quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O esfacelamento do real e as perspectivas da economiabrasileira



 


20110731141319.jpg"A estabilidade pode não ser tudo; porém, sem estabilidade, tudo vira um nada." 
Foi com estas palavras que o social-democrata Karl Schiller, ministro das finanças da Alemanha Ocidental de 1966 a 1972, definiu o quão importante era para a Alemanha ter uma moeda forte.
Durante a segunda metade do século XX, nenhum povo levou tão a sério a importância de se ter uma moeda forte e estável quanto os alemães.  Tendo sofrido duas hiperinflações em um espaço de apenas 24 anos (uma em 1922-1923 e a outra logo após o fim da Segunda Guerra Mundial), o que aniquilou toda a sua poupança, a população alemã entendeu, e de uma maneira extremamente dolorosa, que a moeda de um país não pode ser aviltada.  Foi o primeiro-ministro alemão Konrad Adenauer quemdisse que "defender a moeda é a condição precípua para se manter uma economia de mercado e, em última instância, uma sociedade livre."  Já o ministro das finanças de Adenauer, Ludwig Erhard — o "pai" do milagreeconômico alemão —, foi ainda mais longe e proclamou que a estabilidade monetária era um direito humano básico.
O compromisso com uma moeda forte e estável se tornou tão inegociável, que foi criada uma lei em 1957 — a Lei Bundesbank — que incorporava essa visão alemã sobre a moeda: a lei declarava especificamente que o Banco Central alemão seria completamente independente de pressões políticas e de instruções do governo federal.  Sua única função seria a de "proteger a moeda", controlando a quantidade de dinheiro em circulação na economia com o objetivo de manter a robustez da moeda.  Esta lei deu ao Bundesbank uma autonomia de poder que nunca foi vista em nenhum outro país desde então, e contava com o apoio de social-democratas e conservadores.
A aprovação e implementação desta lei, em conjunto com a genuína determinação mostrada por seus vários presidentes, fez do Bundesbank o Banco Central mais respeitado e confiado do mundo.  De 1957 até imediatamente antes da introdução do euro, em 2002, a Alemanha apresentou a menor inflação de preços do mundo, menor até mesmo que a da Suíça. 
O gráfico abaixo mostra a evolução do índice de preços da Alemanha (linha preta), da Suíça (linha vermelha) e dos EUA (linha azul, apenas a título de comparação).  Observe que, embora Alemanha e Suíça comecem com aproximadamente o mesmo índice, já na década de 1970 a inflação de preços acumulada na Alemanha se torna visivelmente menor que a da Suíça, permanecendo assim por toda a década de 1980 e 1990.  Foi só em 2004, já sob o euro, que a situação se inverteu e a Suíça passou a apresentar uma menor inflação de preços acumulada. 
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Esse gráfico explicita por que os alemães não são muito simpáticos ao euro, e mostra por que foi tão difícilconvencê-los a abrir mão do marco alemão em prol de uma moeda única europeia. (E ajuda também a entender por que as desigualdades de renda nos EUA são muito maiores que as da Suíça, não obstante toda a generosidade das políticas assistencialistas americanas).
Com efeito, a admiração dos alemães pelo marco alemão era tamanha, que uma pesquisa feita em 1995 relatou que 80% dos alemães identificavam sua "germanicidade" com a estabilidade, a força e o prestígio internacional do marco.  Eles haviam vivenciado os "milagres" que uma moeda forte é capaz de fazer.  Uma economia que estava destruída em decorrência de uma guerra mundial, e cuja população havia perdido toda a sua poupança em decorrência de duas hiperinflações, conseguiu se reerguer, enriquecer e se tornar a mais poderosa da Europa no espaço de apenas uma geração, tudo isso possibilitado por uma moeda forte e estável, que dava a seus cidadãos um poder de compra sem par.  Os alemães perceberam na prática que uma moeda forte é uma condição indispensável — embora não seja suficiente — para a prosperidade econômica, e que uma moeda fraca e instável cria baderna e inquietações sociais.
Os alemães creditavam à robustez do marco o fato de estarem entre os trabalhadores mais bem pagos do mundo e de poderem fazer várias viagens internacionais a preços extremamente baixos.
Por que este longo prólogo dedicado à Alemanha?  Porque a Alemanha — em conjunto com a Suíça e com o Japão — é um perfeito exemplo prático de como uma moeda forte só traz vantagens para uma população.  Aqui no Brasil, economistas pós-keynesianos e progressistas diariamente afirmam que uma moeda desvalorizada é uma condição indispensável para a robustez e competitividade da indústria nacional, e que uma moeda forte levaria à extinção de nosso parque industrial e geraria fortes desequilíbrios no balanço de pagamentos, pois os brasileiros iriam "importar e viajar muito".  Aparentemente, eles ignoram o fato de que Alemanha, Suíça e Japão possuem moedas fortes há décadas e, não obstante, um setor industrial e exportador extremamente robusto e competitivo, além de uma população bastante viajada.  Não foi necessário desvalorizar suas moedas para que suas indústrias se tornassem competitivas, e até hoje nunca houve qualquer indicativo de "crise no balanço de pagamentos".
Abaixo, a evolução das taxas de câmbio da Alemanha (linha preta), da Suíça (linha vermelha) e do Japão (linha amarela, eixo da direita) em relação ao dólar.  A série termina em dezembro de 1998 porque em janeiro de 1999 a Alemanha teve de alterar seu regime cambial para se preparar para a introdução do euro.
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A súbita, porém passageira, depreciação observada na primeira metade da década de 1980 não se deve a nenhuma política inflacionista destes Bancos Centrais, mas sim à acentuada valorização do dólar neste período, que foi quando o Fed estava sob o comando de Paul Volcker, que havia elevado a taxa básica de juros americana para 20%.
A situação no Brasil
Para entender o atual momento da economia brasileira e de sua moeda, um rápido exercício de imaginação será de grande valia.  Imagine o leitor estes dois cenários completamente opostos:
1) No primeiro cenário, os bancos passam a aumentar a oferta de crédito, o que faz com que a quantidade de dinheiro na economia aumente continuamente.  Isso, por conseguinte, faz com que os salários nominais da população também cresçam continuamente.  No entanto, não obstante toda essa inflação monetária, o poder de compra da moeda mensurado em dólares, em vez de cair, também aumenta continuamente.
2) Já no segundo cenário, com a população mais endividada e com os indicadores de inadimplência em alta, os bancos se tornam mais comedidos e passam a restringir o crédito.  Consequentemente, a quantidade de dinheiro na economia passa a crescer moderadamente, e isso faz com que o crescimento dos salários nominais da população arrefeça.  No entanto, não obstante esta contenção da inflação monetária, o poder de compra da moeda mensurado em dólares, em vez de subir, passa a cair continuamente.
O primeiro cenário vigorou no Brasil de 2003 até meados de 2011.  A oferta monetária se expandiu vigorosamente e, não obstante tal inflação, o valor do real mensurado em dólares também aumentou continuamente.  No primeiro semestre de 2003, por exemplo, o dólar chegou a custar R$3,60.  A partir dali, o real começou a se valorizar perante o dólar, chegando ao ápice em julho de 2008, quando o dólar valia apenas R$1,56.  Houve um ligeiro soluço no final de 2008 e início de 2009 por conta da crise financeira mundial, mas nada que abalasse o fortalecimento do real, que rapidamente voltou a se valorizar continuamente até chegar novamente ao valor de R$1,54 em julho de 2011.
Este fenômeno — e isso deve ser muito enfatizado — foi totalmente inédito na história do Brasil.  Nunca antes havíamos vivenciado um período que conjugasse forte expansão monetária, aumento nominal dos salários e contínua apreciação da moeda nacional.  Nem mesmo na primeira fase do Plano Real, de 1994 a 1998, isso ocorreu. 
Para se ter uma ideia do que isso representou, uma pessoa que ganhava um salário mínimo no início de 2003 — R$200 — tinha um poder de compra de aproximadamente US$60.  Já uma pessoa que ganhava salário mínimo em meados de 2008 — R$415 — passou a ter um poder de compra de aproximadamente US$259.  E em meados de 2011, com o salário mínimo a R$545, tal pessoa passou a ter um poder de compra de aproximadamente US$340.  Ou seja, em dólares, o poder de compra de um trabalhador que recebe salário mínimo cresceu 332% em 5 anos e 466% em 8 anos.
Isso, e apenas isso, já ilustra a importância de se ter uma moeda forte.  E você ainda se surpreende que Lula tenha tido recordes de aprovação, principalmente entre os mais pobres?  Fernando Henrique Cardoso também usufruiu altos índices de popularidade entre os mais pobres durante seu primeiro mandato, quando o real estavaatrelado ao dólar.  E foram os mais pobres que o reelegeram em 1998.  Novamente, apenas uma consequência natural de se ter uma moeda forte.
Esta valorização do real perante o dólar entre 2003-2011, a qual ocorreu durante um longo processo de expansão do crédito, foi crucial em fazer com que a inflação de preços no Brasil não aumentasse tanto quanto poderia ter aumentado em decorrência de toda a inflação monetária ocorrida.  Tal fenômeno — que representou um grande aumento na renda real das pessoas — não pode ser descartado quando se quer entender o motivo da alta popularidade de Lula.  As pessoas tinham cada vez mais dinheiro no bolso, e esse dinheiro valia cada vez mais em termos de dólares.
O gráfico a seguir ilustra como foi esse movimento.  A linha vermelha representa a evolução do câmbio (coluna da esquerda).  A linha azul representa a evolução da oferta monetária (coluna da direita).  O período analisado é de janeiro de 2002 a julho de 2011.
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Vale observar que, após a forte alta do dólar no final de 2002 — temores com a eleição de Lula —, o real volta a se fortalecer em 2003, e firmando sua tendência de valorização a partir de 2004.
Embora este mesmo fenômeno tenha ocorrido com praticamente todas as outras moedas ao redor do mundo — pois este foi um período de grande desvalorização do dólar —, a apreciação do real foi particularmente mais intensa.  E isso pode ser creditado à percepção positiva que os investidores estrangeiros, os especuladores e todos os traders que atuam no mercado financeiro tinham em relação à equipe econômica.  A boa equipe montada por Antônio Palocci no primeiro mandato de Lula, com Joaquim Levy, Marcos Lisboa e Murilo Portugal na Fazenda, além de Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn e Alexandre Schwartsman no Banco Central, foi essencial para gerar esta confiança.  E ela foi mantida inabalada mesmo durante períodos conturbados, como por exemplo durante o escândalo do mensalão em 2005, em que não houve fuga de dólares e o câmbio não foi afetado.
