sábado, 19 de outubro de 2013

Por que comemos salgados antes dos doces, nas refeições?

Por que comemos salgados antes dos doces, nas refeições?

Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/ Foto : Google imagens
Porque é mais saudável. Os doces contêm glicose, substância reguladora da fome. Quando eles são ingeridos, ela chega rapidamente à corrente sangüínea, de onde envia para o cérebro mensagens de que o organismo já está satisfeito. "Isso faz a pessoa perder a fome mesmo não estando devidamente nutrida", afirma a nutricionista Rosemary Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já os alimentos salgados contêm todos os nutrientes de que o corpo precisa. "O consumo de doces está, na verdade, mais para o prazer do que para a nutrição propriamente dita. É muito mais um hábito cultural do que uma regra lógica. Talvez, pela experiência, as pessoas tenham percebido que os nutrientes estão nos salgados e não nos doces. Sendo assim, faz sentido o hábito tradicional da mãe que dá a sobremesa como recompensa pelo filho ter se alimentado direito", diz Rosemary.

A maré estatista na América Latina e a Teoria do Intervencionismo



mercosur.jpgA guinada à esquerda na América Latina na primeira década do século XXI, bem como a abertura comercial e as privatizações da década anterior, não são obras do acaso, ditadas somente pela alternância de tendências ideológicas, nem tampouco fruto de misteriosas necessidades históricas. O apelo à inevitabilidade da globalização, comum na década de 1990, ou a crença em uma marcha inexorável rumo a uma sociedade mais livre a partir da queda do muro de Berlim sempre me pareceram como estranhamente próximos à crença marxista em uma evolução pré-determinada rumo ao paraíso socialista.
Aqueles dois momentos da história latino-americana podem, pelo contrário, ser explicados por uma teoria econômica de ciclos intervencionistas, inspirada na obra do economista austríaco Ludwig von Mises, quedesnudou as "contradições internas" do intervencionismo.
O apelo a uma teoria do intervencionismo, contudo, esbarra em resistências ideológicas. A ideologia dominante no presente condena qualquer tentativa sistemática de analisar o intervencionismo como um sistema econômico em si, sujeito a deficiências próprias a esse sistema. Os defensores dessa ideologia intervencionista acreditam na sabedoria de uma posição intermediária entre os extremos coletivista e liberal, vistos como inerentemente dogmáticos.
Mas, ironicamente, esse discurso é muito pouco tolerante: qualquer discussão sobre o papel do estado ou sobre a lógica da ação estatal é enfaticamente vetada. Impõe-se então que a análise das intervenções estatais deve ser sempre pragmática — caso a caso, de forma que o sistema intervencionista em si não possa jamais ser contestado. O resultado disso é uma forma de historicismo: as intervenções estatais na economia não seriam sujeitas a nenhuma regularidade que mereça uma teoria.
A despeito desse clima hostil, diversos economistas desenvolveram de fato teorias sobre falhas de governo, que têm sido fartamente corroboradas pela história. Essas teorias podem ser combinadas para desenvolver uma econômica do intervencionismo, que esboçaremos aqui.
O primeiro passo da nossa análise é substituir a dicotomia "capitalismo-socialismo" (e as noções marxistas de modo de produção e classes que acompanham essa caracterização) pela dicotomia "economia pura de mercado—economia planificada centralmente" e reconhecer que os países do mundo real não são capitalistas ou socialistas, mas economias mistas situadas entre os extremos de estado zero e estado máximo.
Se fossem encontrados no mundo real, esses extremos seriam instáveis. O planejamento central não é possível: como mostrou Mises na sua crítica ao socialismo, sem propriedade privada não existem mercados e preços. Sem preços de mercado, não há como alocar recursos escassos, a menos que o planejador central seja onisciente ou que a complexidade e produtividade da economia moderna sejam abandonadas. Mas isso condenaria à morte a maior parte da população mundial presente, levando-nos de volta a sociedades tribais. Para não perder o poder com o colapso econômico de seu regime, o estado totalitário tem que fazer concessões à atividade livre dos indivíduos.
No extremo oposto, uma sociedade sem coerção estatal oferece incentivos quase irresistíveis à atividade de predação da riqueza por parte de um subconjunto da população. A organização do estado, cuja justificativa teórica padrão o coloca como o defensor dos indivíduos e de sua propriedade contra a violência perpetrada por outros, abre caminho para que o sentido das leis seja subvertido de modo a justificar a expropriação da riqueza através do próprio estado, o que o torna o grande veículo de exploração na sociedade.
Com efeito, como apontaram vários economistas ao longo da história, de Turgot e Smith no século XVIII, passando por Bastiat no século XIX, até Buchanan, Tullock, Mises e Hayek no século XX, o poder de "legislar" sobre assuntos econômicos abre a caixa de Pandora da atividade de busca por privilégios legais (rent-seeking, na linguagem da Escola da Escolha Pública).
A possibilidade de "pilhagem legal" de que fala Bastiat gera uma tendência ao crescimento do estado e de sua interferência nos mercados. Essa situação, por sua vez, aumenta o ganho de se dedicar a atividade de busca de renda em comparação a atividade de produção e troca voluntária, levando a estagnação econômica. Além disso, as intervenções geram consequências opostas do intencionado, como enfatiza Hayek. Adicionalmente, políticas keynesianas que pretendiam estabilizar as economias geraram déficits crônicos, que perpetuaram os desequilíbrios macroeconômicos; a construção do estado de bem-estar, por sua vez, falhou em resgatar a população da pobreza, causando dependência do estado e enrijecendo a economia, prejudicando o crescimento econômico.
As falhas de governo, entretanto, geram demanda por mais intervenção, na medida em que a ideologia intervencionista joga a culpa de seus próprios fracassos no "capitalismo" e não no próprio intervencionismo. (Veja o exemplo recente da reação-padrão à crise econômica iniciada em 2008.) Novas intervenções são adotadas para corrigir o que na verdade é fruto de intervenções anteriores. Isso reforça a fase do ciclo de expansão do estado.
Com o tempo, porém, essa tendência desacelera. Utilizando um exemplo de Mises em sua crítica ao intervencionismo, se um produto visto como essencial não é abundante o bastante, o governo controla seu preço. Isso gera uma diminuição ainda maior na sua disponibilidade, pois os empresários têm prejuízos sob o preço controlado, o que convida ao controle dos preços de seus insumos, propagando o problema original para o restante da cadeia produtiva. Progressivas substituições das trocas voluntárias por ordens centrais tornam o problema do controle da produção cada vez mais complexo. No limite, temos novamente o problema da impossibilidade do planejamento central.
Quando as distorções causadas pelas intervenções se tornam graves o bastante, a ideologia intervencionista diminui um pouco sua influência. Até mesmo os defensores moderados do estado interventor descobrem que é impossível criar riqueza por decreto, por impressão de moeda ou por gastos públicos. No Brasil, o simples reconhecimento de que "não existe almoço grátis" foi taxado de neoliberal, embora FHC tenha preferido explorar outras fontes de financiamento do estado a de fato promover reformas liberais. Contudo, algumas dessas reformas, mesmo tímidas, foram implantadas. O tamanho do estado, entretanto, continuou aumentando, o que não impediu os analistas de atribuir os males do intervencionismo à globalização ou ao neoliberalismo.
Conforme o estado se expande, e as falhas de governo se acumulam, diminui o espaço de manobras dos governos. Porém, é o acúmulo de falhas de governo, e não um inexistente liberalismo, o que explica a falta de alternativas de políticas econômicas à disposição dos governantes. Os leigos reclamam da escassez de líderes. Os intelectuais, por sua vez, buscam uma mítica "terceira via", ignorando que nossos males são causados justamente porque vivemos na terceira via.
Tudo isso abre espaço para a fase contracionista do ciclo de expansão do estado. Aqui, porém, nossa explicação se afasta um pouco das ideias de Mises. Esse autor mostrou de fato que o intervencionismo não é um sistema consistente: a lógica do intervencionismo leva a uma escolha entre um controle cada vez maior da economia ou o abandono desse controle. Porém, a despeito disso, o intervencionismo (ou mercantilismo) não é transitório, mas sim a forma de organização social mais estável da história (levando em conta as sociedades que avançaram além de um estágio tribal).
A opinião de Mises pode ser explicada pelo seu racionalismo: no longo prazo, a argumentação racional vence, de modo que um sistema inconsistente deve ser abandonado. Mas, se utilizarmos uma visão de mundo mais próxima de Hayek, para quem a mudança institucional é vista como a evolução de uma ordem espontânea e não como algo implementado racionalmente, a estabilidade do intervencionismo pode ser mais bem entendida pela interação de forças ideológicas e econômicas, como desenvolvido na teoria dos ciclos intervencionistas.
Pelo lado ideológico, assim que uma reforma liberalizante alivia os males causados pelo acúmulo de intervenções, aumenta novamente a demanda pelas mesmas intervenções, na medida em que a hostilidade aos mercados for uma força presente. Se prestarmos atenção a tudo que a história já mostrou, essa hostilidade não é apenas um fenômeno atual. Hayek, em seu livro The Fatal Conceit: the errors of socialism, mostra que em épocas e civilizações passadas o sentido de repugnância aos mercados é uma constante. Para o autor, isso é explicado pela moral tribal que marcou a evolução cultural da humanidade. Essa moral rejeita o tipo de normas abstratas necessárias para o convívio em uma sociedade mais complexa.
Considerando fatores de natureza ideológica (demanda por controle) e de interesses (a busca por privilégios sempre que existir um poder político capaz de fornecê-los), podemos entender por que, assim que algumas reformas liberalizantes sejam tomadas e surtam efeito, aliviando a crise do intervencionismo, ressurge a pressão pelo aumento do estado e declina o ímpeto reformador.
As reformas também podem ser adiadas pela ação de outros fatores. A inundação de crédito orquestrada pelos bancos centrais dos países desenvolvidos, em especial o americano (Fed), responsável pelo ciclo de crescimento artificial que resultou na crise econômica recente, influenciou diretamente a dinâmica do ciclo interventor na América Latina. No Brasil, a abundância de crédito externo alimentou o crescimento do estado intervencionista, virtualmente silenciando as vozes que apontam para a urgência de reformas. O mesmo boom artificial inflou o preço do petróleo, que sustentou a recente experiência socialista na Venezuela.
Embora isso permita uma pequena margem de manobra para governantes populistas retomarem as velhas políticas intervencionistas, refutadas milhares de vezes, a dinâmica de fracassos acumulados da fase expansionista do estado continua operando. Se a desorganização do sistema econômico, como aquele que ocorre na Venezuela, com estagnação, inflação ou escassez de produtos básicos levarem no futuro ao abandono do chavismo e a uma fase de contração do estado, ou se teremos um empobrecimento secular, como ocorre na Argentina, que não consegue se livrar da herança peronista, é algo incerto.
Uma teoria de ciclos intervencionistas, ao contrário do determinismo marxista, típico do século XIX, deve reconhecer a complexidade de fatores atuantes, apresentando vários cenários possíveis
A teoria esboçada aqui se assemelha a um modelo biológico de parasita-hospedeiro, empregado para explicar a dinâmica do intervencionismo. A atividade parasitária mina a vitalidade do hospedeiro, de forma que no longo prazo o parasita é enfraquecido, gerando a possibilidade de ciclos de intervenção. Os detalhes dessa teoria precisam ser desenvolvidos, bem como a ilustração da mesma pela revisão da história das civilizações passadas e presentes, tarefa que envolve considerável esforço teórico e histórico. Alguns dos elementos esboçados neste breve texto serão desenvolvidos em artigos futuros.

