seres biológicos que ocupam espaço.  O fornecimento de todos os serviços a elas depende exclusivamente dos caprichos de seus mestres, que não têm nenhum interesse na condição final de seus cativos.
Agora, você pode dizer que esse é exatamente o tratamento que alguns tipos de pessoa merecem, porém esteja ciente de que este é o assalto derradeiro à dignidade humana.  Elas estão "pagando o preço" por seus delitos, só que ninguém está na posição de se beneficiar desse preço pago.  Elas não estão saldando suas dívidas ou recompensando suas vítimas ou mesmo lutando para superar alguma coisa.  Elas estão apenas "cumprindo tempo", custando aos contribuintes quase US$ 25.000 ao ano por presidiário [no Brasil esse valor está em R$ 18.000].  Isso é tudo o que essas pessoas são para a sociedade: um custo — e elas são tratadas como tal.
E nas prisões, as comunidades nas quais essas pessoas vivem são formadas por outras pessoas também desprezadas — e todas elas, em conjunto, formam uma massa socializada nessa mentalidade que é totalmente contrária a toda noção de civilização.  Sem mencionar a impiedosa violência (tanto a ameaça física quanto a real), os barulhos horríveis e a abundância de todo o tipo de perversidade moral.  Em resumo, as prisões são a representação mais próxima do inferno na terra.  Não é de se estranhar que elas não reabilitem ninguém.  Como disse George Bernard Shaw, "o encarceramento é tão irreversível quanto a morte."
Ademais, tudo o que conhecemos sobre o governo é elevado ao paroxismo quando aplicado a esse supremo programa governamental.  Ele é caro, ineficiente, brutal e irracional.  O atual sistema penitenciário é um fenômeno relativamente novo na história — ele é utilizado principalmente para impor e reforçar as prioridades políticas (a guerra às drogas), e não para punir os crimes reais contra a propriedade.  O sistema é manipulado por paixões políticas e não por uma genuína preocupação com a justiça.  Os resultados da guerra contra as drogas falam por si: ao invés de reduzir o consumo, houve um aumento.
Enfim, conhecendo-se essa realidade, não é surpresa alguma que as prisões sejam lugares caóticos onde corrupção e abusos monstruosos imperam.  Tampouco é de se estranhar que as pessoas saiam das prisões piores do que entraram, sem nada a perder e traumatizadas para o resto da vida.
No sistema jurídico e carcerário, não há absolutamente qualquer ênfase na ideia da restituição.  E a restituição não é apenas uma parte importante da ideia de justiça; ela é sua própria essência.  Se uma pessoa é roubada e seu ofensor é preso, que justiça há em se roubar a vítima novamente para pagar pela total desumanização do seu ofensor?
Como disse Rothbard: "A vítima não apenas perde seu dinheiro, como também é obrigada a pagar novamente pela dúbia emoção da captura, condenação e consequente sustento do criminoso; e o criminoso será mantido escravo, mas não pelo bom propósito de recompensar sua vítima."
Mesmo os defensores do livre mercado há muito já aceitaram a ideia de se ter o atual sistema penitenciário, sob a justificativa de que o estado deve ter o monopólio da justiça.  Mas, por favor me digam, onde está a justiça desse sistema?  E quantas cadeias é preciso ter para que o número possa ser considerado excessivo?  Quantos prisioneiros é preciso haver para que se reconheça que o governo extrapolou?  Portanto, não vamos mais celebrar a expansão desse sistema socialista, na crença de que a aplicação cada vez maior de força é algo capaz de solucionar todos os problemas sociais.
Sim, um sistema de livre mercado iria enfatizar a punição; porém, ele daria ainda mais atenção para a restituição.  E toda a população não seria tributada a fim de pagar pelos crimes de alguns poucos.  O custo do crime recairia sobre aqueles que o cometeram, de modo que a vítima fosse recompensada.  Isso não significa que os criminosos passariam a ser empregados contratuais das vítimas, prestando-lhes vários serviços.  Haveria uma indústria especializada em justiça criminal da mesma forma que há indústrias especializadas em todos os outros serviços requeridos pelo mercado.
Não podemos saber de antemão como exatamente esse sistema se desenvolveria em um mercado — afinal, ninguém pode planejar o mercado.  A grande tragédia é que o governo monopolizou por tanto tempo esse serviço — ao contrário das escolas e dos serviços postais — que nenhum sistema concorrencial de justiça privada teve a permissão de surgir.  Mas podemos, por exemplo, considerar a maneira como o sistema de crédito financeiro tem aplicado suas regras, em sua maioria voluntariamente.  Aqueles que se comportam bem, são beneficiadas; e aquelas que não, são prejudicadas.  Os danos causados pelas trapaças se voltam para aqueles que tentam fraudar o sistema.
A justiça pode ser ofertada pelo livre mercado?  Tenho toda a confiança que sim, porque se há algo que a história da oferta de serviços já nos ensinou é que, sempre que a sociedade precisa de algo, o mercado o fornece de maneira muito superior ao governo.  Esse princípio se aplica tanto para a justiça criminal quanto para qualquer outro setor da economia.  Bens e serviços em uma sociedade livre são fornecidos pelo mercado, e não pelo governo.
E quanto àquela linha divisória entre a civilização e o caos?  Frequentemente, os defensores das cadeias e polícia estatais assumem uma forma cruenta de hobbesianismo, a filosofia política moldada pelo inglês Thomas Hobbes no século XVII.  Seu livro Leviatã foi publicado em 1651 durante a Guerra Civil Inglesa com o intuito de argumentar que um governo central tirânico era o preço a se pagar pela paz.  O estado natural da sociedade, disse ele, era o de guerra de todos contra todos.  Nesse mundo, a vida é "solitária, pobre, sórdida, bestial e curta".  O conflito é a única forma de compromisso humano.  A sociedade está repleta dele, e não poderia ser de outra forma.
O que impressiona nesse caso é o contexto do livro.  Os conflitos de fato eram onipresentes.  Mas qual o motivo desses conflitos?   Um só: decidir quem iria controlar o estado e como esse estado iria operar.  Tal cenário de modo algum representava o estado natural da sociedade, mas sim uma sociedade sob o controle do Leviatã.  Foi exatamente o Leviatã quem gerou esse conflito do qual falava Hobbes — e a cura que ele propôs era essencialmente idêntica à doença.
Com efeito, o resultado da Guerra Civil foi a brutal ditadura de Oliver Cromwell, que governava sob slogans democráticos.  Esse regime foi um presságio de algumas das piores violências políticas que o século XX viria a experimentar.  Foram o nazismo, o fascismo e o comunismo que transformaram sociedades outrora pacíficas em comunidades violentas nas quais a vida de fato se tornou "solitária, pobre, sórdida, bestial e curta".  O Leviatã não consertou o problema; ele o fomentou — e o arraigou na sociedade como condição permanente.