E, mesmo com mudanças significativas feitas na equipe econômica a partir de 2006, com a saída de Palocci e a nomeação de Guido Mantega para Ministro da Fazenda, a confiança se manteve.  Após um forte soluço ocorrido no final de 2008, a economia se recuperou rapidamente durante o ano de 2009, pois o governo não saiu baixando pacotes, não tentou desvalorizar o câmbio, não recorreu a políticas protecionistas e, principalmente, permitiu que preços e salários se ajustassem para baixo.  Esta célere recuperação, em conjunto com as fartas matériaselogiosas publicadas pela imprensa internacional sobre a economia do país, manteve o ânimo dos investidores estrangeiros, dos especuladores e de todos os traders que atuam no mercado financeiro, e o real voltou a se valorizar perante o dólar. 
Todos os bons resultados financeiros apresentados pelas filiais de empresas estrangeiras instaladas no Brasil podem ser creditados à valorização do real, que fez com que os lucros remetidos em dólares e euros para suas matrizes fossem substanciais.  O mesmo pode ser dito sobre o espetacular momento vivenciado pelas companhias aéreas neste período, uma vez que dólar baixo significa mais pessoas viajando e querosene mais barato.
Mas tudo começou a degringolar em 2012, que foi o ano em que o governo mais exacerbou suas intervenções na economia, o que deu origem ao segundo cenário descrito no início desta seção. 
Toda a expansão creditícia iniciada em 2004 gerou dois inevitáveis resultados: endividamento recorde da população e inadimplência em alta.  O gráfico abaixo ilustra a evolução destes dois indicadores.  A linha azul mostra endividamento das famílias em relação à sua renda acumulada nos últimos doze meses (coluna da direita) e a linha vermelha mostra a evolução da inadimplência (coluna da esquerda).
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Esta situação fez com que os bancos adotassem uma postura mais comedida e aumentassem suas exigências antes de conceder novos empréstimos.  Tal postura mais restritiva dos bancos gerou um arrefecimento na até então frenética expansão do crédito, algo que, por conseguinte, reduziu a taxa de crescimento da oferta monetária.
Essa redução da taxa de crescimento da oferta monetária afetou os números do PIB, bem como a demanda por bens industriais (veja aqui o gráfico da produção industrial).  O governo então se desesperou e, confundindo causa com consequência, passou a adotar uma profusão de medidas intervencionistas para "proteger a indústria". 
Primeiro ele fechou os portos aumentando as alíquotas de importação de praticamente todos os produtos estrangeiros (está tudo aqui e aqui).  Depois, obrigou todas as grandes empresas do país a produzir utilizando uma determinada porcentagem de insumos fabricados no Brasil.  Ato contínuo, os privilegiados fabricantes destes insumos obviamente se aproveitaram deste monopólio para aumentar seus preços.  Para ajudar as grandes empresas a adquirir estes agora mais caros insumos, e simultaneamente para ajudá-las em seus projetos de investimento, o BNDES foi liberado para lhes emprestar dinheiro público a rodo, tudo a juros subsidiados.  Como o BNDES não tem todo esse dinheiro, o Tesouro começou a emitir títulos apenas para arrecadar este dinheiro, o que fez com que a dívida bruta do país chegasse a R$ 2,823 trilhões.  Em simultâneo, naquelas poucas áreas com potencial para receber fartos investimentos estrangeiros — o setor de infraestrutura rodoviária, portuária, aeroportuária e ferroviária —, o governo estipulou taxas de retorno, de estilo bolivariano.  No final, para não assustar de vez os investidores estrangeiros e os organismos internacionais, o governo passou a maquiar suas contas públicas, transformando 'recebíveis a longo prazo' em 'receita imediata', e déficit em superávit.
Paralelamente a tudo isso, a presidente e seus dois ministros favoritos (Mantega e Pimentel) se esmeraram em açoitar com gosto o "tsunami" de dólares que entrava no Brasil e apreciava o câmbio, sem se dar conta de que eram justamente esses dólares os principais responsáveis pela satisfação da população.
Resultado de tudo isso: insatisfação, estagnação, insegurança, alto grau de incerteza do empresariado, desconfiança dos investidores estrangeiros, saída de dólares, e acentuada desvalorização cambial.  O dólar, que em julho de 2011 chegou a valer R$1,56, disparou para R$2,44.
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Neste mesmo período, o euro foi de R$2,26 para R$3,26.  Isso significa que o dólar se valorizou 56% perante o real, e o euro, 44%. 
Ou seja, quem hoje recebe salário mínimo — de R$678 — está recebendo US$278, um valor 18% menor que os US$340 de julho de 2011.  E ainda há quem acredite que os progressistas que defendem câmbio desvalorizado são a favor do aumento da renda dos mais pobres...
São três os fatores que determinam as oscilações da taxa de câmbio de uma moeda:
1) O primeiro é a inflação monetária e sua inevitável consequência, que é a inflação de preços. A taxa de câmbio é, no longo prazo, definida pelo poder de compra da moeda. Como o poder de compra do real foi dizimado pela inflação monetária ocorrida do período 2008-2011, é natural que esteja agora havendo esse ajuste na taxa de câmbio.
2) Além da inflação monetária, a taxa de câmbio de curto prazo também é afetada pelo crescimento da economia. Quanto maior o crescimento da economia, maior a demanda por moeda nacional — logo, mais apreciada tende a ser a moeda.  Isso explica a valorização cambial que inevitavelmente ocorre quando o PIB está crescendo.  
3) Mas é o terceiro fator que está se sobressaindo atualmente.  Quando uma economia ainda em desenvolvimento — como a brasileira — adota uma taxa de câmbio flutuante, sua moeda estará diariamente sujeita aos humores dos especuladores, dos investidores internacionais e de todos os traders que atuam no mercado financeiro. Se eles perderem a confiança no governo, a taxa de câmbio poderá se desvalorizar acentuadamente, e permanecer assim por um bom tempo. É isso que está acontecendo no Brasil atual: a inflação monetária não está mais crescendo em níveis acentuados, mas a taxa de câmbio segue se desvalorizando por causa da atuação de especuladores, dos investidores internacionais e de todos os traders que já perceberam que as autoridades monetárias e econômicas do Brasil não são muito sérias.[1] 
Essa abrupta desvalorização do real perante o dólar alarmou toda a equipe econômica.  Desde maio último, o Banco Central já gastou quase US$ 40 bilhões em leilões de swap cambial, mas o preço do dólar continua em ascensão.  Para piorar, a percepção de que a situação está degringolando cresceu na mesma proporção.  Veja um trecho desta notícia retirada do blog do jornalista Vicente Nunes:
Nenhum dos diretores do Banco Central fala claramente, mas há um desconforto generalizado entre eles com o que consideram traição por parte do restante do governo. Acreditam que a autoridade monetária seguiu à risca tudo o que foi combinado com o Planalto nos últimos três anos, sobretudo a missão de levar a taxa básica de juros (Selic) para o menor patamar da história, de 7,25% ao ano, em outubro de 2012.
A expectativa era de que todo o governo se engajasse nesse processo, especialmente o Ministério da Fazenda, ao fazer um ajuste fiscal consistente, com transparência, sem truques, para mostrar uma saúde que as contas públicas não têm. O que o BC viu foi exatamente o contrário. 
De início, porém, os integrantes da diretoria comandada por Alexandre Tombini preferiram o silêncio ante o descompromisso com o ajuste fiscal. Mas, diante da disparada da inflação e do derretimento do que ainda restava de credibilidade em relação à instituição, houve uma rebelião no BC e passou-se a explicitar a contrariedade com a gastança e a maquiagem das contas públicas tanto nas atas do Comitê de Política Monetária (Copom) quanto no Relatório Trimestral de Inflação.
Os diretores também cobraram uma postura mais clara de Tombini em público, pois o risco de as expectativas dos agentes econômicos degringolar era enorme. O presidente do BC passou, então, a ressaltar a importância de um ajuste fiscal consistente para ajudar o Copom a reconstruir a confiança que o país tanto precisa para retomar o crescimento consistente. 
Os diretores do BC sabem que não será uma tarefa fácil, especialmente porque o maior símbolo da desconfiança, o maquiador da Esplanada, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, permanece firme e forte no cargo, simplesmente porque é amigo da presidente Dilma Rousseff.
Tombini sentiu na pele o quanto a sua credibilidade e a de toda a diretoria do BC está no chão. Na semana passada, ele se reuniu, a portas fechadas, em São Paulo, com mais de uma centena de empresários e tomou uma sova. Começou com um discurso positivo, de que tudo está bem, que a inflação está sob controle (mesmo tendo ficado acima de 6% ao longo deste ano, no acumulado de 12 meses), mas acabou sendo atropelado por uma onda de críticas em relação ao governo. Muitos presentes no encontro foram claros ao afirmar que não vão retomar os investimentos produtivos até o fim das eleições de 2014. Tombini deixou o local quase mudo.
O Banco Central, como esperado, soltou uma nota negando a veracidade destas informações, o que significa que elas de fato são verdadeiras.
O que fazer
Durante toda a expansão do crédito anterior, os indivíduos intensificaram seu endividamento para poder consumir, na crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas.  Já as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo estimuladas tanto pela expansão monetária coordenada pelo Banco Central (o que fez com que os investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos produtos criados pelos seus investimentos. 
Este arranjo, no entanto, já foi revertido.  A renda nominal se estagnou, mas os preços continuam em ascensão, em grande parte por causa da desvalorização do câmbio.  É esta combinação entre renda nominal estagnada e preços em ascensão que vem gerando esta sensação real de aperto financeiro nos brasileiros. 
