sábado, 21 de setembro de 2013

Como o apriorismo permite o verdadeiro conhecimento



BluePuzzlePieces.jpgI.
Como adquirimos conhecimento sobre o mundo externo — ou sobre a realidade, para ser mais exato?  De onde vem nosso conhecimento sobre ela?  A tentativa de se responder a essa questão nos leva à epistemologia, o ramo da filosofia que lida com a origem, o escopo e a validade doconhecimento humano.
No debate epistemológico, existem dois conceitos arquetípicos e, na realidade, diametralmente opostos: o empirismo e o racionalismo.  O empirismo alega que a experiência sensorial (a observação) é a principal (ou até mesmo a única) fonte de conhecimento do homem, ao passo que o racionalismo alega que o conhecimento advém da razão humana.
Dificilmente alguém negaria que existem conhecimentos que adquirimos por meio de experiência sensorial.  Por exemplo, o conhecimento de que a água congela a zero grau Celsius.  É realmente necessário fazer observações para se adquirir tal conhecimento.
Entretanto, no campo da ciência, que formula conhecimentos que se aplicam universalmente, independentemente do tempo e do local, o racionalismo afirma que o conhecimento empírico adquirido por meio da experiência sensorial não possui a mesma validade que o conhecimento deduzido por meio da razão.
Peguemos, por exemplo, as duas seguintes observações aleatórias:
1. Nas últimas décadas, a oferta monetária aumentou 200% ao todo, ao passo que o PIB real, nesse mesmo período, aumentou 50%.
2. Nas últimas décadas, as receitas de impostos do governo subiram de 10 para 50% do PIB, ao passo que a renda per capita aumentou 40%.
Como podemos tirar algum sentido destes fatos?  O PIB real cresceu por causa do aumento na oferta monetária, ou o PIB real cresceu apesar do aumento na oferta monetária?  Da mesma forma, o PIB real cresceu por causa ouapesar do aumento na carga tributária?
Cada uma destas explicações aparenta ser igualmente plausível.  Sendo assim, qual a correta?  O primeiro passopara se responder a essa questão é entender que empregar uma teoria (a ideia de construir e agrupar, de maneira sistemática, todo o conhecimento que o indivíduo possui acerca dos aspectos da realidade) é algo indispensável para se observar corretamente os "fatos".
II.
Com efeito, é impossível fazer uma observação dos fatos sem qualquer pressuposição, como Ludwig von Mises(1881-1973) apontou:
Não tem sentido registrar fatos autênticos sem fazer qualquer referência a uma teoria. O simples registro de dois eventos como pertencentes a uma mesma classe já implica a existência de uma teoria.[1]
A ideia de "deixar os fatos falarem por si sós" sem se recorrer a nenhuma teoria é algo absurdo.[2]  Mises estava ciente de que "ação sem pensamento e prática sem teoria são inimagináveis.  O raciocínio pode ser falso e a teoria, incorreta; mas o pensamento e a teoria estão presentes em toda ação."[3]
Mas como sabemos e como podemos ter a certeza de que estamos empregando uma teoria correta?  Felizmente, nas ciências sociais, uma resposta satisfatória pode ser dada a essa pergunta ao se recorrer a umateoria apriorística — proposições que fornecem uma compreensão verdadeira sobre a realidade, e cuja veracidade pode ser confirmada independente de experimentos.
Para explicar melhor, temos de nos voltar brevemente para o filósofo prussiano Immanuel Kant (1723-1804) e seu pioneiro e revolucionário A Crítica da Razão Pura (1781).  Um dos principais resultados daquilo que Kant rotulou deinvestigação transcendental foi a sua descoberta dos chamados juízos sintéticos a priori.
A expressão a priori denota uma proposição (uma afirmação declarativa) que expressa um conhecimento que é adquirido antes — ou independente — da experiência.  Em contraste, a expressão a posteriori denota um conhecimento que é adquirido por meio da — e baseando-se na — experiência.  Os defensores do aposteriorismo são também chamados de empiristas.
Um juízo sintético se refere ao conhecimento que não está contido no objeto.  Um exemplo seria "Todos os corpos são pesados".  Aqui, o predicado "pesados" transmite um conhecimento que vai além do mero conceito geral de corpo.  Um juízo sintético, portanto, gera novo conhecimento sobre o objeto.
Juízos analíticos repetem aquilo que o próprio conceito do objeto já pressupõe.  Um exemplo seria "Todos os corpos possuem dimensões".  Para saber que corpos possuem dimensões não é necessário fazer experimentos, uma vez que essa informação já está contida no conceito de corpos.
Seria de se esperar que juízos analíticos fossem apriorísticos e juízos sintéticos fossem aposteriorísticos.  Entretanto, Kant afirma que existem juízos sintéticos a priori — um conhecimento que não se limita a repetir o significado do conceito que está sob análise e tampouco requer experimentos para se descobrir alguma novidade sobre o objeto.
Como um juízo sintético a priori pode ser identificado?  De acordo com Kant, uma proposição deve satisfazer dois requisitos para poder ser classificada como um juízo sintético a priori.  Primeiro, ela não pode resultar da experiência, mas sim da razão.  Segundo, ela não pode ser negada sem que o autor da negação caia em contradição intelectual.
III.
Mises constatou que o axioma da ação humana é um juízo sintético a priori.  O axioma da ação humana afirma que os humanos agem.  Isso pode soar trivial à primeira vista.  Entretanto, à segunda vista, torna-se óbvio que o axioma da ação humana possui implicações de longo alcance e de amplas consequências.[4]
O axioma da ação satisfaz os requerimentos de um juízo sintético a priori.  Primeiro, não é possível observar que os humanos agem sem que, antes de se fazer tal observação, o indivíduo saiba o que é uma ação humana.  Ou seja, para se observar que os humanos agem, primeiro é preciso saber o que é uma ação humana.  E esse conhecimento não pode ser adquirido por meio de experimentos, pois ele advém da razão e não da experiência.
Segundo, não é possível negar que os humanos agem, pois tal ato resultaria em uma contradição intelectual.  O simples ato de dizer "os humanos não podem agir" é em si uma forma de ação humana e, como tal, contradiz a veracidade dessa afirmação.
Mises também constatou que, utilizando-se a lógica formal, outras verdades universais podem ser deduzidas do irrefutavelmente verdadeiro axioma da ação humana.  Essa abordagem foi por ele rotulada de praxeologia: a lógica da ação humana[5].  Mises reconstruiu a ciência econômica baseando-se na praxeologia.
A praxeologia é uma teoria apriorística.  Ela gera proposições sobre a realidade que são irrefutavelmente verdadeiras — proposições que podem ser validadas sem que se tenha de recorrer à experiência.  Peguemos, por exemplo, o conceito de causalidade — a ideia de que todo efeito possui uma causa.  Tal conceito está logicamente subentendido no axioma da ação humana.
Como disse Mises,
O homem tem condições de agir porque tem a capacidade de descobrir relações causais que determinam mudanças e transformações no universo.  Ação requer e pressupõe a existência da causalidade.  Só pode agir o homem que percebe o mundo à luz da causalidade.  Neste sentido é que podemos dizer que a causalidade é um requisito da ação.  A categoria meios e fins pressupõe a categoria causa e efeito.  Em um mundo sem causalidade e sem a regularidade dos fenômenos, não haveria campo para o raciocínio humano nem para a ação humana.  Um mundo assim seria um caos no qual o homem estaria perdido e não encontraria orientação ou guia.  O homem nem sequer é capaz de imaginar um universo caótico de tal ordem.  O homem não pode agir onde não percebe nenhuma relação causal.[6]
Uma teoria apriorística oferece uma abordagem por meio da qual é possível examinar, criticar, e possivelmente repensar todas aquelas explicações teóricas padrão para eventos históricos.[7]  Quando revistas, reexaminadas e repensadas do ponto de vista da teoria apriorística, o que se pode dizer daquelas duas observações feitas lá no início deste artigo?
Re 1: Do ponto de vista da teoria apriorística, podemos dizer com toda a certeza que um aumento na oferta monetária não pode aumentar o padrão de vida de uma sociedade.  Um aumento na quantidade de dinheiro na economia não possibilita um benefício social, pois a única função do dinheiro é servir como meio de troca.
Ademais, a teoria apriorística demonstra que a moeda fiduciária de curso forçado gera efeitos economicamente perniciosos para a economia.  A moeda fiduciária de curso forçado é normalmente criada por meio da expansão creditícia feita pelo sistema bancário de reservas fracionárias, o qual cria moeda eletrônica literalmente do nada, sem nenhum lastro — o que se chama de meios fiduciários.  Isso necessariamente gera consumo (esgotamento) de capital e investimentos errôneos e insustentáveis.
A criação de meios fiduciários reduz a taxa de juros para um nível abaixo daquele que prevaleceria em um mercado livre de intervenções — a taxa de juros natural, que é aquela determinada pela preferência temporal dos indivíduos da economia.  Essa distorção dos juros, os quais estarão artificialmente reduzidos, fará com que as empresas produzam bens e serviços que na verdade não correspondem à real demanda do mercado.  Isso criará um período de expansão econômica que inevitavelmente terminará em recessão, que é o período em que a economia passa por reajustes estruturais para fazer com que a oferta volte a estar alinhada com a demanda.
metodoaustriaco.jpgO aumento na produção oriundo da expansão monetária é insustentável e inevitavelmente será corrigido mais cedo ou mais tarde.  Os ganhos de produção daquelas atividades que foram estimuladas pela criação de dinheiro tendem a ser vivenciados antes de as perdas de produção se manifestarem, o que gera a sensação de que um aumento na oferta monetária pode aumentar a produção.  A verdade, entretanto, é que a criação de dinheiro não aumenta o padrão de vida das pessoas; ao contrário: faz com que o padrão de vida fique abaixo de onde poderia estar caso não tivesse havido esse aumento na oferta monetária.
Re 2: Podemos dizer com toda a certeza que aumentar impostos irá reduzir, não aumentar, o padrão de vida das pessoas.  Isso porque impostos mais altos retiram proporcionalmente mais recursos escassos dos produtores, e consequentemente redistribuem esses recursos escassos para os não produtores.  Como bem explicou Hans-Hermann Hoppe, "riqueza e renda são forçosamente tomadas de seus proprietários e de seus produtores e transferidas para pessoas que não são proprietárias dessa riqueza e que não produziram essa renda.  A acumulação futura de riqueza e a produção de renda serão, desta forma, desestimuladas, e o confisco e o consumo da riqueza existente serão estimulados."  
A poupança e os investimentos irão declinar, e o estoque de capital e a massa salarial crescerão mais lentamente (ou podem até mesmo diminuir). Como resultado, a sociedade ficará mais pobre em relação a uma situação em que não há tributação.
IV.
A teoria apriorística fornece um verdadeiro conhecimento a respeito do mundo externo, e a veracidade do conhecimento derivado da teoria apriorística pode ser validada independentemente de experimentos sensoriais.
Tão importante quanto é o fato de que o conhecimento apriorístico sobrepuja o conhecimento empírico: "Uma proposição teórica apriorística jamais pode ser refutada por experimentações."[8]
A praxeologia, a ciência apriorística da ação humana — e, mais especificamente, seu até agora mais bem desenvolvido ramo, a ciência econômica —, fornece em sua área de atuação uma completa interpretação dos eventos passados e uma completa antecipação dos efeitos a serem esperados de determinadas ações futuras.[9]
Um teórico seguidor do apriorismo pode assim decidir antecipadamente (isto é, sem incorrer em experimentações sociais, ou ensaios e verificações) se uma determinada ação — medida política — irá gerar os efeitos desejados e prometidos.
Por exemplo, sabemos a priori que criar meios fiduciários não gera prosperidade econômica, que gastos do governo financiados por meio de impostos ou de endividamento não melhoram o bem-estar material da sociedade, e que essas medidas na realidade são economicamente nocivas.
O apriorismo é uma defesa intelectualmente poderosa contra as promessas feitas pelas falsas teorias e, principalmente, contra as danosas (até mesmo desastrosas) consequências econômicas que inevitavelmente surgiriam caso tais teorias fossem colocadas em prática.  Estudantes das ciências sociais deveriam, portanto, ser contínua e crescentemente estimulados a dominar a teoria apriorística.