O que também impressionava em Hobbes é que em momento algum ele pensou em questões econômicas.  A questão do bem-estar material humano não fazia parte de seu aparato intelectual.  Por causa dessa deficiência, ele não foi capaz de prever o que a Inglaterra viria a ser dali a apenas um século e meio: um bastião da liberdade, uma terra de crescente prosperidade para todos.
Ele escreveu sua obra exatamente no final de uma época que precedeu a ascensão do liberalismo clássico.  Na Inglaterra de 1689, John Locke publicava seu Dois Tratados Sobre o Governo, um livro que viria a fornecer a estrutura básica para a Declaração da Independência americana e que levaria à formação da mais livre e próspera sociedade na história do mundo.
Como Hobbes não pensava em questões econômicas, uma essencial constatação liberal não entrava em sua estrutura mental.  E qual era essa constatação?  Ela está resumida na frase de Frédéric Bastiat: "as grandes tendências sociais são harmoniosas."  O que ele quis dizer com isso é que uma sociedade contém dentro de si a capacidade de resolver conflitos e de criar e sustentar instituições que fomentem a cooperação social.  Ao buscar seus próprios interesses, as pessoas podem chegar a acordos mútuos e praticarem trocas que lhes trarão benefícios recíprocos.
Bastiat em momento algum supôs que todas as pessoas de uma sociedade são espertas, iluminadas, talentosas, educadas e pacíficas.  Ele apenas estava dizendo que a sociedade pode lidar com a malevolência por meio da economia de mercado, e exatamente da maneira como vemos hoje: empresas de segurança privadas, produção privada de armas, trancas e cadeados, tribunais de arbitramento privados e empresas de seguro privadas. 
O livre mercado pode organizar a proteção de maneira muito superior ao estado.  A iniciativa privada pode fornecer — e de fato fornece — serviços policiais superiores aos do estado.  Como argumentou Hayek, o estado é amplamente superestimado como um mecanismo mantenedor da ordem.  O estado é — e sempre foi ao longo da história — uma fonte de desordem e caos, e esse problema só piora à medida que o estado cresce.  Se você duvida disso, apenas olhe para as cadeias, um lugar onde o estado está no total controle da situação.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque

Como a guerra às drogas está destruindo o México

Como a guerra às drogas está destruindo o México

2010-09-15-mexico-drug-war.jpgO México está se definhando rapidamente.  Tanto a vida de sua população quanto a própria vivacidade do país estão sendo aniquiladas por uma desesperadora e desesperançada guerra contra as drogas ilegais.  Quem estiver à procura de um exemplo abjeto de teimosia e estupidez governamental, não encontrará nada melhor do que essa ridícula insistência em querer banir o "imbanível".
Nos últimos cinco anos, o México contabilizou 34.600 homicídios relacionados à guerra do governo mexicano às drogas ilegais.  Essa é a contabilidade oficial.  A contabilidade não oficial — provavelmente a mais acurada — eleva o número para acima de 40.000. [No Brasil, o número oficial de homicídios por ano é de 50.000, porém a população brasileira é 1,7 vezes maior que a mexicana].
Qualquer que seja o número escolhido, trata-se de uma cifra pavorosa, ainda mais quando se considera a maneira como as vítimas foras despachadas.  Esqueça esfaqueamentos, açoitamentos, tiros e estrangulamentos — coisas cotidianas que a maioria de nós imagina quando pensamos em homicídios.  Não.  No México, os homicídios relacionados às drogas estão mais para reencenações de atrocidades — decapitações, mutilações e enforcamentos — que remontam à era dos teatros romanos sob o império de Cláudio.  Seja bem-vindo ao ano 10 d.C. e à carnificina da era dos gladiadores.
A sorte dos barões da droga é que homicídios pavorosos não seguem as leis dos retornos marginais decrescentes: quanto mais os barões da droga aterrorizam, mais os mexicanos se sentem intimidados.  O estilo retrógrado dos assassinatos praticados pelos barões da droga forçou vários mexicanos pacíficos e trabalhadores a se recolher, se esconder e a finalmente se retirar da sociedade.  E nenhuma sociedade pode durar sem uma base pacífica e industriosa.
E, pra piorar, o fato é que não há escassez de opressores no México: a própria polícia contribui com o seu quinhão.  As forças federais paramilitares e seus soldados de uniformes negros, com suas metralhadoras pendendo ao longo do torso e com seus indicadores em contínuo contato com os gatilhos, além de seus olhares frios e mortíferos que instilam muito mais insegurança do que medo; em termos de em quem confiar, a maioria dos mexicanos não distingue entre o policial e o barão da droga.  O fato é que as forças policiais são vistas como sendo apenas uma classe distinta de bandidos, o que exacerba o desespero.
O medo, estimulado pela confusão, pela ignorância e pela constante violência, acaba servindo para formar e moldar a opinião pública em favor da classe política.  Durante décadas, os oponentes da legalização das drogas vêm repetindo o mesmo argumento escorregadio, sempre com grande apelo: se as drogas ilegais forem legalizadas, o país irá se afundar em uma espiral incontrolável e inevitável de iniquidade e violência.  Embora, no geral absurda, o fato é que a mensagem é concisa, provocativa e incrivelmente persuasiva.  Uma guerra deveria ser declarada — isto é, uma guerra unilateral que favorecesse a classe política.
Os líderes políticos queriam apenas uma publicidade favorável para seus atos de "valentia".  Porém, no México, a guerra às drogas tem sido menos unilateral do que os próprios políticos haviam imaginado: rolaram mais cabeças de políticos — literalmente e figurativamente — nessa guerra do que em qualquer outro período da história.
Quem conhece a ciência econômica, sabe que tudo tem um custo — e negligenciar os potenciais custos da legalização das drogas ilegais seria uma atitude intelectualmente desonesta.  Vício, dependência, incapacidade para arrumar emprego, overdoses, violência doméstica e acidentes de trânsito são possibilidades muito reais, e elas poderiam muito bem aumentar ao se legalizar o ilegal.
Entretanto, há uma razão para se acreditar que tais custos são evitáveis.  Portugal serve como uma intrigante situação teste sobre a legalização das drogas.  O país descriminalizou (não legalizou) as drogas ilegais há uma década; e pesquisas conduzidas pelo advogado Glenn Greenwald, sob os auspícios do Cato Institute, são encorajadoras.  Greenwald constatou que "embora o uso e o vício, bem como as patologias concomitantes, continuem em forte ascensão em vários países da União Europeia, esses mesmos problemas ... estão contidos ou até mesmo apresentaram melhoras mensuráveis em Portugal desde 2001."
Essas descobertas de Greenwald na verdade são bem intuitivas: as normas sociais, os costumes e as tradições funcionam como inibidores do uso de drogas (e, por sinal, de praticamente qualquer tipo de comportamento).  O álcool é uma substância difusa e generalizada não por causa de sua legalidade, mas sim por causa de sua aceitação.  Uma Stella Artois ou um Jack Daniel's são aceitáveis como lubrificantes sociais; maconha e cocaína, não.  Na esmagadora maioria dos círculos sociais, este paradigma continuará intacto se as drogas forem legalizadas.