Toda a mecânica deste ciclo econômico da economia brasileira já foi explicada inúmeras vezes neste site, de modo que ela não é o escopo deste artigo (veja aquiaqui e aqui).  Basta apenas dizer que, quando uma economia entra em uma fase de rearranjo pós-expansão do crédito, é essencial que seus preços possam cair para fazer com que a oferta entre em sintonia com a demanda.  Uma acentuada desvalorização do câmbio vai totalmente contra este propósito.  E, considerando-se que a inflação de preços acumulada em 12 meses está acima de 6%, e que a economia está estagnada, a situação é compreensivelmente ruim.
E é exatamente por isso que é de suma importância ter uma equipe econômica — tanto na Fazenda quanto no Banco Central — que inspire confiança nos investidores estrangeiros, nos traders e nos especuladores.  Havia esta equipe no Banco Central em 2008.  Como consequência, a desvalorização do real perante o dólar foi efêmera. 
Sendo assim, caso a atual equipe do Banco Central não reconquiste a confiança dos investidores, especuladores e traders, o câmbio continuará se desvalorizando e impedindo que a inflação de preços diminua como deveria. Esta contínua desvalorização cambial, geradora de grandes incertezas, continuará fazendo com que a economia permaneça nesta quase-estagflação que estamos vivenciando, com uma crescente redução na renda real das pessoas. 
Para resolver este imbróglio, uma medida já testada em vários países emergentes e de resultados imediatos e extremamente eficazes seria a transformação do Banco Central em um Currency Board (veja o que tal sistemarealizou na Bulgária).  Dado que o BACEN possui hoje mais de US$370 bilhões em reservas internacionais, adquiridas ao longo de 20 anos, tal valor é mais do que suficiente para a imediata criação de um Currency Board.  Não apenas o câmbio se estabilizaria, como também a confiança dos investidores na economia seria restabelecida.  Adicionalmente, as taxas de juros cairiam, o que traria um extremamente necessário alívio nos gastos do governo com o serviço da dívida. 
Porém, e infelizmente, o apoio a tal medida seria nulo.  Um Currency Board, justamente por retirar do governo o controle sobre a oferta monetária, obriga-o a adotar um orçamento austero, não deixando espaço para gastos com 41 ministérios e secretarias, aumentos para o funcionalismo, e subsídios para artistas, grupos de interesse e movimentos sociais.  Não haveria apoio nenhum.
Sendo assim, uma segunda opção seria copiar descaradamente o estatuto do Bundesbank, adotando todos os seus métodos operacionais (cancelando as operações de mercado aberto e utilizando apenas a janela de redesconto, justamente o inverso de como opera hoje o BACEN).  Seria necessária a aprovação de uma lei que de fato impingisse a obediência desse estatuto.  Funcionou com a Lei de Responsabilidade Fiscal — pelo menos até agora —, então também pode funcionar para o BACEN. 
Adicionalmente, a plena conversibilidade do real deve ser promulgada.  Isso significa que reais poderão ser trocados por moeda estrangeira sem restrições.  Uma moeda plenamente conversível é aquela que pode ser usada para adquirir quaisquer tipos de bens ou serviços estrangeiros, incluindo imóveis, títulos, ações e contas bancárias em outros países.  A promulgação da conversibilidade seria um passo adicional na conquista da confiança dos investidores estrangeiros, podendo inclusive levar a um desdobramento natural: fazer com que moedas estrangeiras passem a ser aceitas como moeda corrente para as transações domésticas (hoje, o governo proíbe).
O problema é que não há hoje nenhum político com a testosterona necessária para criar esses dois projetos de lei.
O fato é que o Banco Central tem de reconquistar a confiança do mercado para que a taxa de câmbio possa cair, o que irá ajudar a conter a inflação de preços e, por conseguinte, ajudar na recuperação dos investimentos e da economia.  A recuperação só virá se os preços caírem, e isso não ocorrerá com o câmbio se desvalorizando em decorrência da falta de confiança.
Nomes como Gustavo Franco para a presidência do BACEN e Pérsio Arida para a Fazenda seriam um bom começo, mas serão inócuos se não vierem acompanhados destas reformas.
Conclusão
Uma moeda sólida, forte e estável é necessária — embora apenas isso não seja suficiente — para a prosperidade econômica.  Os alemães entenderam isso ainda em 1957.  A consequência foi uma estrondosa elevação em seu padrão de vida.  Os brasileiros vivenciaram algo vagamente semelhante a uma moeda forte nos períodos 1994-1998 e 2007-2011.  Embora a alegria tenha durado pouco, este curto período já foi suficiente para melhorar as condições de vida de milhões de brasileiros, especialmente dos mais pobres.
Os grandes economistas sempre enfatizaram a importância de se ter uma moeda forte.  Em 1876, Carl Menger, o fundador da Escola Austríaca, tornou-se o tutor econômico do príncipe-herdeiro da Áustria, Rodolfo de Habsburgo.  Algumas das anotações econômicas de Rodolfo foram publicadas na década de 1990.  Dentre as lições que o príncipe absorveu de Menger, vale observar o seguinte trecho:
Em grande parte, as transações comerciais e todo o comércio internacional, que são os pilares que dão sustentação ao desenvolvimento econômico, dependem de um sistema monetário ordeiro e bem-estabelecido.  Por conseguinte, flutuações na taxa de câmbio e a incerteza que tais flutuações geram em todos os cálculos econômicos irão abalar a prosperidade da economia em suas bases mais fundamentais.  Em toda e qualquer atividade doméstica ou internacional, cidadãos e empreendedores irão encontrar desconfianças e obstáculos por todos os lugares... Sendo assim, é sensato afirmar que uma moeda fraca e instável representa uma deficiência vital para uma nação, pois ela se faz sentir profundamente em todos os aspectos da vida econômica e de seu progresso.
Sim, uma moeda forte é uma bênção para qualquer população.  Ela gera um aumento do poder de compra do trabalhador e, consequente, um aumento em seu padrão de vida.  Uma moeda em constante fortalecimento equivale a um aumento salarial contínuo.  Ela permite acesso barato a uma farta quantia de bens e serviços estrangeiros, aumentando enormemente o padrão de vida de seus usuários.  Trata-se de uma instituição que não deve jamais ser colocada em risco, muito menos em épocas de recessão.  E quem discorda disso que vá ensinar aos suíços e alemães o que eles realmente devem fazer.


[1] É por isso que há grandes economistas que defendem Currency Boards para economias em desenvolvimento. Segundo eles, deixar a moeda de um país ainda em desenvolvimento flutuar de acordo com a percepção que os agentes externos têm em relação à solidez do governo nacional é loucura. 

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.


Os empregos e as importações



N. do T.: O artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira.

Iluminados.jpgO governo brasileiro, preocupado com um possível efeito negativo das importações sobre o nível de empregos na indústria nacional, preparou um pacote de estímulos,isenções e subsídios à industria nacional — o Plano Brasil Maior.
Por trás de toda essa pirotecnia está o velho e, aparentemente, inacabável temor da desindustrialização e do consequente desemprego gerado pelo livre comércio e pelas importações chinesas.
Quando não estão culpando os juros altos, políticos e analistas econômicos sempre gostam de explicar o aumento do desemprego na indústria com argumentos protecionistas, os quais estão dentre os mais velhos e mais controversos argumentos econômicos.  O desemprego, exaltam-se eles, é o preço que pagamos por participarmos de uma economiaglobalizada na qual chineses e vietnamitas desempregados ou subempregados estão dispostos a trabalhar em troca de um salário famélico, o que faz com que o preço final de seus produtos seja imbatível.  
Sendo assim, o livre comércio, prosseguem eles, passa a ser algo extremamente injusto para a nossa indústria nacional, a qual não tem condições de concorrer com os produtos asiáticos — seja porque nossas leis trabalhistas são onerosas, seja por causa da alta carga tributária, seja por causa do câmbio valorizado, o que barateia as importações.  Consequentemente, milhões de brasileiros que trabalham no setor industrial são condenados à indignidade e à privação do desemprego.  A única solução, quando não a manipulação direta do câmbio, é dificultar ao máximo as importações, impondo tarifas protecionistas e aumentando os subsídios para a indústria nacional.
Curiosamente, se o comércio exterior fosse responsável por demissões, o fenomenal aumento das importações observado nas últimas décadas deveria não só ter desempregado todos os brasileiros que trabalham na indústria, como também deveria ter aniquilado a própria indústria nacional.  De acordo com dados do Banco Central, as importações brasileiras na década de 1950 totalizaram US$ 12,8 bilhões.  Na década de 1960, aumentaram US$ 13,8 bilhões.  Na década de 1970, aumentaram em sete vezes, para US$ 97,2 bilhões.  Na década de 1980, com a política da substituição de importações, o ritmo do crescimento reduziu bastante, aumentando em um fator de apenas 1,7, indo para US$ 168,9 bilhões.  Na década de 1990, o aumento foi de 2,3 vezes, chegando a US$ 390,6 bilhões.  E, finamente, de 2000 a 2010, as importações já passaram de US$ 1,04 trilhão.  Se as importações destroem empregos, então esse aumento de 8.025% desde a década de 1950 deveria ter aniquilado com todos os empregos da indústria nacional.
É difícil imaginar como seriam nossas atuais condições de trabalho e nossa atual qualidade de vida caso o governo brasileiro tivesse fechado suas fronteiras, como defendem os protecionistas radicais e os seguidores da CEPAL.  A interrupção do comércio estrangeiro e a consequente retaliação internacional às nossas importações, em conjunto com o esmagador fardo tributário e regulatório que nossos sucessivos governos impuseram à economia, certamente teriam jogado o país em uma profunda depressão.  Com as fronteiras fechadas, não haveria investimentos estrangeiros.  E sem investimentos estrangeiros, não haveria capital com o qual criar novas indústrias no Brasil, principalmente as automobilísticas, e não teríamos como importar todos os bens de capital que hoje são utilizados para aumentar a produtividade da mão-de-obra e, consequentemente, seus salários.  Mais ainda: sem investimentos estrangeiros, não teria sido possível criar o Plano Real, pois não haveria as necessárias reservas internacionais para implementá-lo. 
O Brasil estaria paralisado, empobrecido e completamente isolado do processo de globalização.
