quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Como ocorreu a crise financeira americana


too-big-to-fail.jpgSegundo a imprensa mundial, este mês de setembro de 2013 marca o aniversário de 5 anos da crise financeira americana.  Mas a crise, no entanto, começou realmente um ano antes, em agosto de 2007, quando correntistas correram ao banco britânico Northern Rock para sacar seu dinheiro, levando o banco à falência.  Esta foi a primeira corrida bancária em grande escala ocorrida desde 1930.
São inúmeros os analistas, comentaristas e, principalmente, acadêmicos que já se aventuraram a dar seus vaticínios sobre a crise financeira americana.  No entanto, ausente de todos os comentários está aquele componente indispensável para toda e qualquer análise econômica minimamente séria e sensata: a imparcialidade.  E presente em todos os comentários está aquele componente do qual, hoje em dia, ninguém abre mão: a propaganda ideológica.
A melhor maneira de se entender corretamente e de modo fácil todas as nuanças da crise financeira americana é fazendo uma narração cronológica e desideologizada dos eventos.  Caberá ao leitor, no final, concluir qual dos dois lados tem razão: se aqueles que dizem que tudo foi causado por uma falta de regulamentação ou se aqueles que dizem que tudo foi causado por excesso de intervenção estatal.
A tempestade perfeita
A crise financeira americana — a qual foi gerada pelo estouro de uma grande bolha imobiliária — teve características grandiosas e espetaculares simplesmente porque ela apresentou uma combinação de elementos até então inédita na história de qualquer economia mundial.  Nem mesmo a colossal crise financeira japonesa do início da década de 1990 — que também foi gerada pelo estouro de uma bolha imobiliária — apresentou uma conjunção tão harmoniosa de elementos a ponto de produzir um estrago semelhante.
Comecemos nossa análise com um gráfico que mostra o histórico da evolução dos preços dos imóveis americanos.  Mais especificamente, o gráfico mostra a mediana dos preços de venda de imóveis novos.
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Gráfico 1: mediana dos preços de venda de imóveis novos
O gráfico traz vários detalhes interessantes.  Até o início da década de 1970, quando os EUA ainda viviam sob alguns resquícios de padrão-ouro, os preços dos imóveis permaneceram praticamente constantes.  Durante a década de 1970, os preços praticamente duplicaram, mas isso foi efeito da alta inflação monetária ocorrida naquela década (que ficou conhecida como a década perdida dos EUA), e não especificamente de uma bolha.  Já durante a década de 1980 houve um mini-bolha, a qual estourou no início da década de 1990 (aficionados por economia podem pesquisar sobre a retração do mercado imobiliário americano nesta época).
A partir de 1993, início do governo Clinton, os preços voltaram a subir continuamente.  E aceleraram vertiginosamente a partir de 2001 até entrarem em colapso em 2008.
Logo, partindo-se deste gráfico, dois eventos devem ser analisados:
1) O que gerou a ascensão de preços a partir de 1993?
2) O que gerou a súbita aceleração a partir de 2003?
A década de 1990
Foi na década de 1990 que duas políticas governamentais voltadas exclusivamente para o setor imobiliário — mais especificamente, para aumentar o número de proprietários de imóveis — foram intensificadas.  Digo "intensificadas" porque estas políticas já existiam desde a década de 1970, mas foi somente na década de 1990 que elas ganharam poder total.
Quais foram estas políticas?
Fannie Mae e Freddie Mac
De um lado, havia duas empresas nominalmente privadas, mas que atendiam exclusivamente aos desejos do governo federal.  Estas duas empresas se tornaram mundialmente conhecidas em 2008, quando houve a quebradeira: trata-se da Federal National Mortgage Association (popularmente conhecida como Fannie Mae) e a Federal Home Loan Mortgage Corporation (popularmente conhecida como Freddie Mac).
Essas duas empresas foram criadas pelo Congresso americano e são oficialmente conhecidas como "empresas apadrinhadas pelo governo", pois usufruem vários privilégios concedidos pelo governo.  Primeiro, vamos entender o que elas fazem; depois, veremos por que elas são assim conhecidas.
Fannie Mae e Freddie Mac são empresas voltadas exclusivamente para o mercado imobiliário.  Mais especificamente, elas são empresas que existem para garantir liquidez ao mercado de hipotecas.  Elas não emprestam dinheiro para compradores de imóveis; elas apenas compram estes empréstimos dos bancos
Funciona assim: um americano vai a um banco comercial qualquer e pede um empréstimo para comprar um imóvel.  Ato contínuo, o banco cria dinheiro eletrônico e acrescenta estes dígitos eletrônicos na conta do tomador de empréstimo, que agora utilizará este dinheiro para comprar um imóvel.  Por uma questão de regra contábil, sempre que um banco concede um empréstimo, ele está criando um ativo e um passivo: o ativo é o valor do empréstimo, o passivo é o dinheiro que ele deu ao tomador de empréstimo. 
Atenção, pois esta parte é crucial: se um banco concede um empréstimo, o valor do seu ativo aumenta.  Quanto mais empréstimos ele concede, maior o valor do seu ativo (e, consequentemente, do seu passivo).  Por uma questão de regulamentação bancária (tanto do Banco Central americano quanto do Banco da Basileia), há um limite para o crescimento destes ativos.  Em termos técnicos, os ativos têm de manter uma proporção máxima em relação ao patrimônio líquido do banco.  Portanto, um banco não pode sair concedendo empréstimos a rodo, pois ele rapidamente atingiria este limite determinado. 
E é exatamente nesse ponto que Fannie e Freddie entram em cena.  A função destas empresas era comprar dos bancos comerciais exatamente estes empréstimos (títulos hipotecários) que eles concediam para compradores de imóveis
Ou seja: quando um banco comercial concedia um empréstimo imobiliário, ele colocava em seus ativos o valor total do empréstimo.  Mas se ele vendesse esse ativo (título hipotecário) para uma terceira parte, este ativo sairia de seus livros contábeis, ele receberia de volta a quantia que emprestou (na verdade, receberia um valor mais alto) e, em seguida, estaria livre para voltar a fazer novos empréstimos sem ultrapassar aquele limite entre ativos e patrimônio líquido estabelecido pelo Banco Central. 
Em resumo: Fannie e Freddie, ao comprarem as carteiras de empréstimos imobiliários dos bancos, permitiam que os bancos dessem continuidade aos seus empréstimos.  Em outras palavras, após um banco conceder um empréstimo para um comprador de imóveis, ele podia vender este empréstimo para Fannie ou Freddie.  Ato contínuo, este empréstimo não mais estaria nos livros contábeis do banco, o qual estaria agora livre para fazer novos empréstimos. 
Uma vez em posse dos títulos hipotecários, Fannie e Freddie agora eram as responsáveis pelos empréstimos.  A relação agora era entre elas e os tomadores de empréstimos imobiliários.  Enquanto estes continuassem pagando suas hipotecas, Fannie e Freddie continuariam tendo um fluxo de caixa.  Se os tomadores de empréstimos dessem o calote, Fannie e Freddie teriam enormes prejuízos.  Seus títulos hipotecários seriam remarcados para um valor zero e o patrimônio líquido de ambas seria severamente afetado.
Observe que os bancos que fizeram os empréstimos originais estão fora da jogada.  Eles não mais são os responsáveis pelo empréstimo e não mais lidam com o tomador do empréstimo.  Eles estão livres para voltar ao mercado imobiliário e conceder novos empréstimos.  Era uma espécie de moto-perpétuo.
Fannie e Freddie tinhas duas opções: elas podiam manter em suas carteiras os empréstimos que compraram dos bancos (e, assim, aufeririam as receitas) ou podiam empacotar esses empréstimos e vender para investidores ao redor do mundo.  Esses empréstimos imobiliários vendidos por Fannie e Freddie para os investidores ao redor do mundo ficaram conhecidos como "títulos lastreados em hipotecas" (as famosas mortgage-backed securities).
Tradicionalmente, quando uma pessoa pega um empréstimo para comprar um imóvel, cria-se uma dívida entre ela e o banco.  Se a pessoa irá honrar sua dívida ou não, é problema do banco.  No cenário americano, Freddie e Fannie fizeram com que os bancos não mais se preocupassem com nada disso, pois eles sabiam que, tão logo concedessem um empréstimo imobiliário, Fannie e Freddie estavam lá para comprar este empréstimo a um valor acima do montante concedido. 
Desnecessário dizer que todo este processo — ao facilitar enormemente a compra de imóveis — gerou muito mais empréstimos imobiliários do que normalmente ocorreria.  Este direcionamento artificial de recursos para o mercado imobiliário aditivou os preços dos imóveis.
Freddie e Fannie usufruíam uma linha especial de crédito junto ao Tesouro americano, no valor de US$2,25 bilhões.  Esta garantia implícita de proteção conseguiu atrair um contínuo financiamento de investidores — que investiam dinheiro nestas empresas e compravam seus títulos lastreados em hipotecas —, pois estes investidores sabiam que, caso a coisa degringolasse, Fannie e Freddie seriam socorridas pelo governo americano. 