Mesmo que o uso de drogas e suas consequências negativas viessem a aumentar, os benefícios da legalização ainda assim sobrepujariam os atuais custos de se manter o status quo.  Nos EUA, por exemplo, desde 1971 o governo já gastou mais de US$ 1 trilhão intensificando a guerra às drogas.  Deste US$ 1 trilhão, US$ 121 bilhões foram gastos apenas para encarcerar mais de 37 milhões de pessoas por crimes não violentos relacionados às drogas, sendo que 10 milhões de pessoas foram presas pelo simples porte de maconha.  US$ 450 bilhões desse US$ 1 trilhão foram gastos para trancafiar essas pessoas em penitenciárias federais.  No ano passado, metade de todos os prisioneiros federais dos EUA estava cumprindo penas relacionadas às drogas.  O sofrimento não é uma variável quantificável, mas os indícios casuais sugerem que a guerra às drogas nos EUA intensificou sobremaneira essa variável.
Washington e a Cidade do México são parceiras na perpetuação da fraude da guerra às drogas assim como os consumidores de drogas americanos são parceiros dos fornecedores mexicanos no comércio de entorpecentes, de modo que é natural que os mais bem financiados políticos americanos ofereçam generosamente o dinheiro dos pagadores de impostos americanos para seus colegas mais pobres da Cidade do México.  De acordo com aCNSNews.com, "O Departamento de Defesa dos EUA irá aumentar o financiamento antinarcóticos do México ... em 17 vezes.  Os níveis de financiamento, que estavam em $3 milhões por ano antes de 2009, irão para $51 milhões em 2011."
Olhando o quadro mais amplo, $51 milhões em um orçamento de $3 trilhões é uma mixaria, mas certamente não será uma mixaria por muito tempo.  Há simplesmente muito demanda e muito empreendedorismo no ramo das drogas, o que significa que o único rumo que os gastos do governo podem tomar é para o alto.  Uma pesquisa deMilton Friedman revelou que a proibição das drogas estimula os fornecedores a desenvolver e a incitar o consumo de drogas mais pesadas, assim como a Lei Seca empurrou as pessoas para misturas mais fortes de álcool (as horríveis e hoje ubíquas bebidas misturadas, criadas justamente para disfarçar o sabor repulsivo do álcool fabricado clandestinamente). Os contrabandistas e distribuidores de rum daquela época não lidavam com cerveja; a cerveja é volumosa e possui baixa potência.  Já o rum é compacto e de alta potência.  A Lei Seca simplesmente empurrou os beberrões para o consumo de substâncias tóxicas mais pesadas e mais debilitantes, afastando-os das mais suaves e inócuas.
Folhas de coca, mascadas e fervidas como chá, há muito têm sido utilizadas por peruanos e bolivianos que querem aliviar os sintomas da hipoxia provocada pela altitude.  O ópio, em sua forma bruta, já foi muito utilizado como analgésico.  Maconha, folhas de coca e ópio são volumosos, o que implica altos custos de transportação e estocagem.  Para driblarem esse empecilho, os distribuidores optaram por cultivar linhagens mais potentes de maconha e a destilar as folhas de coca e ópio, o que gerou a cocaína e a heroína.
Mesmo em sua forma concentrada, as drogas ilegais são caras de ser transportadas e comercializadas.  Isso requer que os barões da droga tenham de fazer constantes investimentos para aprimorar o seu capital e, com isso, operar mais lucrativamente.  Esse alto custo funciona como uma barreira à entrada no mercado, o que atenua a concorrência, reduz a oferta e joga os preços para o alto.  Nem se os barões da droga quisessem poderiam eles ter criado um modelo de negócios tão rendoso.
Zombar da lei e escarnecer moralistas e cumpridores da ordem são atitudes que glorificam os barões da droga, algo muito parecido com a maneira como a Lei Seca glamourizou os chefões das máfias.  Apesar de toda a matança e terrorismo associados ao tráfico de drogas, os plebeus ignorantes e politicamente desiludidos veem o barão mexicano das drogas Joaquín "Chapo" Guzmán com grande respeito e veneração.  "As pessoas consideram Chapo Guzmán uma espécie de bandido social, um Robin Hood", explica Victor Hugo Aguilar, professor da Universidad Autónoma de Sinaloa, sobre a influência que Guzmán exerce sobre as pessoas e a cultura da região.  "Ele conserta os problemas das cidades e coloca luzes nos cemitérios.  Ele já é parte do folclore de Sinaloa".
São apenas negócios, imaginam os apologistas.  Guzmán é um homem de negócios como qualquer outro — apenas um que se sobressai em um comércio brutal.  Cocaína foi o negócio escolhido, assim como o álcool foi o negócio escolhido por Al Capone.  Os Guzmáns e os Capones do mundo seriam apenas variações dos Rockefellers e dos Gates.  Um instinto perspicaz para os negócios que transcende as áreas de empreendimento.
Mas é claro que a realidade é outra.  Rockefeller e Gates nunca fizeram uso da persuasiva ferramenta da violência; tampouco desfrutaram de privilégios monopolísticos.  Rockefeller e Gates operaram do lado legal da lei, mesmo que a lei fosse imoral, assim como os presidentes da Jack Daniel's e da Anheuser Busch também operaram do lado legal da lei durante a Lei Seca, ainda que isso fizesse com que seus clientes sofressem enormemente em decorrência dessa aquiescência.
Os consumidores são as verdadeiras vítimas da guerra contra as drogas.  Guzmán não é nenhum gênio dos negócios; ele é simplesmente um oportunista que aproveitou um monopólio garantido pelo governo e passou a utilizá-lo tiranicamente, fazendo com que um empreendimento que poderia ser gerido muito mais seguramente e eficientemente por empreendedores genuínos operando concorrencialmente dentro da lei fosse transformado em um negócio sanguinolento e sem lei, no qual só sobrevivem os mais poderosos, ricos e bem armados. 
Ninguém morre repentinamente de um copo de uísque ou de cigarros "batizados".  A legalidade desses produtos estimula empreendedores sérios a construir marcas de reconhecida qualidade.  Por outro lado, cheire uma carreira de cocaína ou injete alguns miligramas de heroína e a sua sobrevivência passará a ser uma questão de sorte.
Já o comércio ilegal de drogas não é nenhuma aposta especulativa.  Todos os monopólios garantidos pelo governo são coisas tão certas e garantidas quanto a meritocracia reversa do serviço público: eles fazem com que os menos dignos e meritórios se transformem nos mais ricos.  A revista Forbes estima que o patrimônio líquido de Chapo Guzmán esteja na casa de $1 bilhão de dólares.
Todo monopólio gera uma sensação de direito adquirido, o que explica por que o Señor Guzmán aparentemente ainda não atentou para a ironia de matar políticos que defendem a proibição das drogas — são exatamente eles que tornam possível a sua fortuna.  Muito embora ele provavelmente esteja mais ciente dessa ironia do que os próprios políticos que ele mata.