Empregos
O emprego sempre foi e sempre será um fenômeno relacionado à produtividade e ao custo da mão-de-obra.  Em uma economia de mercado, tanto em épocas de crescimento quanto em momentos de recessão, a demanda por uma mão-de-obra que faça contribuições positivas sempre será ilimitada.  Aquela mão-de-obra que custa mais do que pode produzir — seja ela não-qualificada ou seja ela detentora de três diplomas — não possui nenhuma demanda.  Do ponto de vista dos potenciais empregadores, ela é absolutamente "improdutiva".  Isso é válido para atores de cinema e para administradores, para analistas de sistemas, programadores de softwares, engenheiros de automação e cientistas aeronáuticos.  Se Ph.D.s em matemática não estão conseguindo encontrar empregos, é porque seus potenciais empregadores acreditam que eles são bastante "improdutivos" considerando-se o custo total de sua mão-de-obra em relação à sua produtividade.
Boa parte da mão-de-obra que possui diploma universitário está desempregada porque está fora de sintonia com o mercado de trabalho.  São pessoas que foram educadas de acordo com currículos formulados por burocratas do Ministério da Educação e fartamente financiadas por impostos.  Não estão acostumadas a cobranças e à realidade do mercado.  Sob esse arranjo, vários diplomados estão extremamente mal equipados para ocupar empregos úteis.  Daí o apagão da mão-de-obra qualificada e o crescente aumento de pessoas diplomadas trabalhando em empregos fora da área em que formaram; empregos estes (teoricamente) abaixo de sua qualificação. 
Em praticamente todos os setores da economia, os empregadores fornecem cursos de treinamento para aumentar o conhecimento e a produtividade de seus contratados, pois estes saíram das universidades sem saber nada.  Porém, tais empregadores não ofertarão tais programas de treinamento caso os custos destes sejam proibitivos em relação ao que o trainee pode produzir, de modo que os resultados finais do treinamento sejam insuficientes para cobrir as despesas do processo.
Os empreendedores de sucesso estão continuamente se ajustando às alterações na demanda, na oferta, na tecnologia, nos custos de transporte, nos custos da mão-de-obra e do capital, nas regulamentações e nos obstáculos governamentais, nos impostos, na burocracia, na concorrência doméstica e internacional.  Cada indivíduo inserido na ordem de mercado está sob pressão para se ajustar a essas mudanças e, com isso, se manter produtivo.  É claro que ele também é livre para ignorar as pressões; a datilógrafa pode perfeitamente continuar querendo apenas teclar sua máquina de escrever.  O que ela não pode é insistir que ela seja subsidiada por outros trabalhadores e empregadores.  O mesmo é válido para um engenheiro aeronáutico graduado com honras no ITA e que sabe construir grandes aviões militares.  Em épocas de guerra e de preparações para a guerra, seus serviços estarão sob forte demanda.  Em épocas de paz, ele terá de aprender atividades mais pacíficas.  Ele não possui o direito natural de viver à custa do trabalho alheio.
A concorrência internacional é tão benéfica quanto a concorrência doméstica.  De um lado, ela obriga os vendedores a superarem seus concorrentes, forçando-os a oferecerem bens e serviços melhores e mais baratos; de outro, ela obriga os consumidores a também superarem seus concorrentes (os outros consumidores), forçando-os a terem a disponibilidade de pagar preços maiores. 
Tarifas protecionistas e outras restrições ao comércio exterior geram o efeito totalmente oposto: elas criam reservas de mercado, permitindo que produtores protegidos ofereçam produtos inferiores a preços mais altos.  Elas distorcem a cadeia produtiva, pois seus incentivos tortos, criados por burocratas, fazem com que a produção muitas vezes tenha de sair de lugares em que as condições naturais para a produção são mais favoráveis e vá para lugares em que as condições são menos favoráveis.  Elas afetam a distribuição da mão-de-obra, a qual abandona aquelas indústrias exportadoras que operam sob forte ambiente concorrencial, e que pagam salários mais altos, e vai para as indústrias protegidas, que geralmente pagam salários mais baixos.  Em suma, as restrições ao livre comércio afetam a produção e, consequentemente, reduzem o padrão de vida.
A competitividade de uma empresa tanto no mercado doméstico quanto no mercado internacional é determinada pelos seus custos totais, dentre os quais os custos da mão-de-obra (com seus encargos sociais e trabalhistas) são apenas um dos componentes.  Em indústrias intensivas em capital, como a farmacêutica, a química, a aeronáutica, a siderurgia e a indústria de maquinários, o custo do capital tende a determinar a competitividade.  Essas indústrias não concorrem com os produtos chineses, e seus maiores obstáculos são as regulamentações governamentais sobre as importações de bens de capital, bem como a carga tributária sobre tais bens.  Já nas indústrias intensivas em mão-de-obra, o custo total da mão-de-obra é decisivo, e aqui a concorrência chinesa é forte.  Porém, novamente, o maior empecilho a estas indústrias está nos obstáculos criados pelo governo, como a carga tributária e os encargos trabalhistas, nos quais o Brasil é nº 1 do mundo, muito acima da média dos países europeus.
Ademais, se um empreendedor comprar uma máquina para aumentar a produtividade dos seus empregados, ele terá de arcar com ICMS, PIS e COFINS, o que faz com que o investimento fique onerado em até 36%, somente por causa desses impostos.  Quanto mais longa a cadeia produtiva, mais acumulados ficam os impostos.
A questão das importações
Se as importações chinesas estão "tomando mercado" dos produtos brasileiros é porque os consumidores brasileiros estão voluntariamente mostrando que preferem aqueles produtos (talvez por serem mais baratos) aos produtos brasileiros.  E é isso que políticos, analistas econômicos e empresários mercantilistas não querem aceitar.  O que eles querem, na verdade, é um decreto governamental que proíba os consumidores brasileiros de exercerem livremente suas preferências no mercado.  No extremo, querem que os brasileiros sejam obrigados a comprar apenas os bens produzidos nacionalmente.
Até onde se sabe, não há agentes terroristas a soldo do governo de Pequim agindo livremente no Brasil, apontando uma arma para os brasileiros e obrigando-os a comprar seus produtos.  Se os consumidores brasileiros voluntariamente optam por consumir produtos chineses, é porque algum atrativo estes devem ter.  Se não tivessem, não seriam consumidos.  Afinal, por via de regra, um indivíduo só pratica uma transação voluntária quando ele acha que a troca lhe trará benefícios. 
Tarifas sobre produtos chineses afetam os mais pobres de maneira muito mais cruel e direta do que os ricos.  Encarecer artificialmente produtos importados apenas para agradar empresários com boas conexões políticas é um ato no mínimo criminoso.  Proibir que os mais pobres tenham acesso a produtos baratos com a desculpa de se estar protegendo a indústria nacional é, com muita boa vontade, um argumento ridículo e imoral.
Afirma-se também que o câmbio está excessivamente apreciado, e que isso está artificialmente estimulando a importação.  Outro argumento sem sentido.  As empresas que reclamam estar sofrendo "competição desleal" por causa do dólar barato poderiam muito bem se aproveitar desse dólar barato e importar bens de capital que ajudariam a aumentar sua produtividade e, consequentemente, a diminuir seus preços.  Com preços mais baixos, a qualidade dos bens que produzem poderia até ser mantida, pois isso já seria suficiente para concorrer de igual pra igual com os chineses.  
Alguns poderiam contra-argumentar dizendo que preços menores fariam com que os lucros caíssem, o que obrigaria as empresas a reduzir investimentos, cortar a produção e demitir.  Mas eles esquecem que a lucratividade não é determinada pelo número absoluto de reais obtidos; lucratividade é uma questão de margens.  Se os preços caem, mas os custos de produção também caem na mesma medida, então a margem de lucro permanece constante.  Porém, como uma diminuição de preços resulta em um maior volume de vendas, essa margem de lucro constante irá gerar maior lucratividade por causa do maior volume de vendas.  Muito mais bens são vendidos a $100 do que a $150, por exemplo.  Assim, a receita que foi perdida por unidade vendida é mais do que compensada pelo maior volume de vendas.
Mas ao invés de utilizar seu dinheiro para modernizar suas empresas e ganhar lucratividade, os empresários mercantilistas preferem gastá-lo fazendo lobby em Brasília, já que a pressão política traz resultados mais rápidos, mais baratos e, melhor de tudo, evita os árduos esforços exigidos pelo mercado.
Por fim, um argumento aparentemente válido é o de culpar os altos custos trabalhistas impostos pelo governo, o que retira dinamismo e capacidade de investimento em comparação às indústrias chinesas.  Isso é verdade, como mostramos acima.  Mas por que então não atacar justamente esse ponto?  Não é justo e tampouco há qualquer argumento econômico para penalizar aqueles que nada têm a ver com a situação, obrigando-os a comprar produtos mais caros.  Ao passo que o livre comércio gera riqueza — pois podemos adquirir produtos mais baratos daqueles que os fabricam com mais eficiência —, sua proibição significa a necessidade de utilizar mais recursos para produzir menos riqueza.  No final, todos perdem com esse desperdício (exceto os protegidos, como ocorreu com vários setores da economia brasileira durante a década de 1980).
Além de ridículo, o argumento protecionista é também imoral porque nenhum político, burocrata ou empresário tem o direito de definir o que um indivíduo pode comprar, de quem ele pode comprar e a que preço ele pode comprar.  Se damos ao estado o direito de escolher essas variáveis, então já não mais estamos no controle de nossas vidas.  Nosso arbítrio não mais é livre e não mais nos pertence. 
Conclusão
O protecionismo subsidia o ineficiente e tende a agravar a ineficiência, não importa se a indústria protegida é infante ou madura.  Tarifas de importação fazem também com que as administrações incompetentes não sejam punidas pelo mercado, que os custos de produção não sejam controlados (o que provoca o desperdício de recursos escassos) e que haja inúmeras concessões aos sindicatos.  O resultado, no longo prazo, será uma indústria perpetuamente não competitiva — como foi a indústria automotiva brasileira até os anos 1990.  Apenas a livre concorrência pode fazer com que uma empresa ou indústria se mantenha permanentemente competitiva — ou quebre.
Àqueles que creem que adotar tarifas protecionistas é necessário para proteger e melhorar a eficiência das indústrias — por mais paradoxal que seja acreditar que a melhor maneira de levar eficiência a um setor é protegendo-o da concorrência —, ficam as seguintes perguntas: Tarifa de quanto?  Por que tal valor?  Por que não um valor maior ou menor?  Por quanto tempo deve durar tal tarifa?  Por que não um tempo maior ou menor?  Qual setor deve ser protegido?  Por que tal setor e não outro?  E, finalmente, por que o segredo para a eficiência é a blindagem da concorrência?
