*Por Márcia Eliasson
Recentemente, tive a honra de participar da coletiva de imprensa para a abertura da exposição The Fashion World of Jean Paul Gaultier From the Sidewalk to the Catwalk (O Mundo Fashion de Jean Paul Gaultier – das Calçadas para as Passarelas, tradução livre), no Centro de Arquitetura e Design (anterior Museu de Arquitetura) em Estocolmo.
Produzida por Nathalie Bondil, diretora e curadora-chefe, e pelo curador Thierry-Maxime Loriot, ambos do Museu de Belas Artes de Montreal, em cooperação com a Maison Jean Paul Gaultier em Paris, essa é a primeira exposição internacional dedicada ao trabalho do famoso designer francês, e tem por objetivo celebrar os 35 anos de sua carreira (em 2011, quando a exposição foi lançada em Montreal).
L’enfant terrible Nascido em 1952, Gaultier conta atualmente com uma carreira de mais de 35 anos. Apesar da perda de relevância durante os anos 1990, recuperou-se e hoje é considerado um dos mais influentes designers das décadas recentes. Jean Paul Gaultier integra o seleto grupo das 14 casas de moda com estatus de Haute Couture (alta-costura), a mais elevada forma de arte de costura regulamentada pela Chambre Syndicale de la Couture Parisienne em Paris. É também um dos poucos designers de seu tempo que ainda possuem uma maison que leva o seu nome.
Após o seu primeiro desfile de moda em 1970, Gaultier ficou conhecido
como l’enfant terrible da moda, do francês “garoto terrível”. Esse apelido tornou-se apropriado em virtude do modo como sempre usou as suas criações para
provocar e criticar o tradicional mundo da moda.
Ursinho de infância de Gaultier, Nana, usando o primeiro sutiã
em formato de cone. Um prelúdio do que, no futuro, se transformaria
em uma das peças ícones da sua carreira. Sempre que se fala em Gaultier, o rebelde da moda, associam-se a ele três conceitos:
Diversidade : o designer constantemente questiona, com bom humor, as normas sociais e estéticas do sistema da moda e desafia a imagem convencional de beleza. Busca inspiração em diversas culturas e religiões. Para Gaultier, ser bonito é ser diferente.
Gênero : “Com exceção da braguilha medieval e do sutiã, roupa nunca teve um sexo”. Essa é uma recorrente citação de Gaultier, a qual se materializa por meio do
terno risca de giz para as mulheres e da saia para os homens.
Perícia (artesanato) : Esse conceito é rapidamente observado na complexidade dos detalhes e na qualidade do trabalho manual (coleções de couture) empregado
nas criações de Gaultier.
O designer brasileiro Alexandre Herchkovitch me lembra bastante Gaultier, não diretamente em razão do seu design, mas por causa da sua
forma ousada e transgressora de criar moda.
Primeira criação de Gaultier, datada de 1971,
exposta pela primeira vez. A exposição - das calçadas para as passarelas O tema da exposição remete à moda das ruas nos grandes centros urbanos, e com ela a sua diversidade cultural, como uma das maiores fontes de inspiração do designer.
Nathalie Bondil, citada anteriormente, fez a seguinte declaração: “Além da moda, o que nos levou a pensar em montar uma exposição que descreve o mundo de Jean Paul Gaultier foi a sua humanidade. Sem falar no seu deslumbrante virtuosismo técnico e habilidades, a sua imaginação desenfreada e as memoráveis colaborações artísticas, o seu mundo fornece uma visão aberta da sociedade, uma verdadeira extravagância, sensibilidade, humor e impertinência, onde todos têm a possibilidade de afirmar-se como são. É o manifesto de um ser humano que se sente confortável sendo ele próprio.” (livre tradução do original em inglês).
Considerada uma obra em si, e não uma retrospectiva cronológica, a exposição é composta por mais de 120 criações originais, acessórios, muita fotografia de moda, filmes, apenas para citar alguns. A maioria das peças é das coleções de alta-costura, mas há também peças de coleções prêt-à-porter (do francês “pronto para usar”,
referindo-se às roupas de confecções).
Com um sistema avançado de projeção, cerca de 30 manequins ganham "vida" e podem tanto falar como cantar, conferindo um dinamismo e uma interatividade incomuns em exposições dessa natureza. O próprio Jean Paul Gaultier é um desses manequins e dá as boas-vindas aos visitantes de forma alegre e calorosa.
Projetores usados para dar vida aos manequins Boneco Gaultier A maioria das peças, criadas entre os anos 1970 e 2011, jamais foram expostas dessa maneira, como, por exemplo, peças usadas por Madonna em diferentes turnês mundiais.