Armas, drogas, distintivos e cartéis

Armas, drogas, distintivos e cartéis
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carteis.jpg"Será que existe alguém que realmente acredita que indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o homicídio irão obedecer às leis de desarmamento?" — Thomas Sowell
Sempre observo com grande interesse todos os debates sobre desarmamento e controle de armas, e venho fazendo isso há praticamente 50 anos.  Já ouvi os oponentes do desarmamento invocarem este argumento de Sowell.  Não me lembro de ter ouvido nenhuma resposta a ele.  Nenhum desarmamentista jamais forneceu uma resposta.  Eles simplesmente ignoram o desafio.  Eles fingem que ninguém fez uma pergunta.
Curiosamente, eleitores contrários ao desarmamento seguem votando em políticos desarmamentistas, políticos que não respondem ao desafio de Sowell.  Os eleitores nem sequer questionam essa postura fugidia dos políticos.  É verdade que, no geral, os eleitores defendem algum tipo de controle de armas.  A maioria não defende o desarmamento completo, mas eles defendem severas restrições à venda de armas e aos modelos que podem ser comercializados.  E, com isso, políticos desarmamentistas seguem sendo reeleitos, e sem jamais serem questionados acerca de sua postura racionalmente contraditória.
A lei do desarmamento é tão eficaz quanto as leis anti-drogas: ninguém realmente espera que leis anti-drogas irão eliminar o uso de drogas ilegais.  Porém, como os eleitores não querem admitir que a intervenção estatal no mercado de drogas é uma ilusão mais delirante do que a provocada pelo LSD, o ataque estatal a este mercado segue impávido, com a mesma eficiência de um gelo sendo enxugado.  E o mesmo raciocínio é válido para o desarmamento. 
Os eleitores não querem admitir que a intervenção estatal em ambos estes mercados só faz destruir ainda mais a liberdade dos indivíduos, a qual é diariamente sacrificada em nome do aumento do poder e do controle do estado.  A crença é a de que o estado é paradoxalmente capaz de deter o poder de controlar atividades que, em privado, as pessoas aceitam, mas que, em público, são obrigadas a condenar.
Sendo assim, reformulo a pergunta de Sowell:
Será que existe alguém que realmente acredita que indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o consumo de maconha irão obedecer às leis que os proíbem de utilizar um papel para enrolarem por conta própria um baseado?
Defensores das leis anti-drogas — pessoas que normalmente são contra o desarmamento — respondem a esta pergunta da mesma maneira que os defensores do desarmamento respondem à pergunta de Sowell: com silêncio.
Resultados: mais leis, mais intrusão estatal, mais gastos governamentais, orçamentos mais polpudos para os burocratas, menos liberdade, e mais discussões vápidas.
No final, tudo se reduz a isso: traficantes de drogas não irão obedecer às leis que supostamente restringem o uso de armas.
Se você quiser que traficantes de drogas parem de comprar armas, então é melhor você acabar com os traficantes, defendendo a descriminação das drogas.  Porém, os progressistas querem criminalizar as armas e os conservadores querem criminalizar as drogas.
E, se você pensa que este argumento não faz sentido, então não espere que os progressistas respondam ao argumento de que "indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o homicídio não irão obedecer às leis de desarmamento".
Você por acaso já parou para pensar na cronologia das leis anti-drogas?  Ela se assemelha à criação de licenças para médicos, uma regulamentação que criou um cartel extremamente rentável.  O cartel dos médicos é justificado com este argumento: "Não queremos que o público em geral saia comprando remédios (que são drogas).  Portanto, é necessário que o estado imponha leis e regulamentações para que apenas médicos diplomados possam prescrever receitas".
Tudo se resume a cartéis.  Se você quer criar um cartel extremamente rentável, é fácil.  Eleja um político influente, faça lobby, consiga que o estado torne ilegal um bem ou serviço que a maioria das pessoas quer, e então estipule que apenas um determinado grupo de especialistas tenha a licença para vender este bem ou serviço.  Pronto. 
O problema é que tal medida levará à criação de um cartel paralelo, não-autorizado e ilegal, o qual também venderá o bem ou serviço em questão.  E isso gerará um inevitável conflito: o primeiro cartel, ávido para defender sua reserva de mercado, irá enviar funcionários públicos com distintivos e armas para atacar este segundo cartel, o qual, por conseguinte, irá comprar armas para defender seu terreno e se proteger dos ataques do primeiro cartel.
Cartéis querem uma renda artificialmente elevada em decorrência de restrições colocadas sobre o livre mercado.  Cartéis querem uma renda artificialmente elevada em decorrência de uma reserva de mercado protegida pelo estado.  O verdadeiro debate gira em torno de quem irá portar armas legalmente e quem irá portá-las ilegalmente.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite

Como o governo gera mão-de-obra para o tráfico de drogas

Como o governo gera mão-de-obra para o tráfico de drogas
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tráfico4.jpgSempre que você encarece artificialmente o custo de um bem, a tendência é que a demanda legal por esse bem diminua acentuadamente.  Como consequência, esse bem será empregado em outras atividades até então pouco atrativas.
Em termos práticos, se o governo encarece artificialmente o custo da mão-de-obra menos produtiva — por meio de encargos sociais e trabalhistas elevados, salário mínimo oneroso e tributação pesada sobre as receitas e os lucros das empresas —, a tendência é que esta mão-de-obra pouco produtiva seja menos demandada por empreendimentos legais e, consequentemente, seja canalizada para mercados mais desregulados — e quase sempre ilegais.
O mesmo ocorre quando o estado dificulta o empreendedorismo dos mais pobres, que não têm como arcar com a burocracia, com as licenças, com as regulamentações e com as inúmeras outras exigências impostas pelo estado que obstaculizam qualquer ato empreendedorial.  Tais pessoas são atraídas para aqueles mercados em que as imposições estatais são menores — para não dizer nulas — e a possibilidade de lucros, mais altas.
Dado que o governo bloqueou todos os métodos legais para o indivíduo sair da pobreza, recorrer a uma atividade ilícita torna-se uma opção viável para aqueles que não sofrem de restrições morais.
Um setor que atrai a imensa fatia desta mão-de-obra pouco produtiva e destas pessoas de espírito empreendedorial, mas que não têm dinheiro, é o mercado das drogas.  Se você mora nos subúrbios e não há opções legais para ascender socialmente — porque o governo criou várias imposições —, uma das maneiras mais fáceis e rápidas de enriquecer é se tornando um traficante.
Por quê?
Porque as regulamentações, as burocracias e os impostos do governo não se aplicam ao mercado das drogas.  Não há leis de salário mínimo, não há exigências burocráticas, não há taxas de licenciamento, não há um Ministério do Trabalho dando batidas e impondo requerimentos.  Principalmente, não há imposto de renda. 