[1] Mises, L., Ação Humana, p. 738
[2] Ver, por exemplo, Cohen, M.R., Nagel, E. (2002 [1934]), An Introduction To Logic And Scientific Method, Simon Publications Inc., Safety Harbor, Capítulo XI, esp. p. 199.
[3] Mises, L., Ação Humana, p. 221
[4] Sobre isso, uma leitura obrigatória é Hoppe, H.H. (2007 [1995]), A Ciência Econômica e o Método Austríaco.
[5] Praxeologia: do grego praxis - ação, hábito, prática - e logia - doutrina, teoria, ciência.  É a ciência ou teoria geral da ação humana.  Mises definiu ação como "manifestação da vontade humana": ação como sendo um "comportamento propositado".  A praxeologia a partir deste conceito apriorístico da categoria ação analisa as implicações plenas de todas as ações.  A praxeologia busca conhecimento que seja válido sempre que as condições correspondam exatamente àquelas consideradas na hipótese teórica.  Sua afirmação e sua proposição não decorrem da experiência: antecedem qualquer compreensão dos fatos históricos.  (extraído de Mises Made Easier.  Percy L. Greaves Jr.).
[6] Mises, L., Ação Humana, p. 47
[7] Ver, por exemplo, Hoppe, H.H. (2006), Democracy, The God That Failed: The Economics and Politics of Monarchy, Democracy, and Natural Order, Transaction Publishers, New Brunswick (US) and London (UK), em particular suas Introdução, pp. xv-xix.
[8] Mises, L. (2003), Epistemological Problems of Economics, 3rd ed., "The Task and Scope of the Science of Human Action," Ludwig von Mises Institute, Auburn, US Alabama, p. 30.
[9] Mises, L. (1985), Theory and History: An Interpretation of Social and Economic Evolution, Ludwig von Mises Institute, Auburn, US Alabama, p. 309.

Thorsten Polleit  é professor honorário da Frankfurt School of Finance & Management.