Fabio Barbieri é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo.  Atualmente, é professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Empreendedorismo, eficiência dinâmica e ética

Empreendedorismo, eficiência dinâmica e ética 

prehendo.jpgO conceito austríaco de eficiência dinâmica
O termo "eficiência" é derivado etimologicamente do verbo latim ex facio, que significa "obter algo de".  A aplicação à economia do conceito de eficiência como sendo a capacidade de "obter algo de" antecede o mundo romano e pode ser datado à Grécia antiga, onde o termo Oeconomia foi primeiramente utilizado para se referir à administração eficiente do lar de uma família.
Vale lembrar que Xenofonte, em sua obra Oeconomicus, escrita em 380 a.C., explica que há duas maneiras distintas de se aumentar o patrimônio da família; cada uma de suas maneiras equivale a um conceito distinto de eficiência.  A primeira maneira corresponde ao conceito estático de eficiência, e consiste na administração austera e sensata dos recursos disponíveis (ou os recursos existentes na natureza), evitando que eles sejam desperdiçados.  De acordo com Xenofonte, a melhor maneira de se alcançar esta eficiência estática é mantendo o lar em bom estado.
No entanto, junto com o conceito estático de eficiência, Xenofonte introduz um conceito distinto, o da eficiência "dinâmica", o qual consiste na tentativa de se aumentar o patrimônio por meio da criatividade empreendedorial — ou seja, mais pelo comércio e pela especulação do que pelo esforço em se evitar o desperdício dos recursos já disponíveis.  Esta tradição de fazer uma clara distinção entre os dois diferentes conceitos de eficiência, a estática e a dinâmica, durou até a Idade Média.  Por exemplo, São Bernardino de Siena escreveu que os lucros dos comerciantes eram justificáveis não somente por causa de sua sensata administração dos recursos disponíveis, mas também, e principalmente, pela assunção dos riscos e perigos (do latim pericula) inerentes a qualquer especulação empreendedorial.
Infelizmente, o desenvolvimento da física mecânica, que começou na Era Moderna, teve uma influência bastante negativa sobre a evolução do pensamento econômico, especialmente após o século XIX, quando a ideia de eficiência dinâmica já estava quase que totalmente esquecida pela ciência econômica.
Tanto o austríaco Hans Mayer, antes da Segunda Guerra Mundial, quanto Philip Mirowski, atualmente, enfatizaram que a economia neoclássica convencional desenvolveu-se como sendo uma cópia perfeita da física mecânica do século XIX — utilizando o mesmo método formal, mas substituindo o conceito de energia pelo de utilidade, e aplicando os mesmos princípios de conservação, maximização do resultado e minimização de perdas.  O autor mais representativo desta tendência negativa foi Leon Walras, que, em sua monografia de 1909, "Economics and Mechanics", afirmou que as fórmulas matemáticas de seu livro Elements of Pure Economics eram idênticas àquelas da física matemática.
Em suma, a influência da física mecânica erradicou a dimensão criativa, especulativa e dinâmica que estava implícita na ideia de eficiência econômica desde o início, e tudo o que restou foi o aspecto estático e reducionista, o qual consiste unicamente em minimizar o desperdício dos recursos econômicos (os quais já estão disponíveis e são conhecidos).  Esta mudança ocorreu não obstante o fato de que, na vida real, nem os recursos e nem a tecnologia são "dados constantes"; eles variam continuamente como resultado da criatividade empreendedorial.
O conceito reducionista da eficiência estática teve uma enorme influência teórica e prática no século XX.  Os socialistas fabianos Sydney e Beatrice Webb nos fornecem um bom exemplo.  Este casal se sentia extremamente abalado com o "desperdício" que eles acreditavam ser gerado pelo sistema capitalista, e por isso fundaram a London School of Economics como um esforço para promover a reforma socialista do capitalismo.  O objetivo desta reforma socialista seria eliminar o desperdício e tornar o sistema econômico mais "eficiente".  Com o tempo, os Webbs não mais guardavam segredo e passaram a confessar abertamente sua calorosa admiração pela "eficiência" que acreditavam ter observado na Rússia soviética, ao ponto de Beatrice chegar a declarar que "Apaixonei-me pelo comunismo soviético."
Outro autor completamente influenciado pelo conceito estático de eficiência econômica foi o próprio John Maynard Keynes, que, em sua introdução à edição alemã de A Teoria Geral, em 1936, afirmou abertamente que suas políticas econômicas sugeridas "se adaptam muito mais facilmente às condições de um estado totalitário".  Keynes também elogiou copiosamente o livro Soviet Communism, que Sidney e Beatrice Webb haviam publicado três anos antes.
Adicionalmente, nos anos 1920 e 1930, o conceito estático de eficiência econômica se tornou o ponto central de toda uma nova disciplina, que passou a ser chamada de "economia do bem-estar", a qual foi desenvolvida a partir de abordagens alternativas, dentre as quais a abordagem de Pareto é mais conhecida.
De uma perspectiva paretiana, um sistema econômico está em um estado de eficiência quando ninguém é capaz de melhorar sua situação sem necessariamente piorar a situação de outra pessoa.
Nossa principal crítica à economia do bem-estar é que ela reduz o problema da eficiência econômica a um simples problema matemático de maximização, no qual todos os dados econômicos são presumidos como sendo já conhecidos e constantes.  No entanto, estas presunções são completamente equivocadas: todos os dados da economia estão em contínua mudança em decorrência da criatividade empreendedorial.
E é exatamente por esta razão que temos de introduzir um novo conceito, o da eficiência dinâmica, o qual deve ser entendido como a capacidade de estimular a criatividade empreendedorial e a coordenação.  Em outras palavras, a eficiência dinâmica consiste na capacidade empreendedorial de descobrir oportunidades de lucro e de coordenar e superar quaisquer desajustes sociais ou descoordenações.
Em linguagem de economia neoclássica, o objetivo da eficiência dinâmica não deve ser o de empurrar o sistema em direção à fronteira de possibilidades de produção, mas sim o de expandir e aprimorar a criatividade empreendedorial e, com isso, "deslocar" a curva de possibilidade de produção continuamente para a direita.
A palavra "empreendedorismo" é derivada etimologicamente do termo latim in prehendo, que significa "descobrir", "ver", "perceber" algo.  Neste sentido, podemos definir empreendedorismo como sendo a capacidade tipicamente humana de reconhecer as oportunidades de lucro que aparecem no ambiente e agir apropriadamente para tirar proveito delas.
Empreendedorismo, portanto, envolve um tipo especial de alerta, a capacidade de estar sempre vigilante e atento.  Também totalmente aplicável à ideia de empreendedorismo é o verbo "especular", o qual advém do termo latim specula, que se refere às torres das quais as sentinelas conseguiam ver ao longe e detectar qualquer coisa que se aproximasse.
Toda e qualquer ação empreendedorial não apenas cria e transmite novas informações como também coordena o até então descoordenado comportamento dos agentes econômicos.  Sempre que um indivíduo descobre ou cria uma oportunidade de lucro e compra barato um determinado recurso e o revende a um preço mais alto, ele está fazendo com que o comportamento até então descoordenado dos proprietários daquele mesmo recurso (os quais muito provavelmente estavam esbanjando-o e desperdiçando-o) seja harmonizado com o comportamento daqueles que necessitam deste recurso.  Portanto, a criatividade e a coordenação são dois lados de mesma moeda ("empreendedorial").
Do ponto de vista dinâmico, um indivíduo, uma empresa, uma instituição ou até mesmo todo um sistema econômico será tanto mais eficiente quanto mais ele promover a criatividade e a coordenação empreendedorial.
E desta perspectiva dinâmica, o objetivo realmente importante não é tanto o de evitar o desperdício de determinados meios considerados como já conhecidos e disponíveis, mas sim o de continuar descobrindo e criando novos meios e fins.
Para uma abordagem mais ampla deste assunto, recomendaria as principais obras de Mises, Hayek, Kirzner e Rothbard sobre a ideia de o mercado ser um processo dinâmico conduzido pelo empreendedorismo e sobre a noção de concorrência como sendo um processo de descoberta e criatividade.
Em minha opinião, estes autores austríacos são os que nos fornecem o mais exato conceito de eficiência dinâmica, o qual se diferencia daquele conceito mais imperfeito de eficiência dinâmica desenvolvido tanto por Joseph Schumpeter quanto por Douglass North.
North e Schumpeter oferecem perspectivas totalmente opostas.  Enquanto Schumpeter considera exclusivamente o aspecto da criatividade empreendedorial e seu poder destrutivo (cujo processo ele chama de "destruição criativa"), Douglass North se concentra em outro aspecto, o qual ele chama de "eficiência adaptativa", ou a capacidade coordenadora do empreendedorismo.  Portanto, o verdadeiro conceito austríaco de eficiência dinâmica, aquele desenvolvido por Mises, Hayek e Kirzner, combina a dimensão criativa com a dimensão coordenadora; já Schumpeter e North estudam ambos estes conceitos de maneira separada, fracionada e reducionista.