Por se tratar de um mercado criminalizado pelo governo, as margens de lucro são enormes, pois elas embutem todo o risco empreendedorial — o risco de ter sua carga confiscada pelo governo e ter sua mão-de-obra encarcerada.  Essas altas margens de lucro, que possibilitam altos salários, são um atrativo irresistível para aquelas pessoas desiludidas que não conseguiram trabalhar nem empreender legalmente por causa das restrições estatais.  Nos subúrbios, é difícil resistir a essa tentação do enriquecimento fácil.  Jovens sem perspectivas e que não conseguem empregos legais são facilmente contratados pelos barões do tráfico, pois a burocracia exigida para se contratar esse tipo de mão-de-obra é nula.  Adicionalmente, o fato de o salário neste mercado ser integral, sem deduções previdenciárias e sem imposto retido na fonte, garante uma oferta contínua e crescente de mão-de-obra para o setor.
Da mesma maneira, pessoas de espírito empreendedorial também se aventurarão no mercado das drogas porque poderão reter para si todos os lucros auferidos, que não estão sujeitos a imposto de renda.  Além disso, um chefão do tráfico não tem de se preocupar com greves e outras exigências trabalhistas.  Também não há o risco de ele ser levado à Justiça do Trabalho por ter pedido hora extra.
Este é o tipo de empreendedorismo que floresce naqueles subúrbios em que não há perspectivas econômicas e não há possibilidades de ascender na vida por meios legais, pois o governo bloqueou todas as avenidas legítimas que retiram as pessoas da pobreza.  O empreendimento criminal voltado para o mercado de drogas é atraente porque opera como se estivesse em um paraíso fiscal.
Sim, trata-se de um mercado violento.  Como não há leis e os tribunais estatais não reconhecem os contratos verbais feitos no submundo, os indivíduos deste mercado sempre recorrem à justiça com as próprias mãos.  Não há outra maneira de impor o cumprimento de contratos.  Os gastos com segurança pessoal também são altos.  Os custos marginais de se eliminar fisicamente um concorrente são baixos e os benefícios, extremamente altos.  Você assume o mercado do seu concorrente eliminado e, como consequência, seus lucros se tornam ainda mais elevados.
Mas tudo isso também é consequência direta da proibição das drogas.  O governo, ao tornar ilegal tal mercado, faz com que seus integrantes não possam recorrer aos meios legais para fazer cumprir seus contratos.  E como empresas de arbitramento também estão proibidas de fazer tal serviço, a única opção que resta é recorrer à violência.  Todas essas proibições servem apenas para elevar os lucros de quem opera neste mercado e, consequentemente, a atratividade deste mercado para a mão-de-obra mais despreparada e menos produtiva.
Se não houvesse uma guerra às drogas, se as drogas não fossem criminalizadas, se elas fossem legais, não haveria todas essas oportunidades irresistíveis.  E sem essas oportunidades artificialmente criadas pela proibição estatal, e, principalmente, sem os impedimentos burocráticos, trabalhistas e tributários criados pelo governo no mercado legal, estes empreendedores dos subúrbios canalizariam sua criatividade, seu trabalho duro, sua iniciativa e seu empreendedorismo para outras atividades mais benéficas para a sociedade; vidas e recursos não seriam direcionados para esta atividade contraproducente que é o mercado de drogas.
Foi o governo quem criou este mercado paralelo, foi o governo quem dificultou ao máximo que as pessoas dos subúrbios ascendessem por meios legais, e é o governo a fonte desta criminalidade específica do mercado das drogas; e mais governo não será a solução.  Mais intervenção governamental poderá apenas perpetuar a pobreza e a fonte de mão-de-obra para o tráfico de drogas.
Por fim, para agravar a situação, o governo atua em outra ponta que faz com que a mão-de-obra para o mercado das drogas se torne crescentemente especializada: o sistema penitenciário. 
indefensável.jpgComo consequência de toda esta criminalidade criada pelo governo, vários integrantes do tráfico de drogas — mais especificamente, os "peixes pequenos" — são capturados e enviados para penitenciárias.  Deixando de lado toda a questão dos custos de se gerir estas enormes excrescências burocráticas que são as penitenciárias federais e estaduais, vamos nos concentrar nos resultados.  O que são as prisões atuais se não genuínas universidades do crime? 
Um garoto pobre que vendia drogas e que foi capturado pela polícia e enviado a uma penitenciária, o que acontecerá a ele?  Entrará em contato com todos os tipos de criminosos, todos eles mais experientes.  Esse convívio prolongado fará com que o garoto adquira malícia, aperfeiçoe suas habilidades criminais e ganha mais intimidade com o mundo do crime. 
Ao sair da cadeia, após anos de imersão com os especialistas, ele será um pós-graduado em criminalidade.  Ele agora estará a par de todos os truques das ruas; conhecerá todas as "manhas" da criminalidade.
Traficantes jovens que cumprem pena não são reabilitados.  Também não são necessariamente punidos.  Ao saírem da cadeia, eles são vistos como heróis por seus pares; eles se tornam um modelo para seus amigos.  Eles cumpriram pena, saíram ilesos e, por isso, adquirem mais respeito.  Estarão prontos e ainda mais preparados para ascender na carreira criminosa.  Graças ao governo e a todas as suas proibições.
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Criminalidade, drogas e proibição

Criminalidade, drogas e proibição

Tráfico-drogas-Rio.jpgContrariamente à crença popular, o governo não obstrui o surgimento do crime organizado; ele fomenta.
Pare por um momento e pense naqueles setores da economia tipicamente ocupados pelo crime organizado: prostituição, jogos, agiotagem, narcóticos e sindicatos.  O que todos esses setores têm em comum?  Simples.  Ou eles são fortemente regulados pelo estado, ou são pura e simplesmente proibidos por ele.  Em contraste, nos setores que estão relativamente livres da interferência governamental, o crime organizado não se estabelece.
A experiência clássica que comprova a validade dessa explicação é a Lei Seca que vigorou nos EUA no período 1919-1933.  Durante essa época, a produção, o transporte e a venda de bebidas alcoólicas eram ilegais.  O que aconteceu?  Gangsteres como Al Capone entraram em cena e passaram a controlar o comércio ilegal, aniquilando seus concorrentes nas inevitáveis e infindáveis disputas territoriais.  Entretanto, assim que a Lei Seca foi revogada (em uma das poucas coisas decentes que Franklin Roosevelt fez em toda a sua presidência), o crime organizado abandonou a indústria do álcool e se voltou para os outros setores que continuavam proibidos.
O crime organizado se beneficiou com a Lei Seca porque a polícia efetivamente perseguia e afugentava os legítimos empresários da indústria de bebidas alcoólicas.  Aqui cabe um rápido exercício teórico: Se o estado literalmente declarasse que Al Capone tinha o monopólio da distribuição de bebidas em Chicago, e mandasse qualquer concorrente pra cadeia, então o preço das bebidas em Chicago iria disparar, e Capone obteria lucros exorbitantes em decorrência disso.  Isso é algo óbvio.  De maneira similar, quando o estado ameaça colocar na cadeia todos os distribuidores de bebidas — mas faz vista grossa para Capone, que paga suas propinas em dia —, isso é economicamente similar a um monopólio garantido pelo estado.