Ação humana é ação propositada



PurposefulAction.jpgUma das implicações que pode ser logicamente deduzida do irrefutavelmente verdadeiro axioma da ação humana é a de que a ação humana significa ação propositada (ou consciente) — ação que está voltada à realização de certos fins.
Essa constatação é essencial para uma compreensão completa da reconstrução, feita por Mises, da economia como uma ciência lógica e formal (praxeologia, como ele a denominou), e todas as implicações que podem ser deduzidas disso.
Essas implicações incluem, por exemplo, o fato de que causa e efeito (a causalidade) e tempo são categorias da ação humana, que os meios são escassos com relação aos fins para os quais eles possivelmente podem ser utilizados, e que a existência da ação humana implica incertezas quanto ao curso futuro dos eventos.
Entretanto, a afirmação verdadeira de que a ação humana é ação propositada pode muito facilmente atrair críticas.  Por exemplo, não se poderia desafiar essa constatação de Mises dizendo que muitas das decisões que as pessoas tomam não são propositadas, mas sim baseadas em arbitrariedade, capricho ou impulso?[1]
Rejeitar a constatação de que a ação humana é propositada colocaria em dúvida todas as afirmações verdadeiras que podem ser derivadas do axioma da ação humana.  Isso abriria caminho para desorientações metodológicas e, como resultado, falsas teorias no campo da ciência econômica.
Dada a importância de se compreender a irrefutável verdade de que a ação humana é ação propositada, vale a pena relembrarmo-nos brevemente de como Mises chegou à sua constatação, a qual ele deduziu tendo comoponto de partida o axioma da ação humana.
Como observado anteriormente, o axioma da ação humana é irrefutavelmente verdadeiro.  Trata-se de uma proposição autoevidente cuja veracidade lógica não pode ser negada.  Qualquer tentativa de negá-la resultaria em uma insolúvel contradição intelectual, pois dizer que "humanos não podem agir" já é em si uma forma de açãohumana.
Como explicou Mises,
O objetivo final da ação é sempre a satisfação de algum desejo do agente homem.  Só age quem se considera em uma situação insatisfatória, e só reitera a ação quem não é capaz de suprimir o seu desconforto de uma vez por todas.  O agente homem está ansioso para substituir uma situação menos satisfatória por outra mais satisfatória.
E o homem deve fazer uso de meios para alcançar tais fins.  Os meios, por sua vez, são sempre escassos em relação aos fins que se deseja alcançar.  Se os meios não fossem escassos, eles não precisariam ser economizados, e por conseguinte não poderia haver nenhum tipo de ação — e isso, obviamente, não é algo crível.
É nesse sentido que a ação humana é ação propositada: fazer uso de meios com os quais se alcançar determinados fins.  E a praxeologia é indiferente em relação ao conteúdo dos fins ou em relação à motivação destes fins.
Mises observou que,
Ação humana é comportamento propositado.  Também podemos dizer: ação é a vontade posta em funcionamento, transformada em força motriz; é procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta do ego aos estímulos e às condições do seu meio ambiente; é o ajustamento consciente ao estado do universo que lhe determina a vida.  Estas paráfrases podem esclarecer a definição dada e prevenir possíveis equívocos.  Mas a própria definição é adequada e não necessita de complemento ou comentário.
II.                                      
Ao mesmo tempo, Mises afirma que nem todas as ações efetuadas por humanos podem ser qualificadas como ações propositadas.  Ele explicitamente se refere a ações não propositadas (ou inconscientes), senda estas "os reflexos e as respostas involuntárias das células e nervos do corpo aos estímulos."
Mas será que essa referência de Mises à ação não propositada permitiria a conclusão de que há humanos que nãoagem como indicado pelo axioma da ação humana?  Como será mostrado abaixo, tal pergunta pode ser respondida com uma negativa.
(1) Pra começar, deve-se observar que a constatação de que a ação humana é ação propositada não está relacionada à psicologia.  Enquanto esta última visa a explicar o funcionamento dos eventos (mentais) interiores de uma pessoa, bem como os motivos que a levaram a uma determinada ação, a praxeologia está estritamente confinada à lógica da ação humana. 
A praxeologia, baseando-se no axioma da ação humana, utiliza a lógica formal para chegar à conclusão de que a ação humana é ação propositada (a qual é totalmente oposta de ação não propositada).  A praxeologia não recorre a nenhum tipo de suposição comportamental.
(2) Para Mises, exemplos de ações não propositadas são o funcionamento do corpo (as batidas do coração, a respiração etc.) e as respostas reflexivas e involuntárias a estímulos (por exemplo, a hesitação causada por um barulho súbito e estranho).  A ação não propositada possui, na acepção de Mises, a mesma importância de dados externos: é parte das condições gerais sob as quais ocorre a ação humana — a ação propositada.
Escreve Mises,
O comportamento inconsciente dos órgãos e células do organismo, para o nosso ego, é um dado como qualquer outro do mundo exterior.  O homem, ao agir, tem de levar tudo em conta: tanto o que se passa no seu próprio corpo quanto outros dados externos, como por exemplo, as condições meteorológicas ou as atitudes de seus vizinhos.
Na medida em que estas condições são sobrepujadas pela ação (como, por exemplo, a supressão de reflexos), os seres humanos estão na realidade ampliando seu escopo de ação propositada: "Se um homem se abstém de controlar reações involuntárias de suas células e centros nervosos, embora pudesse fazê-lo, seu comportamento, do nosso ponto de vista, é propositado."
(3) Seria possível determinar uma linha divisória exata entre ação propositada e ação não propositada?  Um feto humano, um humano adormecido, ou uma pessoa sob a influência de drogas podem apresentar uma ação que parece ser — para um observador comum — não propositada ao invés de propositada.
Entretanto, o observador não está em posição de chegar à conclusão de que uma pessoa não está agindo propositadamente, não importa o quão não propositada, sem sentido, inexpressiva ou absurda possa lhe parecer a atitude dessa pessoa.  Até mesmo uma pessoa insana ou sob a influência de drogas pesadas age — e, por conseguinte, tem o objetivo de alcançar determinados fins.[2]
Escreve Mises,
As pessoas têm uma tendência para acreditar que as fronteiras entre comportamento consciente e a reação involuntária das forças que operam no corpo humano são mais ou menos indefinidas.  Isto é correto apenas na medida em que, às vezes, não é fácil estabelecer se um determinado comportamento deve ser considerado voluntário ou involuntário.  Entretanto, a distinção entre consciência e inconsciência é bastante nítida e pode ser claramente determinada.
(4) Por último, é válido ressaltar as consequências que uma negação da afirmação verdadeira de que a ação humana é ação propositada implicaria.
A negação de que há propósitos nas atitudes do homem é algo que somente pode ser aceito se for assumido que a escolha dos fins e dos meios é algo apenas aparente; que o comportamento humano é, em última instância, determinado por eventos fisiológicos que podem ser completamente descritos na terminologia da física e da química.
Mesmo os mais fanáticos defensores da "Unidade da Ciência" [dogma central do positivismo lógico], os quais formam uma seita, evitam propagandear inequivocamente essa formulação rude e grosseira de sua tese fundamental.  E há boas razões para essa reticência.  Enquanto não for descoberta uma relação clara e distinta entre ideias e eventos físicos ou químicos — dos quais as ideias seriam a consequência lógica —, a tese positivista permanecerá sendo apenas um postulado epistemológico originado não da experiência cientificamente estabelecida, mas de uma visão metafísica do mundo...
Mas é evidente que tal proposição metafísica não pode de maneira alguma invalidar os resultados obtidos pelo raciocínio discursivo das ciências da ação humana.  Os positivistas, por motivos emocionais, não gostam das conclusões que o indivíduo atuante — isto é, o indivíduo que age — irá necessariamente obter dos estudos econômicos.  Como os positivistas são incapazes de encontrar qualquer falha tanto no raciocínio econômico quanto nas inferências dele derivadas, eles recorrem a esquemas metafísicos com o intuito de desacreditar os fundamentos epistemológicos e a abordagem metodológica da ciência econômica.
III.
Para concluir, Mises demonstrou que a ação humana é ação propositada: a tentativa propositada de remover um desconforto ou de substituir uma situação menos satisfatória por uma mais satisfatória.  Isto advém de maneira lógica do axioma da ação humana.
Saber que a ação humana é uma ação propositada nada tem a ver com a psicologia.  Declarar que ação humana é ação propositada é algo que não requer suposições quanto às motivações concretas do agente homem.
O comportamento não propositado deve, no que concerne à praxeologia, ser classificado como um dado externo, parte do ambiente geral sob o qual a ação humana ocorre.  Está fora do escopo da praxeologia.
Embora uma linha divisória possa ser traçada entre a ação propositada e a não propositada em um nível meramente conceitual, tal distinção necessariamente não pode ser detectada por um observador externo mediante sua simples observação — e isso não invalida a distinção traçada por Mises.
Ação humana é ação propositada.  Esse conhecimento é derivado de maneira lógica do irrefutavelmente verdadeiro axioma da ação humana, o qual é o núcleo da praxeologia.


[1] Nesse contexto, ver, por exemplo, V.L. Smith, "Reflections on Human Action after 50 Years" Cato Journal 19, no. 2, Fall (1999): pp. 195-214, esp. p. 200.  Smith afirma que "Mises foi superado por recentes avanços na neurociência".
[2] Na versão original e anterior de Ação HumanaNationalökonomie (1940), lançada ainda em alemão, Mises detalhadamente explica que recorrer à noção de "instinto" para explicar o comportamento humano não forneceria uma "explicação final", no sentido metafísico.  Escreveu ele (p.29):
Der Begriff Instinkt ist keine Erklärung im metaphysischen Sinne, er ist einfach die Bezeichnung eines Punktes, über den hinaus die Bemühungen unseres Denken nicht zu dringen wissen oder zumindest bisher nicht zu dringen vermochten. Die Einführung dieses Begriffes ermöglicht es uns, für Erscheinungen, an die wir mit dem Denkverfahren der mechanischen Kausalität nicht heranzukommen vermögen, das andere menschliche Denkverfahren, das, das wir für die Erfassung des menschlichen Handelns zur Verfügung haben, anzuwenden. Wie Bewegung und Bewusstsein ist auch Instinkt nur ein Ausdruck für einen Grenzpunkt menschlichen Denkens, und nicht etwa ein Wort zur Bezeichnung der Ursache oder gar der letzten Ursache.

Thorsten Polleit  é professor honorário da Frankfurt School of Finance & Management.


Matemática na economia: bom ou ruim?



matematica.jpg
Como o termo "matemática" é muito amplo, é melhor restringirmos o seu significado para essa discussão. Evidentemente, ninguém acha que matemática básica é algo inútil para a economia. Se A tem dois reais e B tem três, ninguém condenará a conclusão de que A e B juntos têm cinco reais.

O que se questiona é o uso do "cálculo" — ou, mais precisamente, das ferramentas que a física clássica utilizava — para a economia. Ou seja, quando atacamos o uso da matemática na economia estamos contra a aplicação do cálculo diferencial e infinitesimal, das equações diferenciais e de métodos geométricos na praxeologia.

A minha defesa dessa tese — de que essa parte da matemática é inútil à economia quando não positivamente prejudicial — será feita em diversos níveis de abstração.

Economia e física

É inegável que a aplicação dos métodos matemáticos usados pelos físicos na economia tem como inspiração o próprio triunfo da física como modelo de ciência. A aplicação de poucas leis gerais traduzíveis em equaçõesmuito simples e que davam imensa capacidade preditiva mostravam ao mundo as vantagens de uma ciência ancorada no cálculo diferencial e infinitesimal.

Não se deve esquecer que o título da maior obra de física de todos os tempos era Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. A física antiga, aristotélica, não era ancorada em equações. As idéias eram colocadas emlinguagem natural. A partir de Galileu, sobretudo com Newton, os avanços da física foram sem precedentes.