Àqueles que defendem subsídios diretos via BNDES, as perguntas acima também se aplicam.  Como é possível alguém achar que despejar subsídios em empresas fará com que elas se tornem mais produtivas?
A única medida que estimula a produtividade e a inventividade chama-se concorrência.  Qualquer política que proteja um determinado setor da concorrência de outros irá apenas perpetuar a ineficiência deste.
Livre comércio é, por definição, um comércio justo.  Aqueles que o negam para os outros não merecem tê-lo para si próprios. 

Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

Tradução de Leandro Roque

A filosofia da miséria e o novo nacional-desenvolvimentismo do governo brasileiro



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Dentre todas as inúmeras concepções erradas e falsas doutrinas que assombram o pensamento econômico, há uma que se destaca e que pode ser considerada, sem rivais próximos, a mais destruidora e nociva de todas elas: a ideia de que vivemos em um mundo de abundância, um mundo em que não há escassez.
Tal ideia se resume a crer que oprincipal problema de uma economianão é a criação de riqueza — isto é, a produção de bens e serviços.  O problema seria simplesmente estimular o consumo de maneira igualitária.  Por exemplo, peguemos o inevitável exemplo da "saúde gratuita e de qualidade para todos".  Seus defensores apenas exigem que todas as pessoas possam consumir esse bem gratuitamente.  Nenhum deles jamais se preocupa em explicar como tal bem será produzido e distribuído de maneira racional e gratuita entre todos os seus consumidores.  A produção e a criação não fazem parte da súmula de preocupações destas pessoas.  É como se serviços de saúde, remédios e todos os tipos de tratamento médico, desde cirurgias até engessamento de braço, fossem bens amplamente disponíveis na economia, bastando apenas que haja uma "distribuição correta" de dinheiro para que eles possam ser consumidos igualmente por todos.
Essa visão de mundo parte do princípio de que bens e serviços surgem do nada e estão ali, inertes na natureza, apenas esperando serem descobertos e consumidos — e para que isso ocorra, basta o governo tributar, imprimir dinheiro e gastar. 
Porém, como perfeitamente pode compreender qualquer ser que se disponha a fazer uso de sua razão, nenhum bem ou serviço surge pronto do nada.  Todos eles precisam ser criados e trabalhados.  Um carro não surge do nada.  É preciso trabalhar o aço, o alumínio, a borracha e o plástico que irão formá-lo.  E esses quatro componentes também não surgem do nada.  Eles precisam ser extraídos da natureza ou fabricados.  O mesmo é válido para todos os outros bens de consumo que você possa imaginar, de laptops a aviões, passando por parafusos, palitos de dente e fio dental.  Todos precisam ser trabalhados.  De nada adianta o Banco Central imprimir dinheiro ou o governo aumentar seus gastos — aumento da quantidade de dinheiro ou aumento dos gastos do governo não podem abolir a realidade da escassez; não podem driblar e contornar o problema da produção, fazendo com que os bens finais surjam como em um passe de mágica.
Vejamos um exemplo simples que, em sua essência, revela como é extremamente complexa a estrutura de produção de uma economia.  Imagine uma simples empresa que venda presuntos.  Tudo o que você precisa fazer para adquirir seus produtos é ir até a gôndola de um supermercado, pegar a iguaria com a marca dessa empresa, ir até o caixa e pagar.  Um cidadão comum dificilmente faz uma pausa para pensar em todo o processo produtivo por trás daquele simples presunto.  Muitos creem que fazer um presunto é algo simples.  Muito pelo contrário. 
Em primeiro lugar, a empresa que fabrica presuntos precisa ter instalações adequadas para mantê-los bem conservados enquanto estiverem estocados.  Isso significa ter um armazém com um bom sistema de refrigeração.  O sistema de refrigeração necessita de manutenção e reparos constantes.  Isso significa custos com mão-de-obra.  Esse sistema precisa também de peças de reposição, e tais peças são geralmente feitas de aço.  E como se obtém o aço?  Compra-se de uma siderurgia.  E como a siderurgia fabrica o aço?  Como o aço é uma liga de ferro e carbono, é preciso antes escavar minas para achar ferro.  Portanto, a siderurgia tem de comprar ferro das mineradoras, e as mineradoras têm todo o seu processo de produção.  Vamos parar por aqui, pois, caso contrário, poderíamos nos estender infinitamente.
Após ter sido produzido pela siderurgia, o aço precisa ser transportado para a empresa de refrigeração que irá montar todos os insumos para fazer o equipamento de refrigeração.  O transporte normalmente é feito por uma empresa terceirizada.
Observe que ainda estamos falando apenas do sistema de refrigeração que vai conservar o presunto.  Só aí já vimos várias etapas da cadeia produtiva; vários processos de produção, sendo que cada um desses processos tem várias etapas.  Agora vamos falar mais especificamente do presunto.  O presunto, obviamente, não surge do nada.  Quem o traz?  Uma empresa de transportes.  Ela o traz de onde?  De um frigorífico.  E onde o frigorífico arrumou a matéria-prima (porcos) que se transforma em presunto?  Em um abatedouro.  Quem fornece pro abatedouro?  Um suinocultor.  Qual a função do suinocultor?  Criar os porcos.  Como se cria porcos?  Com milho e soja.  Onde ele arruma milho e soja?  Com agricultores.  E estes precisam de fertilizantes, que precisam ser manufaturados por vários outros processos de produção, e assim por diante.
Ou seja, aquele simples presunto que você compra no supermercado só chegou àquela prateleira após passar por várias etapas de uma intrincada cadeia produtiva.  E todo esse longo processo não pode ser contornado, driblado, evitado ou abolido por meras políticas governamentais.  Tampouco políticas sociais ou redistributivas podem fazer com que haja presunto farto para todas as pessoas de uma economia.  Tudo precisa ser trabalhado e produzido para que venha a existir.
Quando se entende essa realidade de que vivemos na escassez e de que tudo precisa ser trabalhado e produzido para que possa existir, é fácil concluir que, sempre e em todo lugar, haverá trabalho a ser feito.  Seja na fabricação de um bem de consumo, seja na prestação de algum serviço.
E é justamente a ignorância tanto desta realidade — a de que vivemos na escassez — quanto de sua consequência direta — que tal escassez significa que há uma infinita necessidade de trabalho e produção — o que está por trás de absolutamente todas as políticas danosas que frequentemente são implementadas com o objetivo de "estimular a economia" ou "proteger os empregos". 
É essa ideia de que não há escassez — e que, logo, há um número fixo de empregos na economia — que está por trás de políticas inflacionistas, assistencialistas, regulatórias e de aumento gastos governamentais. 
E é também essa ideia que está por trás de todas as políticas protecionistas.
"As importações destroem empregos!"
Como todos que se dão ao trabalho — e ao desgosto — de acompanhar o noticiário econômico bem sabem, o governo brasileiro vem adotando políticas protecionistas de vários tipos, que vão desde o aumento de tarifas de importação até a surrada prática da substituição de importações (com a participação do BNDES, por favor).  A ideia que sustenta tais políticas é uma só: impedir que os chineses e os coreanos — que se atrevem a nos vender a preços baixos produtos que queremos comprar — destruam empregos aqui no Brasil, ou, o que dá no mesmo, impedir que "nossos empregos" sejam exportados.
É importante fazermos uma análise mais detalhada desta recente e vigorosa ascensão protecionista e nacionalista, pois a própria existência do livre comércio — e de toda a prosperidade por ele trazida — depende disso.
Considere esta notícia:
Em meio a uma invasão de importados, a indústria nacional de calçados enfrenta dificuldades para manter empregos e até transfere sua produção para outros países. Dois grandes grupos empresariais do Rio Grande do Sul, principal pólo do setor no país, fecharam fábricas e levaram a produção para a Nicarágua e para a República Dominicana. O objetivo é aproveitar acordos comerciais desses governos com os EUA e criar unidades voltadas ao mercado americano.
A Abicalçados (associação da indústria do setor) diz que outras dez empresas podem tomar o mesmo rumo. A Argentina também recebe empresas brasileiras, que planejaram a mudança devido às barreiras para vender ao país vizinho. O grupo Schmidt Irmãos, que tinha uma série de fábricas no interior gaúcho, transferiu a produção para a Nicarágua no ano passado. O governo nicaraguense divulgou que o investimento da empresa brasileira será de US$ 25 milhões. A unidade em uma zona franca da Nicarágua precisa receber até máquinas e insumos vindos do Brasil, devido à escassa estrutura industrial do país. Procurado, o grupo preferiu não se pronunciar.
Dona de marcas como a Ortopé, a empresa Paquetá, de 12.500 funcionários, fechou em agosto uma fábrica em Sapiranga (RS) e a transferiu para a República Dominicana. Centenas de vagas de trabalho foram perdidas. A empresa disse que tomou a medida para "manter a competitividade industrial e continuar crescendo". A valorização do real também influencia na decisão. A federação dos trabalhadores do setor no Estado fala em risco de desindustrialização e diz que há  debandada para locais que oferecem salários mais baixos. A produção no acumulado do ano no país caiu. Até agosto, a exportação de calçados brasileiros recuou 25% ante o mesmo período de 2010. Enquanto isso, o volume de mercadorias importadas subiu 18%. A Indonésia quase dobrou suas vendas ao Brasil.
Ou seja, além dos chineses e dos coreanos, agora pelo visto também temos de nos "proteger" dos nicaraguenses e dos dominicanos.  E não precisamos ficar apenas nos exemplos diretos de perda de empregos e transferências de indústrias para o exterior.  Podemos pegar também o exemplo da transferência virtual de empregos.  Por exemplo, quem é da área de Tecnologia da Informação sabe perfeitamente que sua maior concorrência não está aqui no Brasil, mas sim na Índia, onde há técnicos plenamente capazes dispostos a trabalhar por salários menores do que seus congêneres brasileiros (e principalmente americanos).  Este é um dos motivos de os salários desta área, como recentemente nos disse um leitor que atua neste setor, estarem relativamente estagnados, por mais crescente que seja a demanda por tais serviços.