(Para se ter uma ideia da amplitude destas empresas, em setembro de 2008, quando o governo americano efetivamente nacionalizou ambas as empresas, elas detinham metade das hipotecas do país e praticamente 75% das hipotecas recém-concedidas.)
Por fim, vale ressaltar que Fannie e Freddie estavam profundamente envolvidas em politicagem.  A Fannie, mais especificamente, foi utilizada por políticos democratas que queriam diminuir as exigências que a empresa impunha para conceder empréstimos a pessoas de mais baixa renda.  Tudo em nome de estar ajudando os "necessitados".  Em setembro de 1999, ninguém menos que o próprio The New York Times publicou uma reportagem dizendo que a Fannie Mae estava afrouxando as exigências de crédito para as hipotecas que ela comprava dos bancos.  Segundo o próprio Times, a iniciativa era perigosa porque iria
estender hipotecas para indivíduos cujo histórico de crédito não são bons o suficiente para se qualificarem para empréstimos convencionais. [...]  A Fannie Mae tem estado sob intensa pressão do governo Clinton para dar sustentação a hipotecas de pessoas de renda baixa e moderada. [...] [Embora] as novas hipotecas sejam estendidas para todos os potenciais tomadores de empréstimos, [um dos objetivos do programa é] aumentar o número de proprietários de imóveis entre as minorias e os indivíduos de baixa renda, os quais tendem a apresentar um histórico de crédito pior que os dos brancos não-hispânicos. 
Ao se aventurar, mesmo que temporariamente, nesta nova área de empréstimos, a Fannie Mae está assumindo riscos consideráveis.  [...] Esta corporação subsidiada pelo governo pode vir a enfrentar problemas caso haja uma recessão econômica, o que levará o governo a socorrê-la.
Ou seja, até mesmo o The New York Times já havia percebido o risco envolvido nessa nova empreitada.
Não é o intuito deste artigo entrar em detalhes sobre o funcionamento de Freddie e Fannie, pois isso tomaria o espaço de um livro.  Há uma ampla literatura dedicada exclusivamente ao assunto (neste site há inclusive um artigo dedicado exclusivamente a estas empresas) e nada do que foi dito aqui é controverso.  Políticos democratas utilizaram estas agências para garantir que minorias e pessoas de baixa renda, sem nenhum histórico de crédito, conseguissem empréstimos para comprar a casa própria.  Estas seriam as mesmas pessoas que, como veremos mais abaixo, começaram a dar calotes nos empréstimos.
CRA e ações afirmativas
Mas apenas Fannie e Freddie não seriam capazes de estimular todo o mercado imobiliário, e muito menos o mercado subprime (subprime se refere a tomadores de empréstimo com histórico de crédito ruim).  É aí que entra em cena a segunda política governamental: ação afirmativa para empréstimos.
Fannie e Freddie não eram as únicas entidades utilizadas para reduzir os padrões de empréstimos.  Agências governamentais de vários tipos começaram a pressionar os bancos a fazerem empréstimos mais arriscados, e tudo em nome da "igualdade racial".  Caso se recusassem a assumir este comportamento temerário, os bancos poderiam ser legalmente processados por discriminação e racismo.
Em 1992, um estudo feito pela sucursal do Federal Reserve de Boston afirmou ter encontrado claras evidências de que, mesmo levando-se em conta as diferenças na capacidade creditícia de cada indivíduo, as minorias recebiam menos empréstimos do que os brancos.  Tal estudo foi considerado como definitivo por aqueles já dispostos a acreditar em sua conclusão: a saber, que os bancos americanos discriminavam negros e hispânicos — mas, curiosamente, não discriminavam os asiáticos, que recebiam ainda mais empréstimos do que os brancos.
Este estudo ressuscitou uma lei conhecida Community Reinvestment Act.  Trata-se de uma lei criada ainda no governo de Jimmy Carter, no final da década de 1970, e que foi plenamente revigorada no governo Clinton.  Esta lei deixou os bancos à mercê de processos por discriminação caso eles não emprestassem para minorias em um volume suficientemente alto, que satisfizesse as autoridades.
De acordo com as regras do Community Reinvestment Act (CRA), se um banco quisesse fazer qualquer alteração em suas operações comerciais — fusão, abertura de uma filial, entrada em uma nova linha de negócios —, ele deveria primeiro provar aos reguladores que ele, o banco, já fez uma quantidade "suficiente" de empréstimos aos mutuários preferidos do governo — no caso, minorias e pessoas de baixa renda.  
E, a partir de 1995, o governo americano passou a pressionar os bancos para que fizessem empréstimos sem que pudessem verificar critérios minimamente prudentes, como histórico de crédito do tomador de empréstimo, seu histórico de poupança e a magnitude do pagamento da hipoteca em relação à sua renda.  Os bancos não podiam nem sequer verificar a renda do mutuário.  Adicionalmente, o Banco Central americano havia dito aos bancos que a simples participação deste mutuário em programas de aconselhamento de crédito, muitos dos quais são financiados com fundos federais, poderia ser usada como "prova" da capacidade desse mutuário de baixa renda honrar seus pagamentos hipotecários.  Em outras palavras, os reguladores bancários federais exigiram que os bancos fizessem empréstimos ruins baseando-se em padrões de crédito inexistentes.
Vale novamente enfatizar que nada do que foi escrito até agora é matéria de controvérsia ou de dúvidas.  Toda a literatura a respeito do CRA e das políticas de ação afirmativa impostas por este decreto são de conhecimento público.  Para detalhes mais profundos sobre o tema, recomendo este artigo, bem como todas as suas referências bibliográficas.
A década de 2000 — a intensificação de tudo
Até aqui, falamos apenas sobre duas políticas governamentais voltadas para estimular a aquisição de imóveis: as agências hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, e o decreto CRA.
Estas duas políticas governamentais ajudam a explicar por que houve uma bolha imobiliária, mas elas por si sós não justificam toda a amplitude da bolha imobiliária.  Adicionalmente, como mostrado no gráfico 1, foi só a partir da década de 2000 que os preços dos imóveis realmente dispararam.  Por quê?
Incentivos à especulação
Em primeiro lugar, é crucial entender a questão dos incentivos.  A partir do momento em que os critérios exigidos para se conceder empréstimos imobiliários foram artificialmente relaxados por imposição do governo americano, e a partir do momento em que o próprio governo adotou políticas que estimulavam a aquisição de imóveis, foi apenas uma questão de tempo para que o setor imobiliário se tornasse um território propício à especulação.  
O aumento na demanda por imóveis — estimulado pelo acesso artificialmente facilitado aos financiamentos — gerou um inevitável e contínuo aumento nos preços dos imóveis.  Este aumento contínuo, por sua vez, produziu o "inesperado" efeito de atrair especuladores para o mercado imobiliário.  Tornou-se extremamente comum um indivíduo adquirir um empréstimo, comprar uma casa, fazer alguns aprimoramentos nesta casa e, apenas um ano depois, revendê-la a um preço muito maior, entregando a hipoteca para o novo comprador que, seis meses depois, faria a mesma coisa que seu antecessor.  Ou seja, comprar um imóvel havia virado um investimento altamente rentável e de ganho certo. 
Aqueles que não compravam com a intenção de revender passaram a utilizar suas casas como um caixa eletrônico: sempre que o imóvel se valorizava, o indivíduo ia ao banco e, utilizando o novo valor da sua casa como colateral, negociava um novo empréstimo para gastar em bens de consumo, como carros e televisores de plasma.
Um arranjo como este perdura enquanto os preços dos imóveis estiverem em ascensão.  Se os preços começarem a cair, duas coisas ocorrerão: a revenda do imóvel passará a dar prejuízo e o valor da hipoteca será maior do que o valor do imóvel, o que impedirá qualquer tipo de renegociação com os bancos e deixará o mutuário com um patrimônio negativo.  Em suma, todo o esquema especulativo virá abaixo.  E não apenas isso: dar o calote e abandonar o imóvel passará a ser a opção mais racional (e, como veremos mais abaixo, foi isso o que ocorreu no final da década.)
Agências de classificação de risco
Mas o que tornou possível essa contínua especulação?  O que fez com que Fannie e Freddie fossem capazes de comprar e revender títulos lastreados em hipotecas ininterruptamente?  Como dito acima, em setembro de 2008, ambas as empresas detinham metade das hipotecas do país e praticamente 75% das hipotecas recém-concedidas.  De onde vieram os fundos que permitiram isso?  Resposta: de duas fontes.
Em primeiro lugar, não se pode de modo algum ignorar a função deletéria exercida pelas agências de classificação de risco, como Moody's, Fitch e Standard & Poor's.  Sem elas, a bolha imobiliária certamente teria sido menor.  Qual foi o estrago que elas fizeram? 