A física agora tinha uma visão unificada da natureza — até porque eletromagnetismo na época era um fenômeno mais ou menos irrelevante —, em que se explicava desde o movimento de pêndulos simples às leis de Kepler; daengenharia básica à estabilidade do sistema solar. Laplace chegou a afirmar que bastava que lhe dessem as condições iniciais do universo para que ele desvendasse tudo que ocorreria no universo. O poeta Alexander Pope, parodiando a Bíblia, disse algo assim: "E Deus disse: haja Newton. E houve luz".

Havia, pois, uma confiança natural nos poderes da mecânica newtoniana. É claro que, inspirado nisso, os homens do saber começaram a tentar estender as idéias matemáticas de Newton a todos os outros campos doconhecimento humano. Mesmo quando não aplicavam diretamente a matemática, era a filosofia geral de Newton que dominava. David Hume, por exemplo, diz explicitamente no prefácio do Tratado da Natureza Humana que a sua filosofia é uma tentativa de aplicar os grandes princípios de Newton ao homem.

A essa suposição de que todo o conhecimento humano deva ser baseado nos métodos da mecânica clássica chamaremos de cientificismo.

A pergunta natural que devemos responder é: o cientificismo está certo?

Para responder essa questão, é necessário investigar, ainda que brevemente, o tipo de objeto de conhecimento da economia e compará-lo com o da física. Basicamente, a física se preocupa com a matéria e seu movimento. Donde se conclui que a fonte primária de informações do físico necessariamente é o mundo exterior. A matéria, enquanto tal, não pensa, não tem motivos. Então só observamos o seu comportamento a partir da observação, só após o seu movimento ter ocorrido.

Na praxeologia, a questão é fundamentalmente distinta. O que importa não é o movimento do corpo do agente, o seu gasto de energia nos processos metabólicos e na sua locomoção. O que importa para a ciência da ação humana é a estrutura formal por trás da própria noção do que é ação.

Ação é comportamento teleológico, é a busca de um fim empregando meios que o agente acredita que levarão ao objetivo desejado. A fonte do conhecimento do que é uma ação, portanto, não está na observação do mundo exterior, mas no próprio sujeito de conhecimento.

De um lado, causalidade determinística e observação exterior; do outro, ação motivada e observação interior.

Há ainda uma outra diferença. O mundo natural exterior é marcado por uma observável regularidade. Isso significa que a descrição dos fenômenos é invariável. Um resultado observado no laboratório X será o mesmo observado no laboratório Y. E esses resultados podem ser descritos imediatamente como dados matemáticos. Pois, sendo a preocupação da física o movimento – em sentido restrito – da matéria, os seus dados podem ser analisados via a atribuição de um sistema de referência que possibilite imediatamente uma métrica, i.e., uma noção de distância. Para diferenças de posições, podemos atribuir números.

Portanto, a atribuição quantitativa aos fenômenos físicos surge naturalmente. E a regularidade quantitativa dos fenômenos é o que permite a elaboração de equações para a descrição do mundo natural — mesmo na mecânica quântica, na qual importam mais distribuições de probabilidade.

Essa atribuição quantitativa não é formal, mas material. Por exemplo, se eu sei qual é o coeficiente de atrito cinético de um determinado plano e faço deslizar sobre ele um objeto com determinadas aceleração e velocidade iniciais, a equação que descreve o movimento desse objeto me dirá explicitamente o ponto em que o objeto ficará parado — se é que isso irá ocorrer.

Não há a mesma espécie de regularidades nas ações humanas. As pessoas possuem preferências e estas são modificadas sem nenhum padrão. Dependem da vontade de cada indivíduo. Ao contrário dos experimentos laboratoriais da física, indivíduos diferentes agem de forma diferente em experimentos em condições semelhantes. Um mesmo indivíduo pode agir de forma distinta em experimentos semelhantes. Como dizia Ludwig von Mises, "não existem constantes na ação humana".

A regularidade nos fenômenos da ação humana é formal, não material — como na física. Trata-se meramente de regularidades qualitativas, não quantitativas. Os dados relevantes da praxeologia são juízos de valor. E a juízos de valor não é possível dar uma medida quantitativa objetiva. Logo, o uso de equações não é útil na descrição dos fenômenos da ação humana, exatamente por essa não ser a linguagem apropriada ao objeto de estudo.

Ciência

Toda ciência possui dois aspectos. Uma ciência, para ser ciência, tem que possuir uma qualidade explicativa, na qual se tenta demonstrar o nexo causal dos fenômenos. Por outro lado, a ciência deve ter um aspecto preditivo. Essa é a idéia básica do que seja uma ciência.

A sociedade americana de econometria adotava como lema a frase que dizia que "ciência é fazer previsões". Nessa visão, portanto, o caráter explicativo da ciência é reduzido ao seu aspecto quantitativo. O que implica, por sua vez, uma visão muito restrita da ciência. Aqui, ciência não seria o conhecimento do seu objeto de estudo, mas o conhecimento que se revela por relações quantitativas.

Pelo que foi dito acima, esse ponto de vista implica a inexistência de uma ciência da ação humana, pois esta não pode ser encarada do mesmo modo que a física. O caráter explicativo da praxeologia não é quantitativo, mas qualitativo; é teleológico.

Então, se a econometria é uma pseudociência que só teria uma aspecto (falho) preditivo, poder-se-ia objetar que a praxeologia peca pelo oposto: ao possuir apenas um lado explicativo, não teria à sua disposição a predição. Donde a praxeologia não seria também uma ciência no sentido que usualmente é atribuído a este termo.

O erro de tal objeção é confundir predição com predição quantitativa. Predição pode ser tanto quantitativa quando qualitativa. A redução que se faz do caráter preditivo de uma ciência a aspectos quantitativos — donde a ferramenta imprescindível de toda ciência ser a matemática, que é a ciência que trata das quantidades por excelência, embora não se reduza a isto — advém precisamente do cientificismo, que, como foi argumentado acima, é uma filosofia falsa.

Portanto, a praxeologia é uma ciência cujo aspecto qualitativo reside na estrutura formal da ação humana — não matematizável — e cujo lado preditivo é qualitativo, não quantitativo.

O uso da matemática na economia

Como foi observado na seção 1, a física tornou-se modelo de ciência pelo seu aspecto preditivo. E o seu aspecto preditivo foi tomado com seu poder explicativo, na medida em que os resultados eram generalizados para uma quantidade enorme de casos. Assim, os próprios princípios da física tornaram-se equações.

Se na praxeologia começamos dizendo que os homens agem, na física começamos dizendo que tais e tais objetos satisfazem determinada equação. É mais do que evidente a diferença qualitativa das ciências, que reflete a diferença dos objetos das respectivas disciplinas e da forma como conhecemos esses objetos.

Porém, uma vez que tentemos matematizar a praxeologia e reduzi-la a uma espécie de mecânica da ação humana, que resultados efetivos poderíamos mencionar em defesa desse procedimento? Se a física como matemática aplicada é imediatamente justificada por seus resultados preditivos, podemos invocar os resultados da economia matemática como defesa da sua existência como ciência?

Antes de tudo, é necessário observar que nem mesmo os economistas levam a sério na prática a economia matemática, mesmo quando são economistas matemáticos. O sistema de equações fundamental do equilíbrio do consumidor diz que o indivíduo maximiza sua utilidade quando a razão entre a utilidade marginal à quantidade consumida de um bem e o seu preço é igual a essa mesma razão para todos os outros bens. Ou seja, se houver n bens, então haverá um sistema de n(n-1)/2 equações diferenciais parciais. Ninguém nunca viu um economista tentando resolver essas equações.

O que significa que os economistas, ao usar a matemática e lhe tentarem dar um aparato preditivo quantitativo, abandonam a fundamentação explicativa da teoria via teoria do comportamento para focar em grandes agregados, aos quais ele não consegue dar uma explicação razoável. Isto é, parte-se para a estatística e para as milhões de regressões.

Pois bem, a estatística funciona muito bem para o passado, mas o fato é que durante um século os economistas tentaram na prática aplicar as suas conclusões econométricas para controlar a economia e falharam.

Em suma, a economia matemática não se justifica do mesmo modo que a física matemática, na medida em que não possui poder preditivo.

A matemática, o espaço e a economia

Conforme já foi dito, o cálculo é muito apropriado à física, pois é possível estabelecer muito naturalmente duas das unidades fundamentais desta ciência: tempo e espaço. Nós sentimos o tempo passar continuamente, de modo que estabelecemos com fundamentação que o tempo corre continuamente. Por outro lado, os matemáticos fazem a suposição de que o conjunto dos reais pode ser representado como uma reta.