A exposição foi dividida em seis temas:
Odyssey (Odisséia) Logo no início da exposição encontra-se esta seção que é nada mais nada menos que uma introdução ao mundo do designer e suas fontes de inspiração. A sua interpretação dos uniformes marinhos, as consagradas listras, sereias e a presença recorrente de temas religiosos em suas criações estão retratados aqui.
A luz azul nesse ambiente tinha como objetivo dar a
impressão de que se estava embaixo d'água The Boudoir (Alcova) Um dos marcos da carreira de Gaultier foi a reinvenção do espartilho (corset).
O corset com sutiã em formato de cone tinha como objetivo conferir poder à mulher por meio de uma peça íntima que antes poderia ser considerada quase como um objeto de tortura, pela forma com que apertava e aprisionava o corpo feminino. Inspirado nos movimentos feministas dos anos 60 e 70, que acabaram por estabelecer um padrão tirano de beleza, Gaultier propunha com seus novos espartilhos um movimento pós-feminista de emancipação dos ditames de aparência.
Uma das peças da turné mundial Blond Ambition, 1989-1990, cedida
por Madonna exlusivamente para essa exposição. Com a criação de fragâncias femininas e masculinas, Gaultier buscou ressaltar que
tanto o homem como a mulher podem escolher atrair ou ser atraído, assumindo
ou cedendo poder no jogo da sedução.
Caixa de perfumes Skin Deep (Segunda pele) Nesta seção encontramos várias criações que dão a ilusão de um corpo nu. A idéia é ressaltar a pele como sendo a roupa original do ser humano. Uma mensagem de liberdade é enviada por meio dessas peças: "Seja você mesmo, independentemente do que a natureza ou a educação fizeram por você".
“corpos” Naomi Campbell Vestido Naomi Campbell Punk Cancan Gaultier uniu nessa seção a paixão pela vida nas ruas das duas capitais, Paris e Londres, resultando em um contraste entre o estilo de vida dos punks tatuados da Trafalgar Square em Londres e o glamour da alta sociedade parisiense. Na coleção punk, Gaultier mistura o feminino e o masculino, destacando um outro ponto alto de sua carreira, que foi a criação da saia para homens.
Urban Jungle (Selva Urbana) Africanos, chineses, rabinos, dançarinos de flamenco e outros estão representados em mais uma referência ao mix de culturas e etnicidades que caracterizam as grandes cidades. Com isso em mente, Gaultier viaja ao mundo dos animais e cria peças
únicas de alta costura utilizando materiais como o couro, penas de ganso, e couro
de cobra e crocodilo.
Bolsa de couro Vestido onça Vestido onça, no detalhe: n otem que o material usado não foi pele de animal, e sim miçangas. Foram necessárias em torno de 1.060 horas de trabalho manual para se chegar a esse resultado Metropolis (Metrópoles) Gaultier brinca com materiais que na época não eram comuns em um catwalk, como o vinil, a lycra e o neopren, resultando na coleção mais futurística criada por ele, inspirada nas eras new wave e house music do final dos anos 1970.
Parte do vestido feito de filme de máquina de fotografar Diversas criações resultantes de diferentes cooperações de Gaultier com artistas do cinema e da música também podem ser vistas nessa seção.
Antes de chegar a Estocolmo , a exposição percorreu, além de Montreal, as cidade de Dalas, São Francisco, Madri e Roterdã, tendo sido vista por cerca de 850.000 pessoas. Após o dia 22 de Setembro, último dia da exposição na capital sueca, a mesma segue para Nova Iorque, Londres e Melbourne. Poranto, fiquem atentos caso estejam planejando passar férias em uma dessas cidades.
Esse é um trabalho que deveria ser visto por todos, independentemente do interesse por moda, pois os temas abordados nos convidam à reflexão e avaliação de normas e valores morais, culturais e sociais.
É isso. A gente se vê.
Assinatura Jean Paul ==
Com esse texto eu inicio a minha colaboração com o blog da Revista do Correio.
Nasci em Brasília, mas vivo em Estocolmo, Suécia. Sou administradora financeira por profissão, mas amante da moda e “jornalista” de coração. Desde que me mudei do Brasil, há 3,5 anos, tirei férias dos números e da minha cadeira no departamento financeiro para perseguir o sonho de escrever sobre os meus interesses. Depois de ter cursado vários cursos na área de moda, sendo um deles na Universidade de Estocolmo, e ter feito cobertura de vários eventos e semanas de moda, finalmente ingressei em uma escola de jornalismo, e em breve vou poder dizer que sou jornalista, sim, no coração,
mas também na profissão.
Márcia Eliasson