Para entender, voltemos àquele exemplo prático dado logo no início do artigo.  Um americano típico, John Smith, vai a um banco qualquer e consegue um empréstimo para comprar um imóvel.  Ato contínuo, este banco irá revender este empréstimo (que é um ativo) para Fannie e Freddie.  Ambas terão a opção de ou manter este ativo ou revender este ativo.  Na maioria das vezes, como mostram os números do parágrafo acima, elas mantinham este ativo em suas carteiras.  Porém, em vários casos, elas empacotavam estes ativos e revendiam para investidores de todo o mundo, em sua esmagadora maioria grandes conglomerados financeiros e grandes bancos de investimento. 
Bear Stearns, Lehman Brothers, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Merril Lynch, Morgan Stanley, Citibank, Bank of America eram os compradores americanos mais famosos, ao passo que Barclays, Royal Bank of Scotland e Northern Rock (Reino Unido), BNP Paribas e Société Générale (França), Credit Suisse e UBS (Suíça), e Deutsche Bank (Alemanha) eram os mais famosos compradores da Europa.
Esta prática de empacotar ativos e revendê-los é chamada de securitização.  O principal problema com esta securitização é que ela misturava ativos bons (mutuários com bom histórico de crédito) com ativos ruins (mutuários sem nenhum histórico de crédito) no mesmo pacote.  Logo, quem comprava um pacote contendo ativos bons também acabava por tabela adquirindo ativos ruins.  Qualquer calote dos ativos ruins afetaria sobremaneira os balancetes destas instituições.
Portanto, a pergunta inevitável é: como estes grandes bancos foram seduzidos a comprar estes ativos (tecnicamente chamados de derivativos de crédito) contaminados?  Resposta: porque agências de classificação de risco, como Moody's, Fitch e Standard & Poor's, deram classificação máxima (AAA) para estes ativos. 
O que nos leva à próxima pergunta: por que estas agências cometeram erros tão crassos?  As respostas variam.  Há quem diga que, como durante todo o período os preços dos imóveis só faziam subir e os títulos lastreados em hipotecas estavam gerando grandes retornos, com pouquíssimos calotes, as agências optaram pela decisão superficial de classificá-los de maneira extremamente favorável.  Há também quem diga que todos os departamentos do governo federal americano que possuíam ligações com o setor imobiliário e que estavam incentivando políticas de compra de imóveis fizeram pressão neste sentido.  Neste caso, as agências de classificação de risco simplesmente não quiseram se opor a iniciativas politicamente populares.
O que realmente se sabe é que estas três agências de classificação de risco são um cartel estritamente regulado pela SEC (a CVM americana).  É a SEC quem permite a existência destas três agências, e é ela quem regulamenta e decide quem pode e quem não pode entrar neste mercado.

Na prática, isso significa que não pode surgir concorrência externa, pois o governo não deixa. Quem vai ter cacife para bancar uma agência de classificação de risco que seja genuinamente independente neste cenário altamente regulamentado?  Há um longo e extenuante processo burocrático-regulatório, de modo que é impossível surgir uma agência para confrontar as classificações destas três grandes.
Portanto, é perfeitamente plausível imaginar que estas três agências não iriam querer criar turbulência política e se indispor com o governo americano rebaixando a classificação dos títulos hipotecários.  Isso poderia colocar em risco seu privilegiado cartel (totalmente protegido pelo governo americano) e, consequentemente, afetar seus portentosos lucros.  O fato é que estas agências merecem toda a culpa que lhes foi atribuída.  Elas estavam apenas fazendo o que o governo lhes mandava.
O principal culpado de tudo
No entanto — e este é o tema desta seção — absolutamente nada disso teria sido possível caso não houvesse uma entidade com o poder legal de criar dinheiro do nada e injetar este dinheiro no setor bancário para que os bancos pudessem continuamente criar mais empréstimos.  Sem uma entidade alimentando todo este sistema com dinheiro criado do nada, não teria sido possível que (1) os empréstimos bancários para a aquisição de imóveis aumentassem continuamente por 15 anos; (2) que os preços dos imóveis disparassem, alimentando todos os tipos de atividades especulativas; (3) que Fannie Mae e Freddie Mac fossem capazes de atrair um volume cada vez maior de dinheiro de investidores por contarem com a proteção implícita do governo; (4) que o decreto CRA fosse bem-sucedido em obrigar os bancos a continuamente fazer empréstimos para pessoas com histórico de crédito duvidoso.
Em suma: sem um Banco Central criando dinheiro e dando este dinheiro aos bancos para que estes concedessem empréstimos — e, com isso, fizessem com que a quantidade de dinheiro na economia americana aumentasse continuamente —, não teria como haver uma bolha imobiliária.  Certamente, não uma bolha destas proporções. 
Todo este novo dinheiro criado pelo Banco Central americano (Fed) e multiplicado pelo sistema bancário por meio do processo de reservas fracionárias foi majoritariamente canalizado para o setor imobiliário.  E, para intensificar ainda mais as distorções, os critérios excessivamente frouxos para a concessão de empréstimos — critérios estes gerados por políticas governamentais criadas exatamente com este propósito — fizeram com que especulações e compras imobiliárias excessivas parecessem investimentos geniais. 
Portanto, eis o resumo: as medidas governamentais visando à redução dos padrões de empréstimos em conjunto com os privilégios usufruídos pelas para-estatais Fannie Mae e Freddie Mac desviaram para o setor imobiliário uma fatia extremamente volumosa de todo o dinheiro que o Banco Central e o sistema bancário do EUA estavam criando.  Para tornar a tempestade ainda mais perfeita, as agências de classificação de risco contribuíram para a bagunça concedendo classificação máxima para todos os títulos imobiliários oriundos deste arranjo, principalmente aqueles títulos de emprestadores sem nenhum histórico de crédito.  Isso fez com que os grandes bancos americanos, e também os grandes bancos estrangeiros, comprassem títulos hipotecários em quantias volumosas, permitindo que Fannie e Freddie continuassem dando liquidez ao mercado imobiliário, perpetuando a bolha.
Mas foi o Fed, em última instância, quem tornou possível todo o boom artificial do setor imobiliário, e foi todo o dinheiro por ele criado quem forneceu o principal estímulo à subida estrondosa dos preços dos imóveis vista na década de 2000.
Anatomia do colapso
Tendo em mente todo este arranjo, e sabendo como tudo funcionava, podemos agora ver como tudo ocorreu. 
A bonança
Todo o processo começou a ser desencadeado no final do ano 2000, quando houve o estouro da bolha das empresas de tecnologia.  Temendo uma iminente recessão, o Fed aumentou suas injeções de dinheiro no sistema bancário para gerar uma redução nos juros.  Estas injeções de dinheiro foram intensificadas logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.  Durante este período, a taxa básica de juros da economia americana caiu de 6,5% para 1%.  E assim ficou até meados de 2004.
O gráfico abaixo ilustra este período.  A linha azul, eixo da esquerda, mostra a evolução da taxa básica de juros da economia americana.  A linha vermelha, eixo da direita, mostra a evolução da base monetária, que é uma variável sob total controle do Banco Central, e que representa todo o criado pelo Banco Central.  Observe a aceleração ocorrida a partir de 2001.
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Gráfico 2: evolução da taxa básica de juros (linha azul, eixo da esquerda) e evolução da base monetária (linha vermelha, eixo da direita).
Este aumento na base monetária deixou os bancos repletos de dinheiro para ser emprestado.  E emprestar foi o que eles fizeram, e majoritariamente para o setor imobiliário. 
O gráfico abaixo mostra os empréstimos totais feitos pelo setor bancário (linha azul).  E mostra também os empréstimos exclusivamente voltados para a aquisição de imóveis (linha vermelha).  Observe a evolução desde 1980, e a grande aceleração ocorrida na década de 2000.
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Gráfico 3: evolução do crédito total concedido pelo setor bancário (linha azul) e evolução do crédito total concedido à compra de imóveis (linha vermelha).
Vale observar que, de 2000 a 2008, o crédito total aumenta incríveis 100%, de US$3,5 para US$7 trilhões.  Isso significa que o sistema bancário, estimulado pelo Fed, jogou US$3,5 trilhões na economia americana em apenas 8 anos.  Para a aquisição de imóveis foram direcionados "módicos" US$2 trilhões (de US$1,5 trilhão para US$3,5 trilhões).
Ou seja, dos US$3,5 trilhões jogados na economia, US$2 trilhões foram para o setor imobiliário.  Acrescente a isso todas as medidas governamentais citadas ao longo deste artigo, e realmente não há absolutamente nenhum motivo para se estranhar a bolha imobiliária que foi formada.
Isso explica toda aquela elevação de preços observada no gráfico 1.  De 1993 a 2006, os preços dos imóveis se apreciaram acentuadamente.  Em alguns mercados específicos, até mesmo os preços das moradias mais simples se tornaram astronomicamente altos.  Esta subida nos preços estimulava novos investimentos em mais construções de imóveis, o que gerava um aumento na oferta de imóveis.  E este aumento na oferta de imóveis viria, mais à frente, a exercer uma pressão baixista nos preços dos imóveis.