Assim, o físico tem bons motivos para considerar o movimento como função em espaços vetoriais reais, que é o ambiente mais apropriado para a formulação do cálculo diferencial e infinitesimal.

O físico, então, interpreta o movimento dos objetos como sendo variações das posições de pontos num espaço. Ou seja, ele iguala o espaço real com o espaço matemático. Portanto, uma vez fixada a unidade de medida do espaço, as descrições matemáticas correspondem – caso estejam corretas – aos fenômenos reais observados. Isso acontece porque, como já foi colocado antes, os próprios princípios da física são equações básicas nesse próprio espaço em que ele trabalha.

Na economia, as coisas não são assim. Por exemplo, se estamos tratando da teoria de produção, as unidades não são divisíveis. As quantidades devem ser sempre números naturais, de modo que não se tem um ambiente favorável ao cálculo diferencial e infinitesimal. As funções de produção não contínuas na topologia usual do espaço euclidiano n-dimensional, não sendo, pois, diferenciáveis, e tampouco são integráveis (à Lebesgue), uma vez que o conjunto dos pontos de descontinuidade não tem medida nula.

O caso da produção numa economia monetária seria o mais favorável possível à formulação matemática, mas, como acabamos de mostrar, os métodos do cálculo diferencial e infinitesimal são simplesmente inaplicáveis. A única forma de usá-los seria não com uma simplificação da realidade, mas por uma deliberada falsificação dela. Nenhuma ciência pode ser considerada como tal se busca a mentira por vontade própria.

O caso é ainda mais dramático no caso da teoria do consumidor — ou, se fôssemos generalizar, para a teoria da ação humana em geral —, já que é simplesmente estabelecer as relações algébricas usuais para utilidade. Não faz sentido adicionar, subtrair, multiplicar ou dividir utilidades. Não se pode sequer atribuir uma estrutura de espaço vetorial — ou, ainda mais geralmente, de módulo — ao conjunto das utilidades, muito menos tentar criar cálculo diferencial.

Matemática como ilustração

Complementando o argumento acima, não se pode criar uma álgebra com as operações usuais para utilidade. Qualquer um que se aventure a pegar um livro-texto de microeconomia, encontrará no começo, provavelmente no primeiro capítulo, alguma seção explicando que utilidade é ordinal, não cardinal; que não faz sentido fazer comparações interpessoais de utilidade. No entanto, provavelmente na seção seguinte, ele encontrará alguma curva de indiferença, que supõe que as pessoas não ordenam os bens numa escala de preferência.

Sem discutir esse procedimento ilegítimo que é o uso de curvas de indiferença, o autor do livro-texto basicamente atribuirá níveis de utilidade, aos quais fará corresponder algum número. Ou seja, primeiro ele diz que não é possível atribuir uma medida à utilidade, mas logo em seguida finge esquecer o que disse e atribui medida, mesmo sem lhe dar um significado realista. A justificativa é que é mera ilustração.

Antes de tudo, é preciso notar que ilustrar uma teoria não pode ser feita através de algo falso. Ilustrar uma teoria é dar-lhe um exemplo em que ela realmente seja aplicável, embora num contexto bastante simplificado. Por exemplo, quando um físico quer explicar o princípio da relatividade, ele cita o caso de uma pessoa no leito de uma ferrovia e outra dentro de um trem. Agora, não faria sentido dizer que o movimento de carro é uma ilustração da dualidade matéria/onda da luz.

Quando o economista utiliza o cálculo, ele não está fazendo uma ilustração, mas está jogando fora as proposições verdadeiras anteriores para adotar algo que ele sabe ser falso. Ele está substituindo uma teoria por outra, uma teoria melhor por uma pior.

E qual não será a surpresa do leitor atento ao perceber que, de repente, toda a teoria que é desenvolvida nos capítulos ulteriores será justamente a aplicação daquela "ilustração"! Por fim, não será raro encontrar até comparações interpessoais de utilidade. A chamada economia do bem-estar, por exemplo, tem como seu fundamento essa suposição, embora ela seja sempre tomada implicitamente.

A linguagem matemática como forma de evitar erros

Uma defesa dos métodos matemáticos na economia é que a linguagem matemática, por ser mais formal, acabaria facilitando a identificação de erros no raciocínio, de modo que seria uma forma de evitar erros lógicos. Esse argumento não deixa de ser irônico. Para evitar um erro acidental, justifica-se um erro essencial!

No entanto, sendo este argumento de ordem pragmática, não precisamos mostrar o seu descabimento filosófico. Na prática, a economia matemática tem sido fonte de acertos ou de erros? Bem, a maior parte das políticas econômicas adotadas no século XX tiveram como base de sustentação teorias econômicas fortemente calcadas em equações. Como essas políticas, em geral, foram desastrosas, podemos dar duas explicações diferentes — apesar de não serem mutuamente exclusivas: i) houve erros matemáticos ou ii) houve erros nos fundamentos da teoria.

Já sabemos que as teorias econômicas matemáticas são falsas por falsificarem deliberadamente a realidade. O melhor, então, que a economia matemática pode fazer é nos assegurar que provavelmente os erros da sua fundamentação serão carregados nas deduções das equações!

Equilíbrio de Nash

Por último, comentarei um pouquinho sobre teoria dos jogos, que, aparentemente, estaria livre de alguns excessos da economia matemática. A teoria dos jogos não é exatamente uma teoria que usa os métodos matemáticos aplicados à física. Então poderia ser um ramo da economia válido que exigiria um maior conhecimento de matemática.

O resultado mais importante da teoria dos jogos é o Teorema de Nash, que diz que em todo jogo não-cooperativo com um número finito de jogadores com estratégias mistas há pelo menos um equilíbrio de Nash.

Do ponto de vista matemático, eu não tenho nada a objetar. A demonstração feita por Nash na sua tese de doutorado me parece válida. Não encontrei nenhum erro e, tendo ela sido aprovada, devemos considerar aqui que realmente ela esteja correta do princípio ao fim.

Então qual seria a minha "implicância" com o equilíbrio de Nash? Na verdade, nenhuma. A minha implicância é com o uso que se faz desse resultado em teoria econômica. O problema do teorema de Nash é que ele não é aplicável à realidade.

A demonstração do Teorema feita por Nash utiliza noções de topologia. O que nos interessa aqui é uma observação. Suponha que haja n estratégias puras disponíveis a um jogador. Então o espaço de todas as estratégias para esse jogador é o conjunto S = {(p_1,p_2,...,p_n): p_1+p_2+...+p_n = 1 e p_i >=0, para todo i e p_i sendo número real}. Atribuindo a cada eixo de um espaço real euclidiano n-dimensional uma estratégia pura, então isso será um politopo n-dimensional. Por exemplo, se n=2, haverá um triângulo de vértices (0,0), (1,0) e (0,1) e as estratégias do jogador será qualquer ponto na reta que liga os vértices (1,0) e (0,1). A partir daí, define-se uma função pay-off para cada jogador P : S —> R, R é o conjunto dos reais.

Qual a importância disso? Além do problema óbvio de que a função pay-off terá que ser uma função de utilidade caso tenha alguma aplicação praxeológica — e isso não faz sentido —, existe uma suposição que é "ilegítima" de que as probabilidades podem ser números reais quaisquer entre 0 e 1. Por exemplo, se num jogo, eu escolho as minhas estratégias mistas apostando dinheiro em cada uma delas, então as probabilidades estão condicionadas pela divisibilidade do dinheiro.

Se eu tenho que apostar 1 real em três estratégias, eu posso fazer uma escolha de apostar 10 centavos em uma, 28 centavos em outra e 62 centavos na restante. É claro, o número de apostas possíveis é imenso — mas é finito. Então, nesse caso, o Teorema de Nash é inaplicável.

Não custa nada dizer: só se pode garantir a conclusão de um teorema de as hipóteses dele forem satisfeitas. Ora, em economia, dinheiro sempre tem divisibilidade finita. Logo, a hipótese de Nash nunca é satisfeita e, assim, o teorema nunca é aplicável na realidade.

O que estamos ressaltando aqui é que o uso da matemática na economia é totalmente inválido. Nenhum economista discute o que eu acabei de colocar. Procurem nos livros de economia se há alguma discussão sobre a validade do Teorema de Nash na economia. Simplesmente ninguém fala disso. A matemática é uma ciência rigorosa.

O que os economistas têm feito é agir como sanguessugas da matemática. Como esta é uma ciência prestigiada, o economista pega um teorema que possui uma demonstração rigorosa, no entanto aplicando-o a uma situação sobre a qual ele não diz respeito!