Eficiência dinâmica e ética
Qual a relação íntima que existe entre a ética e o conceito da eficiência dinâmica acima apresentado? 
A convencional teoria econômica neoclássica baseia-se na ideia de que as informações do mercado são objetivas e conhecidas por todos (em termos probabilísticos ou exatos), e que a questão da maximização de utilidade não possui absolutamente nenhuma ligação com considerações morais.
Adicionalmente, o ponto de vista estático — o qual é dominante no ensino atual de economia — leva à conclusão de que os recursos são, de certa maneira, dados e conhecidos por todos, e que, portanto, o problema econômico de sua distribuição é separado e diferente do problema de sua produção.  Mas a verdade é que, se os recursos já são dados e conhecidos, é de vital importância investigar qual a melhor maneira de alocar entre diferentes pessoas tanto os meios de produção disponíveis quanto os bens de consumo por eles produzidos.
Toda esta abordagem neoclássica se esfacela como um castelo de areia caso optemos por seguir o conceito dinâmico do processo de mercado, fundamentado na teoria do empreendedorismo e na noção de eficiência dinâmica acima explicadas.  Desta perspectiva, cada ser humano possui uma capacidade criativa ímpar e específica, a qual o permite continuamente perceber e descobrir novas oportunidades de lucro.  O empreendedorismo consiste na capacidade tipicamente humana de criar e descobrir novos meios e fins, e é a mais importante característica da natureza humana.
Se os meios, os fins e os recursos nunca são dados e conhecidos por todos, mas sim são continuamente criados do nada em consequência da ação empreendedorial de seres humanos, então resta claro que o fundamental problema ético não mais é o de como distribuir de maneira justa tudo aquilo que já existe, mas sim o de como promover a criatividade e a coordenação empreendedorial.
Consequentemente, no campo da ética social, chegamos à fundamental conclusão de que a ideia de que seres humanos são agentes criativos e coordenadores implica a axiomática aceitação do princípio de que cada ser humano possui o direito natural de se apropriar de todos os resultados de sua criatividade empreendedorial.  Ou seja, a apropriação privada dos frutos da descoberta e da criação empreendedorial é um princípio autoevidente das leis naturais.
E é assim porque, se um indivíduo empreendedor não pudesse reivindicar para si aquilo que ele criou ou descobriu, sua capacidade de detectar oportunidades de lucro estaria completamente bloqueada, e seu incentivo para agir desapareceria.  Adicionalmente, este princípio é universal no sentido de que ele pode ser aplicado para todas as pessoas, a todos os momentos, em todos os lugares.
Impedir que a ação humana seja totalmente livre, coagindo-a de modo a proibir que as pessoas tenham o direito de possuir integralmente tudo aquilo que elas empreendedoristicamente criaram não apenas é dinamicamente ineficiente, uma vez que obstrui sua criatividade e capacidade de coordenação, como também é fundamentalmente imoral, uma vez que tal coerção impede os seres humanos de desenvolverem aquilo que é, por natureza, inerente a eles: sua capacidade inata de imaginar e criar novos meios e fins para tentar alcançar seus próprios objetivos e aspirações.  Exatamente por estes motivos, não somente o socialismo e o intervencionismo, mas também toda e qualquer forma de estatismo e tributação, são não apenas dinamicamente ineficientes, como também eticamente injustos e imorais.
Vale enfatizar que a força da criatividade empreendedorial também se manifesta no desejo de se ajudar os mais pobres e na busca sistemática por situações em que terceiros estão necessitados, com o intuito de ajudá-los.  Com efeito, a coerciva intervenção estatal, por meio dos mecanismos típicos do chamado "estado de bem-estar social", neutraliza e, em grande medida, obstrui o esforço empreendedorial de se ajudar um semelhante que está passando por dificuldades.  Os incentivos para o auxílio ao próximo são tolhidos e a tarefa acaba sendo transferida para o aparato estatal, o qual, justamente por funcionar fora de um ambiente de eficiência dinâmica, simplesmente não tem como agir de maneira correta.
Adicionalmente, de acordo com nossa análise, nada é mais (dinamicamente) eficiente do que a justiça (entendida em seu sentido correto).  Se pensarmos no mercado como um processo dinâmico, então a eficiência dinâmica, entendida como coordenação e criatividade, é resultante do comportamento de seres humanos que seguem determinadas leis morais (principalmente no que diz respeito à vida, à propriedade privada e ao cumprimento de contratos).
Somente quando o exercício da ação humana está sujeito a estes princípios éticos é que ela pode gerar processos sociais dinamicamente eficientes.  Portanto, do ponto de vista dinâmico, a eficiência é incompatível com os diferentes modelos de igualdade ou justiça (contradizendo o segundo teorema fundamental da economia de bem-estar).  A eficiência advém de apenas uma ideia de justiça: aquela baseada no respeito à propriedade privada, ao empreendedorismo e, como veremos mais abaixo, também aos princípios da moralidade pessoal.  Sendo assim, não há nenhuma contradição entre eficiência e justiça — desde que, por "justiça", entendamos seu conceito genuíno, e não aquele especificado pelos filósofos sociais.
O que é justo não pode ser ineficiente, e o que é eficiente não pode ser injusto.  Uma análise dinâmica revela que a justiça e a eficiência são dois lados da mesma moeda, o que também confirma a ordem consistente e integrada que existe no espontâneo universo social das interações humanas.
Por fim, abordemos algumas ideias sobre a relação entre eficiência dinâmica e os princípios da moralidade pessoal, especialmente no campo da família e das relações sexuais.
Até aqui, analisamos a ética social e discutimos os princípios essenciais que fornecem a estrutura que possibilita a eficiência dinâmica.  Mas é fora deste âmbito que estão os mais íntimos princípios da moralidade pessoal.  A influência dos princípios da moralidade pessoal sobre a eficiência dinâmica quase nunca são estudados e, em todo caso, são considerados como se fossem separados e distintos da ética social.  No entanto, creio que esta separação é completamente injustificada.
Com efeito, existem princípios morais de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade, os quais estão sujeitos a este aparente paradoxo: a incapacidade de segui-los em um nível pessoal gera enormes custos em termos de eficiência dinâmica; porém, a tentativa de impor estes princípios morais por meio da força estatal irá gerar ineficiências ainda mais severas.  Logo, certas instituições sociais são necessárias para transmitir e estimular estes princípios morais individuais, os quais, por sua própria natureza, não podem ser impostos pela violência e pela coerção, mas são, não obstante, de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade.
É principalmente através da religião e da família que os seres humanos, geração após geração, conseguem internalizar estes princípios e, assim, aprendem a mantê-los e a transmiti-los para seus filhos.  Os princípios relacionados à moralidade sexual, à criação e à preservação da instituição da família, à fidelidade entre os cônjuges, ao cuidado com os filhos, ao controle de nossos instintos primitivos, e à superação e coibição da inveja são todos de crucial importância para todo e qualquer bem sucedido processo social de criatividade e coordenação.
Como Hayek nos ensinou, tanto o progresso da civilização quanto o desenvolvimento econômico e social requerem uma população em constante expansão que seja capaz de sustentar e absorver, em meio a este contínuo aumento no número de pessoas, o crescimento ininterrupto no volume de conhecimento social gerado pela criatividade empreendedorial.  A eficiência dinâmica depende da criatividade das pessoas e de sua capacidade de coordenação; e, tudo o mais constante, ela tende a crescer quando o número de seres humanos aumenta.  Mas tal eficiência dinâmica só pode acontecer dentro de uma determinada estrutura de princípios morais que governe as relações familiares.
No entanto, como afirmei, isto representa um paradoxo.  Toda a estrutura de princípios morais pessoais não pode ser imposta pela coerção violenta.  A imposição de princípios morais pela força ou pela coerção irá gerar uma sociedade fechada e inquisitorial, privando os seres humanos de suas liberdades individuais, as quais englobam o empreendedorismo e a eficiência dinâmica.
Este fato revela exatamente a importância de métodos alternativos e não coercitivos de orientação social que mostrem às pessoas os mais íntimos e pessoais princípios morais, e estimulem sua incorporação e observância.  Podemos concluir que, tudo o mais constante, quanto mais firmes e mais duradouros são os princípios morais individuais de uma sociedade, maior tenderá a ser sua eficiência dinâmica.

Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor de A Escola Austríaca: Mercado e Criatividade EmpresarialSocialismo, cálculo econômico e função empresarial e da monumental obra Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos.

Dez conclusões falaciosas da ideologia dominante

Dez conclusões falaciosas da ideologia dominante
por  

progress.gifEm toda e qualquer situação, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, o que dominará o pensamento das pessoas, bem como a ação que elas exigirão de suas autoridades, é a ideologia dominante.  A ideologia dominante possui o indelével poder de moldar a maneira como as pessoas interpretam o que está ocorrendo no campo social, por que isso está ocorrendo, e o que deve ser feito a respeito.  A ideologia exerce seu poder em grande parte por meio daquilo que podemos chamar depoder da predisposição, isto é, o poder que ela possui de gerar conclusões padrões e predeterminadas, as quais, quando examinadas mais detidamente, nada mais são do que meros saltos de fé.
No presente, por uma conjunção sem precedentes de fatores, a ideologia dominante ao redor do mundo é a social democracia.  Embora haja pequenas nuanças aqui e ali, pequenas diferenças emocionais e intelectuais, o fato central é que a social democracia, em todos os lugares, mantém coeso um elemento central: sua inabalável fé no estado, em seu poder de correção e em sua capacidade de agir vigorosamente nas mais variadas frentes possíveis, sempre com o intuito de aprimorar a sociedade e melhorar o comportamento dos cidadãos.
Um economista observa em particular que a ideologia social-democrata hoje abraça de maneira inflexível as seguintes conclusões predeterminadas:
1. Se um problema econômico ou social parece existir, o estado deve impor regulações para corrigi-lo ou, no mínimo, remediá-lo;
2. Se as regulações já foram impostas e não funcionaram, elas devem se tornar mais severas e mais abrangentes;
3. Se houver uma recessão econômica ou uma simples desaceleração da economia, o estado deve adotar medidas de "estímulo", utilizando ativamente seus arsenais monetários e fiscais;
4. Se, não obstante todas as medidas estatais de "estímulo", a recessão ou estagnação persistir, o estado deve aumentar o tamanho, a duração e a abrangência destes programas;
5. Se o crescimento econômico parecer muito lento e não estiver satisfazendo o padrão de desempenho exigido por pessoas poderosas (como a mídia), o estado deve intervir para acelerar a taxa de crescimento fazendo "investimentos" em infraestrutura, em educação, em saúde e em tecnologia;
6. Se o estado já estiver fazendo tais "investimentos", então ele deve fazer ainda mais destes investimentos;
7. Durante uma recessão, para combater o aumento no déficit do orçamento do governo, os impostos sobre "os ricos" devem ser elevados;
8. Se a economia estiver crescendo, os impostos sobre "os ricos" também devem ser elevados, só para garantir que eles contribuam com uma "fatia justa" para a sociedade e ajudem o governo a equilibrar suas contas;
9. Se os social-democratas perceberem qualquer tipo de "falha de mercado", o estado deve intervir de maneira tal que prometa a criação de um Nirvana;
10. Se as intervenções passadas e presentes não gerarem o prometido Nirvana, então o estado deve aumentar sua intervenção até o Nirvana ser finalmente alcançado.
As predisposições social-democratas supracitadas, e várias outras numerosas demais para serem citadas aqui, fornecem as bases sobre as quais o estado justifica suas medidas correntes e suas propostas para agir ainda mais expansivamente.  Social-democratas e progressistas não conseguem ver nenhuma situação em que a melhor medida a ser tomada seja a redução do tamanho do estado ou a diminuição de sua intervenção.  Tampouco são eles capazes de admitir que o governo não pode fazer nada de construtivo em qualquer situação.  Eles veem o estado como uma instituição benevolente, bem intencionada, suficientemente capacitada e corretamente motivada para corrigir absolutamente qualquer problema econômico e social.  Para eles, todo o necessário para o estado funcionar bem é que os cidadãos concedam ao governo plena liberdade de ação, e aceitem de bom grado financiar seus custos, sem questionar.
Donde se conclui que os social-democratas desejam que o tamanho, o escopo e o poder do estado mudem sempre em apenas uma direção, independentemente de quais sejam as condições passadas e presentes, e independentemente do sucesso com que tais panacéias progressistas foram implantadas no passado — com efeito, se honestamente avaliadas, virtualmente todas elas se revelam um completo fracasso.  A fé social-democrata no estado, no entanto, segue eterna e inabalável.
É um grande infortúnio para os países do Ocidente que não haja desafios sérios a esta ideologia atualmente dominante.  Os partidos políticos de hoje competem entre si apenas por cargos, cada um deles se esforçando para pilhar o estado ao máximo e direcionar os espólios para seus correligionários e apoiadores.  Não há diferenças ideológicas substanciais entre eles.  Todos os partidos políticos acreditam em um estado poderoso, dominante, difuso e engajado.  Compreensível.  Quanto maior o estado, maior o espaço para a corrupção, mais poderosos são os políticos e maior é o enriquecimento ilícito desta gente.  O que é inconcebível é ver pessoas comuns defendendo sua própria espoliação.  Hoje, toda a discussão política se limita apenas a debater qual grupo de escroques deve ficar com o comando do Leviatã.

Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

Tradução de Leandro Roque

Seria o liberalismo uma ideologia a serviço de empresários?

Seria o liberalismo uma ideologia a serviço de empresários?