Estou utilizando Capone apenas para fazer um argumento ilustrativo.  Não fiz nenhuma pesquisa específica sobre ele, mas é certo que hoje em dia as grandes organizações criminosas pagam regularmente sua propina à polícia — cujo termo técnico é "taxa de proteção".  Se o leitor duvida disso, então é porque ele de fato não entende o essencial do comércio de drogas.  Para uma introdução básica, assista a Serpico, um ótimo filme com Al Pacino baseado na história verídica de um policial do departamento de narcóticos da polícia de Nova York que se recusava a aceitar dinheiro sujo.  (Pensando bem, você pode assistir a praticamente qualquer filme de Al Pacino para aprender que os grandes barões do tráfico rotineiramente subornam a polícia).
Os custos e benefícios marginais da violência nos mercados proibidos
Empiricamente, já deveria estar mais do que óbvio que a violência anda de mãos dadas com os mercados que sofrem de ampla proibição estatal.  Novamente, o experimento clássico é a Lei Seca.  Seria inconcebível imaginar os executivos da Budweiser ordenando um massacre — naquele estilo em que carros passam metralhando a fachada de um estabelecimento — dos seus rivais da Heineken.  Entretanto, quando o estado erradicou grande parte dos produtores dessa indústria, os massacres se tornaram comuns.  Essa constatação ajuda a entender algo maior: as disputas territoriais de gangues rivais que ocorrem atualmente nas grandes cidades são decorrência da proibição das drogas.  Essas disputas não ocorrem, como pensam alguns, porque o comércio de cocaína seja algo intrinsecamente "louco" ou "insensato".
Mas ainda que a maioria dos libertários reconheça a associação entre violência e proibição estatal, suas causas raramente são explicadas.  Bem resumidamente, a explicação é simples: a proibição estatal a qualquer tipo de comércio eleva os benefícios marginais e diminui os custos marginais de se utilizar de violência contra os concorrentes do setor econômico em questão.
Comecemos com os custos, que são mais fáceis de entender.  Nesse exato momento, se você se tornar um distribuidor de cocaína, você estará infringindo leis que podem mandar-lhe para a cadeia por um bom período de tempo.  Entretanto, se você for poderoso o suficiente, você pode dar sacos e mais sacos de dinheiro para a polícia local.  Dessa forma, na margem, o custo de você matar um traficante rival é bem menor do que seria se você gerisse um restaurante tailandês e matasse seu concorrente japonês. 
Por quê?
Quando você é um dono de restaurante qualquer, o pior que o governo pode fazer com você é auditar sua declaração de renda.  Porém, se você for um traficante de cocaína e descuidar da propina, isso pode lhe custar a simpatia dos policiais.  Resultado: você pode ir em cana.  Assim sendo, se você é um traficante e tiver condições de pagar religiosamente a propina da polícia, matar alguém deixa de ser uma medida temerária.  Por outro lado, se você for um dono de restaurante, ordenar a morte do sujeito que está abrindo uma casa de sushi na sua rua seria algo insano.  O traficante tem tiras corruptos na sua folha de pagamento, os quais presumivelmente estariam dispostos a fazer vista grossa a um homicídio caso recebessem uma grana extra.  Além disso, é bem provável que o traficante também tenha conexões ainda mais importantes, não sendo desarrazoado imaginar que ele possa também subornar juízes caso algum dia ele tenha de ir a julgamento.
Já os benefícios marginais da violência são muito maiores para o traficante de cocaína do que para o dono do restaurante tailandês.  Traficantes de drogas não são (completamente) imprudentes; eles operam pelo dinheiro.  Para compensar o alto risco, os retornos monetários do comércio de cocaína têm de ser astronômicos.  (Se você gosta de gráficos, quando o governo ameaça prender os vendedores de cocaína, a curva da oferta se desloca acentuadamente para a esquerda, ao passo que a curva da demanda também se desloca para esquerda, só que muito pouco.  Assim, o preço de equilíbrio do quilo da cocaína dispara, indo para um nível muito acima do seu custo monetário de produção).
Por causa das considerações acima, o benefício de se ganhar uma fatia de mercado no comércio de cocaína é enorme.  Cada novo cliente pode significar um lucro extra de milhares de dólares por mês.  Em enorme contraste, se o dono do restaurante tailandês "roubar" um cliente do restaurante japonês, isso pode gerar-lhe um acréscimo de meros $100 por mês, pois a margem de lucro na indústria de restaurantes é muito menor que no tráfico de drogas.  Para os traficantes, pode fazer sentido ficar rondando portas de escola, vendendo seus produtos para adolescentes, ou até mesmo dando amostras grátis para novatos (embora eu não saiba se isso de fato ocorre; estou baseando-me nas propagandas antidrogas).  Por outro lado, você nunca vê representantes da Kellogg's vendendo caixas avulsas de Sucrilhos para as crianças.  Por causa dessa enorme diferença, conquistar novos clientes é algo muito mais valioso para quem opera nas indústrias proibidas do que para quem opera no setor livre.  É por isso que matar um rival — e com isso ganhar acesso a seus clientes — é muito mais lucrativo nos setores proibidos.
Portanto, quando o estado ameaça prender os produtores de um determinado bem, ele acaba alterando os incentivos de mercado, de modo que a violência passa a ser muito mais lucrativa para essa indústria. 
Naturalmente, no mundo real, as pessoas não são computadores que calculam robotizadamente suas funções de utilidade — ao contrário do que pensam os economistas neoclássicos.  Assim, não estou dizendo que o mesmo empreendedor vai agir de maneiras distintas, dependendo da política de combate às drogas.  Não estou dizendo que esse empreendedor irá escolher entre ser um homem reto ou um assassino perverso, tudo dependendo apenas do nível de repreensão ao tráfico.  Não.  O que ocorre é que aquelas pessoas que têm predisposição para ser assassinas cruéis ganham um incentivo adicional com a política de ilegalidade de certos mercados, o que permite que elas prosperem e se tornem muito ricas em uma sociedade cujas leis antidrogas são rigorosas. 
Logo, ao invés de ser apenas mais um sociopata — do tipo que mata um sujeito que olhou lascivamente para sua namorada num bar e que, por isso, vai para a cadeia —, as asininas leis antidrogas acabam por fazer com que esse sociopata possa ganhar milhões por ano vendendo cocaína — sendo que com esse dinheiro ele agora poderá comprar armas automáticas, contratar capangas, subornar policiais e se tornar o rei das ruas.
O argumento econômico padrão contra a proibição das drogas
Portanto, no típico argumento livre-mercadista em prol da legalização das drogas, o economista irá argumentar que a proibição gera violência desnecessária, uma vez que as quadrilhas entram em guerra entre si para disputar territórios lucrativos e estratégicos, frequentemente matando inocentes nesse processo.  Em seguida ele irá utilizar a ilustração clássica desse fenômeno como sendo a matança que ocorria no submundo americano durante a época da Lei Seca em Chicago.  Ao passo que, nos dias de hoje, seria inconcebível que executivos de cervejarias rivais saíssem por aí chacinando seus concorrentes, esse método fazia perfeito sentido para Al Capone em relação a seus competidores.