Alguém poderia objetar: "ora, mas nós podemos pensar nisso como um caso limite da realidade!" Mas isso é uma palavra de ordem, não um argumento... Porque, antes de tudo, a demonstração do teorema depende essencialmente da topologia que é utilizada — que se compromete com a forma específica dada ao conjunto S. E, além disso, seria preciso uma análise matemática para saber se realmente esse procedimento de ser "caso limite" realmente se aplica. É dizer, é preciso esquecer o teorema tal como ele e desenvolver uma teoria totalmente diferente e, só depois, ver como se dá essa relação.

A função da matemática para os economistas

A matemática tornou-se uma forma de intimidação retórica dos economistas. Podemos até dizer que essa é a sua grande função. Não é uma utilização meramente científica, é um uso da arrogância. É a fonte dos discursos "técnicos", em que são ditas mil bobagens aplaudidas, reverenciadas e temidas. Quem se atrever a discutir com a matemática?

A matemática é a ciência mais segura que existe. Se temos uma "demonstração" matemática, somos os donos da verdade. Ninguém discute que 2+2=4. Por que discutiriam as medidas que os burocratas tecnicistas advogam?

Em suma, a matemática tornou-se, na mão dos economistas, uma arma para autolegitimização de um discurso pseudocientífico.
Bernardo Emerick é matemático.


Uma observação sobre o uso da matemática na economia


3638.jpgO método matemático, assim como várias outras falácias, conseguiu adentrar e dominar o pensamento econômico moderno por causa da influente epistemologia do positivismo.  O positivismo é essencialmente a metodologia da física elevada a uma teoria geral do conhecimento para todas as áreas do saber.
O raciocínio que fundamenta a adoção da metodologia da física no pensamento econômico é o seguinte: a física é a única ciência realmente bem-sucedida.  As "ciências sociais" são retrógradas porque são incapazes de mensurar, de prever com exatidão etc.  Por conseguinte, elas têm de adotar o método da física se quiserem se tornar bem-sucedidas.  E um dos pilares da física é, obviamente, o uso da matemática.
Os positivistas tendem a separar o mundo em dois lados imiscíveis: de um lado estão as verdades incontestáveis da física; de outro, a mera "poesia".  Daí sua predileção pelo uso difundido da matemática e seu desprezo pela explicação verbal como sendo algo meramente "literário".
Como Ludwig von Mises havia observado, há uma distinção crucial entre o mundo natural estudado pela física e o mundo da ação humana.
Na física, os fatos da natureza nos são dados.  Eles podem ser decompostos até seus mais simples elementos em um laboratório e, em seguida, ter seus movimentos observados.  No entanto, não conhecemos as leis que geram os movimentos das partículas físicas; partículas físicas não têm uma motivação.
Consequentemente, torna-se necessário determinar as causas criando hipóteses e formulando teorias gerais, de modo que, destes axiomas, seja possível deduzir não somente os fatos originais da natureza, mas também outras teorias que possam ser diretamente testadas pelo fato (o famoso conceito do "significado operacional").  Por mais que possamos evoluir no conhecimento das leis da física, nosso conhecimento jamais será absoluto, uma vez que leis sempre podem ser corrigidas por outras leis mais gerais ou por meio de novos testes empíricos.
Na economia, por outro lado, as condições são praticamente opostas.  Na economia conhecemos a causa, pois a ação humana, ao contrário do movimento das pedras, é motivada.  Sendo assim, é possível construir a ciência econômica partindo de axiomas básicos — como a existência incontestável da ação humana e as implicações lógicas da ação —, axiomas estes que são originalmente reconhecidos como verdadeiros.
Destes axiomas, podemos deduzir passo a passo várias leis que também são reconhecidas como incontestavelmente verdadeiras.  E este conhecimento é absoluto, e não relativo, exatamente porque os axiomas originais já são conhecidos.  Eis alguns exemplos:
  • Sempre que duas pessoas, A e B, se envolvem em uma troca voluntária, ambas esperam se beneficiar desta troca.  E elas devem ter ordens de preferência inversas para os bens e serviços trocados, de modo que A valoriza mais aquilo que ele recebe de B do que aquilo ele dá para B, e B avalia as mesmas coisas do modo contrário.
  • Sempre que uma troca não é voluntária e ocorre em decorrência de uma coerção, uma parte se beneficia à custa da outra.
  • Sempre que a oferta de um bem aumenta em uma unidade, contanto que cada unidade seja considerada idêntica em utilidade por uma pessoa, o valor imputado a esta unidade deve ser menor que o da unidade imediatamente anterior.
  • Entre dois produtores, se A é mais eficiente do que B na produção de dois tipos de bens, eles ainda assim podem participar de uma divisão de trabalho mutuamente benéfica. Isto porque a produtividade física geral será maior se "A" se especializar na produção de um bem que ele possa produzir mais eficientemente, em vez de "A" e "B" produzirem ambos os bens autônoma e separadamente.
  • Sempre que leis de salário mínimo forem impostas obrigando os salários a serem maiores do que os salários que vigorariam em um livre mercado, um desemprego involuntário será o resultado.
  • Sempre que a quantidade de dinheiro na economia aumentar sem que a demanda por dinheiro também seja elevada, o poder de compra da moeda irá diminuir.
Por outro lado, não existem elementos simples ou "fatos da natureza" na ação humana; os eventos da história são fenômenos complexos, os quais não podem "testar" nada.  Eles, por si sós, somente podem ser explicados se forem aplicadas várias teorias relevantes aos diferentes aspectos de um determinado "fato" complexo que está sendo analisado.
Por que a matemática é tão útil na física?  Exatamente porque os próprios axiomas utilizados, bem como as leis deles deduzidas, são desconhecidos e, com efeito, sem significado.  Seu significado é exclusivamente "operacional", uma vez que eles são significantes somente na medida em que podem explicar determinados fatos.
Por exemplo, a equação da lei da gravidade, por si só, não tem sentido nenhum; ela só adquire sentido quando nós humanos observamos determinados fatos que a lei pode explicar.  Consequentemente, a matemática, que efetua operações dedutivas sobre símbolos por si só inexpressivos (sem significado), é perfeitamente apropriada para os métodos da física.
A ciência econômica, por outro lado, parte de um axioma que é conhecido e possui significado para todos nós: a ação humana.  Dado que a ação humana, em si própria, possui significado (o que não quer dizer que ela sempre será avaliada como racional e correta), todas as leis deduzidas passo a passo da ação humana são significativas.  Esta é a resposta para aqueles críticos que exigiram que o professor Mises utilizasse métodos da lógicamatemática em vez da lógica verbal.  Ora, se a lógica matemática tem de lidar com símbolos inexpressivos, então seu uso iria destituir a economia de todo o seu significado.
Por outro lado, a lógica verbal permite que toda e qualquer lei tenha sentido quando deduzida.  As leis da economia já são conhecidas aprioristicamente como significativamente verdadeiras; elas não têm de recorrer a testes "operacionais" para adquirir significância.  O máximo que a matemática pode fazer, portanto, é converter laboriosamente símbolos verbais em símbolos formais inexpressivos e, então, passo a passo, reconvertê-los em palavras.
No entanto, por causa da esterilidade dos símbolos matemáticos, tal procedimento tende a gerar graves erros.  Se um indivíduo for obstinado o bastante para, ainda assim, embarcar em tal aventura, podemos apenas desejar-lhe boa sorte.  O fato é que, por mais metódico que este indivíduo seja, este procedimento de conversão de palavras em símbolos matemáticos e posterior reconversão de símbolos matemáticos em palavras não sobrevive à Navalha de Occam — o famoso princípio científico que diz que não deve haver nenhuma multiplicação desnecessária de entidades, ou seja, que a ciência deve ser o mais simples possível.[1]
Dado que, na física, o conhecimento nunca é certo e absoluto, os positivistas jamais conseguirão entender como economistas podem chegar a verdades específicas; por isso, eles acusam os economistas de serem "dogmáticos" e "aprioristas".  Similarmente, a causa, na física, tende a ser frágil, e os positivistas sempre foram propensos a substituir o conceito de causa pelo de "determinação mútua".  Equações matemáticas são exclusivamente apropriadas para descrever um estado de determinação mútua de fatores, e não de relações de causa e efeito determinadas isoladamente.  Portanto, e novamente, a matemática é apropriada singularmente para a física, e não para as ciências humanas.
Tenho sérias dúvidas filosóficas sobre se o conceito de causa pode realmente ser omitido da física.  No entanto, ele certamente não pode ser removido da economia.  Pois, na economia, a causa é conhecida desde o início — a ação humana utiliza meios para se alcançar determinados fins.  Disso, podemos deduzir apenas determinados efeitos, e não equações mutuamente determinadas.  Esta é outra razão pela qual a matemática é singularmente inadequada para a economia.
Economistas positivistas ridicularizam economistas praxeológicos como sendo interessantes, mas irremediavelmente não-instruídos em matemática.  "Tautológicos" é uma das acusações preferidas. 
Tentei neste curto artigo analisar o uso da matemática na economia pelo melhor ângulo possível.  A realidade, no entanto, é que os métodos matemáticos necessariamente introduzem vários erros e futilidades que não podem ser plenamente desenvolvidos neste espaço.
Por exemplo, o uso das ferramentas do cálculo, como as integrais — algo que tem se tornado endêmico na economia matemática —, pressupõe passos infinitamente pequenos.  Passos infinitamente pequenos são ótimos para as análises físicas, em que partículas viajam ao longo de um determinado caminho; mas são completamente inapropriados em uma ciência baseada na ação humana, em que indivíduos somente passam a considerar determinadas questões quando estas se tornam grandes o bastante para serem visíveis e importantes.  A ação humana ocorre em passos discretos, e não em passos infinitamente pequenos.
Um exemplo do cúmulo deste absurdo pode ser encontrado em um artigo no jornal acadêmico Metroeconomica, do economista indiano S. S. Sengupta: "Complex Numbers: An Essay in Identification", (Dezembro de 1954, pp. 129 – 35).  Sengupta trata uma transação de trocas como se fosse um número complexo; consequentemente, se $3 é trocado por duas unidades de bens, isso gera um número complexo utilizando três e dois.  Se $4 é trocado por seis unidades de bens, teremos outro número complexo.  E então ele sai somando e multiplicando os números complexos, e genuinamente acredita que está chegando a grandes verdades econômicas.
O melhor guia para a selva da economia matemática é ignorar o pomposo e sofisticado emaranhado de equações e se concentrar na busca pelas hipóteses que dão sustento a essas equações.  Invariavelmente, tais hipóteses são poucas, simples e erradas.  E elas são erradas exatamente porque os economistas matemáticos são positivistas, que ignoram que a economia se baseia em genuínos axiomas.
Os economistas matemáticos, portanto, criam hipóteses que são admitidamente falsas ou parcialmente falsas, mas as quais eles esperam ao menos poderem servir como aproximações úteis, como ocorre no mundo da física. 
________________________