E isso é fácil de entender.  Ao passo que um engenheiro de software americano exige um salário de pelo menos US$ 100.000 por ano, e um brasileiro se contenta com uns US$ 30.000 (R$ 52.000), um competente indiano fica plenamente satisfeito com um salário de US$ 20.000.  Fazendo uso de modernos equipamentos de telecomunicação, este indiano poderá trabalhar desde a Índia tão eficazmente quanto se estivesse fisicamente presente no Brasil ou nos EUA.  Nos EUA, inclusive, há um fenômeno que vem assombrando o establishmentmédico daquele país (e que rapidamente pode aportar aqui no Brasil): o número de radiologistas, segundo a imprensa, vem declinando significativamente.  Isso ocorre simplesmente porque as imagens por ressonância magnética podem perfeitamente ser enviadas pela internet para radiologistas da Ásia plenamente capazes de diagnosticar o problema, e que cobram por isso apenas uma fração do que cobra o altamente cartelizado setor médico americano.  Tem-se aí um ótimo exemplo de como o livre mercado trabalha para manter os custos sempre baixos.
O que nos interessa aqui é observar que não há diferença entre substituir um trabalhador no Brasil por outro na Ásia, ou transferir uma fábrica para a Nicarágua e para a República Dominicana, ou desempregar trabalhadores de indústrias cujos produtos não conseguem concorrer com produtos importados mais baratos — no final, o desemprego nestes setores aumentará. 
E é aí que surgem os protecionistas com suas lamúrias sobre o livre comércio gerar desindustrialização, perda de renda, miséria e estagnação econômica.
Donde vem a pergunta: quais são realmente os fenômenos gerados pelo livre comércio?  Eles devem ser temidos?  Seriam eles um ataque ao nosso padrão de vida e, consequentemente, justificariam intervenções governamentais concebidas para controlá-los?
Para responder a esta pergunta, temos acima de tudo de entender a lei das vantagens comparativas e a distinção entre 'valor' e 'riqueza', algo que David Ricardo já havia feito em seu "Princípios de economia política e tributação".  'Valor' deve ser entendido como a renda monetária, e 'riqueza' deve ser entendida como os bens e serviços que a renda monetária pode adquirir.  Ou, colocando de outra forma, 'valor' é o dinheiro utilizado em uma troca, e riqueza é aquilo que é recebido nessa troca.
Assim, comecemos abordando o exemplo mais fácil: engenheiros de software brasileiros sendo substituídos por asiáticos que recebem salários menores.  O motivo desta substituição estar ocorrendo é óbvio: os brasileiros não estão dispostos — ou os custos trabalhistas são maiores aqui, o que dá na mesma — a aceitar salários tão baixos quanto os de seus concorrentes asiáticos.  Logo, o custo de tal serviço é maior aqui do que na Índia. 
E o fato de os brasileiros não estarem dispostos a aceitar esta redução salarial implica que eles preferem ir para outras linhas de produção (isto é, outros empregos) que, embora ofereçam salários menores do que aqueles que receberiam nos empregos que acabaram de perder, não requerem reduções tão severas quanto as que seriam necessárias para que eles se tornassem competitivos nos empregos agora preenchidos por indianos.
Por exemplo, supondo que os engenheiros de software ganhavam R$ 6.000 por mês e não aceitaram reduções salariais, de modo que indianos e chineses foram contratados em seu lugar, eles agora terão de se mudar para empregos que irão pagar, digamos, R$ 5.000 ou R$ 4.000.  Estes engenheiros, ao se mudarem para outros ramos da economia, irão levar todo o seu conhecimento e aptidão para estes setores, aumentando a oferta e melhorando a qualidade dos serviços.  E, principalmente, a maior oferta de mão-de-obra nestes setores irá reduzir os custos.  Caso o fenômeno que está ocorrendo com radiologistas nos EUA ocorra aqui no Brasil, o efeito será o mesmo: uma maior oferta de médicos em outras áreas da saúde, o que levará a uma redução real (isto é, descontada a inflação gerada pelo aumento da oferta monetária) dos preços — algo sempre bem-vindo.
E, como explicado no início do texto, o fato de vivermos em um mundo de escassez implica que sempre haverá, em todo e qualquer lugar, serviços (empregos) a serem feitos.  Em teoria, não há por que haver desemprego.  Logo, o fato de haver desemprego no mundo real se deve às regulamentações governamentais, as quais geram esse descasamento entre a demanda por trabalho, sempre infinita, e oferta de mão-de-obra, naturalmente escassa (tal fenômeno foi explicado mais detalhadamente aqui).  Consequentemente, se são as regulamentações governamentais que atrapalham o remanejamento da mão-de-obra deslocada pelas forças de mercado, então são elas que deveriam ser abolidas, e não o livre comércio.
Expandindo o raciocínio
Toda a explicação acima pode ser expandida para a economia como um todo.  Basta generalizarmos a situação.  Assim, imagine que vários setores da economia brasileira — automotivo, calçados, siderúrgicos, têxteis etc. — sejam confrontados por concorrentes estrangeiros ofertando produtos baratos que os consumidores brasileiros voluntariamente optam por comprar.  Tal concorrência desemprega vários trabalhadores brasileiros, os quais terão agora de ir para outros setores.  Isso irá gerar uma redução na renda monetária destes indivíduos.  Porém, e isso é o mais importante, a redução na sua renda monetária sempre será menor do que a redução nos custos implantada por seus concorrentes.  Ou, colocando de outra forma, a redução nos custos será maior do que a redução na renda monetária.
E isso é fácil de entender.  Quando uma empresa busca reduções de custo (a genuína concorrência no mundo atual se dá por meio da redução de custos e não da redução de preços nominais) e consegue continuar produzindo o mesmo tanto de antes com uma mão-de-obra menos dispendiosa — ou com insumos mais baratos —, isso gera um aumento líquido na produção total de toda a economia.  Reduzir custos de produção significa, geralmente, encontrar uma maneira de produzir a mesma quantidade de bens com menos mão-de-obra.  Isso faz com que haja um aumento na produção total da economia, pois a mão-de-obra que foi dispensada deste setor está agora livre para ir produzir mais bens em outras áreas do sistema econômico. 
Vale a pena enfatizar esse fenômeno:  o que ocorre nestes casos é que a mão-de-obra e os insumos mais dispendiosos são liberados de um setor (calçadista, automotivo etc.) e, com isso, podem ser utilizados para expandir a produção de outros setores comparativamente mais importantes.  Ao mesmo tempo, mão-de-obra e insumos menos dispendiosos são retirados das linhas de produção comparativamente menos importantes e direcionados para este setor em que houve as demissões — e cujo tamanho agora foi reduzido.
Este contínuo processo de substituição de mão-de-obra e materiais mais caros por mão-de-obra e materiais menos caros gera um ganho econômico líquido, equivalente a um aumento na produção, pois a produção de algo considerado mais importante pelos consumidores está sendo aumentada em detrimento da produção de algo considerado menos importante.
As fronteiras geográficas que delimitam estes processos são irrelevantes.  O efeito de trabalhadores da indústria de calçados gaúcha sendo desalojados por sapatos chineses é o mesmo de uma padaria de bairro dispensar seus empregados porque uma grande rede varejista se instalou na vizinhança e está roubando clientes.  Em ambos os casos, desde que haja plena liberdade de comércio e desimpedida mobilidade da mão-de-obra, haverá uma maior produção em outros setores e uma consequente maior oferta de bens na economia como um todo.  É desta forma que as reduções de custo trazidas pelo livre comércio beneficiam os próprios brasileiros. 
Logo, vale repetir: se são as regulamentações estatais que atrapalham o remanejamento da mão-de-obra deslocada pelas forças de mercado, então são elas que deveriam ser abolidas, e não o livre comércio.
Apenas quando se entende todo esse processo é que se torna possível entender como as reduções de custos geradas pelo livre comércio aparecem como reduções reais de preços nos bens e serviços que os brasileiros compram.  Tais reduções de preços ocorrem porque as reduções nos custos são maiores do que o declínio nos salários.  Em outras palavras, os salários reais dos brasileiros — e não os salários nominais — aumentam.  E isso é algo totalmente visível.  O número de horas trabalhadas necessárias para se adquirir bens e serviços vem caindo ao longo dos anos, não obstante toda a inflação monetária e consequente aumento nominal dos preços gerados pelo governo.  Esse fenômeno representa bem o princípio ricardiano das vantagens comparativas e da distinção entre valor e riqueza.
Não obstante tudo o que foi dito, é claro que, se analisarmos exclusivamente a situação de um grupo isolado da economia, principalmente o daqueles assalariados que tendem a ganhar salários mais altos — como os engenheiros de software, os radiologistas ou mesmo os operários sindicalizados da indústria automotiva —, o declínio de sua renda é muito mais acentuado do que qualquer eventual declínio nos preços de bens e serviços que os membros destes grupos tendem a consumir.  Porém, da mesma maneira, para cada um destes exemplos pode-se citar inúmeros contra-exemplos de brasileiros que são beneficiados por reduções nos custos de serviços de informática e serviços médicos e nos preços de automóveis e sapatos.  E sem terem sofrido nenhuma redução salarial.
Conclusão
A divisão do trabalho é algo infinito, e o fato de vivermos em um mundo de escassez significa que sempre haverá serviços a serem feitos.  Consequentemente, sempre haverá empregos para todos.  O fato de isso não ocorrer hoje se deve às várias intervenções do governo no mercado de trabalho — são os encargos sociais (INSS, FGTS normal, FGTS/Rescisão, PIS/PASEP, salário-educação, Sistema S) e trabalhistas (13º salário, adicional de remuneração, adicional de férias, ausência remunerada, férias, licenças, repouso remunerado e feriado, rescisão contratual, vale transporte, indenização por tempo de serviço e outros benefícios), além do salário mínimo, que provocam esse descasamento entre demanda por trabalho e oferta de mão-de-obra.
O livre comércio por si só não gera desemprego.  Muito pelo contrário: ele possibilita a expansão do emprego e o consequente desenvolvimento de outros setores até então pouco ou nada explorados, além de gerar redução de custos e aumento dos salários reais na economia.  As pessoas que são demitidas das indústrias menos eficientes (que não conseguem concorrer com os produtos importados) e não conseguem outros empregos devem debitar ao estado e às suas regulamentações esse seu atual suplício.  O que elas não podem fazer é utilizar justamente o governo para impedir que outras pessoas voluntariamente adquiram os produtos de seus concorrentes.