size_590_eike-dilma-sergio-cabral.jpgOs inimigos do livre mercado adoram estereotipar o liberalismo como sendo uma ideologia totalmente a soldo dos interesses dos empresários, sobretudo do grande empresariado.  De maneira caracteristicamente conspiratória, eles se apressam em descrever o liberalismo como sendo um conjunto de teses criadas ad hoc para beneficiar a plutocracia: impostos baixos ou nulos, ausência de leis trabalhistas, ausência de regulamentações sobre a economia, oposição à tributação de quem já possui um elevado patrimônio, oposição às leis antitruste etc. 
Com efeito, fazendo uma abordagem parcial e tendenciosa do assunto, a hipótese de fato parece verossímil.  No entanto, ao se esquadrinhar mais detidamente a realidade, é possível constatar que este ataque não possui absolutamente nenhum fundamento.
Para começar, o liberalismo é simplesmente uma filosofia que defende aqueles princípios normativos universais e simétricos que permitem que cada indivíduo ou grupo de indivíduos possa satisfazer seus objetivos de maneira voluntária, cooperativa e mutuamente benéfica para outros indivíduos.  A materialização prática desta saudável premissa implica que as relações humanas têm necessariamente de estar coordenadas tendo por base o respeito à propriedade privada e aos contratos voluntariamente firmados.  Implica também que nenhuma pessoa tem o direito de iniciar violência contra a propriedade privada alheia e de se esquivar das responsabilidades que tenham assumido (o não-cumprimento de um contrato).  Por conseguinte, é fácil constatar, desde o início, que não é plausível dizer que o liberalismo está a serviço da classe empresarial, pois os direitos e deveres fundamentais são os mesmos para todos os indivíduos, não importa quem sejam e nem qual a posição social que ocupam.
Tendo entendido isso, os inimigos do liberalismo recorrem à seguinte réplica: se um liberal defende direitos e deveres simétricos para todos é porque ele sabe que essa igualdade jurídica beneficia apenas os empresários, em detrimento do resto da sociedade (por qualquer que seja o motivo: seja porque eles são mais hábeis, ou mais preparados, ou mais ricos).  Toda aquela explicação delineada acima seria apenas um subterfúgio para consolidar um regime de exploração empresarial.  Afinal, não se pode tratar de maneira igual aqueles que são diferentes.
Demonstrar que o império jurídico da propriedade privada e dos contratos voluntários é algo benéfico para todos iria alongar desnecessariamente a discussão; a este respeito basta dizer que, se o mercado não é um jogo de soma zero — e não é —, então todos podem sair ganhando desta cooperação social, por mais que algumas pessoas (as mais perspicazes) sejam capazes de obter mais benefícios desta cooperação do que as outras pessoas.  O fato é que todas têm potencial para sair ganhando (umas mais; outras nem tanto).  O objetivo deste artigo é refutar a hipótese de que todas as propostas liberais são, no fundo, um mero disfarce dialético criado para ajudar o empresário a lucrar impunemente.
Logo de início, esta acusação se depara com um problema insolúvel: os interesses dos empresários não são nada homogêneos.  Por exemplo, dentro de uma mesma área da economia, duas empresas podem competir e batalhar ferozmente até que uma delas desapareça (por exemplo, duas empresas de telefonia celular ou de sistemas operacionais).  Dentro de um mesmo sistema econômico, diferentes indústrias podem reproduzir esta feroz concorrência para ganhar os clientes das outras (por exemplo, empresários que fabricam computadores versus empresários que fabricam máquinas de escrever).  Mais ainda: dentro da economia global, os interesses gerais de alguns capitalistas podem estar em conflito com os interesses de outros capitalistas (por exemplo, quando alguns especuladores atacam as ações de uma empresa é evidente que os interesses dos especuladores são absolutamente contrários ao interesses da empresa contra a qual eles estão especulando).
Se os liberais realmente querem defender acirradamente os interesses de empresários e capitalistas, então eles inevitavelmente entrarão em colapso em decorrência de um curto-circuito esquizofrênico.  Afinal, exatamente os interesses de quais empresários ou capitalistas eles irão defender a cada momento?  Os que estão em melhor situação financeira?  Não faria sentido, pois, dado que os liberais coerentes defendem a concorrência livre e irrestrita, nada garante que este empresário não venha um dia a perder sua boa situação financeira.
Com efeito, dado que não há a mais mínima garantia de que todos os empresários serão beneficiados em um sistema de livre concorrência, a lógica diz que a maioria deles não terá motivos para defender os princípios do liberalismo.  E a realidade é que o livre mercado beneficia apenas aqueles empresários competentes, aqueles capazes de investir adequadamente seu capital de modo a satisfazer, melhor do que seus concorrentes, as variadas e variáveis demandas dos consumidores.  E de satisfazer continuamente estas demandas. 
O livre mercado, portanto, é um arranjo bastante incerto, hostil e variável, no qual poucos empresários podem se sentir permanentemente confortáveis.  O que a grande maioria dos empresários realmente deseja é que o estado lhes proteja da concorrência e lhes assegure uma fatia garantida de lucro, que lhes permita desfrutar a vida sem dores de cabeça e sem constantes preocupações acerca de como melhorar seus serviços aos consumidores.  O que os empresários realmente desejam são tarifas protecionistas que os protejam da concorrência de importados e agências reguladoras que cartelizem o mercado e impeçam a entrada de novos concorrentes. 
Se os liberais estivessem a serviço do empresariado, suas principais reivindicações consistiriam em exigir que o estado criasse regulações e aumentasse seus gastos de forma a maximizar o lucro empresarial.  Mas o que ocorre é justamente o oposto: os liberais desejam abolir todas as regulações e todos os gastos estatais que resultam em altos lucros para determinada casta corporativa.
Fazendo uma lista nada exaustiva, os genuínos liberais se opõem às seguintes prebendas tão ao gosto de vários empresários acomodados:
1) Políticas de preços mínimos, subsídios e pacotes de socorro.