[1] A popularidade da lógica matemática na filosofia em detrimento da lógica verbal pode ser atribuída à influência do positivismo na filosofia.  Para uma constatação de que a lógica matemática é essencialmente subordinada à lógica verbal, ver as observações de Andreé Laelandes e Renée Poirier sobre "lógica" e "logística" in (A. Laelande, ed.) Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie, 6th eEd. (Paris, 1951). Pp. 574, 579.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

Ludwig von Mises e seu conceito de sociedade livre


por , 

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"O liberalismo não tem flores nem cores, não tem música nem ídolos, não tem símbolos e nem slogans.  Ele tem a substância e os argumentos.  Ambos devem levá-lo ao triunfo."
Qualquer filosofia política deve concentrar-se em uma questão essencial: sob quais condições a iniciação de violência deve ser considerada legítima?  Uma filosofia pode endossar tal violência em nome dos interesses de um grupo racial majoritário, como fizeram os Nacional-Socialistas da Alemanha.  Outra pode endossá-la em nome de uma classe econômica em particular, como fizeram os Bolcheviques da Rússia Soviética.  Uma outra pode preferir evitar uma posição doutrinária de uma forma ou de outra, deixando para o bom juízo daqueles que administram o estado decidir quando o bem comum demanda a iniciação de violência e quando não.  Essa é a posição das sociais-democracias.
Um liberal clássico determina um limiar muito alto para a iniciação da violência.  Além da tributação mínima necessária para manter os serviços jurídicos e de defesa — e vários liberais anti-estado recusam até mesmo isso —, ele nega ao estado o poder de iniciar violência, procurando exclusivamente soluções pacíficas para os problemas sociais.  Ele se opõe à violência praticada em nome da redistribuição de riqueza, do enriquecimento de grupos de interesse e empresariais influentes e da tentativa de aprimorar a condição moral do homem.
Pessoas civilizadas, diz o liberal clássico, interagem entre si não de acordo com a lei da selva, mas por meio da razão e da discussão.  O homem não pode se tornar bom em decorrência do guarda da prisão e do carrasco; caso estes sejam necessários para torná-lo bom, então sua condição moral já está muito além de qualquer possibilidade de salvamento.  Como Ludwig von Mises afirma em seu livro Liberalismo, o homem moderno "deve se libertar do hábito de recorrer ao estado sempre que algo não lhe agrada".
Houve uma espécie de renascimento dos estudos misesianos no rastro da crise financeira que assolou o mundo em 2007 e 2008, dado que foram os seguidores de Mises que apresentaram as mais convincentes explicações sobre os fenômenos econômicos que deixaram a maioria dos "especialistas" gaguejando.  A importância das contribuições econômicas de Mises para as discussões atuais tende a nos fazer negligenciar suas contribuições como teórico social e filósofo político.  Seu livro Liberalismo ajuda a retificar esse descuido.
O liberalismo que Mises descreve nesse livro não é, obviamente, o "liberalismo progressista" do qual se fala hoje em dia, mas sim o liberalismo clássico, que é como o termo continua a ser conhecido na Europa.  O liberalismo clássico defende a liberdade individual, a propriedade privada, o livre comércio e a paz — os princípios fundamentais dos quais todo o resto do programa liberal pode ser deduzido.
Não seria nenhum insulto a Mises descrever sua defesa do liberalismo como parcimoniosa, no sentido de que, seguindo a lógica da navalha de Occam, ele não emprega em sua defesa nenhum conceito que não seja estritamente necessário ao seu argumento.  Sendo assim, Mises não faz nenhuma referência aos direitos naturais, por exemplo, um conceito que possui um papel central em tantas outras exposições do liberalismo.  Ele concentra-se principalmente na necessidade de uma cooperação social de larga escala.  Essa cooperação social — por meio da qual complexas cadeias de produção geram um aprimoramento do padrão de vida de todos — pode ser criada somente por um sistema econômico baseado na propriedade privada
A propriedade privada dos meios de produção, em conjunto com a progressiva ampliação da divisão do trabalho, ajudou a libertar a humanidade das horríveis aflições que antigamente devastavam a raça humana: doenças, pobreza opressiva, taxas pavorosas de mortalidade infantil, miséria e imundícies generalizadas, e uma radical insegurança econômica, com pessoas frequentemente vivendo a apenas uma colheita ruim da completa inanição.
Antes que a economia de mercado surgisse e possibilitasse a criação de riqueza gerada pela divisão do trabalho e pela acumulação de capital, era tido como certo que essas características grotescas das condições de vida do homem eram imposições irreversíveis de uma natureza fria e impiedosa, sem possibilidades de ser substancialmente aliviada — muito menos subjugada inteiramente — pelo esforço humano.
Os estudantes foram ensinados, por várias gerações, a pensar na propriedade como sendo uma palavra suja, a exata materialização da avareza.  Mises não tolera tal concepção. 
Se há algo que a história pode provar em relação a essa questão, é que em nenhum lugar e em nenhuma época já houve algum povo que, sem a propriedade privada, tenha melhorado seu padrão de vida para além da mais opressiva penúria e selvageria, uma situação dificilmente distinguível da existência animal. 
A cooperação social, Mises demonstrou, é impossível na ausência de propriedade privada, e quaisquer tentativas de restringir o direito de propriedade irão solapar a coluna central da civilização moderna.
De fato, Mises ancora firmemente o liberalismo na propriedade privada.  Ele estava perfeitamente ciente de que defender a propriedade significa atrair a acusação de que o liberalismo é meramente uma apologia velada ao capital.  "Os inimigos do liberalismo o rotularam como a ideologia que defende os interesses especiais dos capitalistas", observou Mises.  "Isso é típico da mentalidade deles.  Eles simplesmente não conseguem entender uma ideologia política.  Para eles, qualquer ideologia que não seja a deles representa a defesa de certos privilégios especiais em detrimento do bem-estar geral." 
Mises mostra em seu livro, e em todo o restante de sua obra, que o sistema de propriedade privada dos meios de produção resulta em benefícios não apenas para os donos diretos do capital, mas também para toda a sociedade.
Na realidade, não há nenhum motivo em particular para que as pessoas em posse de grandes riquezas sejam a favor do sistema liberal de livre concorrência, sistema este no qual um esforço contínuo deve ser feito para se estar sempre atendendo aos desejos dos consumidores — caso contrário, essa riqueza será reduzida gradualmente.  Aqueles que possuem grandes riquezas, especialmente os que herdaram essa riqueza, podem com efeito preferir um sistema intervencionista, o qual tem maior propensão a manter congelados os padrões de riqueza existentes.  Não é de se estranhar, por exemplo, que as revistas de negócios dos EUA, durante a Era Progressiva (1890-1920), estivessem repletas de apelos pela substituição do laissez-faire, um sistema em que os lucros não estão protegidos, por um arranjo de carteis sancionados pelo governo e por vários outros esquemas de conluio.  E não é de se estranhar que, no mundo atual, os grandes empresários possuam laços umbilicais com o governo, pois sabem que dependem do governo — de suas regulamentações e de seu protecionismo — para manter sua riqueza livre de qualquer perigo de concorrência.
Naturalmente, dada a ênfase de Mises na importância da divisão do trabalho para a manutenção e no progresso da civilização, ele é particularmente franco em relação aos males das guerras, as quais, além de seus danos físicos e humanos, geram um progressivo empobrecimento da humanidade em decorrência de seu radical rompimento com a harmoniosa estrutura de produção que abrange todo o globo.  Mises, que raramente mede as palavras, mas cuja prosa é geralmente elegante e comedida, fala com indignação e revolta quando o assunto passa a ser o imperialismo europeu, uma causa da qual ele não admite qualquer argumento a favor. 
Assim como seu pupilo, Murray Rothbard, iria mais tarde identificar guerra e paz como a questão fundamental de todo o programa liberal, Mises da mesma forma insiste em dizer que essas questões não podem ser negligenciadas — como elas frequentemente são por liberais clássicos atuais — em prol de questões políticas mais inócuas e menos delicadas.
A principal ferramenta do liberalismo, afirmou Mises, é a razão.  Isso não significa que Mises achava que todo o programa liberal deveria ser realizado por meio de tratados acadêmicos densos e elaborados.  Ele admirava consideravelmente aqueles que transmitiam essas ideias nos palcos de teatro, nas telas de cinema e no mundo dos livros de ficção.  Porém, é extremamente importante que a defesa do liberalismo permaneça arraigada em argumentos racionais, uma fundação muito mais sólida do que o instável irracionalismo da emoção e da histeria, os quais outras ideologias utilizam para agitar as massas.  "O liberalismo não tem nada a ver com tudo isso", insistia Mises.  "Não tem flores nem cores, não tem música nem ídolos, não tem símbolos e nem slogans.  Ele tem a substância e os argumentos.  Ambos devem levá-lo ao triunfo."
Atualmente, estamos vivendo em um momento perigoso da história.  Com várias crises fiscais ocorrendo ao redor do mundo — e as consequentes escolhas difíceis que elas impõem — e ameaçando uma onda de agitação civil por toda a Europa, as promessas impossíveis feitas por estados assistencialistas, hoje completamente quebrados, estão se tornando crescentemente óbvias.  Como argumentou Mises, não há nenhum substituto para a economia livre que seja estável no longo prazo.  O intervencionismo, mesmo em prol de uma causa tão ostensivamente positiva quanto o bem-estar social, cria mais problemas do que soluções, levando assim a ainda mais intervencionismos, até que o sistema esteja inteiramente socializado — isso se o colapso não ocorrer antes.
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A posição de Mises é contrária à daqueles que afirmavam que o mercado era de fato um lugar de rivalidade e discórdia, em que os ganhos de uns implicavam perdas para outros.  Podemos pensar, por exemplo, em David Ricardo e em sua alegação de que salários e lucros se movem necessariamente em direções opostas.  Thomas Malthus alertou para uma catástrofe populacional, a qual implicava um conflito entre alguns indivíduos (aqueles já nascidos) e outros (no caso, o suposto excesso que viria depois).  E depois, é claro, veio toda a tradição mercantilista, a qual via o comércio e as relações de troca como um tipo de combate de baixa intensidade que produzia um grupo definido de vencedores e de perdedores.  Karl Marx apresentou uma clássica declaração de que há um inerente antagonismo de classes no mercado em seu O Manifesto Comunista.  Ainda mais velho que todas essas figuras era Michel de Montaigne (1533-1592), que em seu ensaio "O Fardo de um Homem é o Benefício de Outro" argumentou que "todo e qualquer lucro só pode ser feito em detrimento de outro".  Mises mais tarde veio a rotular essa ideia de "a falácia de Montaigne".
Para o bem da própria civilização, Mises nos exortou a descartar os mitos mercantilistas que opõem a prosperidade de um povo à prosperidade de outro; os mitos socialistas que descrevem as várias classes sociais como inimigas mortais; e os mitos intervencionistas que dizem que a prosperidade só pode ser alcançada por meio da pilhagem mútua dos cidadãos.  No lugar dessas ideias juvenis e destrutivas, Mises forneceu um convincente argumento em prol do liberalismo clássico, o qual vê "harmonias econômicas" — pegando emprestada a formulação de Frédéric Bastiat — onde outros veem antagonismos e discórdias. 
O liberalismo clássico, tão habilmente defendido por Mises, não busca dar a ninguém nenhuma vantagem obtida coercivamente, e exatamente por essa razão ele é o único arranjo que gera os mais satisfatórios resultados de longo prazo.