O colapso
A partir de meados de 2004, com a economia americana já recuperada da recessão de 2001, o Fed começou a reduzir o ritmo de injeções de dinheiro no sistema bancário.  Consequentemente, os juros começaram a subir.
O gráfico abaixo mostra esta correlação entre desaceleração do crescimento da base monetária e aumento da taxa básica de juros.
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Gráfico 4: evolução da taxa básica de juros (linha azul, eixo da esquerda) e evolução da base monetária (linha vermelha, eixo da direita).
Este aumento da taxa básica de juros de 1% para 5,25% afetou as taxas de juros dos empréstimos imobiliários.  Os juros das hipotecas com taxas ajustáveis (linha vermelha) saem de uma mínima de 3,5% no início de 2004 e vão para quase 6% em meados de 2006.  Já os juros das hipotecas convencionais, de 30 anos (linha azul), vão de 5,5% para quase 7% neste mesmo período.
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Gráfico 5: evolução das taxas de juros das hipotecas com taxas ajustáveis (linha vermelha) e evolução das taxas de juros das hipotecas convencionais, de 30 anos (linha azul)
Este aumento dos juros esfriou a demanda por imóveis.  Uma redução na demanda por imóveis em conjunto com um acentuado aumento na oferta de imóveis gerou o inevitável: no final de 2006, os preços começaram a cair.
A queda nos preços — na realidade, a percepção de que os preços não mais iriam aumentar — arrefeceu toda a atividade especulativa.  Pessoas que haviam comprado imóveis para especular viram que a festa havia acabado.  O que elas fizeram?  Simplesmente pararam de pagar suas hipotecas.  Deram o calote.  Por quê?  Porque elas haviam pegado empréstimos extremamente generosos, que não exigiam absolutamente nenhum pagamento de entrada.  Elas simplesmente abandonaram seus imóveis.  Não perderam nada.
Já outras pessoas pararam de pagar suas hipotecas simplesmente porque o aumento dos juros havia tornado impossível continuar honrando suas prestações.
A combinação destes dois fatores fez com que os calotes totais nos empréstimos imobiliários disparassem.  Começou timidamente em 2006.  Disparou em 2007.  Foi para a estratosfera em 2008. 
De 2005 até o final de 2008, os calotes pularam de US$20 bilhões para US$170 bilhões.  Um aumento de 750% em 4 anos.
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Gráfico 6: Inadimplência total dos empréstimos garantidos por imóveis
A partir daí, o resto é história.  O aumento nos calotes fez com que todos os bancos de investimento que haviam comprados títulos lastreados em hipotecas repentinamente não mais auferissem essa receita.  O valor destes ativos caiu para zero.  Uma redução nos ativos sem uma concomitante redução nos passivos fez com que vários destes bancos sofressem uma brutal redução em seu capital (patrimônio líquido).  Com o capital afetado, os bancos simplesmente pararam de conceder novos empréstimos, inclusive entre eles próprios no mercado interbancário.  Isso gerou o famoso problema do congelamento do mercado de crédito. (Veja no gráfico 3 como a linha azul se torna plana no primeiro semestre de 2008).  Consequentemente, vários bancos começaram a enfrentar sérios problemas de liquidez.
Essa crise começou a se tornar mundialmente visível em agosto de 2007.  No dia 9 daquele mês, o banco francês BNP Paribas anunciou que estava suspendendo saques em dois dos seus fundos que haviam investido volumosamente em títulos lastreados em hipotecas americanas.  Isso afetou o banco britânico Northern Rock, que dependia exatamente destes fundos de investimento para conseguir liquidez.  Incapaz de conseguir um empréstimo de curto prazo no mercado bancário, o Northern Rock recorreu ao Banco Central da Inglaterra para pedir um empréstimo de 3 bilhões de libras.  Tudo parecia estar indo bem, exceto por um detalhe: um informantedentro do Banco da Inglaterra alertou a BBC sobre a operação no dia 13 de setembro de 2007.  A notícia de que o banco estava insolvente se espalhou como fogo na pólvora e, na manhã seguinte, houve uma corrida bancária ao Northern Rock, com correntistas ávidos para sacar seu dinheiro.  Foi a primeira corrida bancária em larga escala desde 1930.  O governo britânico anunciou que iria garantir todos os depósitos do banco.  No dia 17 de fevereiro de 2008, após o governo recusar várias ofertas de aquisição pelos outros bancos, o Northern Rock foi nacionalizado.
bank-run-04.gifDaí por diante, todo o castelo de cartas começou a desabar. 
O banco de investimentos Bear Stearns se tornou insolvente em março de 2008.  O Tesouro americano orquestrou sua aquisição pelo JP Morgan. 
No dia 7 de setembro, Fannie Mae e Freddie Mac foram nacionalizadas completamente. 
Na semana seguinte, o Fed orquestrou a aquisição do Merril Lynch pelo Bank of America. 
No dia 15 de setembro, o Lehman Brothers anunciou sua falência.  Não houve socorro. 
No dia seguinte, a seguradora AIG, de alcance global, também anunciou que estava sem dinheiro.  O caso da AIG é interessante.  Ela repentinamente se descobriu sem dinheiro não porque havia investido em títulos lastreados em hipotecas, mas sim porque havia emitidos seguros contra o calote de hipotecas (os chamados "credit default swaps").  Sempre que uma instituição era caloteada por algum devedor, ela recorria à AIG, que havia emitido apólices contra esses calotes hipotecários.  Com a súbita disparada nos calotes, a AIG repentinamente foi para o vermelho.
E por que a AIG havia emitido tantas apólices de seguro contra calotes de hipotecas?  Porque ela havia sido informada pelo governo de que os preços dos imóveis jamais cairiam, e havia também sido informada pelas três agências de classificação de risco e que os títulos lastreados em hipotecas eram AAA — isto é, extremamente confiáveis e seguros.  Ou seja, em troca desta segurança prometida, a AIG emitiu várias apólices e coletou uma boa soma em anuidades.  Até que tudo se reverteu, e todos os bancos foram correndo resgatar seus prêmios.
No total, até o fim do ano de 2008, o Fed viria a emprestar US$125 bilhões para a AIG em troca de 80% da empresa.  Segundo o The New York Times, esta foi "a mais radical intervenção no setor privado em toda a história do Banco Central".
Após todas estas intervenções, o Fed assumiu uma postura totalmente inaudita em toda a sua história: ele simplesmente passou a comprar todos os títulos hipotecários em posse dos bancos.  Ou seja, ele passou a imprimir dinheiro e dar aos bancos em troca dos títulos hipotecários em posse destes bancos.  Isso limpou o balancete dos bancos e fez com que a base monetária explodisse.  No entanto, e felizmente, todo este aumento da base monetária não se converteu em expansão do crédito.  Ou seja, os bancos não jogaram este dinheiro na economia.  A quase totalidade do aumento da base monetária transformou-se em "reservas em excesso".  "Reservas em excesso" são as reservas que os bancos mantêm voluntariamente depositadas junto ao Fed, além do volume determinado pelo compulsório. 
O gráfico abaixo mostra a evolução da base monetária (linha azul) e das reservas em excesso (linha vermelha), que representa o dinheiro que os bancos não emprestaram ao público porque preferriam mantê-lo voluntariamente depositado junto ao Fed, que está pagando juros de 0,25% ao ano sobre este montante.
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Gráfico 7: evolução da base monetária (linha azul) e evolução das reservas em excesso (linha vermelha)
Toda esta nova política adotada pelo Fed resultou em um generoso e gratuito subsídio para o sistema bancário.  No final, não apenas seus lucros dos tempos da bonança foram mantidos, como os prejuízos ainda foram socializados.  Atualmente, os bancos de Wall Street operam em um regime de risco quase nulo: eles fazem empréstimos hipotecários, revendem os títulos das hipotecas para o Fed, recebem o dinheiro de volta (com um lucro), e ainda deixam boa parte deste dinheiro recebido do Fed depositado no próprio Fed, que está pagando 0,25% ao ano sobre este montante.
Por causa de toda a intervenção governamental, toda a lambança acabou valendo a pena para os bancos.
Conclusão
Não é o escopo deste artigo fazer digressões sobre como o governo americano e seu Banco Central deveriam ter atuado durante a crise.  Crises bancárias é um assunto vasto e complexo, e merece um artigo à parte (um esboço pode ser visto aqui e um mais completo aqui).  Tampouco houve o intuito de fazer algum juízo de valor.  A única intenção foi mostrar, sem ideologias ou partidarismos, como realmente se desenrolou todo o processo que levou à formação de uma bolha imobiliária, como se deu seu estouro e como isso afetou todo o sistema bancário.
De posse de todas as informações aqui contidas, o leitor deve se fazer as três seguintes perguntas:
1) Todo este arranjo apresentado configura um sistema totalmente desregulamentado, um genuíno laissez-faire, ou, ao contrário, representa um sistema fortemente intervencionista, no qual políticos, burocratas e reguladores determinavam regras e agitavam em prol de suas conveniências?
