domingo, 18 de agosto de 2013

Os austríacos, é claro, estavam certos - mais uma vez



austriacos.jpgApós mais de três anos patinando, finalmente chegou-se ao consenso de que a economia americana está novamente em recessão.  Não há crescimento econômico.  O mirrado crescimento estatístico apresentado nos últimos anos — ninguém ousou dizer que tal estatística equivalia a uma plena recuperação — foi provavelmente ilusório.
Uma coisa é crescimento real; outra, completamente distinta, é estatística governamental.  As estatísticas iludiram e desorientaram todos os ingênuos, mas agora a verdade já está demasiado óbvia para todo mundo.  E não somente isso: os EUA estão lidando com uma calamidade impossível de ser resolvida, a dívida; o setor bancário virou um zumbi; o mercado de trabalho está estagnado; todo o sistema econômico está inundado de recursos precificados erroneamente, em decorrência dos vários pacotes de socorro e das seguidas impressões de dinheiro; o mercado imobiliário ainda está uma bagunça e não tem outro caminho a seguir a não ser o declínio.
As seguidas rodadas de impressão maciça de dinheiro — os QE1 e QE2 —, os inacreditáveis esforços do governo para criar "estímulos" por meio de mais regulamentações e as taxas de juros em nível zero não trouxeram nada de positivo para a economia, exceto estragos monumentais.  Toda uma geração ficará sem oportunidades econômicas.  A livre iniciativa — e, por conseguinte, toda a prosperidade — está lutando desesperadoramente por sua própria sobrevivência.
Toda essa situação calamitosa se deve àquela única medida que Bush, Obama, republicanos, democratas e todos os magnatas da mídia concordavam ser a coisa certa a se fazer: corrigir os rumos do mercado, estabilizar e em seguida estimular a macroeconomia.  Uma palavra resume tudo: fracasso.
Está surpreso?  Não deveria.  Os seguidores da Escola Austríaca de economia estavam certos desde o início.  E isso não se deve a nenhum truque mágico, a nenhuma bola de cristal.  Os austríacos sabiam a priori que todos esses esforços eram perigosos, destrutivos e que não tinham como dar certo.  Afinal, todas essas tolices keynesianas já haviam sido experimentadas várias vezes, e fracassaram em absolutamente todas essas tentativas.  E há motivos específicos para isso: gastos governamentais consomem e destroem o capital que havia sido poupado, impossibilitando investimentos produtivos; estatizações e pacotes de socorro estimulam e amparam as empresas ineficientes; e a mera criação de dinheiro distorce a realidade e impede a recuperação.
Não é necessário ser um cartomante ou um astrólogo para ver claramente que todas essas asneiras não poderiam atingir seus objetivos especificados.  Tudo o que esses estratagemas fazem é fornecer suporte ao estado e a seus amigos, à custa dos cidadãos comuns e pagadores de impostos.  Eu realmente gostaria de ser solidário a todos aqueles que foram enganados pela propaganda do governo — e acreditar que aqueles que defendem políticas ignaras estão munidos da melhor das intenções —, mas é muito difícil.
Talvez era possível ter sido enganado em 1932; porém, realmente, qualquer observador mais atento já deveria ter ficado mais esperto em 1936.  Agora, no entanto, vivenciar rodadas e rodadas e mais rodadas de estímulos governamentais que nunca dão certo, e ainda assim continuar defendendo tal política?  Inacreditável.  Como Robert Higgs já demonstrou, os EUA só saíram da Grande Depressão quando o governo finalmente parou de tentar estimular a economia. [Aqui um artigo mostrando como a recuperação só se deu após um forte corte nos gastos.]
Agora, no entanto, temos mais uma oportunidade para repetir.  Ouçam e aprendam: os seguidores da Escola Austríaca de economia foram os únicos que anteciparam não apenas o estouro da bolha imobiliária e a inevitável recessão, mas também o inevitável fracasso dos pacotes de estímulo.  Irei a seguir fornecer uma pequena amostra do que foi escrito durante os cinco primeiros meses da crise de 2008.
Comecemos com Frank Shostak e seu artigo "Is Deleveraging Bad for the Economy?" (Uma desalavancagem seria ruim para a economia?), de 20 de agosto de 2008:
É algo completamente inútil exortar os bancos a concederem mais empréstimos se não há poupança real para sustentar tal medida.  Da mesma maneira, não faz muito sentido sugerir que o Banco Central, ao imprimir dinheiro, pode de alguma forma substituir essa poupança real que não existe. (É também um exercício de futilidade elevar os gastos do governo para solucionar o problema.  Afinal, se um governo gasta mais, ele consome mais recursos; e isso significa que outras pessoas terão menos recursos à sua disposição). 
Injetar mais dinheiro na economia irá apenas fazer com que as atividades que genuinamente geram riqueza fiquem sem recursos — pois o dinheiro injetado foi utilizado por outras pessoas para consumir esses recursos.  Isso, por conseguinte, provoca uma redução na oferta de poupança real, pois há menos recursos para serem utilizados em investimentos.  Consequentemente, o crescimento futuro da economia ficará solapado.
Passemos para Scott Kjar e seu artigo "Henry Hazlitt on the Bailout" (Henry Hazlitt sobre os pacotes de socorro), de 15 de outubro de 2008:
O argumento de que o governo americano, ao incorrer em déficits, está de alguma forma injetando capital no mercado é absurdo.  O governo está na realidade retirando dinheiro dos mercados de capital para, em seguida, injetá-lo de novo nos mercados de capital.  Não há nenhuma fonte adicional de financiamento; há apenas fundos sendo retirados de atividades mais produtivas e desviados para atividades menos produtivas, com o governo atuando como o intermediador.
Portanto, quando o Secretário do Tesouro Henry Paulson afirma ser necessário injetar dinheiro nos mercados de crédito para impedir que estes fiquem paralisados, ele não se dá ao trabalho de perceber que o dinheiro que ele injeta nos mercados de crédito está vindo diretamente destes mesmos mercados de crédito.  Ele está simplesmente rearranjando as cadeiras no convés do Titanic.
Kevin Duffy foi certeiro em seu artigo "Looting the Responsible" (Saqueando os responsáveis), de 8 de outubro de 2008:
O governo não possui recursos próprios, não há duendes trabalhando horas extras para produzir algo de valor; há apenas propagandistas propugnando uma economia de Papai Noel.  O governo pode apenas transferir riqueza de um grupo para outro (retendo para si uma taxa de transação nesse processo).  O atual pacote de socorro (desculpem, de resgate), de US$700 800 bilhões, nada mais é do que uma pilhagem dos responsáveis e produtivos em benefício dos imprudentes e perdulários.  Podemos chamar isso de darwinismo invertido: a seleção artificial dos menos aptos...
Transferir mais sangue do hospedeiro produtivo para o parasita não faz com que ambos fiquem saudáveis no longo prazo.  Para que a economia do país possa se curar, é necessário fazer com que capital, credibilidade e autoridade permaneçam com os produtivos, e não com que sejam desviados para os esbanjadores.  A elite dominante, previsivelmente, está tentando fazer exatamente o oposto.
Considere o artigo de Christopher Westley "Bailout Blame Game" (O pacote de socorro e as acusações mútuas), de 7 de outubro de 2008:
Como estudioso da Grande Depressão, sei que o Congresso e o Executivo podem fazer muitos estragos antes do longo prazo chegar — e, com efeito, podem protelar sua chegada indefinidamente.  Será que os conservadores que apoiaram esse pacote de socorro irão criticar o provável presidente Obama daqui a dois ou três anos, quando a economia estiver estagnada, vivenciando uma repetição da década de 1970, graças em grande parte justamente à tentativa do governo de impedir a ação das forças de mercado ao longo dessas duas últimas semanas?  Isso parece bem possível.  Nossos atuais problemas são resultantes de uma grande infusão de crédito no passado.  Pensar que uma nova infusão de crédito hoje não terá os mesmo efeitos no futuro é desafiar coisas incômodas e irritantes, como as leis econômicas e as leis da natureza.
Comentários pungentes de Frank Shostak em seu artigo "The Rescue Package Will Delay Recovery" (O pacote de resgate vai atrasar a recuperação), de 29 de setembro de 2008:
É verdade que o sistema financeiro deve ser resgatado; ele deve ser salvo daquelas instituições que estão com dívidas impagáveis em seus livros contábeis.  Como ninguém sabe ao certo quais são estas instituições, a economia fica estagnada pela incerteza.  Tais instituições estão atualmente drenando capital da economia enquanto ficam à espera de um resgate.  São elas que estão impedindo que atividades geradoras de riqueza no setor financeiro e em outras partes da economia expandam a riqueza real....
Os pacotes de resgate do governo não irão salvar a economia; irão salvar justamente aquelas atividades ineficientes que a economia não mais pode bancar e que os consumidores não mais querem que continuem existindo.  Os pacotes irão meramente sustentar atividades econômicas que desperdiçam capital e promovem a ineficiência, drenando recursos que poderiam gerar crescimento e eficiência caso fossem liberados para outras atividades econômicas, aquelas que estão sendo mais demandadas pelos consumidores.
De Doug French temos "History Is Clear" (A história é clara), publicado em 13 de novembro de 2008:
É realmente de se estranhar que o plano do Secretário do Tesouro Henry Paulson tenha se transmutado em um programa de aquisição federal de ações de bancos, empresas hipotecárias e pelo menos uma seguradora? ... Mas a história é clara: imprimir mais moeda fiduciária de curso forçado não irá resolver a crise; somente um retorno a um sistema monetário mais sólido irá.
"Consumidores não provocam recessões", de Robert Murphy, atacou o âmago da teoria keynesiana em 11 de novembro de 2008:
Quando a recessão é resultado de um boom artificial induzido pelo banco central (como ocorreu na recente bolha imobiliária), o declínio econômico é um período de reajustamento, que é quando os recursos que foram mal alocados são redirecionados novamente para usos mais apropriados, consistentes com as preferências do consumidor e com a realidade tecnológica. Quando o governo intervém, tentando impedir esse reajustamento, ele acaba simplesmente mantendo essa distribuição insustentável de recursos escassos.
E Murphy novamente em "Markets Need Time, Not More Poison" (Mercados necessitam de tempo, e não de mais venenos), de 6 de novembro de 2008:
A atual crise é assustadora, mas o é somente porque ninguém sabe ao certo qual será o próximo novo esquema maluco que o governo irá criar — algo que ele vem fazendo diariamente.  Recursos foram investidos inadequada e insustentavelmente durante a expansão artificial da economia americana na primeira metade da década de 2000, o que gerou a bolha imobiliária.  Consequentemente, a economia necessita de tempo para se curar desse desarranjo.  Não há como fugir desse fato.
Thorstein Polleit foi inflexível durante toda a crise, como mostra o seu artigo "Confidence Is Leaving the Fiat Money System" (A confiança está abandonando o sistema monetário fiduciário), publicado em 10 de outubro de 2008:
Ao reduzirem artificialmente as taxas básicas de juros durante o período da expansão do crédito, os bancos centrais criam os ciclos econômicos, os quais são induzidos justamente pela inflação monetária.  Ciclos econômicos geram níveis insustentáveis de endividamento.  Em todos os países ocidentais, as dívidas em porcentagem do PIB subiram acentuadamente nas últimas décadas.
Sempre que os mercados financeiros resolvem colocar um fim nesse desastroso processo — por exemplo, por meio de um declínio na atividade econômica —, os governos e seus bancos centrais intervêm para fazer tudo o que podem para manter o sistema monetário fiduciário funcionando: diminuem as taxas de juros aumentando a oferta monetária e, consequentemente, a expansão do crédito.
Na atual situação, entretanto, a capacidade dos bancos de expandir a oferta monetária e o crédito foi sensivelmente diminuída: prejuízos contábeis e — por causa da declinante confiança no sistema — prejuízos possivelmente oriundos da não quitação de dívidas irão corroer ainda mais o capital dos bancos nos meses vindouros.
"Parem os resgates!", de Lew Rockwell, em 10 setembro de 2008:
Deixem o sistema de preços prevalecer livremente!  O governo deve sair completamente do caminho e deixar o mercado reavaliar o valor dos recursos.  Sim, isso significa falências.  Sim, isso significa que vários bancos irão quebrar.  Mas tudo isso faz parte do sistema capitalista.  É assim que aconteceria em uma economia de livre mercado.  O que é lastimável não é o processo de reajustamento; o que é lastimável é que esse processo tenha se tornado necessário em decorrência das intervenções anteriores....
É preciso deixar que o mercado seja livre para administrar todo esse processo de reajuste, aconteça o que acontecer.  Garanto que essa solução é melhor do que imprimir mais de um trilhão de dólares para salvar essas empresas insolventes.
"Should the Crisis Shake Our Faith in the Market?" (Deveria a crise abalar nossa fé no mercado?), de Art Carden, em 29 de dezembro de 2008:
O aclamado pastor Adrian Rogers certa vez disse que você não pode multiplicar a riqueza dividindo-a.  Tentar difundir a riqueza por meio de esquemas de tributação e redistribuição não trará a prosperidade.  Irá apenas compartilhar miséria (embora talvez de maneira mais equânime).  A solução é buscar reformas de mercado que removam a obstrução sobre empreendedores.  Como a teoria e a evidência sugerem, reformas de mercado não são iniciativas baseadas na fé ou na ideologia.  São a nossa única esperança para o longo prazo.
Há centenas, talvez milhares, de artigos e declarações desse tipo publicados desde 2008 até o presente.  Eles aparecem diariamente, e a mensagem é a mesma: o que o governo está fazendo não vai funcionar.  Notícias sobre uma recuperação econômica iminente não passam de ilusões.  Não há estímulos para nada.  A única solução é deixar o mercado liquidar o que está insolvente.  O governo tem de parar de saquear a economia privada.  O Fed tem de parar de imprimir dinheiro.  Sem mais pacotes de socorro para derrotados.  Deixem que as taxas de juros subam livremente.  Deixem que os bancos ruins quebrem.  E acima de tudo: parem de querer lutar contra o mercado!  Somente quando tudo isso for feito é que haverá uma sólida recuperação da economia americana.
E assim, aqui estamos nós, após todos esses anos, mais pobres do que éramos, e sem nenhuma esperança à vista para a economia do mundo real (o mundo digital parece estar se mantendo bem).
Por que pessoas como Krugman e asseclas continuam sendo levadas a sério?  Mais ainda: como alguém pode levar a sério aquelas pessoas que alertaram que, caso não tentássemos planos keynesianos, o mundo acabaria e perderíamos a oportunidade de uma gloriosa recuperação?  Não é apenas o The New York Times; toda a mídia financeira internacional continua encantada com a teoria keynesiana e escravizada por suas tolices.
Vamos ainda mais além: os austríacos também estavam corretos ao preverem, antes de 2008, que a expansão econômica americana era insustentável. (Ver aqui e aqui).  Não há nenhum motivo para júbilo ao provar-se certo em determinados assuntos.  Na verdade, é patético imaginar ser possível que qualquer observador bem informado não consiga entender, à luz da experiência e do bom senso, que o governo — uma entidade inerentemente coerciva e que nada produz — não pode criar prosperidade, não importa o quão versados em teatro Kabuki sejam os seus funcionários.
No time vencedor estão aqueles que realmente entendem de economia.  No time perdedor estão aqueles que continuam crendo que veneno pode curar o paciente.  Portanto, vale repetir: a estagnação e a depressão irão continuar até que permitam que o sistema possa se corrigir sozinho.

Jeffrey Tucker é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo


Paul Krugman ataca a Escola Austríaca - e, como de praxe, deturpa suas ideias



krugman_austrian.gifPaul Krugman está nitidamente desesperado.  Um claro sintoma de desespero intelectual ocorre quando um indivíduo, ao ver toda a sua ideologia sendo implacavelmente refutada tanto pela teoria quanto pela prática, sai estabanadamente atacando os responsáveis pela munição teórica ao mesmo tempo em que adultera os fatos da realidade prática.
Recentemente, Krugman publicou uma coluna no TheNew York Times atacando Ron Paul e sua crença na Escola Austríaca de pensamento econômico (um ótimo sinal).  Krugman alega que Ron Paul só conseguiu sua fama de consistente porque ele ignora a realidade.  O problema é que, se há uma coisa que a "realidade" demonstrou, foi justamente o quão corretas eram as ideias propagadas por Ron Paul e pela Escola Austríaca. 
A seguir, o trecho relevante da coluna de Krugman (a mídia brasileira, com sua tradicional competência em assuntos externos, inexplicavelmente creditou a coluna a Thomas Friedman):
[Ron] Paul tem se mostrado altamente consistente. Eu aposto que ninguém encontrará vídeos de alguns anos atrás nos quais ele tenha dito o oposto do que está dizendo no momento.
Infelizmente, a forma que ele escolheu para manter a sua consistência foi ignorar a realidade, agarrando-se à sua ideologia, ainda que os fatos demonstrem que talideologia é equivocada. E, ainda mais infeliz é o fato de a ideologia de Paul atualmente dominar um Partido Republicano que costumava ser mais sábio.
[...]
Ron Paul se apresenta como um adepto da economia "austríaca" — uma doutrina que rejeita John Maynard Keynes mas que repele com veemência quase igual as ideias de Milton Friedman.  Isso porque os seguidores da escola austríaca acreditam que o "papel-moeda fiduciário de curso forçado", o dinheiro que é simplesmente impresso sem ser lastreado por ouro, é a raiz de todos os males.  Isso significa que eles se opõem veementemente àquele tipo de expansão monetária que Friedman afirmou que poderia ter prevenido a "Grande Depressão" — e que foi na verdade implementada desta vez por Ben Bernanke.
Bem, uma breve digressão: na verdade o Federal Reserve não imprime dinheiro (quem faz isso é o Tesouro). Mas o Fed controla a "base monetária", a soma das reservas bancárias e da moeda em circulação.  Assim, quando as pessoas falam que Bernanke está imprimindo dinheiro, o que elas querem dizer de fato é que o Fed expandiu a base monetária.
E houve, realmente, uma enorme expansão da base monetária.  Após a queda do Lehman Brothers, o Fed passou a emprestar somas enormes aos bancos e também a adquirir uma ampla gama de outros ativos, em uma tentativa (bem sucedida) de estabilizar os mercados financeiros.  E, durante o processo, ele acrescentou vastas quantias às reservas bancárias.  No outono norte-americano de 2010, o Fed deu início a uma nova série de aquisições, em uma tentativa menos exitosa de estimular o crescimento econômico.  O efeito combinado dessas ações foi que a base monetária mais do que triplicou de volume.
Os "austríacos", e na verdade muitos economistas de direita, tinham certeza do que aconteceria como resultado dessas medidas: haveria uma inflação devastadora. Peter Schiff, um analista famoso, que pertence à escola austríaca e que já foi assessor da campanha de Ron Paul em 2008, chegou a advertir (no programa de televisão de Glenn Beck) para a possibilidade de uma hiperinflação de estilo zimbabuano no futuro próximo.
Assim, aqui estamos nós, três anos depois. E como andam as coisas? A inflação flutuou mas, no fim das contas, os preços para o consumidor subiram apenas 4,5%, o que significa uma taxa de inflação média anual de apenas 1,5%.  Quem poderia ter previsto que a emissão de tanto dinheiro provocaria tão pouca inflação?  Bem, eu poderia.  E de fato previ.  E também outros economistas que entendem os ataques de Paul à economia keynesiana.  Mas os apoiadores de Paul continuam a alegar que, de alguma forma, ele ainda tem razão quanto a tudo.
Mesmo assim, embora os proponentes originais da doutrina sequer admitam que estavam errados — segundo a minha experiência, nenhum integrante do mundo político jamais admite ter cometido um erro em relação a algo —, você poderia achar que o fato de eles terem errado tanto em relação a algo tão fundamental para o seu sistema de crenças teria feito com que os "austríacos" perdessem popularidade, mesmo dentro do Partido Republicano. Afinal, ainda nos anos Bush, muitos republicanos defendiam ferrenhamente a impressão de dinheiro quando a economia sofresse desaquecimento. "Uma política monetária agressiva pode reduzir a gravidade de uma recessão", declarou o Relatório Econômico do Presidente de 2004.
Vamos então por partes.
O primeiro ataque de Krugman é direcionado à ideia austríaca de que o papel-moeda é a raiz de todas as políticas econômicas perversas.  Para Krugman, como todos sabem, um dinheiro de papel manipulado pelo governo é simplesmente o sistema monetário ideal, e apenas pessoas descoladas da realidade podem ser contra ele.  No entanto, é justamente a realidade histórica o que derruba essa crença krugmaniana.  Basta perguntar aos romanos, aos franceses, aos britânicos, aos alemães, aos zimbabuanos, aos húngaros e aos sul-americanos quais foram as experiências maravilhosas que eles já vivenciaram sob um sistema de papel-moeda controlado pelos seus respectivos governos.  O grande economista Joseph Schumpeter certa feita escreveu que, mesmo que uma pessoa não acreditasse nos méritos do padrão-ouro e fosse um defensor de um estado inchado, ela ainda assim iria querer viver sob um padrão-ouro, pois só assim poderia se proteger contra exatamente o tipo de bagunça econômica em que o mundo se encontra atualmente.
Em seguida, Krugman parte para uma nova linha de ataque, supostamente sua evidência contra um dos pilares da Escola Austríaca: a base monetária americana aumentou substancialmente, mas o Índice de Preços ao Consumidor aumentou muito pouco.  Esse é realmente aquele tipo de "evidência" que poderíamos esperar apenas do nosso barbeiro e de um economista ganhador do Prêmio Nobel de economista.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que Krugman deturpa por completo a posição austríaca a respeito do dinheiro, escrevendo que todos os austríacos acreditam que a base monetária é exatamente a mesma coisa que dinheiro circulando na economia.  Não é, e isso sempre foi explicitado pelos austríacos.
Segundo, o Índice de Preços ao Consumidor representa uma mensuração bastante inexata do impacto de uma inflação monetária sobre o poder de compra dos consumidores.  A maioria dos economistas questiona a validade e a precisão do IPC.  O IPC nunca teve a intenção de mensurar todo o impacto de uma inflação monetária sobre a economia, exceto para os "ingênuos" economistas seguidores da teoria quantitativa.
Terceiro, como mostra o gráfico abaixo, embora a base monetária tenha explodido desde setembro de 2008 — indo de pouco mais de $800 bilhões para US$2,7 trilhões —, o M1 teve crescimento bem mais discreto.  Isso ocorreu porque a quase totalidade do aumento da base monetária transformou-se em "reservas em excesso".  "Reservas em excesso" são as reservas que os bancos mantêm voluntariamente depositadas junto ao Fed (o Banco Central americano), além do volume determinado pelo compulsório.  Como a base monetária é igual ao papel-moeda criado pelo Fed mais as reservas bancárias depositadas junto ao Fed (o compulsório), conclui-se que uma substancial fatia do aumento da base monetária foi convertida em reservas em excesso.  Os bancos optaram por manter a quase totalidade de suas reservas (as quais eles podiam utilizar para fazer empréstimos e, com isso, aumentar o M1) voluntariamente depositadas junto ao Fed, que está pagando juros sobre elas.  Ao fazer isso, o Fed impediu que as reservas bancárias se transformassem em depósitos em conta-corrente, o que elevaria o M1 — esse é um dos motivos de a inflação de preços ainda estar contida nos EUA.
fredgraph (1).png
O gráfico acima mostra três variáveis: a base monetária (azul), o M1 (verde) e as "reservas em excesso" (vermelho).
Quarto, alguns austríacos disseram que, cedo ou tarde, quando esse dinheiro que está represado no sistema bancário "vazar" para a economia — isto é, se esse aumento na base monetária se transformar em empréstimos em larga escala —, haverá inflação de preços.  Isso é algo óbvio.  No entanto, como alguns austríacos disseram que tal inflação de preços pode vir a ocorrer mais cedo do que mais tarde, então, de acordo com Krugman, isso significa que toda a teoria monetária austríaca está errada.  (Tal raciocínio representa aquilo que gregos e romanos chamaram de non sequitur; porém, sem o apelo ao non sequitur, Krugman simplesmente não teria como escrever colunas).
Quinto, a inflação monetária pode impactar vários setores da economia, e o faz com intensidades totalmente distintas.  Basta nos lembrarmos de que, no caso americano, durante a bolha imobiliária, os preços dos imóveis dispararam para níveis recordes e insustentáveis, ao mesmo tempo em que os níveis do IPC permaneceram "sob controle".  Há vários tipos de bens cujos preços são impactados pela inflação e que não estão incluídos no IPC, desde obras de arte até bens comercializados no mercado negro, passando por salários de atletas profissionais e terrenos agrícolas.
Sexto, o impacto da inflação monetária sobre a economia como um todo é algo que leva tempo.  O dinheiro que entra na economia vai se movendo de um setor para o outro aos poucos, até finalmente perpassar quase toda a economia.  E é durante esse processo que os preços vão aumentando, sempre de maneira desigual.  Qualquer pessoa minimamente familiarizada com noções básicas de teoria monetária e sistema bancário sabe disso.  Adicionalmente, seria de se esperar que um economista como Krugman estivesse informado do fato de que, do aumento de quase US$2 trilhões ocorrido na base monetária americana, os bancos estão atualmente "sentados" sobre quase US$1,6 trilhão (valor das reservas em excesso), o que significa que esse foi o total de dinheiro criado que ainda não entrou na economia.
A "evidência" de Krugman nada mais é do que a evidência de sua própria ignorância sobre questões básicas de economia.  Ainda assim, vale ressaltar um importante ponto adicional: a ideia de que aumentos na oferta de dinheiro (isto é, inflação monetária) levam a aumentos nos preços (isto é, inflação de preços) é uma afirmação teórica, e economistas de todas as estirpes expressam tal declaração em termos de ceteris paribus, ou, tudo o mais constante.  Bem, as coisas não têm estado exatamente muito constantes ultimamente, certo, Paul? 
Mas o fato é que os austríacos não estão nem um pouco surpresos com o que vem acontecendo com a economia americana.  Graças aos pacotes de socorro e aos pacotes de estímulo, à explosão no número de regulamentações e à retórica incendiária que emana da Casa Branca, a economia americana está atolada em uma depressão —exatamente como os austríacos previram que estaria caso as políticas dos últimos quatros anos continuassem sendo seguidas.  Enquanto a base monetária continuar sendo apenas isso — uma base — e o dinheiro não circular, a taxa oficial de inflação de preços continuará baixa. 
Por outro lado, se os austríacos estiverem errados em sua crença de que uma expansão na quantidade de dinheiro em circulação irá estimular um aumento de preços (e é isso que Krugman está insinuando), então toda a teoria monetária está de cabeça para baixo.  A insistência krugmaniana de que os austríacos são ignorantes em termos monetários é em si um exemplo de ignorância.  Os austríacos enfatizam que o dinheiro é um bem secundário cuja principal utilidade é facilitar as trocas; e sua produtividade jaz no fato de que ele permite que ocorram trocas que não ocorreriam em uma economia de escambo.  Adicionalmente, os austríacos afirmam que o dinheiro, assim como quaisquer outros bens, também está sujeito a todas as leis da ciência econômica, inclusive a Lei da Utilidade Marginal (não, nós não cremos que ele seja apenas uma quantia variável).
No entanto, um dos mais importantes aspectos do pensamento austríaco a respeito da moeda é a ênfase dada a como se dá o mecanismo de transmissão do dinheiro recém-criado que adentra a economia.  Essa transmissão não é neutra, de modo que aqueles que recebem esse dinheiro antes do restante da população são beneficiados por um repentino aumento em seu poder de compra, tornando-se capazes de adquirir bens a preços ainda inalterados — os preços ainda estão inalterados, só que a renda desse grupo agora aumentou.  Essa visão é diametralmente oposta ao ponto de vista keynesiano, que afirma que a transmissão monetária é neutra, e que a única coisa que importa é que o dinheiro seja injetado na economia de modo que alguém possa gastá-lo.
capaAcao-Humana.jpgAdemais, os austríacos também afirmam que a injeção de dinheiro recém-criado na economia irá alterar os preços relativos dos bens da economia, e que essas relações continuarão sendo alteradas à medida que o dinheiro continue sendo injetado.  Isso também contrasta com a visão krugmaniana de que o dinheiro recém-criado não gera tal efeito, e que todas as pessoas se beneficiam igualmente de qualquer injeção monetária.  (No mundo de Krugman, embora a inflação beneficie os devedores à custa dos credores, isso é ótimo, pois ele falsamente pressupõe que todos os credores pertencem ao "um por cento" da população mais rica, ao passo que todos os devedores estão na categoria oposta.)
Portanto, dado que a hiperinflação ainda não apareceu, os austríacos são totalmente ignorantes sobre teoria monetária, e isso inclui Ron Paul.  O problema é que estamos lidando aqui com cronometragem, e não com teoria monetária; e Krugman, ao confundir uma com a outra, apenas demonstra sua falta de conhecimento em questões monetárias.
Tivessem os EUA não seguido os conselhos de Krugman, Bernanke, Geithner, Summers, Paulson, Goldman Sachs etc., mas sim os conselhos de Ron Paul, essa crise já teria acabado há muito tempo.  Em vez disso, todos os americanos estão sendo forçados a lidar com as insanidades defendidas por Paul Krugman e Ben Bernanke.
___________________________________________
P.S.: Peter Schiff jamais afirmou que haveria inflação ao estilo Zimbábue nos EUA e desafiou Krugman para um debate a qualquer momento, em qualquer local, sob quaisquer termos.
P.S.2: A prova mais cabal da ignorância da teoria econômica de Krugman pode ser vista nesta compilação de artigos seus, nos quais ele diz que a cura sustentável para a recessão de 2001 era, adivinhe só!, a criação de uma bolha imobiliária.

"Onde está a inflação de preços nos EUA?"



anigif_enhanced-buzz-11489-1357322272-2.gif
Uma das principais linhas de ataque dos críticos contra a Escola Austríaca tem sido a questão da inflação de preços nos EUA.  Economistas austríacos como Robert Murphy têm sido criticados por causa da aparentemente baixa inflação de preços nos EUA, algo que vai contra sua previsão.  Antes de tudo, vale ressaltar que esses críticos estão se referindo ao conceito convencional de nível de preços, o qual é mensurado pelo Índice de Preços ao Consumidor [nos EUA, CPIConsumer Price Index].
Pelo bem do debate, vamos ignorar aqui todos os problemas relativos ao conceito de 'nível de preços' e todos os problemas técnicos inerentes ao cálculo do CPI.  Vamos ignorar também o fato de que tal supostamente baixa inflação de preços pouco ou nada tem a ver com a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), ao contrário do que os críticos vêm gostosamente dizendo.  A noção básica de que mais dinheiro criado (ou seja, inflação) gera preços mais altos (ou seja, inflação de preços) não é exclusivamente austríaca.  Trata-se de uma ideia muito antiga e comumente aceita por economistas profissionais, e está presente em praticamente todos os livros-textos que já examinei.
Tal visão é frequentemente rotulada de 'teoria quantitativa da moeda'.  Apenas economistas de ideologia mercantilista ou keynesiana discordam dessa teoria.  No entanto, somente os austríacos podem explicar o atual dilema: por que a maciça criação de dinheiro pelos principais bancos centrais do mundo, mais notadamente nos EUA, não resultou em preços mais altos?
Economistas austríacos como Ludwig von Mises, Benjamin Anderson e F.A. Hayek perceberam que, durante a década de 1920, não obstante os preços das mercadorias apresentassem grande estabilidade, os preços dos insumos presentes na estrutura de produção da economia americana vinham crescendo com vigor, e isso indicava problemas relacionados à política monetária adotada pelo Banco Central americano, o Federal Reserve.  Mises especificamente alertara que a política do "dólar estável" preconizada por Irving Fisher e implantada pelo Fed iria gerar severas ramificações.  Não fosse essa política monetária frouxa adotada pelo Fed durante a década de 1920, os preços teriam caído durante aquela década, a qual vivenciou um robusto aumento de produtividade.
Portanto, analisemos agora o comportamento dos preços daqueles produtos que a maioria dos economistas ignora, e vejamos o que descobrimos.  Dentre os preços óbvios a serem analisados está o preço do petróleo.  Economistas convencionais não gostam muito de analisar os preços do petróleo, tanto é que ele (junto com os preços dos alimentos) nem é incluído no cálculo do CPI.  Ben Bernanke diz que os preços do petróleo nada têm a ver com a política monetária do Fed (um despautério, dado que o petróleo mundial é comercializado em dólares) e que tais preços são governados por outros fatores.
Na condição de economista austríaco, eu especularia que, em uma economia de livre mercado, em que não existissem bancos centrais, o preço do petróleo seria estável.  Mais ainda: especularia que, na atual realidade econômica, em que há bancos centrais, o preço do petróleo não apenas seria bastante instável, como também refletiria a política monetária americana, exatamente como explicado pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
Ou seja, as taxas de juros artificialmente baixas geradas pelo Fed (por meio de sua criação de dinheiro) estimulariam os empreendedores a darem início a novos projetos de investimento.  Isso, por sua vez, aumentaria a demanda por petróleo (setor este em que a oferta é relativamente inelástica), o que faria com que o preço do petróleo aumentasse.  À medida que esses empreendedores tivessem de pagar preços mais altos por petróleo, gasolina e energia (e por vários outros insumos), e à medida que seus clientes tivessem de reduzir sua demanda pelos bens produzidos por esses empreendedores (para poderem pagar os preços mais altos da gasolina), alguns desses investimentos deixariam de ser lucrativos e passariam a apresentar prejuízos.  Portanto, por essa teoria, o preço do petróleo deveria subir em períodos de expansão econômica artificial e cair em períodos de recessão. 
E é exatamente isso o que ocorre, como retrata o gráfico abaixo, que mostra o preço em dólares do barril de petróleo (as áreas em cinza denotam períodos de recessão nos EUA).
graph1.png
Como se nota, o preço do petróleo se manteve bastante estável enquanto o país estava no pseudo-padrão ouro (até 1971).  Os dados também retratam a dramática instabilidade gerada a partir do momento em que o padrão monetário mundial passou a ser puramente fiduciário, sem absolutamente nenhum lastro em ouro (após 1971).  Adicionalmente, nota-se que o preço do petróleo varia, em termos gerais, bem de acordo com a teoria austríaca — muito embora a política monetária não seja a única determinante dos preços do petróleo, dado que obviamente não existe uma relação numérica estável entre as duas variáveis.
Outra commodity digna de atenção por causa de seu alto preço é o ouro.  O preço do ouro também aumenta durante os períodos de crescimento econômico artificial e cai durante as recessões.  No entanto, desde que a última recessão americana terminou oficialmente em 2009 (como mensurado tecnicamente pela variação do PIB), o preço do ouro mais do que dobrou.  A política de juros zero do Fed fez com que o custo de oportunidade de se investir em ouro se tornasse extraordinariamente baixo.  As maciças injeções monetárias feitas pelo Fed criaram uma enorme pressão altista no preço do ouro.  Nenhuma surpresa.
graph2.png
Na realidade, os preços de todas as commodities aumentaram.  O Índice de Preços ao Produtor (Producer Price Índex — PPI) para as commodities mostra um padrão similar ao do petróleo e do ouro.  O PPI-Commodities se manteve estável durante o pseudo-padrão ouro.  Após a adoção do padrão papel-moeda fiduciário pós-1971, a volubilidade reinou.  O índice tende a disparar antes de uma recessão, e a estabilizar durante e após a recessão.  Atualmente, o Índice PPI para commodities já retornou a níveis historicamente altos.
graph3.png
Preços altos parecem ser a norma hoje nos EUA.  O mercado de ações está próximo de sua máxima histórica.  O mercado de títulos do governo já está em sua máxima histórica.  Os preços dos terrenos agrícolas vêm batendo sucessivos recordes.  O mercado de Arte Contemporânea de Nova York está "bombando", batendo recordes de preços e vendas.  Os mercados imobiliários de Manhattan e Washington, D.C. estão ambos também em seus respectivos ápices, como os austríacos prognosticariam.  É ali, afinal, que o dinheiro está sendo criado, e é ali que grande parte dele é injetada na economia.
Isto nem sequer leva em consideração como seriam os preços caso o Fed e os bancos centrais mundiais não houvessem atuado da forma como atuaram.  Os preços imobiliários seriam mais baixos, assim como os preços das commodities, e o CPI e o PPI seriam hoje negativos.  As famílias de mais baixa renda teriam vivenciado um aumento em seu padrão de vida (por causa da queda nos preços), e os poupadores ganhariam retornos decentes sobre suas poupanças (atualmente, o retorno é nulo).
Obviamente, o mercado de ações e o mercado de títulos também estariam vivenciando preços significativamente menores (no caso dos títulos, isso implicaria juros maiores).  As ações dos grandes bancos teriam despencado e os bancos insolventes teriam quebrado.  Hedge funds e bancos de investimento teriam entrado em colapso, assim como vários tipos de financiamento.  O mercado imobiliário de Manhattan estaria na lona.  O mercado de trabalho para administradores de fundos de investimento, operadores de hedge fund e banqueiros em geral teria evaporado.
Ou seja, o que o Fed optou por fazer acabou tornando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.  Caso ele não houvesse embarcado na mais extrema e heterodoxa política monetária de sua história, os pobres teriam vivenciado um relativo aumento em seu padrão de vida, e os ricos teriam vivenciado uma substancial redução coletiva no seu.
Mas há também outros motivos por que os preços dos bens de consumo não aumentaram em conjunto com a oferta monetária da mesma forma dramática que a observada para o petróleo, o ouro, as ações e os títulos.  Tudo indica que as políticas inflacionárias e keynesianas adotadas pelos EUA, pela Europa e pela China resultaram em um ambiente econômico e financeiro tão incerto, que os bancos estão receosos em conceder empréstimos, os empreendedores estão temerosos em investir, e todo mundo está com medo do futuro de suas moedas, as quais eles são obrigados a aceitar.
Em outras palavras, o motivo pelo qual as previsões sobre a inflação de preços não se materializaram é porque as receitas keynesianas — como pacotes de socorro, pacotes de estímulo e maciças injeções monetárias no sistema bancário — não apenas fracassaram como também ajudaram a destroçar ainda mais a economia.

O Banco Central americano e a “ameaça” da redução dos estímulos


por  

Federal Reserve — o Banco Central americano — tem sido implacável em sua tarefa de expandir a base monetária.  Embora a mídia rotineiramente goste de atormentar os leitores com insinuações de que a política sendo perseguida pelo Comitê de Política Monetária dos EUA está prestes a ser alterada, podemos ver no gráfico abaixo que ela não mudou nada desde o anúncio — feito em dezembro de 2012 — de que esta política seria implantada.
fredgraph.png
Evolução da base monetária dos EUA
Toda essa expansão da base monetária não se converteu em expansão monetária (isto é, expansão da quantidade de dinheiro na economia) porque boa parte dela ficou represada nos bancos, que não estão emprestando.  O gráfico abaixo mostra a evolução das "reservas em excesso", isto é, dinheiro que os bancos não emprestaram ao público porque preferem mantê-lo voluntariamente depositado junto ao Fed, que está pagando juros de 0,25% ao ano sobre este montante.
fredgraph (1).png
Evolução das reservas em excesso nos EUA
Tenha em mente que, quando a mídia fala que o Fed está prestes a alterar sua postura monetária, não se está dizendo que haverá uma interrupção em todo este processo de criação de dinheiro; não se está dizendo que a base monetária assumirá um valor estável.  O que se está dizendo é que haverá uma redução na taxa de aumentodesse processo de criação de dinheiro.  No momento, o Fed está criando o equivalente a US$1 trilhão por ano.  Tal postura passou a ser considerada normal.
Sempre que o Fed publica suas atas, o que ocorre a cada seis semanas, especialistas se debruçam nelas para estudar minúcias da linguagem e tentar encontrar alguma pista de que haverá alguma mudança de postura.  Eles estão tão preocupados com a ameaça de alguma redução na taxa de expansão da base monetária, que eles próprios tentam descobrir quando o Comitê de Política Monetária do Fed irá realmente reduzir a taxa de expansão.
Esse grau de preocupação indica o tamanho da dependência de toda a economia — não só a americana, como também a mundial — em relação a uma contínua expansão da base monetária feita pelo Fed.  Isso já deixou de ser uma minúcia meramente técnica; é hoje um assunto de interesse da imprensa mundial.  Obviamente, o tamanho do aumento na base monetária é astronômico, por qualquer que seja o padrão adotado, e isso aguça o interesse.  Um trilhão de dólares por ano é uma quantia obscena de dinheiro.  A mídia financeira supõe ser possível voltar a um mundo em que o Fed fabrica menos de US$1 trilhão por ano.  O medo hoje é que uma redução nessa velocidade de criação de dinheiro irá derrubar toda a economia.  O temor é que tal redução fará com que as taxas de juros de longo prazo voltem a subir (estavam em níveis historicamente baixos porque o Fed estava comprando títulos de longo prazo com o intuito justamente de manter baixos os juros de longo prazo), que os preços do títulos caiam, que a bolsa de valores despenque, que o desemprego suba, e que algo como a recessão de 2009 reapareça.
O mais interessante de tudo é o seguinte: isso é exatamente o que a Escola Austríaca de economia ensina.  Ela ensina que o Banco Central expande a base monetária e isso faz com que o capital seja alocado de forma errônea e insustentável.  Toda a economia se torna dependente deste dinheiro que está sendo criado do nada, bem como os mercados de capital.  Sendo assim, qualquer tentativa do Banco Central de retornar à situação anterior a este arranjo levará a uma grande recessão.  Foi isso o que ocorreu em 2007, o que gerou a recessão de 2008.
Estamos hoje vivenciando uma situação em que a mídia está tão preocupada com qualquer possibilidade de redução da taxa de expansão da base monetária, que ela está, com efeito, pressionando o Fed a continuar mantendo sua expansão.  A mídia persuadiu os investidores de que qualquer tentativa de conter a expansão da base monetária americana levará a uma série de consequências negativas para toda a economia global.  Trata-se de uma avaliação correta, mas isso pressiona o Comitê de Política Monetária do Fed a dar continuidade às suas políticas inflacionistas, pois até mesmo quando houve uma simples alusão de que haveria uma redução na taxa de expansão da base monetária, em junho passado, as bolsas de valores despencaram.
Estamos hoje em uma situação na qual a mídia financeira reconhece que o Fed é o centro da economia americana, e consequentemente o centro da economia mundial.  A mídia adotou uma estratégia de divulgar reportagens que geram temores todas as vezes em que há até mesmo uma ínfima alusão à possibilidade de o Fed começar a reduzir a taxa de expansão da base monetária.  As pessoas estão realmente alertas para tudo aquilo que o Fed está fazendo.  Isso não ocorria no passado, mas está ocorrendo agora.
Com o público investidor tão preocupado com a possibilidade de redução da taxa de expansão da base monetária, é improvável que o Fed se arrisque a realmente fazer isso.  Os economistas do Comitê de Política Monetária sabem que o público investidor está ciente de tudo que o Fed está fazendo, e este público está à procura de qualquer indicação de que o atual ritmo de compras de títulos governamentais e hipotecários pelo Fed não será mantido.  Isso praticamente garante que o ritmo das compras será mantido.  O Comitê de Política Monetária está temeroso dos efeitos de uma redução na taxa de crescimento das compras.  Ninguém quer umarecessão.  Todo o objetivo da atual política do Fed é justamente reduzir a ameaça de uma recessão.  É por isso que a economia americana está presa à atual taxa de crescimento da base monetária.
Quanto mais tempo isso perdurar, pior será a má alocação de capital.  Sabemos disso.  Economistas seguidores da Escola Austríaca se concentram nisso.  Mas essa é uma preocupação menor entre os economistas seguidores da Escola de Chicago, e raramente chega a ser uma preocupação entre os economistas keynesianos.  Os economistas acadêmicos e profissionais já se posicionaram em defesa do Fed, como sempre fazem.
bernanke-fomc.gi.top.jpgBen Bernanke viciou a economia americana a uma contínua inflação da base monetária.  A magnitude do aumento na base monetária tem sido tão grande, que a criação de US$1 trilhão por ano passou a ser necessária para ao menos começar a estimular a economia americana.  Não fosse a relutância dos bancos comerciais em conceder empréstimos, o país já estaria hoje em uma hiperinflação.  Mesmo assim, Bernanke ainda não foi desafiado de maneira significativa pelo Comitê de Política Monetária do Fed.  Apenas um membro do Comitê manifestou oposição à continuidade desta política monetária, no dia 31 de julho.  Isso indica um total apoio à política de Bernanke.  Indica também que a atual política monetária não é simplesmente a política de Bernanke; é a política de todo o Comitê.
William McChesney Martin, que foi presidente do Fed de 1951 a 1970, fez a famosa declaração de que a função do Banco Central é retirar o barril de chope quando a festa começa a ficar animada.  O problema é o seguinte: não haveria festa animada se o Banco Central não houvesse fornecido o barril de chope.  O barril de chope do Fed é a única coisa que está sustentando o atual nível da bolsa de valores americana.  É por isso que os comentaristas e jornalistas financeiros estão apavorados com a possibilidade de o Fed vir algum dia a deixar de expandir a base monetária em seu ritmo atual.  A economia está sendo estimulada unicamente pela inflação.  Mas ainda assim ela não consegue decolar.
A atual política seguida pelo Fed é clara.  Seus economistas já disseram repetidas vezes que manterão a atual política monetária até que determinados critérios sejam alcançados.  E estes critérios ainda não foram alcançados.  O desemprego ainda é de 7,5%, e a meta é 6,5%.  A inflação de preços ainda está abaixo de 2% ao ano.  E não há nenhuma pressão externa sobre o Fed para que ele reduza a taxa de expansão da base monetária.
Bernanke sairá do Fed no início de 2014.  O novo presidente estará em uma enrascada.  Como não sabemos quem será o novo presidente, não é possível fazer boas previsões sobre qual será a nova política do Fed.  A minha crença é esta: não haverá nenhuma mudança fundamental na política monetária até que a inflação de preços se torne um sério problema político.  Os mercados temem uma alteração na política monetária.  E o Comitê de Política Monetária do Fed teme os mercados.
___________________________________

A Previdência Social brasileira - um esquema fraudulento de pirâmide



1 - A PIRÂMIDE
previdencia.jpgPraticamente todas as pessoas já ouviram falar no esquema da pirâmide, mas não custa nada lembrar como funciona esse esquema fraudulento que, segundo análise, causa prejuízo em 84% dos participantes.
A pirâmide, segundo a wikipedia[1]é um modelo comercial não-sustentável que envolve basicamente a permuta de dinheiro pelo recrutamento de outras pessoas para o esquema sem que qualquer produto ou serviço seja entregue.  A idéia básica por trás do golpe é que o indivíduo faz um único pagamento, mas recebe a promessa de que, de alguma forma, irá receber benefícios exponenciais de outras pessoas como recompensa.  Claramente, a falha fundamental é que não há benefício final; o dinheiro simplesmente percorre a cadeia, e somente o idealizador do golpe (ou, na melhor das hipóteses, umas poucas pessoas) ganham trapaceando seus seguidores.
Pondo esse esquema em prática, uma pessoa ganha uma certa quantia de um grupo de pessoas, e esse grupo de pessoas ganharia a mesma quantia de um segundo grupo de pessoas, que depois ganhariam a mesma quantia de um terceiro grupo de pessoas, e assim sucessivamente.
O problema óbvio desse esquema de pirâmide é que ele cresce em progressão geométrica — ou seja, se são necessárias, em tese, seis pessoas para se pagar a quantia acertada para uma pessoa, serão necessárias trinta e seis pessoas para se pagar a quantia acertada para o grupo de seis, e assim por diante.
Em um esquema de pirâmide em que seis pessoas suportam uma, o décimo-terceiro grupo já seria maior que toda a população mundial (esse grupo seria composto por pouco mais de 13 bilhões de pessoas, mais que o dobro da população mundial).
Logo, é um esquema absolutamente fraudulento, posto que é insustentável[2].
Por conta disso, a maioria dos países do mundo editou leis que declaram esse tipo de esquema ilegal.  No Brasil, a Lei Contra a Economia Popular[3] (Lei nº 1.521/51) tipifica esse crime no seu art. 2º, inciso IX, assim disposto:
Art. 2º. São crimes desta natureza: 
IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);
Mas, por incrível que pareça, enquanto particulares não podem praticar esse esquema, o governo pode sem o menor problema, através de um órgão chamado Instituto Nacional da Seguridade Social.  O nome desse esquema de pirâmide é "previdência social".
2 - A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA 
A previdência social é um seguro público, coletivo, compulsório, mediante contribuição e que visa cobrir os seguintes riscos: incapacidade, idade avançada, tempo de contribuição, encargos de família, morte e reclusão[4].
Sendo um seguro público, coletivo, e compulsório, ele é administrado pelo governo e todos os trabalhadores economicamente ativos devem aderir a ele de maneira forçada, sob pena de crime, tipificado no Código Penal no art. 337-A, com pena de dois a cinco anos, além de multa e do pagamento da quantia principal devida.
A Constituição diz que o seguro é pago mediante contribuição, o que é um eufemismo, pois contribuição é um termo que pressupõe voluntariedade, ou seja, a pessoa contribui para alguma coisa, em tese, apenas se ela quiser, o que não é o caso.  Portanto, a melhor palavra para esse pagamento seria imposto, pois é uma imposição estatal o seu pagamento, mas vamos manter a palavra original para não confundir o leitor.
A previdência social brasileira concede hoje dez tipos de benefícios: (i) auxílio-doença; (ii) auxílio-acidente; (iii) aposentadoria por invalidez; (iv) aposentadoria por idade; (v) aposentadoria por tempo de contribuição; (vi) aposentadoria especial; (vii) salário-maternidade; (viii) salário-família; (ix) pensão por morte; e (x) auxílio-reclusão.
Divide-se hoje em dois regimes: (i) o regime geral de previdência social, para os trabalhadores do setor privado; e (ii) regime próprio de previdência social, para os trabalhadores do setor público.
O custo do sistema previdenciário brasileiro é pago por quatro entes: (i) pelos trabalhadores (através de contribuição sobre o quanto ganha, que vai de 7,65% a 20% do salário-de-contribuição, dependendo do tipo de segurado); (ii) pelas empresas empregadoras (através de uma série de tributos, como COFINS, CSLL, SAT, entre outros), (iii) por parte da receita proveniente de loterias e (iv) pelo Governo.
3 - A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA E O ESQUEMA DE PIRÂMIDE NO SETOR PRIVADO
Como visto, o regime de aposentadoria dos trabalhadores privados é o regime geral de previdência social. Esse regime é pago por eles e pelas empresas que os contratam.  No caso de trabalhadores autônomos, os próprios pagam a sua previdência.
O espírito do sistema é o seguinte: o trabalhador de hoje paga pela aposentadoria do aposentado atual para que, quando ele se aposente, o trabalhador do futuro pague por sua aposentadoria.
Agora vejam a semelhança entre esse sistema e a pirâmide fraudulenta: na pirâmide, um grupo originário, que não desembolsou absolutamente nada, recebe uma certa quantia de outro grupo (necessariamente maior), e esse grupo fica na expectativa de que outro grupo, ainda maior, pague a mesma quantia ao grupo intermediário, e assim sucessivamente.  No sistema previdenciário, um grupo original de aposentados passou a receber uma aposentadoria sem ter pago qualquer quantia[5], às custas do grupo de trabalhadores ativos da época, e esses trabalhadores ativos da época se aposentaram, esperando que os trabalhadores ativos posteriores pagasse suas aposentadorias, sendo que esse último grupo, como visto, precisa ser muito grande para poder suportar esse pagamento.
Ora, sem que haja uma progressão geométrica no número de trabalhadores entre uma geração e outra, esse sistema invariavelmente quebrará.  E efetivamente não há como esse sistema não quebrar, por dois motivos: (i) a geração seguinte em regra não cresce suficientemente e (ii) mesmo que crescesse, essa geração precisaria ocupar empregos em uma taxa próxima dos 100%, e a economia de um país pode não crescer o suficiente para absorver toda a mão-de-obra disponível.
Ainda sobre a questão da geração de empregos, o IPEA[6] afirma que, de acordo com os estudos do IBGE, a população brasileira chegará ao seu pico populacional em 2030, com cerca de 206 milhões de habitantes.  A partir dessa data, o país tenderá a possuir uma população estável de cerca de 200 milhões de pessoas, e a sociedade envelhecerá como um todo.  De acordo com essas projeções, em 2030 estima-se que haverá 1,1 trabalhadores economicamente ativos para cada aposentado.  Ou seja, praticamente haverá um trabalhador por aposentado.  Isso significa, de fato, que uma pessoa terá de trabalhar por duas, o que inviabiliza qualquer sistema previdenciário, concebido originalmente para funcionar em um sistema de dois trabalhadores por aposentado.
O sistema previdenciário, portanto, é um sistema fraudulento de pirâmide que nunca deveria ter sido criado, e que levará, inevitavelmente, a uma falência do Estado brasileiro, até porque nos tempos atuais, sem essa proporção de 1:1 entre trabalhadores e aposentados, o déficit entre o que é arrecadado e gasto pela previdência passa dos R$ 42 bilhões anuais[7].
4 - A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA E O ESQUEMA DE PIRÂMIDE NO SETOR PÚBLICO
A questão do servidor público sempre foi muito controversa no âmbito do direito previdenciário.  Como o trabalhador privado não recebe pelo estado, fica muito fácil individualizar a quantia paga por esse trabalhador e ver qual o destino dessa quantia, no caso o INSS.  Já o servidor público recebe seu ordenado da mesma fonte para a qual terá de pagar a sua contribuição.  Do ponto de vista administrativo, o que o governo fazia era simplesmente descontar a contribuição do pagamento do servidor na fonte.  Ou seja, o servidor efetivamente pagava sua contribuição, mas esse dinheiro não ia para qualquer fundo, deixando ainda mais claro nesse caso o caráter piramidal desse esquema, pois o desconto do futuro servidor daria espaço no orçamento para o pagamento do antigo servidor.
Como é sabido, os privilégios do setor público são flagrantes no Brasil, e um desses privilégios era a aposentadoria integral e paridade com o servidor ativo, até que a EC 41/2003 (a segunda reforma da previdência) acabou com esse expediente.  Essa emenda cria um teto para o servidor público, e o que excedesse essa quantia só seria pago por fundos de pensão pagos por fora pelo servidor.  Esses fundos seriam criados por lei.  A lei até hoje não foi elaborada e o servidor público hoje se aposenta pela média das contribuições, acabando por se aposentar com salário quase integral e com reajuste pela inflação.
Obviamente que a conta aqui fecha menos ainda.  Estima-se que a quantia gasta pelo INSS para o aposentados da iniciativa privada é a mesma gasta pelo governo para os aposentados servidores públicos, só que o primeiro corresponde a 22 milhões de pessoas, e o segundo a dois milhões de pessoas, ou seja, os servidores públicos aposentados correspondem a 10% dos beneficiários do INSS, mas consomem a mesma coisa, o que significa que, na média, um servidor público aposentado ganha dez vezes mais que um trabalhador da iniciativa privada.
5 - OUTRAS CRÍTICAS À PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA
Além de ser um esquema fraudulento de pirâmide, ou seja, inerentemente imoral e ineficaz, a previdência social possui outras distorções flagrantes que são ignoradas pelo grande público.
O grande economista Milton Friedman, da Escola Econômica de Chicago[8], em grande ensaio[9], prova que o sistema previdenciário redistribui dinheiro dos pobres para os ricos.  De fato, pessoas das camadas mais pobres da sociedade tendem, na média, a viver menos que os mais ricos, pois em regra vivem em condições mais insalubres e têm menos acesso a medicamentos, serviços de saúde e alimentos.  Como visto, pobres e ricos proporcionalmente pagam a mesma coisa, mas como o dinheiro pago não retorna diretamente para o pagador, e sim vai para o sistema, só retornando caso o pagador envelheça ou tenha algum tipo de sinistro, em média pessoas mais ricas tendem a se beneficiar da previdência por mais tempo que pessoas pobres.
Além disso, servidores públicos, que já recebem, em virtude de sindicatos e grupos de pressão, salários mais altos por menos trabalho, recebem aposentadoria muito superior à do setor privado contribuindo muito menos para o sistema.
Por fim, além de ineficiente, a previdência social é um verdadeiro antro de pessoas inescrupulosas ávidas por desviar recursos para fins próprios. Provavelmente é a instituição mais fraudulenta do Brasil. Recorrentemente funcionários do INSS descobrem que beneficiários já faleceram e recebem por eles. Pessoas fantasmas também são inventadas, junto ao sistema, para fins de desvio, entre outras fraudes.
E isso ocorre por um motivo muito simples: dinheiro que é de todos, no Brasil, é dinheiro de ninguém.
6 - CONCLUSÃO
Esse esquema fraudulento ruirá, pois um esquema de pirâmide não subsiste sem que a sua base cresça e, como vimos, a população brasileira tende a crescer menos e, por fim, se estabilizar, isso sem contar que a previdência já é deficitária hoje, mas por enquanto consegue subsistir com o desvio de impostos para esse fim.
A previdência social simplesmente quebrará o Brasil. Pessoas como este autor, que ainda é jovem, não terá a oportunidade de se aposentar, pelo menos não por esse sistema fraudulento.
Estatistas em geral defendem a manutenção desse sistema, ao invés do seu rompimento, pois a existência do INSS faz com que os burocratas tenham verdadeiro poder de vida e morte sobre grande parcela da população, além de ser uma fonte de corrupção.
Para a manutenção desse sistema, estatistas realistas em regra defendem o aumento da idade mínima para aposentadoria, que hoje se encontra em 65 anos para homens e 60 para mulheres. A continuar essa tendência, em alguns anos o IBGE, em estudo "científico", afirmará que a expectativa de vida no Brasil é de mais de 80 anos e a idade mínima de aposentadoria cada vez mais aumentará, até o momento em que poucos privilegiados poderão curtir o final da vida sem precisar trabalhar. Até mesmo no exterior essa solução, que é paliativa, tem sido adotada.
Essa, decididamente, não é a solução.  E pior: alguns políticos, sem a menor noção de economia, administração pública ou finanças, tem apresentado propostas, no Congresso Nacional, que aumentam cada vez mais o rombo no sistema previdenciário piramidal, como o fim do fator previdenciário e o aumento exponencial do salário mínimo.
Um sistema ético e eficiente passa necessariamente por um sistema de aposentadoria por capitalização, ou seja, o que o trabalhador paga para esse sistema falido não seria descontado, podendo o próprio trabalhador decidir se quer aplicar em um fundo de pensão privado com boas taxas de investimento, sabendo que o dinheiro que vai ser aplicado lá será retornado para ele e podendo se aposentar cedo, ou se quer gastar essa quantia no consumo, responsabilizando-se pela falta de dinheiro no futuro.
Mas como fazer essa transição em um sistema que já possui um déficit de oitenta bilhões de reais anuais?  Como ficam os atuais aposentados, cuja maioria é verdadeira vítima de fraude?
Essa é uma questão, até o momento, sem resposta, mas uma coisa é certa: quando essa bomba-relógio explodir, não haverá dinheiro para ninguém, seja para os aposentados de hoje ou os de amanhã.
__________________________________________________________
[2] Muitos esquemas de pirâmide têm sido feitos no Brasil nos últimos tempos, em especial após a popularização da internet. Até mesmo grandes personalidades brasileiras já sustentaram esse tipo de fraude, como o ex-jogador e agora Deputado Federal Romário (PSB/RJ), como visto emhttp://www.meionorte.com/noticias/policia/policiais-no-topo-da-piramide-de-romario-77723.html
[3] Não se pode deixar de comentar que essa lei, em geral, é um crime contra a inteligência humana e contra a liberdade voluntária de trocas entre cidadãos de bem. Com o suposto intuito de proteger os cidadãos em geral contra a fraude, o que é um objetivo justo, a lei acabou por interferir radicalmente no direito de liberdade de comercialização de bens e serviços. Salvo a exceção dos incisos IX, X e XI, todos os demais incisos desse artigo 2º são casos clássicos de intromissão indevida do Estado na livre-iniciativa, em especial o bizarro inciso VI, sobre tabelização de preços, que na década de 80, no Brasil, foi responsável por grande escassez de bens. Todos esses incisos que não tratam de fraude deveriam, portanto, ser abolidos, e muitos deles já o foram, pelo menos na prática popular e governamental.
[4] Conceito extraído de Tavares, Marcelo Leonardo. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pg. 57.
[5] Apenas à guisa de exemplo, a primeira aposentada pelo sistema previdenciário americano foi Ida May Fuller. Ela pagou apenas US$ 24,75 em três anos de contribuição, e seu primeiro contra-cheque de aposentadoria foi de US$ 22,54. Após o segundo cheque, no mês seguinte, ela já tinha recebido mais do que pagou para entrar no sistema. Ela viveu até 100 anos e recebeu US$22.888,92. Dados extraídos de http://en.wikipedia.org/wiki/Social_Security_%28United_States)
[6] Comunicado nº 64 - PNAD 2009 - Primeiras Análises: Tendências Demográficas.
[8] Destaca-se apenas que este autor e este partido não são filiados à Escola Econômica de Chicago, mas sim à Escola Austríaca de Economia de Mises, Hayek, Rothbard, entre outros, de cunho mais liberal e libertário que a de Chicago, mas respeita-se a visão comum a ambas as escolas, como é no presente caso.
[9] Milton Friedman & Rose Friedman, "Free to Choose", (New York: Harcout, Brace, Jovanovich, 1980), pg. 102-107
Bernardo Santoro é Diretor Administrativo do Instituto Liberal do Rio de Janeiro, advogado, ex-Presidente do Libertários e mestrando em Filosofia do Direito (UERJ).