Thomas Woods 
é um membro sênior do Mises Institute, especialista em história americana.  É o autor de nove livros, incluindo os bestsellers da lista do New York Times The Politically Incorrect Guide to American History e, mais recentemente, Meltdown: A Free-Market Look at Why the Stock Market Collapsed, the Economy Tanked, and Government Bailouts Will Make Things Worse. Dentre seus outros livros de sucesso, destacam-se Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental (leia um capítulo aqui), 33 Questions About American History You're Not Supposed to Ask e The Church and the Market: A Catholic Defense of the Free Economy (primeiro lugar no 2006 Templeton Enterprise Awards). Visite seu novo website.

Blogueiro que denunciou estupro envolvendo filho do diretor da RBS é encontrado morto


Mosquito foi o blogueiro mais incisivo nas denúncias sobre o 

caso de estupro envolvendo o filho do dono da poderosa RBS, afiliada 

da TV Globo

Blogueiro Mosquito
A quem interessava a morte de Mosquito?
morte de Mosquito, que
 jamais se calou diante 
da operação abafa implementada 
por um grupo poderoso e pelos
 seus cúmplices, é um alívio para 
quem não estava nem um pouco 
acostumado a ter o calcanhar 
pisoteado. Agora já podem 
retomar tranquilamente a rotina. Caberá novamente às mídias alternativas 
fazer um pouco de barulho em meio ao silêncio conveniente; um silêncio
 que nem sequer esboça sinal de partida.
O blogueiro Amilton Alexandre, o Mosquito, foi encontrado morto em seu
 apartamento, em Palhoça, Santa Catarina, na tarde de ontem (13). 
Segundo a polícia, tratou-se de “suicídio por enforcamento”. A rápida 
conclusão, porém, não convenceu seus amigos e familiares, que exigem 
rigorosa apuração do caso.
Com suas “tijoladas” na internet, Mosquito fez inúmeros inimigos. Nos 
últimos tempos, ele alertou que estava sendo ameaçado. Na semana retrasada, 
ele anunciou o fim da sua página: “O blog Tijoladas acabou para eu continuar 
vivo. Não é uma capitulação. Não mudei meu modo de pensar. Não mudei minhas
 convicções”.
Um amigo pessoal de Mosquito, que pediu para ter o seu anonimato por ora
 preservado, revelou aPragmatismo Político suas importantes impressões sobre 
misteriosa morte do blogueiro. As informações seguem caminho completamente 
contrário às versões oficiais.
“Quem conheceu Mosquito sabe que não se suicidaria”, disse, enumerando as 
diversas razões que indicam a impossibilidade de suicídio. “Ele era alvo de 
várias ameaças de morte. Era defensor da sustentabilidade, modo de vida 
saudável, andava de bicicleta, trocava frutas e verduras do quintal com seus 
vizinhos. Era defensor da transparência e combatia os poderosos. Era pai de
 uma adolescente. Filho querido de uma mãe ainda viva por quem tinha muito
 carinho. Um cidadão com esse perfil não se suicida. A porta da sua casa estava 
aberta. Sua casa é de esquina, de um lado os fundos, do outro, um terreno baldio.
 Foi encontrado com lençol enrolado no pescoço, quem se suicida de forma tão 
cruel, correndo risco de morte lenta e dolorosa? Sendo morador solitário, não
 seria mais fácil entupir-se de comprimidos?
Mosquito ganhou fama nacional ao denunciar um caso de estupro em Florianópolis, 
envolvendo o filho de um diretor da poderosa RBS, afiliada da TV Globo. A 
mídia corporativa abafou o escândalo, só noticiado pela TV Record (vídeo abaixo).
A morte de Mosquito não pode ser abafada. O que se exige é que o caso, 
bastante estranho, seja apurado com rigor!