Em um livre mercado, todas as empresas devem estar sujeitas aos desejos dos consumidores.  Isso implica que nenhum empresário ou capitalista tem sua renda futura garantida.  Suas rendas decorrerão exclusivamente de suas capacidades de atender os desejos dos consumidores de forma mais satisfatória que seus concorrentes.  Este princípio, é claro, não vale apenas para empresários e capitalistas, mas também para todos os agentes econômicos (daí a tão difundida ideia de que somos "escravos do mercado"). 
Consequentemente, os liberais se opõem a todos os tipos de falcatruas estatistas criadas com o intuito de burlar esta servidão dos empresários aos consumidores.  Exemplos típicos destas falcatruas são as políticas de preços mínimos (o estado compra as mercadorias de um empresário a preços mais altos do que estão dispostos a pagar os consumidores), os subsídios (os pagadores de impostos são obrigados a financiar um projeto empresarial com o qual não necessariamente concordam), e os pacotes de socorro (empresas falidas, que destruíram mais riqueza do que foram capazes de criar e que, de acordo com os desejos claramente manifestados pelos consumidores — que não mais compram seus produtos —, deveriam desaparecer, são salvas pelo governo). 
Empresários gostam de políticas de preços mínimos, de subsídios e de pacotes de socorro.  Os liberais, não.
2) Barreiras de entrada ao mercado.
Se o empresário deve, a todo o momento, servir o consumidor de forma mais satisfatória que seus concorrentes, então é evidente que sua situação dentro da economia de mercado está continuamente em perigo.  Mesmo que ele não esteja visualizando nenhuma ameaça ao seu domínio, isso não significa que ninguém esteja preparando um plano de negócios que a curto, médio ou longo prazo que termine por destroná-lo. 
Exatamente por isso, os empresários que já estão estabelecidos no mercado adoram todo e qualquer tipo de barreiras de entrada que impeçam que outros empresários com novas ideias os desbanquem.  Os liberais, por sua vez, se opõem a toda e qualquer regulamentação que bloqueie a livre concorrência, exatamente porque é a livre concorrência que permite desbancar empresários menos eficientes.  Licenças, burocracia, regulamentações que imponham opressivos custos iniciais, concessões exclusivas e monopolistas, e até mesmo patentes — tudo isso é combatido pelos liberais. 
Empresários já estabelecidos no mercado adoram restrições à concorrência.  Os liberais as detestam.
3) Tarifas de importação, desvalorização cambial e outras barreiras protecionistas
Outra forma de proteção contra a concorrência são as tarifas de importação, as quotas e outras barreiras protecionistas, como a desvalorização cambial.  Este ferramental mercantilista blinda as empresas nacionais contra a concorrência estrangeira, assegurando aos empresários que se especializaram em atender o mercado interno a continuidade de seu reinado. 
Dado o tamanho da economia mundial em relação a uma economia nacional qualquer, basta apenas imaginar a enorme inquietação que sente um empresário nacional quando, de repente, as barreiras comerciais são abolidas e ele se depara com toda uma cornucópia de potenciais concorrentes estrangeiros.  Daí que inúmeros empresários adoram o protecionismo comercial e o câmbio desvalorizado, ao passo que os liberais sempre foram marcadamente pró-livre comércio e pró-moeda forte. 
Novamente, empresários e liberais estão em lados completamente opostos.
4) Crédito artificialmente barato
Capitalistas e empresários têm, e sempre tiveram, uma relação passional com o crédito barato.  Muitos empresários vendem a maior parte de suas mercadorias a crédito (imóveis, eletrodomésticos, automóveis etc.), de modo que, quanto mais crédito, mais vendas.  Da mesma maneira, para montar uma empresa, ou para multiplicar seus rendimentos, é necessário capital, e uma forma de obter esse capital de maneira acessível é com empréstimos bancários artificialmente baratos.  Por sua vez, os empresários provedores deste crédito artificialmente barato e abundante — os banqueiros — também obtêm lucros extraordinários em decorrência de seu agora maior volume de negócios. 
Sendo assim, quase todos os empresários adoram quando o governo, por meio de seu Banco Central, fornece mais dinheiro aos bancos para que estes expandam o crédito a custos mais baixos.  E adoram ainda mais quando o próprio governo, por meio de algum banco estatal de fomento, fornece este crédito.  Os liberais, ao contrário, condenam as manipulações inflacionistas do crédito e, para acabar com elas, chegam até mesmo a propor o abandono da moeda fiduciária e a abolição destes monopólios estatais chamados Bancos Centrais, que tanto protegem e beneficiam o sistema bancário. 
Outro ponto no qual empresários e liberais batem de frente.
5) Planos de estímulos e obras públicas
Uma possível consequência das expansões creditícias é o endividamento estatal decorrente de projetos faraônicos despropositados, como obras públicas megalomaníacas.  Muitas destas obras são inventadas com o intuito de gerar empregos e "estimular" a economia.  As empresas adoram tais obras porque elas incrementam suas receitas e seus lucros (não apenas aquelas que são diretamente beneficiadas pelos contratos estatais, mas também aquelas que saem ganhando em decorrência do estímulo temporal propiciado pelo aumento do gasto agregado).  Com efeito, tais obras públicas nada mais são do que uma forma de subsídio e, como todos os subsídios, elas são repudiadas frontalmente pelos liberais.
Outro exemplo em que não há nenhuma coincidência de opiniões entre liberais e empresários. 
Conclusão
O fato de os liberais defenderem um arranjo jurídico no qual os melhores empresários podem prosperar e enriquecer não significa que estejam a serviço destes, uma vez que, em tal arranjo, os empresários que forem ineficientes — e que não podem recorrer aos privilégios e protecionismos estatais — estão condenados ao fracasso.  Mais ainda: nada impede que os empresários bem sucedidos de hoje se transformem nos arruinados de amanhã.
Os liberais defendem este arranjo porque ele é o que melhor permite que todos satisfaçam suas necessidades: os melhores empresários enriquecem somente após terem gerado muito valor para os consumidores. 
A realidade, portanto, é exatamente o oposto do que parece: são os intervencionistas, contrários ao liberalismo, que recorrem a todos os tipos de argúcias estatistas para solapar a soberania do consumidor e, consciente ou inconscientemente, encher os bolsos dos empresários protegidos pelo governo.

Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

A insensatez do Nobel de economia de 2013


por  

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Eugene Fama e Robert Shiller
A edição de 1974 do "Prêmio para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel", concedido pelo Banco Central da Suécia, foi um paradoxo.  O prêmio foi dividido entre dois economistas de ideias completamente distintas: Friedrich Hayek e Gunnar Myrdal.  Ambos foram premiados por seus trabalhos sobre flutuações monetárias e ciclos econômicos.
No início de suas carreiras, havia algumas afinidades entre eles: ambos partiam dos mesmos fundamentos estabelecidos pelo economista Knut Wicksell; ambos enfatizavam a importância da "incerteza knightiana" (em homenagem ao economista Frank Knight, trata-se do risco que não é possível de ser mensurado ou calculado); e ambos deram importância ao papel das expectativas ex ante versus os resultados ex post nas decisões de investimento.  No entanto, quando ambos foram premiados com o Nobel, eles já estavam em extremos opostos.  Hayek havia direcionado seu trabalho para o estudo dos fundamentos de uma sociedade livre ao passo que Myrdal havia assumido uma inclinação decididamente mais socialista.
O prêmio Nobel deste ano de 2013 foi compartilhado por três economistas eminentes: Eugene Fama, Lars Peter Hansen e Robert Shiller.  Neste artigo, meu objetivo é comparar as contribuições e as realizações de Fama e Shiller, e constatar o que a premiação de ambos realmente representa.  Como veremos, embora estes dois acadêmicos tenham ganhado o prêmio por causa de seu trabalho a respeito da precificação de ativos, os resultados e as conclusões de seus respectivos estudos estão em total divergência entre si.
Fama é mais conhecido por seu trabalho sobre a hipótese do mercado eficiente (HME).  Falando resumidamente, tal hipótese diz que todas as informações relevantes já estão embutidas nos preços dos ativos e os mercados basicamente não podem errar porque eles já contêm todas as informações relevantes.  Logo, não há bolhas na economia e, consequentemente, não há estouro de bolhas.  Segundo a HME, os mercados são eficientes quando todas as informações relevantes a respeito de um determinado setor da economia ou de uma empresa já estão ponderadas e refletidas no preço de seus ativos e ações. Uma vez que informações futuras a respeito das ações ainda não são conhecidas, e não podem ser conhecidas antecipadamente, não há como nenhum investidor "vencer" o mercado, isto é, alcançar consistentemente retornos superiores à média do mercado. 
Fama construiu toda a sua teoria baseando-se nesta conclusão, e foi ainda mais adiante: não apenas é impossível um indivíduo vencer o mercado, como também qualquer retorno de mercado será aleatório — a natureza desconhecida do futuro implica que o preço de qualquer ação tem de seguir um imprevisível "passeio aleatório".
É claro que tal concepção de conhecimento e de eficiência interpreta erroneamente, e de forma grave, a natureza de ambos os conceitos.  Para que a HME seja verdadeira, não somente todo o conhecimento disponível tem de ser interpretado da mesma maneira por absolutamente todos os investidores, como também o impacto deste conhecimento tem de ser idêntico entre todos eles! 
Observe que a primeira condição implica que não há absolutamente nenhum elemento subjetivo na formação do conhecimento.  Todos os elementos subjetivos foram removidos do processo de formação do conhecimento.  Isso significa que a teoria é toda construída sobre elementos objetivos.  Já a última condição implica que não há absolutamente nenhuma diferença no comportamento e na percepção dos investidores — todos eles têm absolutamente os mesmos objetivos; todos eles interpretam de maneira idêntica todo o conhecimento disponível; e todos eles têm preferências temporais exatamente iguais.  (Leitores interessados podem ler meus trabalhos anteriores sobre HME aqui e aqui).
Se a HME não passa de um enfadonho conto de fadas que descreve como as pessoas agiriam sob a mais irrealista das condições e de como o resultado deste arranjo fictício são mercados eficientes, o trabalho de Robert Shiller faz o extremo oposto, e se concentra em buscar maneiras de mostrar como os mercados são ineficientes.
Um dos mais famosos trabalhos de Shiller é seu artigo de 1981 intitulado "Do Stock Prices Move Too Much To Be Justified By Subsequent Changes In Dividends?", no qual ele desafia a posição dominante da hipótese do mercado eficiente.  Seus trabalhos subsequentes se concentraram em explicar o papel que os aspectos comportamentais têm na criação de bolhas.  Para Shiller, bolhas e expansões econômicas são uma mera questão de psicologia, não tendo relação alguma com variações da oferta monetária.
Sob vários aspectos, Shiller é uma das mais proeminentes personalidades na área das finanças comportamentais.  Um dos principais pontos desta sub-disciplina é a crença de que os agentes econômicos tomam decisões baseando-se em simples regras práticas e heurísticas, e não na lógica.  Os adeptos dessa teoria (também chamada de behaviorista) acreditam que a maneira como um indivíduo pensa um determinado problema (isto é, a maneira como ele estereotipa um problema) irá determinar como ele irá responder a um evento.  Um dos pilares da economia comportamental é a crença de que os mercados são, ou ao menos podem ser, ineficientes — e isso é observado seja em uma precificação errônea de ativos ou em tomadas de decisão não-racionais.
Não é nenhum exagero afirmar que a economia comportamental não tem nada em comum com a hipótese do mercado eficiente.
Fora da torre de marfim, Shiller é provavelmente mais conhecido pelo livro que publicou em 2000, Irrational Exuberance.  Partindo da crença de que investidores estão sujeitos a surtos de exuberância irracional, Shiller tentou explicar como a aparente bolha no mercado de ações dos EUA — que chegou ao seu ápice no ano 2000 — foi gerada por investidores que, de maneira totalmente irrealista, basearam suas expectativas de retornos futuros não em algum evento fundamental, mas sim em suas próprias e descontroladas crenças a respeito de um crescimento econômico futuro pra lá de otimista.
Não me entendam mal: todos os economistas concordam que a psicologia tem sim um papel nos movimentos do mercado.  No entanto, o que realmente comanda as oscilações econômicas são as variações na oferta monetária causadas pelo Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias.  Shiller nega isso completamente.  Como consequência, ele não considera o Banco Central como sendo a causa do problema, mas sim a primeira linha de defesa contra os ciclos econômicos.  Ato contínuo, ele recomenda várias políticas econômicas de cunho altamente regulador.
Mas o que é realmente interessante nesta questão do Nobel é notar que Eugene Fama foi um severo crítico do livro e da abordagem de Shiller, chegando a dizer que "Robert ... tem sido consistentemente pessimista em relação aos preços".  Com efeito, nesta mesma entrevista, Fama gabou-se de ter cancelado sua assinatura da The Economist porque a revista estava utilizando exageradamente a palavra "bolha".  Ele disse isso em abril de 2010, quase um ano e meio após o início de uma crise que todos os economistas, jornalistas e leigos diriam que foiprecipitada por uma bolha nos preços dos imóveis e no crédito imobiliário.
Em 2008, Shiller publicou outro livro, agora sobre a crise financeira americana, intitulado The Subprime Solution.  O livro não apenas negligencia totalmente a volumosa criação de crédito e a redução nas exigências para a concessão de empréstimos imobiliários como as causas da crise, como também recomenda abertamente que o governo americano implemente um novo New Deal, com um forte aumento nos gastos públicos.  Ora, em termos de gastos nominais, isso foi exatamente o que governo americano fez nos últimos cinco anos.  Podemos ver o quão benéfico isso foi para a economia.  (Sem considerar toda a explosão da dívida pública, que será legada para as futuras gerações de americanos.)
Eugene Fama e Robert Shiller não têm quase nada em comum, exceto pelo fato de ambos serem economistas bem conhecidos que publicaram trabalhos na ampla seara da precificação de ativos.  Suas abordagens são diametralmente opostas uma da outra.  Suas previsões sobre preços de ativos e sobre a capacidade de agentes econômicos tomarem decisões informadas e "corretas" não poderiam ser mais diferentes entre si.  No entanto, eles são os co-recipientes do Prêmio para as Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel concedido pelo Banco Central da Suécia.
Ao contrário da vida real, o comitê do Nobel e os economistas por ele premiados não estão limitados por um desventurado fato da vida: prejuízos.  Já no mundo dos investimentos, a realidade é mais crua.  E o fato é que investidores utilizam modelos baseados tanto na HME quanto na economia comportamental.  Fundos de pensão que utilizam o dinheiro de viúvas e órfãos são administrados por banqueiros e economistas treinados no espírito destes trabalhos laureados com o Nobel.  E isso tem sérias consequências.  Tanto Fama quanto Shiller podem ser elogiados por seus respectivos trabalhos, os quais são tidos como perspicazes, independentemente de sua real utilidade ou acurácia.  Mas o problema é que teorias ruins geram prejuízos financeiros para inocentes.  Ainda pior é a credibilidade imerecida que este prêmio confere aos seus recipientes.
Cinco anos atrás, Barack Obama foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz pelos seus "extraordinários esforços" em estabelecer uma cooperação internacional.  Vimos como tudo isso terminou.  Um efeito colateral benéfico desta insensata premiação foi o descrédito e a má reputação que ela trouxe para todo o comitê do Nobel.  Torçamos para que os laureados deste ano possam gerar o mesmo efeito sobre o prestígio do Nobel de economia.