Até aí, o argumento está correto.  Entretanto, quando o economista tenta ir além dessa observação geral para explicar por que a proibição leva à violência, ele frequentemente diz algo mais ou menos assim: "Quando o álcool ou a cocaína são ilegais, os vendedores desses produtos não podem recorrer aos tribunais ou à polícia para protegerem sua propriedade e garantir que os contratos sejam honrados.  Consequentemente, eles têm de se armar até os dentes; e se alguém tentar trapaceá-los, eles têm de resolver as coisas por conta própria, pois chamar a polícia está fora de questão."
Tal explicação pode soar plausível para um liberal clássico, que acha que o governo faz um bom trabalho fornecendo serviços de judiciário e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Mas para um anarcocapitalista, que consistentemente diz que um governo corrupto e faminto por poder irá gerir um departamento de polícia tão bem quanto administraria uma montadora de automóveis, essa postura em relação à legalização das drogas parece um tanto esquisita.  Pois o que está sendo dito é que a violência é causada pela inação do governo, por sua recusa em utilizar seu monopólio da força e da justiça com mais frequência.  A implicação óbvia parece ser a de que, se a polícia nunca respondesse a nenhum pedido de ajuda, de quem quer que seja, a sociedade entraria em colapso.
Esse diagnóstico está totalmente invertido.  A razão por que a proibição das drogas produz enormes estragos nas relações sociais se deve ao fato de ela, a proibição, introduzir mais intervenções no mundo; o problema é que o governo está utilizando sua polícia e seus tribunais excessivamente.  
Por exemplo, imagine uma área pobre de uma grande cidade, infestada de quadrilhas de traficantes que aparentemente circulam por ali sem qualquer restrição, vendendo abertamente drogas nas ruas e becos e descarregando rajadas de metralhadora em qualquer um que apresente um comportamento minimamente suspeito.  A maioria das pessoas iria pensar: "Esse bairro é uma anarquia!  Está faltando estado aqui!  Se ao menos a polícia aparecesse de vez em quando para aplicar as leis...  Mas não, ela é totalmente indiferente ao sofrimento dessa comunidade!"
Novamente, esse diagnóstico está invertido.  A vizinhança está nessa situação terrível justamente porque a polícia opera ali com impunidade.  Se a polícia realmente nunca se preocupasse em impor qualquer lei naquela área, então ninguém teria de se preocupar com o risco de ir pra cadeia por estar vendendo drogas.  Consequentemente, empresas de fora poderiam ir se instalar naquele bairro, abrir lojas com janelas à prova de balas e vigiadas por seguranças muito bem armados, e vender cocaína e outras drogas para os moradores (ou, principalmente, para os clientes que vêm de outros bairros) por uma fração do preço vigente nas ruas.  Essas empresas iriam rapidamente quebrar todas as quadrilhas de traficantes que operam na região, uma vez que os clientes iriam correr em manada para aqueles empreendimentos profissionalmente geridos, principalmente por causa de seus preços baixos e pela qualidade de seus produtos.
Porém, por que isso não ocorre?  Porque se alguns empreendedores tentassem de fato implementar o plano acima, eles seriam rapidamente bloqueados pela polícia, que interromperia suas atividades (com o indisfarçável apoio dos traficantes locais).  Mais ainda: essas empresas teriam suas contas bancárias confiscados por ordem do judiciário, inviabilizando qualquer operação.  Líderes comunitários e religiosos iriam reclamar que uma farmácia não pode vender cocaína para adolescentes em plena luz do dia (embora os traficantes o façam imperturbáveis) e o chefe da delegacia encarregada da região iria concordar.  Com efeito, nem ocorre a qualquer empreendedor tentar fazer o que foi dito acima porque — duh! — seria algo totalmente ilegal.    
Portanto, não é difícil entender que não é a relutância ou a má vontade do governo em proteger certos direitos de propriedade que permite que determinadas comunidades permaneçam em um equilíbrio violento; ao contrário: é justamente o ataque do governo aos direitos de propriedade que faz com que bandidos detenham um poder permanente sobre determinadas regiões.
Similarmente, se um estabelecimento qualquer — um restaurante chinês ou uma lavanderia, por exemplo — em um bairro perigoso é assaltado, a polícia provavelmente também não irá fazer muita hora extra pra tentar resolver o caso.  Ainda assim, essa negligência da polícia para com o estabelecimento em questão (idêntica à negligência para com os bairros tomados por traficantes) não gera uma violência indômita na indústria de lavanderias da região; tampouco tem-se notícias de pessoas sendo mortas por motivo de disputa pelo mercado de rolinhos primavera e frango xadrez.
O motivo é simples: se, por um lado, a polícia não protege os comerciantes em bairros perigosos, por outro, ela também não os molesta, ou, pior ainda, não os sequestra sob a mira de uma arma e os joga em uma jaula por vários anos, pelo "crime" de estar comercializando alguma substância.  Essa é a diferença chave entre a indústria das drogas e todas as outras indústrias, e explica por que a indústria perseguida por agentes armados do governo acaba se tornando (fortemente) militarizada também.
Conclusão
Sabemos que o governo tem um desempenho horrível em todos os empreendimentos que executa, sejam eles educação, pavimentação de estradas, fornecimento de eletricidade e serviços de inteligência.  Considerando-se esse histórico, deveríamos acreditar que o governo é realmente bom em proteger as pessoas contra criminosos?  Se isso é verdade, então por que as pessoas cada vez mais recorrem aos tribunais de arbitramento privados?  Não é óbvio que os tribunais e a polícia estatais são tão ineficientes e contraproducentes quanto todas as outras atividades que o estado se arvora fazer?
Para realmente testarmos as diferentes teorias, precisamos pensar em uma atividade em que o governo (a) não crie empecilhos para os produtores, mas que também (b) não defenda os direitos de propriedade desses mesmos produtores.  Se essas áreas forem repletas de roubo e violência, então meus críticos estão certos.  Mas se esses setores forem geralmente ordeiros e pacíficos, então sou eu quem está certo.
Posso pensar em alguns exemplos em que eu estou certo.  Por exemplo, o comércio pela internet é bem pouco regulado.  Claro, se você comprou um livro de uma pessoa através da Amazon, e o cara não lhe enviou o produto, você pode levá-lo a um tribunal de pequenas causas.  Mas não é isso o que faz o sistema funcionar.  O sistema funciona porque se baseia claramente nos efeitos que uma boa reputação traz para um vendedor, e não porque haja uma ameaça de ações judiciais governamentais.
Da mesma forma, não é a timidez — ou mesmo a ausência — do governo o que permite que a violência prolifere em bairros pobres infestados de traficantes.  O que permite esse desvario é justamente o exercício governamental do seu monopólio sobre o uso legítimo da força.