Há também efeitos indiretos gerados pelo livre comércio.  Países que abrem suas economias expõem seus empreendedores ao mercado global, algo que os obriga a ser eficientes, inovadores e ousados.  De quebra, todo o país é obrigado a melhorar suas referências em educação e a aperfeiçoar seu ambiente burocrático, diminuindo impostos e regulamentações, e aprimorando sua infraestrutura — um setor em que, caso o estado se retirasse de cena, haveria grandes oportunidades para a livre concorrência fazer seu trabalho.
Por trás do protecionismo está justamente a ideia de que os empregos são limitados e de que não há a possibilidade de exploração de novas áreas da economia.  Fosse o governo habitado por seres minimamente racionais em termos econômicos, todas as leis anti-emprego e anti-empreendedorismo já teriam sido repelidas juntamente com todas as tarifas de importação e todas as regulamentações anti-comércio.  E isso traria um benefício enorme para toda a população, principalmente em termos de renda real.
Por fim, nunca é demais ressaltar que o desenvolvimento econômico da China, da Índia, dos países do leste asiático e de todos os países considerados como de terceiro mundo, em conjunto com sua total integração a um sistema de divisão global do trabalho, é algo que deve ser fervorosamente desejado por qualquer pessoa que genuinamente entenda os benefícios do livre comércio e reconheça toda a prosperidade por ele gerada.  Tal desenvolvimento econômico, se deixado livre, geraria, além de todos os benefícios das vantagens comparativas, a máxima economia de escala possível em cada setor da produção.  Mais ainda: cada ramo da ciência, da tecnologia, da invenção e da inovação empreendedorial passaria a ser buscado por um número cada vez maior de indivíduos inteligentes e altamente motivados.  O resultado inevitável seria um progresso econômico mais acelerado ao redor de todo o globo, o que elevaria o padrão de vida de todos para um nível muito acima do atual padrão vigente nos países mais ricos da atualidade — algo desesperadoramente necessário nesses tempos de crise econômica aguda.
O protecionismo nada mais é do que o medo dos incapazes perante a inteligência e as habilidades alheias.  Tal postura, além de moralmente condenável, por ser covarde, é também extremamente perigosa.  Como já alertava Bastiat, se, ao invés de nos permitirmos os benefícios da livre concorrência e do livre comércio, começarmos a atuar incisivamente para impedir o progresso de outras nações, não deveríamos nos surpreender caso boa parte daquela inteligência e habilidade que combatemos por meio de tarifas e restrições de importações acabe se voltando contra nós no futuro, produzindo armas para guerras ao invés de mais e melhores bens de consumo que eles querem e podem produzir, e os quais nós queremos voluntariamente consumir.
Como disse Bastiat, quando bens param de cruzar fronteiras, os exércitos o fazem.  O mundo seria incalculavelmente mais rico e desenvolvido caso as pessoas lessem mais Mises e Bastiat, e menos Marx e Keynes.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Descubra se você é um protecionista mercantilista


protecionismo.jpgNo século XVIII, a maioria dos países recorria a tarifas de importação como sua principal fonte de receita.  Sendo a maior fonte de receita em uma época em que não havia imposto de renda — ou cuja coleta era muito difícil e complicada —, tarifas de importação faziam sentido do ponto de vista puramente tributário.
Mas os tempos passaram e vivemos hoje em uma época totalmente diferente.  Tarifas de importação não mais são vistascomo um mero instrumento de arrecadação.  Hoje, sua função é bastante diferente.  Tarifas sobre bens importados são ferramentas eficazes para se subsidiar aliados políticos, proteger empresários favoritos e, com isso, se praticar o capitalismo de estado — ou o mercantilismo.
Tarifas são impostos sobre a venda de bens importados.  O protecionista mercantilista sabe que impostos mais altos sobre a venda de bens importados representam um subsídio às empresas nacionais.  Por quê?  Porque eles impedem que os estrangeiros possam utilizar preços baixos para concorrer contra a indústria nacional.
O protecionista, como todo mercantilista, quer reduzir a variedade de opções disponíveis para os consumidores nacionais.  Ele quer subsidiar a indústria nacional permitindo que ela cobre preços mais altos do que aqueles praticados por produtores estrangeiros sem que isso acarrete consequências negativas para ela.  A justificativa éque tal política irá enriquecer a nação.
Um mercantilista é o filósofo supremo do capitalismo de estado.  O protecionismo é o filho bastardo do estado intervencionista keynesiano.  O keynesianismo é uma filosofia sobre gastos estatais criativos e mágicos e sobre endividamento público infinito.  Assim como o mercantilismo.
Enriquecer uma nação por meio do aumento da tributação de seus consumidores é uma ideia estranha: "Tribute mais e enriqueça".  Se você acha que isso soa a keynesianismo é porque é keynesianismo.
Aprovar leis contra pessoas que querem apenas fazer uma transação voluntária de bens é um ato de restrição ao comércio.  Por que uma nação enriqueceria restringindo o comércio?  Qual é a lógica de dizer que enviar um sujeito com uma arma e um distintivo com a tarefa de impedir que as pessoas voluntariamente comercializem com quem elas quiserem — por crerem que isso irá melhorar suas vidas — é uma atitude que aumentará a riqueza da nação?  A ideia de maior riqueza não pressupõe a ideia de maiores oportunidades de comprar mais coisas do que antes?  Sendo assim, como as pessoas estariam mais ricas com o governo deliberadamente restringindo o número de bens que elas podem comprar?
Protecionistas mercantilistas negam que a maior riqueza de um país esteja diretamente ligada à sua maior liberdade comercial.  Eles argumentam o contrário: "Oportunidades reduzidas são as bases da riqueza.  Quanto menos oportunidade você tiver para comercializar, mais rico você estará."
Se isso parece idiotice é porque é uma idiotice.  Mas trata-se de uma idiotice amplamente disseminada e defendida, especialmente por intelectuais e membros da academia.
Estes mesmos também argumentam que, quanto mais impostos o governo coletar, mais rico o país ficará.  De novo, você pode pensar que isso soa a keynesianismo.  E é keynesianismo.
Combatendo a tirania com mais tirania
O mais incrível sobre os protecionistas mercantilistas é que eles são completamente impermeáveis à lógica econômica.  Eles amam burocratas com armas e distintivos.  Eles estão convencidos de que armas e distintivos são a base do crescimento econômico e da riqueza para todos.  Eles realmente creem que, se o governo enviar um número razoável de burocratas com armas e distintivos para confiscar a riqueza alheia via impostos sobre bens importados, a nação ficará mais forte, mais rica e mais livre.  Eles acreditam que mais impostos e menos liberdade de escolha tornam um país mais próspero.
Recentemente, recebi um email de um leitor que, embora não conheça, posso afirmar ser um protecionista mercantilista inveterado.  Seu argumento é o preferido — aliás, o único — de todos os protecionistas ao redor do mundo.  Eis um trecho:
Parece-me que o senhor, ao defender o livre comércio, ignora por completo o "conceito de nação" ou o nacionalismo.  A questão não é que nossas indústrias sejam menos eficientes do que as indústrias estrangeiras; elas não são.  O problema é que o governo impõe a elas uma carga tributária tão grande que faz com que elas passem a ser "ineficientes" contra a concorrência estrangeira.  É o governo quem impõe "ineficiência" à indústria nacional.  Portanto, para deixar as coisas com um maior nível de igualdade, o governo teria de remover estes fardos artificiais que ele criou.  Mas enquanto isso não for possível, ele tem sim de impor tarifas iguais sobre os produtos estrangeiros para poder reequilibrar a situação.
Permita-me resumir o argumento do cavalheiro.  (1) A indústria nacional não é ineficiente. (2) Ela é oprimida pelo governo, que a sobrecarrega de impostos.  (3) Portanto, precisamos de um governo ainda maior, ainda mais intrusivo e com ainda maiores poderes tributários para retirar o fardo do governo sobre as indústrias.
Faz sentido?  Ele é um protecionista mercantilista.  Como todos os protecionistas mercantilistas, ele não consegue pensar direito.  Ele adotou a ideia de que, ao se dar ainda mais poderes para o governo federal, os cidadãos poderão, magicamente, sobrepujar os efeitos de um governo federal muito poderoso.  E ele defende tudo isso em nome do nacionalismo ou do "conceito de nação".  (Clique aqui apenas se o seu estômago for resistente).
A seguir, apresentarei a você, leitor, um teste.  Veja se você é um protecionista mercantilista.  Se você não for capaz de seguir o raciocínio abaixo, você é um protecionista mercantilista.
Este Lado e Aquele Lado
Você mora de um lado da rua.  No outro lado da rua mora João.  João quer vender para você um item que você quer comprar.
Silva, seu vizinho de porta — e que, portanto, mora no mesmo lado da rua que você —, também vende um item parecido com este que João vende.  Mas este item de Silva custa 20% mais caro.
Silva se aproxima de você e lhe diz que, pelo bem do "lado de cá" ou em nome do "conceito Deste Lado", temos de impor um imposto sobre vendas de pelo menos 25% sobre o item vendido por João.  Afinal, não queremos perder a riqueza que há Deste Lado da Rua.  Sem um imposto sobre a mercadoria de João, Aquele Lado irá ampliar sua presença Neste Lado.
Você rejeita a sugestão de Silva como sendo totalmente absurda e sem sentido.  Você gosta do produto sendo vendido por João.  É elegante.  É barato.  É um bom negócio.  "Sai da minha frente, Silva."  (Sempre que você compra algum bem, você está na realidade falando para todos os outros vendedores saírem da sua frente).
Silva, ao constatar que você é teimoso, irá atrás de Bruno, seu outro vizinho de porta, e irá alertá-lo sobre a terrível ameaça representada por Aquele Lado sobre o estilo de vida aqui Deste Lado.  Ele não irá mencionar você, é claro.  Ele está apenas defendendo Este Lado em nome da verdade, da justiça e do modo de vida Deste Lado.