David Howden é professor assistente de economia na Universidade de St. Louis, no campus de Madri, e vencedor do prêmio do Mises Institute de melhor aluno da Mises University.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Janet Yellen é ainda pior do que Bernanke


por 
15705025.jpgA notícia de que Janet Yellen foi indicada para se tornar a próxima presidente do Banco Central americano foi recebida com grande júbilo pelos mercados financeiros e pela imprensa especializada.  Wall Street entendeu a indicação de Yellen como um claro sinal de que a atual política de afrouxamento monetário irá continuar ainda por um bom tempo.  Como resultado, o índice Dow Jones subiu durante todos os dias após a nomeação. 
Compare isso com toda a preocupação palpável quando o nome de Larry Summers ainda estava sendo cotado.  Comentaristas de todo o mundo se preocupavam com a hipótese de que Summers seria excessivamente cauteloso, excessivamente linha-dura em relação à inflação, e excessivamente ligado aos interesses dos grandes bancos.  A realidade, no entanto, é que não haveria absolutamente nenhuma diferença entre a política monetária de Yellen e a de Summers. 
O fato é que, não importa quem esteja no topo, a condução da política monetária será a mesma: criação de dinheiro em larga escala para socorrer os grandes bancos.  Pode até ser que, sob Yellen, ocorram algumas diferenças na abordagem de detalhes específicos, mas qualquer alteração na política monetária será apenas em estilo, e não em substância.
Yellen, assim como Bernanke, Summers e todos os outros que estão dentro da órbita do Fed, acreditam na economia keynesiana.  Para economistas da linhagem de Yellen, a solução para a recessão é estimular o consumo dos indivíduos por meio da criação de dinheiro.  As seguidas declarações de Yellen comprovam que ela, em termos de política monetária, é uma moderada — ou, no jargão político, uma "pomba".  Ela é bem mais moderada do que Bernanke.  Wall Street não precisa se preocupar com a hipótese de o Fed reduzir seu maciço programa de afrouxamento quantitativo — Quantitative Easing, QE — sob o reinado de Yellen.  O atual QE 3 continuará sob sua liderança.  No mínimo, a expansão anual de um trilhão de dólares irá é aumentar.
O que é óbvio para a maioria das pessoas que não fazem parte do sistema é que as políticas monetárias expansionistas do Fed foram a causa da atual crise financeira.  Assim como a Grande Depressão, a estagflação da década de 1970, e todas as outras recessões do século passado, a atual crise financeira foi causada pela expansão do crédito possibilitada pela criação de dinheiro feita pelo Federal Reserve, medida essa que gera expansões econômicas artificiais seguidas de fortes recessões.
Em vez de permitir que os investimentos ruins e o endividamento excessivo causados por esta criação de dinheiro sejam liquidados, o Fed tenta continuamente reestimulá-los.  Ele injeta cada vez mais dinheiro no sistema bancário, estimulando ainda mais endividamentos e investimentos insustentáveis.  Yellen manterá essa postura, e pode acabar se revelando um Bernanke com esteróides.
Para Yellen, os ciclos econômicos são eventos aleatórios e imprevisíveis, que ocorrem simplesmente porque a economia é assim.  A possibilidade de que o próprio Banco Central seja o responsável pelos ciclos econômicos jamais foi por ela vocalizada.  Tampouco tal pensamento já cruzou as mentes das centenas de economistas empregados pelo Fed.  Sob Yellen, eles continuarão pensando da mesma maneira que vêm pensando há décadas, interpretando dados econômicos e desempenhos de mercado através da mesma distorcida lente keynesiana, e advogando as mesmas políticas insensatas.
Um mês atrás, a mídia especializada falava apenas em um assunto: a redução dos estímulos monetários do Fed.  Todos davam como certo que o Fed iria começar a reduzir a expansão da base monetária, atualmente em US$1 trilhão por ano.  Como essa mudança de postura não se concretizou — o que pegou os comentaristas da mídia completamente desprevenidos —, ninguém mais voltou a tocar no assunto.  O foco agora está na elevação do teto da dívida.
E os keynesianos que dominam a mídia estão agora prevendo uma redução no crescimento econômico americano por causa da temporária redução nos gastos federais, em decorrência do provisório "fechamento" do governo americano.  Esta redução no crescimento econômico certamente irá justificar a posição de Yellen: mais afrouxamento quantitativo (QE).
Os democratas no Senado irão aprovar sua nomeação.  Provavelmente alguns republicanos farão algumas perguntas mais duras, mas isso não dará em nada.  Sua nomeação está garantida.  Yellen sempre foi a preferida dos investidores financeiros.  Eles querem continuidade, e continuidade significa US$1 trilhão por ano em dinheiro digital criado do nada para subsidiar o governo federal.
Chegará o dia em que uma redução desta expansão será necessária para reverter os efeitos de uma inevitável inflação de preços.  Mas este dia não está no horizonte imediato.  A economia americana está estagnada.  O desemprego está alto.  O Fed está dando suporte a um colossal déficit orçamentário do governo federal.  Ele está comprando títulos da dívida do Tesouro a taxas de juros quase nulas, que é exatamente o que o governo quer.
O fato de que o anúncio oficial da indicação de Yellen foi recebido com regozijo por Wall Street indica o grau de dependência dos grandes bancos em relação ao QE 3.  Os subsídios irão continuar para que os indicadores do mercado financeiro não caiam.  Todos estão viciados no subsídio trilionário do Fed.
Isso mostra o quão doloroso para os investidores será qualquer retorno a uma política monetária estável.  É por isso que toda e qualquer conversa sobre a retirada dos estímulos monetários foi abandonada.  A ideia de uma redução nos estímulos, em conjunto com uma não-elevação do teto da dívida, apavora os keynesianos, que querem mais gastos, mais endividamento e mais inflação monetária.  O viciado quer a sua dose.  Yellen será a rainha dos traficantes.
No entanto, o QE não pode durar para sempre.  Ele terá de acabar algum dia.  E, quando isso ocorrer, a economia americana terá de lidar com os prospectos de uma elevação nas taxas de juros, um endividamento insustentável e uma montanha de recursos investidos erroneamente.  Não bastasse tudo isso, haverá um Fed com vários trilhões de dólares em títulos inúteis em sua carteira.
O futuro da economia americana com Yellen no comando do Fed é sinistro, e isso é apenas mais um motivo para se acabar com todo este sistema de planejamento econômico centralizado por meio de uma abolição total do Fed.  Embora retirar o esparadrapo seja uma medida dolorosa no curto prazo, todos estarão em melhor situação no longo prazo.  Em todo caso, grande parte desta dor será absorvida por políticos, pelos grandes bancos e por todos os grupos de interesse que se beneficiam do atual arranjo.  A abolição deste atual sistema corporativista e a adoção de uma moeda sólida em conjunto com um livre mercado é a única maneira de retornarmos à prosperidade econômica e termos uma vibrante classe média.

Ron Paul é médico e congressista republicano do Texas e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2012. Seu website: http://www.campaignforliberty.com