Mesmo economistas pró-livre mercado frequentemente entram em uma espécie de ponto cego quando se trata do fornecimento de serviços estatais de justiça e de fiscalização de cumprimento de contratos.  Porém, mesmo nessas áreas, monopólios exercidos por funcionários públicos corruptos são péssimos.  O setor privado poderia resolver vários conflitos violentos se apenas o governo concedesse liberdade para tal.
A teoria econômica padrão diz que os monopólios mantidos à base da violência (ou por sua ameaça) levam a serviços de baixa qualidade e preços altos.  Essa análise se mantém válida mesmo quando o monopólio se refere aos serviços judiciais, policiais e militares.  Os libertários geralmente reconhecem que o governo faz um péssimo trabalho quando tenta educar crianças, manter estradas e gerir hospitais.  Por que, então, alguém em sã consciência iria querer dar a políticos e burocratas a tarefa de nos proteger de ladrões e assassinos?

Robert P. Murphy 
é Ph.D em economia pela New York Universityeconomista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

Mises explica a guerra às drogas

Mises explica a guerra às drogas
viciados-na-guerra-drogas.pngAssim como nunca seguiram os ensinamentos de Ludwig von Mises no que tange à ciência econômica, os governos atuais também se recusam a prestar a atenção aos discernimentos de Mises sobre a guerra às drogas.  O resultado não deveria ser surpresa nenhuma.
A guerra às drogas é um fracasso.  Ela fracassou em impedir o abuso de drogas.  Ela fracassou em manter as drogas fora do alcance dos viciados.  Ela fracassou em manter as drogas longe dos adolescentes.  Ela fracassou em reduzir a demanda por drogas.  Ela fracassou em acabar com a violência associada ao tráfico de drogas.  Ela fracassou em ajudar os viciados a conseguir tratamento.  Ela fracassou em ter algum impacto sobre a disponibilidade de drogas dentro de um país.
É óbvio que nada disso significa que haja necessariamente algo de positivo em relação às drogas ilícitas.  Como Mises explicou,
É fato notório que o alcoolismo, o cocainismo e o morfinismo são inimigos mortais da vida, da saúde e da capacidade de trabalho e de lazer; e o usuário deveria, por conseguinte, considerá-los vícios.  
No entanto, como Mises afirma, o fato de algo ser um vício não é motivo para que seja suprimido e nem que sua comercialização seja proibida.
Nem é de modo algum evidente que tais intervenções do governo sejam de fato capazes de suprimir tais vícios; e, mesmo que este objetivo fosse atingido, não é nada evidente que tal intervenção não irá abrir uma caixa de Pandora de outros perigos não menos nocivos que o alcoolismo e o morfinismo. 
Os outros efeitos perniciosos gerados pela guerra às drogas são numerosos.  A guerra às drogas congestiona e paralisa o sistema judiciário, aumenta desnecessariamente a população carcerária, gera ainda mais violência, corrompe policiais, diminui as liberdades civis, acaba com a privacidade financeira, estimula buscas e apreensões ilegais, destrói inúmeras vidas inocentes, desperdiça bilhões em impostos, atrasa o desenvolvimento legítimo de analgésicos e de outros remédios contra dores, transforma cidadãos cumpridores da lei em criminosos meramente pelo que injetam em seu corpo, e irracionalmente cria obstáculos para o comércio varejista.  Os custos da proibição às drogas excedem sobremaneira seus possíveis benefícios.
Mas isso ainda não é tudo.  A partir do momento em que o governo assume o controle e passa a decidir o que um indivíduo pode ou não colocar em sua boca, em seu nariz e em suas veias, ou passa a regular as circunstâncias sob as quais um indivíduo pode de maneira legítima introduzir algo em seu corpo, não há mais quaisquer limitações sobre seu poder.  Não há mais como restringir seu alcance e domínio.
De novo, como Mises deixa claro,
O ópio e a morfina certamente são drogas nocivas que geram dependência.  No entanto, uma vez que se admita que é dever do governo proteger o indivíduo contra sua própria insensatez, nenhuma objeção séria pode ser apresentada contra outras intromissões estatais à privacidade. 
E prossegue:
Ao abrirmos mão do princípio de que o estado não deve interferir em quaisquer questões relacionadas ao modo de vida do indivíduo, a inevitável consequência será a regulamentação e a restrição do comportamento de cada indivíduo aos seus mínimos detalhes.  
Mises também nos diz exatamente aonde esse caminho tortuoso da proibição irá nos levar.  Ele pergunta por que aquilo que é válido para a morfina e para a cocaína não pode ser válido para a nicotina e para a cafeína.  Com efeito:
Por que não deveria o estado prescrever, de um modo geral, quais alimentos devem ser permitidos e quais alimentos devem ser proibidos por serem nocivos? 
E tudo ainda pode piorar, pois:
Ao se abolir a liberdade de um homem em determinar o seu próprio consumo, todas as outras liberdades já estão, por definição, abolidas.
E completa:
E por que limitar a benevolente providência do governo apenas à proteção do corpo? Por acaso os males que um homem pode infringir à sua mente e à sua alma não são mais graves do que os danos corporais? Por que não impedi-lo de assistir a filmes e a demais espetáculos de mau gosto?  Por que não impedi-lo de ouvir músicas de baixa qualidade?  Mais ainda: por que não proibi-lo de ler livros ruins?  As consequências causadas por ideologias nocivas são, certamente, muito mais perniciosas, tanto para o indivíduo como para a sociedade, do que as causadas pelo uso de drogas.
Para Mises, no que dizia respeito a maus hábitos, a vícios e a comportamentos imorais de terceiros, a tolerância e persuasão deveriam ser as regras.  Tal atitude contrasta totalmente com a do estado, que faz tudo por meio da "compulsão e da aplicação da força".
A propensão de nossos conterrâneos em exigir uma proibição autoritária sempre que veem algo não lhes agrade, bem como sua solicitude em submeter-se a tais proibições mesmo que o proibido lhes seja agradável, mostra o quanto ainda permanece profundamente arraigado neles o espírito de servilismo.  Serão necessários muitos anos de autodidatismo até que o súdito possa transformar-se em cidadão.  Um homem livre deve ser capaz de suportar que seu conterrâneo aja e viva de modo diferente de sua própria concepção de vida.  Precisa livrar-se do hábito de chamar a polícia sempre que algo não lhe agrada. 
Para Mises, há um caminho para a reforma social:
Aquele que quer reformar seus conterrâneos deve recorrer à persuasão.  Esta é a única maneira democrática de se fazer mudanças.  Se um indivíduo não é capaz de convencer outras pessoas a respeito de suas ideias, então ele deve culpar apenas a sua própria incapacidade.  Ele não deveria exigir a criação de uma lei — ou seja, ele não deveria pedir para o estado utilizar suas forças policiais com o intuito impor a compulsão e a coerção.
Em uma sociedade genuinamente livre, tal postura deveria ser inegociável.