2) Um sistema bancário que goza de uma garantia implícita dada pelo governo — de que haverá socorro caso as coisas deem erradas — tende a apresentar comportamentos mais temerários ou mais prudentes?
3) Sem um Banco Central criando dinheiro e permitindo aos bancos manterem suas expansões creditícias de modo crescente, será que tudo isso teria sido possível?
As respostas a estas perguntas têm de estar claras antes de se iniciar qualquer debate a respeito da crise.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Qual a pior característica de um chefe?


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De acordo com uma pesquisa que analisou as boas e más características dos patrões, a pior qualidade que um chefe pode ter é a arrogância. Bons chefes, por outro lado, conquistam a amizade e a confiança dos seus funcionários. O Estudo de Personalidade eDesenvolvimento de Liderança, da empresa de avaliações e consultoria Hogan Assessment Systems, contou com a participação de mais de 1.000 empregados.
Os piores líderes foram aqueles descritos como arrogantes. Aliás, a arrogância não torna apenas os chefes insuportáveis, qualquer pessoa que tenha esse defeito torna-se repugnante. Outras qualidades que levam à antipatia de um funcionário pelo seu supervisor são:,
Ser manipulador, emocionalmente instável, pouco gerenciador, passivo-agressivo, desconfiado.
Os bons chefes, pelo contrário, foram referidos como confiáveis, responsáveis, inspiradores, sensíveis e capazes de se manterem calmos sob pressão. Uma das informações do estudo foi reveladora, ou seja, o trabalhador médio não trabalharia outra vez com muito mais da metade dos seus antigos patrões, o que quer dizer que não existem muitos bons chefes no mercado. Pesquisas anteriores mostraram que a maioria dos líderes falha em sua função. Por este motivo, Natalie Tracy, diretora de marketing da Hogan Assessment Systems, disse que é muito importante entender o que faz os funcionários gostarem dos seus gerentes ou desprezarem-nos.
Má liderança provoca engajamento reduzido e até mesmo problemas de saúde entre os funcionários”, disse Natalie. “Com uma melhor compreensão do que separa os bons líderes dos ruins, as organizações e empresas podem avaliar e decidir quem fica no comando”. No entanto, independentemente de quem está no comando, a pesquisa apontou que os funcionários consideram importante gostar do chefe e acham essencial que o chefe também goste deles. Ou seja, está na hora de mudar a imagem de “vilão autoritário” dos chefes para outra mais moderna inteligente.

Sobrancelha ou sombrancelha?




Sobrancelha ou sombrancelha?


Pela fonética sombrancelha, mas o modo correto da escrita e fala é sobrancelha.
Sempre que quisermos referir o conjunto de pelos de forma arqueada que se localiza por cima dos olhos, devemos utilizar o substantivo comum feminino sobrancelha.
A errada pronúncia de sombrancelha em vez de sobrancelha é um erro de fonética e se deve à assimilação do traço da vogal nasal da segunda sílaba (an), havendo uma errada extensão desse traço de nasalidade para a primeira sílaba.
No caso de sobrancelha, erradamente se pronuncia um m depois da primeira sílaba.
A palavra sobrancelha tem sua origem na palavra em latim superciliu. As palavras supercílio, sobrecílio, sobrolho e sobreolho são sinônimos de sobrancelha.

Todas as políticas governamentais são bem-sucedidas no longo prazo


por  

345312.jpg"Trata-se de uma afirmação totalmente estapafúrdia!".  É o que você certamente está pensando após ler o título.  Afinal, "políticas que não deram certo" é o tópico principal de todas as discussões e debates sobre medidas governamentais.  Qualquer indivíduo, independentemente de suas preferências políticas, tem uma lista contendo aquelas que ele considera serem as mais explicitamente fracassadas políticas adotadas por um governo.  No entanto, esta maneira de ver as coisas está completamente errada.
As pessoas dizem que uma determinada política foi um fracasso porque ela não gerou o objetivo declarado.  Por exemplo, políticas anti-drogas não reduzem o uso de drogas; políticas educacionais não tornam as crianças mais inteligentes; políticas de segurança pública não reduzem a criminalidade e não deixam as pessoas mais seguras.  O erro desta análise está em levar a sério os objetivos proclamados de cada política; está em se esquecer de que virtualmente tudo o que o governo faz é uma fraude.  A melhor maneira de entender por que o governo na realidade possui um histórico quase que impecável de políticas de sucesso é analisar para onde está indo o dinheiro. 
Sem muita dificuldade, você sempre conseguirá chegar até os indivíduos e grupos de interesse que verdadeiramente se beneficiam de uma determinada política.  Toda e qualquer política implantada visa a beneficiar determinados grupos, sejam eles empresariais, de funcionários públicos ou de eleitores poderosos.  O governo não dá ponto sem nó.  Ele sempre diz que está adotando uma determinada política "para o bem da nação e da economia como um todo", mas os reais beneficiados serão apenas alguns poucos, e sempre à custa de todo o resto.  Ocasionalmente, os verdadeiros beneficiados não se beneficiam na forma de um aumento de renda ou de riqueza, mas sim por meio de outras formas de recompensa.  Ainda assim, o princípio permanece o mesmo.
Quando comecei a estudar economia e, em seguida, a lecionar economia, ainda na década de 1960, aprendi como os mercados e o sistema de mercado como um todo funcionam.  Com esta noção em mente, tornei-me capaz de identificar vários motivos pelos quais uma determinada política pode fracassar: ela pode estar baseada em informações incorretas ou insuficientes; ela pode gerar consequências não-esperadas; ele pode receber financiamento inadequado para sua implantação; ela pode estar baseada em uma teoria equivocada ou em uma interpretação errada de algum fato histórico, e assim por diante.
Analistas que abordam a questão das políticas fracassadas exclusivamente de acordo com estas possibilidades podem ficar sossegados, pois jamais irá lhes faltar material para novas análises.  Mais ainda: jamais haverá escassez de novas medidas a serem propostas para legisladores, reguladores, políticos e juízes.  Por exemplo, se as políticas fiscais e monetárias do governo não lograram êxito em estabilizar o crescimento econômico — porque elas se baseiam em uma teoria macroeconômica equivocada —, então o analista irá tentar identificar os possíveis erros nesta teoria e, então, irá tentar formular uma teoria mais sólida, baseada na qual uma nova política mais bem-sucedida possa ser implantada.  Estas idas e voltas entre remendos teóricos e avaliações de políticas servem para preencher várias páginas de artigos acadêmicos.
Porém, tudo isso é uma enorme perda de tempo no que diz respeito à consecução dos objetivos proclamados, pois estes objetivos proclamados nunca foram os reais objetivos dos criadores da política em questão.  Eles eram apenas a justificativa apresentada ao público para encobrir o verdadeiro objetivo, o qual invariavelmente é o de promover o enriquecimento, o engrandecimento e o favorecimento de indivíduos e grupos de interesse politicamente poderosos e bem conectados que fizeram o lobby para a criação da política em questão.  Estes indivíduos e grupos de interesse serão aqueles que mais efetivamente conseguirem ameaçar legisladores com punições tangíveis, como o cancelamento de doações financeiras para a reeleição ou a recomendação para que seus membros e demais conhecidos não mais votem nestes legisladores caso seus interesses não sejam atendidos.
Várias pessoas, e por uma boa razão, já concluíram que a melhor maneira de saber se um político ou funcionário público está mentindo é fazer a seguinte pergunta: "Os lábios dele estão se movendo?"  Um teste igualmente simples e eficaz pode ser proposto para determinar se uma política aparentemente fracassada é na realidade um sucesso para os manda-chuvas da classe política.  Este teste requer apenas que perguntemos: "Tal política continua vigente?"  Se a resposta for sim, podemos estar certos de que ela continua servindo aos interesses daqueles que realmente são decisivos em determinar os tipos de política que o governo estabelece e implementa. 
Hoje, como ontem, "políticas que não deram certo" são um mito.  Se uma determinada política continua vigorando além do curto prazo, então esteja certo de que ela atendeu exatamente aos reais objetivos buscados.  As pessoas que efetivamente comandam o governo, estejam elas dentro ou fora da máquina estatal, não comandam o governo com o intuito de dificultar a consecução de seus próprios interesses.  Muito pelo contrário.  Todo o resto do processo político é, como diria Macbeth, "uma narrativa contada por um idiota [e aumentada por economistas, advogados, lobistas e relações públicas], cheio de som e de fúria, não significando nada."

Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

Tradução de Leandro Roque


A importância dos pós-escolásticos para a Escola Austríaca



imgsalamanca2.jpg1. Introdução
O primeiro capítulo do excelente livro editado por Randall G. Holcombe, "The Great Austrian Economists" (Ludwig von Mises Institute, 1999, iBooks), escrito por Jesús Huerta de Soto, começa com a seguinte frase: 
A pré-história da escolaaustríaca de economia pode ser encontrada nas obras dos escolásticos espanhóis, mais especificamente em seus escritos no período conhecido como o "Século de Ouro espanhol", que decorreu de meados do século XVI até o século XVII.