Após isso, Silva vai para outra casa mais ao lado e destila a mesma cantilena para Pedro.  Ele sugere que Pedro e Bruno se juntem a ele para aprovar uma lei impondo um imposto de 25% sobre a venda do produto de João.  Se esta lei for aprovada, promete Silva, Este Lado será mais rico.  Este Lado será mais forte.  Este Lado será mais livre.
E a lei, então, é democraticamente aprovada.  Ato contínuo, eles nomeiam um sujeito chamado Peçanha para impingir esta nova lei.  Peçanha tem um distintivo.  Peçanha tem uma arma.  Peçanha se aproxima de você e o alerta que, se você comprar o item de João sem pagar uma tarifa de 25% para Este Lado, ele irá multá-lo em bem mais do que 25%.  Ele defende Este Lado com grande entusiasmo, dado que a alternativa a este emprego tranquilo e poderoso seria a iniciativa privada.  E ele jamais se saiu bem no setor privado — característica esta que ele compartilha com Silva.
Bruno irá agora comprar de Silva.  Pedro também irá comprar de Silva.  E Peçanha, que não tinha um emprego em tempo integral há anos, também está muito contente em comprar de Silva.
Como é que Este Lado está mais rico?
Por que as palavras "Este Lado" tornam você mais rico?  Como é que o "conceito Deste Lado" faz de você alguém mais rico?
Qual é a mágica que a linha invisível que divide Este Lado e Aquele Lado faz, em termos econômicos?
Se você é um protecionista mercantilista, linhas invisíveis têm total sentido econômico.  Elas representam uma oportunidade de se subsidiar seus agentes econômicos favoritos.  Elas são uma desculpa perfeita para se praticar o capitalismo de estado, algo muito eficaz em uma democracia.
Os protecionistas mercantilistas protestam
"Olha só", diz o protecionista mercantilista.  "Você está apenas tentando me ridicularizar com toda esta conversa sobre Este Lado e Aquele Lado".
E eu retruco: "Estou ridicularizando a lógica da sua posição.  Você crê que uma linha invisível passando no meio da rua é algo economicamente relevante.  Eu não."
Ele responde: "Eu não estou dizendo que uma linha invisível passando no meio da rua é economicamente relevante."
Eu respondo: "Você está dizendo que a linha invisível que contorna as bordas do país é economicamente relevante".
Ele responde: "Mas esta linha é sim economicamente relevante!"
Eu pergunto: "Por quê?"
Ele responde: "Porque as pessoas do outro lado daquela linha devem ficar do lado de lá da linha."
"Ok", eu respondo.  "Mas e se eu contratar um intermediário daqui para ir até o outro lado da linha e me trazer alguns itens pelos quais estou pagando?  O cara do outro lado da linha invisível continua do lado de lá, sem lhe incomodar."
"Não, não, não", se irrita o protecionista.  "Aquela linha invisível é diferente.  Ela defende a soberania e o Conceito de Nação".
Eu pergunto: "O que é 'Conceito de Nação'?"
Ele responde: "Este Lado — em grande estilo e escala."
Portanto, estamos discutindo sobre o tamanho da linha e a posição geográfica da linha.  Mas o que o comprimento da linha e sua posição geográfica têm a ver com eu ter de pagar um imposto sobre a compra de uma mercadoria?
O protecionista, um pouco mais exasperado, diz: "Não entendo aonde você quer chegar.  Enquanto você fica aí falando um monte de teoria incompreensível, tudo o que estou fazendo é defender o Conceito de Nação."
Protecionistas mercantilistas criam um termo em maiúsculas e pensam que apresentaram um argumento econômico lógico: "Conceito de Nação".  Porém, quando eu também crio um termo em maiúsculas — "Este Lado da Rua" —, o protecionista mercantilista imagina que estou tentando confundi-lo.
Protecionistas se confundem facilmente.
O livre comércio nos deixa mais pobres
O remetente do email não se contentou apenas em invocar o conceito de nação.  Ele veio destruindo.  Ele invocou o antiquíssimo argumento mercantilista: "A liberdade de escolha nos deixa mais pobres; impostos sobre vendas nos tornam mais ricos".  É óbvio que eles nunca utilizam o termo "liberdade de escolha".  Isso explicitaria aquilo que eles querem aniquilar.  Sendo assim, eles utilizam o termo "livre comércio".  Ele escreveu:
O "livre comércio" gera, como efeito de longo prazo, a redução do nosso padrão de vida, de modo que, com o tempo, ficamos iguais a todo o resto do mundo.  Não seria um objetivo nacional válido manter um elevado padrão de vida para nosso povo enquanto isso for possível?
Ele é o Silva.  Ele olha para o outro lado da rua e vê João.  Ele treme de medo.  Ele vai até Bruno e diz isso:
O "livre comércio" gera, como efeito de longo prazo, a redução do nosso padrão de vida, de modo que, com o tempo, ficamos iguais a todo o resto do mundo.  Não seria um objetivo válido para Este Lado da Rua manter um elevado padrão de vida para nosso povo enquanto isso for possível?
Bruno não está muito convencido.  Ele olha para João e pensa: "Eu não ligo se João é rico ou pobre.  Eu realmente gostaria de adquirir um daqueles produtos que ele vende.  O preço é bom."  Ato contínuo, Silva aumenta a pressão:
João explora os pobres.  Os trabalhadores Daquele Lado são escravos.  Eles não conseguem empregos que paguem salários decentes.  É por isso que João consegue vender seus produtos a preços baixos.  Você não quer ficar igual àqueles trabalhadores explorados, quer?
Bruno pensa um pouco mais a respeito deste raciocínio.  E então tem uma ideia:
Temos de dar a todos aqueles trabalhadores escravizados uma chance de melhorarem suas vidas.  João precisa de um pouco de concorrência.  Por que não investimos algum dinheiro nos concorrentes de João?  Desta forma, o concorrente poderá oferecer melhores salários.
Silva fica horrorizado com esta ideia.  Ele já tem problemas demais apenas lidando com João.
Não, não, não.  Isso faria com que todos aqueles trabalhadores vislumbrassem, ainda que de leve, uma vida melhor.  E isso pioraria ainda mais a vida deles: o desapontamento.  Eles não estão preparados para aumentos salariais.  Eles precisam de mais tempo.  A melhor coisa que podemos fazer é não nos tornarmos iguais a eles.  Temos de fechar as fronteiras para todos os bens produzidos por escravos.  Nosso objetivo não é reduzir a escravidão Daquele Lado.  Nosso objetivo é preservar nossa liberdade Neste Lado.
Bruno fica pensativo.  "Como você define liberdade?"
Silva responde:
Liberdade é o direito de cada homem Deste Lado se juntar ao vizinho e impor aumento de tarifas sobre bens produzidos Daquele Lado.  Esta é a única maneira de continuarmos sendo prósperos.
Bruno pensa um pouco mais a respeito. "Então a melhor maneira de preservarmos nossa riqueza é limitando nossas escolhas."  Silva diz que é isso aí.
Bruno tenta se aprofundar em seu raciocínio.  "Então o caminho para a liberdade é reduzir as escolhas."  Silva o assegura de que é exatamente isso.
"Sendo assim", diz Bruno, "a melhor maneira de não nos tornarmos escravos com poucas escolhas é criando leis que reduzam nossas escolhas."
Silva tem sérios problemas em seguir argumentos lógicos, mas até mesmo ele é capaz de sentir que a coisa está desandando e indo perigosamente para o lugar errado, muito embora ele não consiga saber exatamente para onde.  Ele apenas sente que não quer prosseguir neste caminho.  Sendo assim, ele muda sua linha de raciocínio.  "Você tem de defender sua renda como trabalhador."
Bruno completa: "Restringindo minhas escolhas como consumidor."
Silva diz: "É isso aí, exatamente.  E você também deve limitar as escolhas de todos os outros cidadãos consumidores."
Bruno diz: "Então, a melhor maneira de manter minha renda como produtor é reduzindo o número de vendas que as pessoas Daquele Lado podem me fazer, e também reduzindo o número de vendas que eu posso fazer para as pessoas Daquele Lado."
Silva responde: "Não se preocupe quanto à redução de vendas para Aquele Lado.  Eles são todos um bando de escravos."
Bruno pergunta: "E por que eles são escravos?"
Silva tem a resposta certa: "Porque eles passaram a vida toda seguindo ordens dadas por pessoas com armas e distintivos."
Conclusão
O leitor seguiu meu raciocínio?  Se sim, você provavelmente não é um protecionista mercantilista.
O leitor concorda com meu raciocínio?  Se sim, então você definitivamente não é um protecionista mercantilista.
Protecionistas mercantilistas não gostam de argumentos econômicos que sejam claros.  Eles consideram a clareza argumentativa um truque para confundir incautos.  Eles creem que qualquer argumento que evolua passo a passo até uma conclusão é inerentemente inconfiável.
Eles preferem termos populares e de fácil apelo, os quais os levam a clamar por tarifas em nome da defesa destes termos por eles inventados.  Tudo se resume a "Este Lado" e "Aquele Lado".  Eles temem que o comércio com pessoas Daquele Lado irá nos empobrecer.
Um protecionista acredita que, se alguém na China descobrisse a cura para o câncer, a única maneira de proteger os cidadãos de seu país contra a concorrência desleal e a inevitável pobreza que isso geraria seria impondo uma tarifa de pelo menos 50% sobre a importação deste remédio.  "Temos de dar ao nosso povo a chance de concorrer", diz ele.  Não aos compradores da cura do câncer, é claro.  Aos vendedores.
Se você acha que isso é um argumento ignaro, você não é um protecionista mercantilista.  Você não crê que armas, distintivos e tarifas sobre importações tornam as pessoas de um dos Lados da linha invisível mais ricas.  Mas tais coisas de fato tornam algumas pessoas mais ricas: (1) produtores ineficientes que podem agora vender a preços mais altos e não ir à falência em decorrência da perda de consumidores, e (2) pessoas que usam distintivos e carregam armas como meio de vida.  Se você acha que estes dois grupos são devotos do "capitalismo de estado" e nada mais são do que "extorsores assalariados", você acertou a classificação das categorias.
Se você quer uma imagem visual, pense nas palavras de Don Corleone: "Fiz uma proposta que ele não podia recusar".  Pense também no sujeito que acordou em sua cama ao lado de uma cabeça de cavalo decepada.  Isso é o protecionismo mercantilista.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite