domingo, 3 de novembro de 2013

Sem complacência, por Fernando Henrique Cardoso.

Sem complacência, por Fernando Henrique Cardoso.

As notícias da semana que terminou não foram auspiciosas, nem no plano internacional nem no local. Uma decisão da Corte Suprema da Argentina, sob forte pressão do governo, sancionou uma lei que regula a concessão de meios de comunicação. Em tese, nada de extraordinário haveria em fazê-lo.
No caso, entretanto, trata-se de medida tomada especificamente contra o grupo que controla o jornal “El Clarín”, ferrenho adversário do kirchnerismo. Cerceou um grupo de comunicação opositor ao governo sob pretexto de assegurar pluralidade nas normas de concessão. Há, contudo, tratamento privilegiado para o Estado e para as empresas amigas do governo.
Da Venezuela, vem-nos uma patuscada incrível: as cidades do país apareceram cobertas de cartazes contra a “trilogia do mal”, ou seja, os principais líderes opositores, aos quais se debitam as falências do governo! Seria por causa deles que há desabastecimento, falta de energia e crise de divisas, além da inflação. Tudo para incitar ódio popular aos adversários políticos do governo, apresentando-os como inimigos do povo.
O lamentável é que os governos democráticos da região assistem a tudo isso como se fosse normal e como se as eleições majoritárias, ainda que com acusações de fraudes, fossem suficientes para dar o passaporte democrático a regimes que são coveiros das liberdades.
No Brasil, também há sinais preocupantes. Às manifestações espontâneas de junho se têm seguido demonstrações de violência, desconectadas dos anseios populares, que paralisam a vida de milhões de pessoas nas grandes cidades. A estas se somam às vezes atos violentos da própria polícia.
Com isso, deixa-se de ressaltar que nem toda ação coercitiva da polícia ultrapassa as regras da democracia. Pelo contrário, se nas democracias não houver autoridade legítima que coíba os abusos, estes minam a crença do povo na eficácia do regime e preparam o terreno para aventuras demagógicas de tipo autoritário.
Temos assistido ao encolhimento do Estado diante da fúria de vândalos, aos quais aderem agora facções do crime organizado. Por isso, é de lamentar que o secretário-geral da Presidência se lamurie pedindo mais “diálogo” com os black blocs, como se eles ecoassem as reivindicações populares.
Não: eles expressam explosões de violência anárquica desconectadas de valores democráticos, uma espécie de magma de direita, ao estilo dos movimentos que existiram no passado no Japão e na Alemanha pós-nazista.
Esses atos vandálicos dão vazão de modo irracional ao mal-estar que se encontra disseminado, principalmente nas grandes cidades, como produto da insensatez da ocupação do espaço urbano com pouca ou nenhuma infraestrutura e baixa qualidade de vida para uma aglomeração de pessoas em rápido crescimento.

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