E prossegue:
Quem eram estes precursores intelectuais espanhóis da Escola Austríaca de Economia? A maioria deles era formada por escolásticos que ensinavam moral e teologia na Universidade de Salamanca,cidade espanhola medieval localizada a 150 km a noroeste de Madri, perto da fronteira da Espanha com Portugal. Esses escolásticos, principalmente dominicanos e jesuítas, articularam a tradição subjetivista, dinâmica e libertária a que, duzentos e cinquenta anos depois, Carl Menger e seus seguidores iriam dedicar tanta importância. Talvez o mais libertário de todos os escolásticos, especialmente em seus últimos trabalhos, tenha sido o padre jesuíta Juan de Mariana. [pp. 41-73]
Soto tem razão: de fato, Juan de Mariana, para os padrões de seu tempo e levando em conta que era um padre, um jesuíta, foi um autêntico revolucionário. Neste artigo, farei um pequeno resumo das contribuições dos chamados pós-escolásticos para a teoria econômica e enfatizarei as ideias de Mariana. Não tenho nem longinquamente a pretensão de ser original ao escrevê-lo. Trata-se, na verdade, de um survey de alguns dos melhores e mais conhecidos trabalhos sobre o tema da Escolástica Tardia, acrescido de algum material que encontrei na Internet e que julguei confiável e de algumas reflexões pessoais oriundas do interesse pela tradição e os desenvolvimentos mais recentes da Escola Austríaca, que tem direcionado meus trabalhos, pesquisas, aulas e palestras ao longo das últimas duas décadas.
2. Aspectos históricos
Infelizmente, é um lugar comum, sempre que alguém se refere à Idade Média, se ouvir falar em trevas e barbárie, quase sempre com uma expressão de escárnio e desprezo. Mas, ao contrário do mau odor que exala este preconceito herdado dos iluministas, tanto a Filosofia quanto a ciência moderna devem muito — muito mais do que se pode imaginar! — à Idade Média e à sua monumental Escolástica.
Ao final do século V, o que restava do outrora poderoso Império Romano era uma multidão dispersa de povos bárbaros e alguns fragmentos da cultura clássica, que só não desapareceram devido aos esforços dos monges copistas e de alguns grandes pensadores. Os primeiros e conturbados séculos da Idade Média europeia foram dominados pelo pensamento de Santo Agostinho de Hipona, responsável por solidificar a fé cristã, calcado em elementos platônicos. O Bispo de Hipona influenciou pensadores como Boécio, Dionísio, o Areopagita e Escoto Erigena.
Na verdade, Dionísio usava este pseudônimo em alusão à vicissitude narrada por São Lucas no capítulo 17 dos Atos dos Apóstolos, onde escreveu que Paulo pregou em Atenas, no Areópago, para uma elite do grande mundo intelectual grego, mas no final a maior parte dos ouvintes mostrou-se desinteressada e afastou-se, ridicularizando-o; todavia alguns, poucos, diz-nos São Lucas, aproximaram-se de Paulo, abrindo-se à fé e entre estes poucos Lucas oferece-nos dois nomes: Dionísio, membro do Areópago e uma mulher, Damaris.
No século V, Pseudo-Dionísio — como também ficou conhecido — escreveu o Corpus Areopagiticum, com o intuito de colocar a sabedoria grega ao serviço do Evangelho e ajudar no encontro entre a cultura e a inteligência gregas e o anúncio de Cristo, fazendo com que o pensamento grego se encontrasse com o anúncio da Boa Nova de São Paulo. Já Escoto Erígena, nasceu na Irlanda em 810 e foi um expoente do "renascimento carolíngio", bem como da tradição das artes liberais que fundamentaram o ensino medieval e também concentrou seus estudos nas relações entre a filosofia grega e os princípios do Cristianismo.
A palavra "escolástica"  tem duplo significado. O primeiro, um tanto limitado, quando se refere apenas às disciplinas ministradas nas escolas medievais, a saber, o trívio, formado por gramática, retórica e dialética e oquadrívio, composto por aritmética, geometria, astronomia e música. E o segundo tem conotação mais ampla, reportando-se à linha filosófica adotada pela Igreja na Idade Média. Esta modalidade de pensamento era essencialmente cristã e procurava respostas que justificassem a fé na doutrina ensinada pelo clero, o depositário das verdades espirituais e o orientador das ações humanas virtuosas.
O dicionário Aurélio on line apresenta três acepções:
1.  Fil.  Doutrina e filosofia cristã da Idade Média, que procurou combinar a razão platônica e aristotélica com a fé e a revelação dos Evangelhos, alcançando seu auge com Santo Tomás de Aquino; ESCOLASTICISMO.: "Cria... uma Universidade de ciências maiores, pedindo ao Pe. Francisco de Borja que lhe mande bons mestres para as cadeiras de teologia, escolástica, positiva, moral..." (Antero de Figueiredo, D. Sebastião)
2.  P.ext.  Teol.  Qualquer doutrina ou filosofia fundamentadas a partir de uma crença religiosa
3.  P.ext. Pej.  Qualquer doutrina que pregue o tradicionalismo ou o pensamento ortodoxo.
 [F.: Do lat. scholastica.]
É difícil delimitar a origem da Escolástica porque ela nunca se estabeleceu como uma doutrina filosófica restrita. Havia no ambiente católico uma divergência muito viva em questões teológicas e foi esse espírito de debate que acabou dando origem à corrente de atividades intelectuais, artísticas e filosóficas a que se convencionou chamar de Escolástica.
No século XII, essa valorização do saber refletiu-se na criação das universidades e na ascensão de uma classe letrada e o monge agostiniano Santo Anselmo é apontado como tendo sido o primeiro escolástico, seguido por Pedro Abelardo, Pedro Lombardo e Hugo de São Vítor.
Na segunda metade do século XII chegaram às universidades as traduções hispânicas de versões árabes das obras de Aristóteles, um grande choque cultural que mudou o rumo do Ocidente e que conduziu a Escolástica para a sua "Era de Ouro", no século XIII, quando Santo Agostinho deixou de ser o eixo do pensamento cristão e a Filosofia Natural aristotélica cresceu diante da Teologia.
Os professores universitários passaram a ter fama e importância, os livros — sempre escritos em latim — se multiplicaram e com isso o modelo de ciência antiga começou a ser questionado e a desabar. Robert Grosseteste e seu discípulo Roger Bacon lançaram as primeiras sementes da pesquisa científica, idealizando experimentos. As universidades de Paris, Oxford e Colônia testemunharam os grandes debates e o surgimento de obras gigantescas. É o século do grande São Tomás de Aquino, de Alberto Magno, de São Boaventura e de Duns Scotus.
A grande contribuição da Escolástica à Filosofia foi sua preocupação com o rigor metodológico e dialético. Os estudantes das principais universidades precisavam passar por exames que envolviam disputas orais de argumentos, sempre regidas pela aplicação da lógica formal e a supervisão rigorosa de um mestre.
Como sugere Renan Santos, 
Pedro Abelardo se inspirou nesse método dialético e o aprofundou em sua obra Sic et Non, que virou referência para a resolução de problemas a partir da sucessão de afirmações e negações sobre um mesmo tópico. Para isso, era imprescindível uma definição satisfatória dos termos, que evitasse ambiguidades. Tiveram muito sucesso nesse sentido os escolásticos, chegando a criar palavras totalmente novas a partir das raízes do grego e do latim, o que acabou resultando no latim escolástico. A própria evolução das ciências se deve em grande parte ao desenvolvimento desse rigor terminológico.
Entre os renascentistas e iluministas, criou-se a ideia de que a Escolástica havia se submetido a Aristóteles como um servo feudal se curva ao seu mestre, o que os estudos do século XX mostraram ser uma afirmação absurda. A verdade é que, com a chegada da imensa obra de Aristóteles, foram surgindo naturalmente dois partidos nas universidades: os tradicionais, agostinianos e platônicos, que não admitiam a ideia de ciências autônomas em relação à teologia, e os "modernos" aristotelistas, fascinados a tal ponto com a investigação da Filosofia Natural que buscaram tornar as ciências independentes da Teologia.
Essa discussão levou a grandes e memoráveis contendas acerca da relação entre fé e razão, cuja ruptura definitiva ficaria a cargo do franciscano inglês Guilherme de Ockam, no século XIV.
Na assim denominada "querela dos universais", na esteira das traduções que abalaram o Ocidente, encontrou-se a Isagoga, obra do filósofo antigo Porfírio, expondo o problema dos universais em Aristóteles. Iniciava-se assim um dos mais longos debates da história da Filosofia. Recorrendo ainda a Santos: 
Quando olhamos para duas maçãs, vemos algo de comum entre elas? Ou elas são completamente diferentes? Há uma substância "maçã" separada delas, ou ela está em cada uma das maçãs? Ou a substância "maçã" não existe de forma alguma? Perguntas desse tipo é que dirigiram o debate dos universais.
Os ultrarrealistas, de índole platônica, como Santo Anselmo, Odo de Tournai e Bernard de Chartres, diziam que sim, que há uma substância, um universal "maçã" separado de todas as maçãs e que lhes serve de modelo. Os realistas, moderados e mais aristotélicos, como Pedro Abelardo, João de Salisbury e o grande Aquinate, afirmavam que o universal "maçã" existe somente nas maçãs e nunca fora delas. Já os nominalistas, como Roscelin e Guilherme de Ockham, negariam que houvesse qualquer universal, já que "maçã" não seria nada mais que um simples nome.  Esta discussão ecoaria no confronto entre empiristas e racionalistas modernos.
Porém, historicamente, podemos dividir a Escolástica em três períodos: Escolástica Primitiva (sécs. IX ao XII); Escolástica Média (sécs. XII e XIII) e Escolástica Tardia (sécs. XIV e XV e início do séc. XVI).
A Escolástica Primitiva teve início com o renascimento carolíngio e com o ressurgimento da escola que então se verificou e que desenvolveu um método de ensino que posteriormente foi elaborado pormenorizadamente, formado pelas quaestiones (problemas sujeitos a exame) e disputationes (exposição de argumentos a favor ou contra). As grandes disputas centravam-se em torno de dois problemas fundamentais: o problema da relação entre a fé e razão, ou seja, entre dialéticos partidários da razão e antidialéticos, defensores da fé e o problema da polêmica dos universais.
Na Escolástica Média surgiram diversos tipos de escolas, incluindo as primeiras universidades e iniciou-se um intenso trabalho de tradução, especialmente na Península Ibérica, que possibilitou o conhecimento dos clássicos gregos e latinos, a Filosofia Natural e a Metafísica de Aristóteles, bem como as obras de seus estudiosos gregos e árabes.  
No século XIII, com a introdução, em Paris, da filosofia árabe, representada pela contribuição de Averróis, um especialista em Aristóteles, iniciou-se uma tendência denominada averroísmo latino, que preconizava a defesa da tese da dupla verdade, isto é, de que fé e razão são verdades independentes e igualmente legítimas. Com a criação das ordens franciscana e dominicana, a Escolástica alcançou o seu ponto culminante com a obra de São Tomás de Aquino, da escola dominicana, que adaptou, seguindo de perto Averróis, a filosofia de Aristóteles ao pensamento cristão. De outra parte, a escola franciscana, de que São Boaventura é o expoente maior, inspirou-se no neoplatonismo e na filosofia de Santo Agostinho. 
A Escolástica Tardia (o período dos pós-escolásticos) começou no séc. XIV e se caracterizou pela separação definitiva entre a Filosofia e a Teologia. A Teologia manteve-se em vigor na escola franciscana, representada por Escoto e Occam e a Filosofia concentrou-se no empírico, no particular e no sensível. A Escolástica conheceu então um notável florescimento na Espanha e em Portugal, comandado pelas ordens dominicana e jesuíta, orientadas para a nova interpretação que se fez da teoria de São Tomás na Itália, especialmente por Santo Antonino de Florença e São Bernardino de Siena. O dominicano Francisco de Vitoria fundou uma escola em Salamanca, em que se formaram notáveis teólogos tomistas que, juntamente com os jesuítas de Coimbra e Francisco Suárez, em polêmica com o escotismo e o nominalismo, defenderam uma síntese escolástica tradicional, porém de acordo com as novas tendências de pensamento da época. 
No final desta série de artigos, você encontrará um apêndice mostrando o quadro evolutivo da Filosofia Moral e Política da Idade Média, desde São Justino de Cesareia, o Mártir (100-165) até nosso "herói" Juan de Mariana. O quadro foi elaborado cuidadosamente por Alex Catharino para o II Ciclo sobre Pensamento Ético, Político e Econômico, módulo I: Antiguidade e Idade Média, A Filosofia Moral e a Teoria Política de Santo Tomás de Aquino, curso promovido pelo Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista - Cieep, em parceria com a Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro.
3. A Escola de Salamanca e os pós-escolásticos (ou escolásticos tardios)
Feita essa pequena digressão histórica, imprescindível para os fins a que me proponho neste artigo, posso agora ir ao em tema principal, a Escolástica Tardia, os pós-escolásticos com destaque para Juan de Mariana e sua importância para a Escola Austríaca de Economia.
Murray Rothbard, em seu excepcional tratado de História do Pensamento Econômico, "Economic Thought Before Adam Smith - An Austrian Perspective on the History of Economic Thought", dedica o capítulo 4 do volume I a uma minuciosa descrição da importância daqueles pensadores dos séculos XIV, XV e XVI. Inicia mostrando que agrande depressão de longo prazo do século XIV e da primeira metade do século XV começou a dar lugar para a recuperação econômica na segunda metade do século XV. Espanha e Portugal, os exploradores líderes dos novos continentes, tornaram-se estados nações dominantes e impérios no século XVI.
Lentamente, porém inexoravelmente, as cidades-estados italianas, que representavam a vanguarda do progresso econômico e da cultura no período do Renascimento, começaram a ser deixadas para trás frente ao avanço do poder econômico e político ibérico derivado da era dos grandes descobrimentos.
Mas, junto com a expansão comercial veio a inflação, alimentada pelo aumento imenso de ouro e prata levados para a Europa pelos espanhóis das minas recém-descobertas do hemisfério ocidental. Uma triplicação aproximada do estoque da espécie na Europa resultou em um século de inflação, com os preços também triplicando durante o século XVI. O novo dinheiro fluiu pela primeira vez no Velho Continente no principal porto espanhol de Sevilha e, em seguida, espalhou-se para os outros países da Europa, e a geografia dos aumentos de preços seguiu, naturalmente, em conformidade com essa expansão.
Inglaterra e França cresceram em força junto com as outras nações atlânticas da Europa ocidental, o que foi bastante facilitado pelo fim da Guerra dos Cem Anos entre os dois países, que na verdade teve a duração de 116 anos, de 1337 a 1453. As doutrinas do estado absoluto, anteriormente limitadas em grande parte aos teóricos e governantes das cidades estados italianas, agora se espalhavam por todos os estados e nações da Europa. O absolutismo triunfou em toda a Europa no início do século XVII e Rothbard mostra que essa vitória foi alimentada pela ascensão do protestantismo e, um pouco mais tarde, pelo secularismo, a partir do século XVI.
Para compreendermos mais precisamente o ethos dos pós-escolásticos, é conveniente visualizarmos, na tabela seguinte, como evoluiu o pensamento econômico desde os escolásticos medievais até os nossos dias.
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O nominalismo, derivado da Escolástica Medieval, consistia em uma abordagem reducionista de problemas sobre a existência e natureza de entidades abstratas e opunha-se ao platonismo e ao realismo. Enquanto o platônico defende um enquadramento ontológico em que coisas como propriedades, gêneros, relações, proposições, conjuntos e estados de coisas são assumidos como primitivos e irredutíveis, o nominalista, por definição e maneira de enxergar o mundo, nega a existência de entidades abstratas e procura mostrar que o discurso sobre essas entidades é analisável em termos do discurso sobre concretos particulares da experiência comum. Seus autores mais expressivos foram Guilherme de Ockam (1290-1350), Jean Buridan de Bethune (1300-1358), Nicole Oresme (1325-1382) e Heinrich von Langenstein (1325-1397).
Apesar de influenciarem também o positivismo e François Quesnay (o fundador do fisiocratismo) e de se oporem ao tomismo, os nominalistas contribuíram para o desenvolvimento da Escolástica Tardia ao abordarem, principalmente, três temas: a teoria do valor (dando a ela enfoque subjetivista); a defesa do livre comércio e a defesa da propriedade privada (a defesa franciscana de que se deve abrir mão das riquezas exige que se possuam essas riquezas, o que conduz à defesa do direito de propriedade). Oresme defendeu também a conhecida "Lei de Gresham", segundo a qual "a moeda má expulsa a moeda boa", bem como o padrão-metálico.
Vejamos agora o quadro sinóptico que mostra as origens a as influências dos escolásticos tardios, com alguns aspectos das ideias defendidas por seus principais nomes. Trata-se de um quadro semelhante ao elaborado por Alejandro Chafuen, em seu celebrado livro Economia y Etica: Raices Cristianas de La Economia de Libre Mercado, de 1991.
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Escolástica Tardia na Itália
São Bernardino de Siena (1380-1444), franciscano, sistematizou, na Toscana, a herança intelectual econômica de São Tomás, sendo o primeiro teólogo, depois de Olivi, a escrever um livro inteiro dedicado à teoria econômica escolástica. Os pontos principais de sua doutrina foram a defesa da propriedade privada (embora a considerasse artificial e não natural), a defesa do empreendedorismo, a defesa do livre comércio, a legitimação dos lucros, a  teoria do valor, em que  o "preço justo" é definido como sendo o preço de mercado e os perigos da tributação excessiva.
Santo Antonino de Florença (1389-1459), um discípulo de S. Bernardino, seguiu a mesma análise de seu preceptor, mas enfatizou um ponto crucial da filosofia do Aquinate, o de que qualquer transação no mercado traz benefícios mútuos para ambas as partes, pois estas resultam melhores do que antes, em termos de ficarem mais satisfeitas.
Ambos foram contra a usura, contudo, o que contribuiu para manter esse aspecto da teoria econômica obscuro, cercado de mistérios e quase que proibido.
Escolástica Tardia na Espanha
Especialmente em Salamanca, a partir dos sécs. XV e XVI, diversos autores, inicialmente dominicanos e mais tarde jesuítas, abordaram temas ligados à teoria monetária, propriedade privada, juros, inflação e tributação. Vejamos sucintamente (já que nosso personagem principal neste artigo é Juan de Mariana) como avançaram.
Surge a Escolástica Tardia em Espanha com Francisco de Vitoria (1495-1560), em Salamanca, com seus escritos sobre Direito Internacional e suas explicações morais e econômicas da Summa. Os principais pontos de Vitoria são:o "preço justo" é o preço de mercado e a propriedade privada, a justiça e a paz resultam de trocas voluntárias realizadas entre os agentes.
Martin de Azpilcueta, o "Doutor Navarro" (1493-1586), também dominicano, professor em Salamanca e Coimbra, desenvolveu as bases do conceito de "preferência intertemporal" e da "Teoria Quantitativa da Moeda", defendeu preços livres da interferência dos governos, alertou que emissões de moeda sem lastro provocam distorções na economia e na sociedade e criticou o sistema de reservas fracionárias dos bancos.
Diego de Covarrubias y Leiva (1512-1577), Bispo de Segóvia, alertou para os efeitos nocivos de diminuições no teor metálico das moedas, criticou o sistema de reservas fracionárias dos bancos e chegou a esboçar uma teoria subjetiva do valor.
Luís Saravia de la Calle (século XVI) defendeu, em seu Instrucción de Mercaderes, publicado em 1544, as ações dos comerciantes como legítimas e antecipou o que Menger escreveu em 1871, que não são os custos que determinam os preços, mas os preços que determinam os custos:
Los que miden el justo precio de la cosa según el trabajo, costas y peligros del que trata o hace la mercadería yerran mucho; porque el justo precio nace de la abundancia o falta de mercaderías, de mercaderes y dineros, y no de las costas, trabajos y peligros.
Francisco de García, em Tratado Utilíssimo de Todos los Contractos, Quantos en los Negocios Humanos se Pueden Ofrecer, publicado em Valência em 1583, sustentou que a utilidade marginal dos bens, inclusive a da moeda, é decrescente.
Luís de Molina (1531-1601) advogou a liberdade de preços, criticou as regulações excessivas e as distorções provocadas pelas políticas de preços máximos e mínimos, desenvolveu o conceito de lucros cessantes (lucros perdidos de investimentos) e foi o primeiro a perceber, em 1597, que os depósitos bancários fazem parte da oferta monetária.
Genónimo Castillo de Bobadilla, em Politica para Corregidores y Señores de Vassallos (Madri, 1597), defendeu a competição dinâmica como um processo e não como o estudo de casos de equilíbrio, antecipando Menger, Mises, Lachmann e Kirzner em 400/500 anos!
Juan de Mariana (1535-1624), sobre o qual vamos escrever pormenorizadamente no próximo artigo, jesuíta, "politicamente incorreto" e considerado por alguns estudiosos como o mais importante dos escolásticos tardios, destacou que: a propriedade privada é muito importante para o desenvolvimento econômico e social; monopólios são como que impostos cobrados sem autorização, pois distorcem os preços e empobrecem o povo; o orçamento público deve ser equilibrado, já que os déficits orçamentários resultam em mais impostos ou em emissão de moeda, com a consequente inflação; escreveu um tratado sobre a inflação (atualíssimo), mostrando o que é, sua causa e suas consequências; criticou o poder monopolístico de emitir moeda detido pelos governos; criticou também as regulamentações de preços; argumentou que o intervencionismo viola a lei natural e prejudica a coordenação do corpo social; antecipou Hayek em 400 anos, ao sustentar que a informação é dispersa e subjetiva e que não se deve centralizá-la, sob pena de perda da solidez da ordem social; e  mostrou que o valor da moeda depende de sua quantidade e de sua qualidade
Francisco Suarez (1548-1617) e Juan de Salas (1553-1612) argumentaram sobre a impossibilidade de modelos de equilíbrio: "el precio que habrá mañana nel mercado solo Dios lo conosce".
E Juan de Lugo (1583-1660) defendeu a natureza dinâmica dos mercados como processos, criticando a visão teórica que os enxergava como algo estático e em equilíbrio.
As ideias desses e de outros autores espalharam-se pela Europa, especialmente, no início, na Itália e em Portugal. Leonardo Léssio (1554-1623) recompilou os escritos econômicos de Salamanca e os difundiu nos Países Baixos e Antonio de Escobar y Mendoza (1589-1669) os difundiu em França.
A Escolástica Tardia gerou dois ramos:
1. Ramo Norte (anglo-saxão)
2. Ramo Continental (menos conhecido)
Leonardo Léssio (na Bélgica), Grocio e Pufendorf influenciaram John Locke, bem como Hutchinson e, portanto, Adam Smith (este, com uma mescla de subjetivismo e objetivismo) e, daí, a "mainstream economics".
Posteriormente, a partir do século XVIII, foram publicados trabalhos muito importantes para a genealogia da Escola Austríaca, dos quais podemos destacar os de:
Jacques Turgot (1727-1781), teólogo, político e ministro, um subjetivista que defendeu o livre comércio e mostrou que o papel do estado não deve ser o de controlar as atividades econômicas; debuxou o princípio da utilidade marginal decrescente; elaborou uma crítica aos modelos de equilíbrio e formulou uma Teoria do Capital que antecipou o austríaco Eugene von Böhm-Bawerk em quase 200 anos.
Ferdinando Galiani (1728-1787), que escreveu, aos 22 anos, o tratado Della Moneta e resolveu o famoso "paradoxo da água e dos diamantes", explicando-o com o conceito de escassez relativa.
Etienne Bonnot, o Abade de Condillac (1714-1780), publicou La Commerce et le Gouvernment - Considerés relativement l´Un à l´Autre, em 1776 (mesmo ano de publicação de A Riqueza das Nações, de Adam Smith), sob os auspícios de Turgot, que era então ministro. Condillac antecedeu o que Bastiat escreveu na primeira metade do século seguinte, ao analisar as diferenças entre os efeitos "que se veem" e os efeitos "que se devem prever"
Esses três autores possuem diversos pontos comuns: o indivíduo como eixo central; o subjetivismo metodológico; o estudo da Teologia; a defesa do livre comércio e a crítica aos "agregados econômicos" (que dois séculos depois ficariam conhecidos como Macroeconomia).
Por sua vez, Turgot, Galiani e Condillac influenciaram Jean Baptiste Say, Bastiat e Molinari em França, bem como os autores alemães da Escola de Valor de Uso, como Wilhelm Roscher, da Universidade de Leipzig, mestre de Carl Menger (que dedicou o seu  Princípios de Economia Política a ele e o cita 17 vezes elogiosamente ao  longo da obra, que sustentava que os preços é que determinavam os custos  (e não o oposto)
Parece interessante, à guisa de parêntesis, observarmos as citações sobre diversos autores de Menger, o fundador da Escola Austríaca de Economia: Hermann (outro pensador alemão, 12  vezes, todas elogiosamente); Adam Smith (12 vezes, 11 para criticá-lo); Say (11 vezes, 10 para criticá-lo), bem como, sempre elogiando, Condillac, Galeani e Covarrubia que, como vimos, eram escolásticos tardios.
Observando como evoluiu o pensamento econômico desde São Tomás e principalmente com os escolásticos tardios, vemos claramente praticamente todas as características da Escola Austríaca de Economia:
- subjetivismo
- individualismo
- inflação e dos ciclos econômicos como fenômenos causados por distúrbios monetários
- propriedade privada
- mercados como processos
- princípio da ação humana
- interdisciplinaridade
- preferências intertemporais
- união entre Ética, Política e Economia (interdisciplinaridade)
- ordens espontâneas
- liberdade de preços
- livre comércio
- informações insuficientes, dispersas e interpretadas subjetivamente
- tempo real (não newtoniano)
Como vemos, São Tomás é a origem de tudo e o mundo latino e católico não tem por que padecer de qualquer complexo de inferioridade quando se trata de Teoria Econômica.

No próximo artigo: Juan de Mariana, um austríaco politicamente incorreto
Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Visite seu website.