sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A liberdade não é uma "política pública

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public.jpgUma das maiores derrotas do movimento intelectual pró-livre mercado foi permitir que suas idéias fossem categorizadas como sendo "opções de políticas públicas".  Tal concessão sugere que se deve deixar a cargo do estado — de seus gerentes e intelectuais pagos — decidir como, quando e onde a liberdade deve ser permitida.  A implicação maior desse erro é fazer parecer com que a função da liberdade, da propriedade privada e dos incentivos de mercado é apenas permitir que haja um melhor gerenciamento da sociedade por parte do estado - ou seja, permitir que o regime funcione mais eficientemente.
Esse tipo de pensamento vem nos permeando há um bom tempo.  Murray Rothbard, ainda nos anos 1950, observou que os economistas, mesmo aqueles favoráveis ao mercado, haviam se tornado especialistas em "como dar eficiência ao estado".  A diferença entre essa postura infeliz e aquela que utiliza uma retórica livre-mercadista para encobrir atrocidades estatais é mínima, sendo que esta última é certamente o objetivo final de todo o esquema.
Essa postura, por exemplo, foi o cerne da Revolução Reagan, que, em nome da liberdade, propôs cortes de impostos que na realidade visavam apenas aumentar as receitas do governo, como sugerido pela Curva de Laffer.  Mas quem disse que o propósito da liberdade é garantir uma superabundância de fundos para o estado?  E se esse aumento da receita não se concretizasse?  Isso significaria que os cortes de impostos fracassaram?  Até hoje, pessoas que se dizem defensoras resolutas do livre mercado seguem esse raciocínio: "Corte de impostos é bom porque, além de tudo, aumenta as receitas do estado!" 
E, como já ficou mais do que claro, essa estratégia foi um desastre para a liberdade.  As receitas dos governos em proporção ao PIB nunca foram tão grandes, assim como a sofisticação das maneiras de se recolhê-las.  Ademais, hoje, quando o governo quer aumentar suas receitas, ele nem mais precisa se esconder sob esse manto oratório: ele simplesmente sai coletando mais receitas e encarcerando aquele que não se curvar.  Tal foi o fracasso da "estratégia" acima.
Há vários outros exemplos atuais dessa horrenda concessão ao estado.  Em alguns círculos "liberais", as pessoas utilizam a palavra "privatização" não com o sentido de se retirar o governo de um aspecto particular da vida social e econômica, mas meramente com a intenção de terceirizar prioridades estatais para empresas privadas que possuam fortes conexões políticas.
Vouchers escolares e "privatização" da Previdência Social são os mais notórios exemplos em nível federal.  Já em nível estadual e municipal, qualquer contrato governamental concedido, geralmente via propinas, a algum interesse privado é considerado "privatização".  Vemos isso quando se terceiriza serviços como coleta de lixo, saneamento básico, eletricidade e rodovias.  Uma empresa privada ganha um monopólio concedido pelo estado e, daí pra frente, não mais precisa se preocupar com a concorrência.  Um privilégio e tanto.
O que está em jogo é a própria concepção do papel da liberdade na vida econômica, política e social.  Afinal, para nós, seria a liberdade apenas um recurso útil dentro da atual estrutura ou ela é uma alternativa genuína ao atual sistema político?  Não se trata de uma simples contenda entre facções libertárias.  O futuro do próprio livre mercado está em jogo.
São poucas as oportunidades de reforma que aparecem.  E quando elas aparecerem, os libertários precisam estar à frente não apenas exigindo o serviço completo, como também alertando contra os perigos de certas concessões.  O pior erro que nosso lado pode cometer é propagandear nossas idéias como sendo a melhor maneira de se obter os fins desejados pelo estado.  Entretanto, foi exatamente essa abordagem — dizer que a economia de mercado é a melhor opção política dentre uma variedade de planos estatistas — que se tornou a dominante do nosso lado da cerca.
Pra começar, essa abordagem tipicamente leva a resultados infaustos no mundo real, como o fiasco da "desregulamentação"[*] do setor energético na Califórnia.  Reformas parciais como essa podem gerar um sistema ainda pior do que o sistema que vigorava antes da reforma, além de acabar com a autoridade moral da livre iniciativa.
Outra observação contra reformas parciais foi feita por Ludwig von Mises:
Há uma tendência inerente a todos os governos em não reconhecer qualquer limitação às suas operações e em ampliar a esfera de seu domínio o máximo possível.  Controlar tudo, não deixar espaço para que nada aconteça fora da interferência das autoridades - esse é o objetivo ao qual todos os regentes secretamente aspiram.
A única maneira de fugir desse problema é batalhando para eliminar todo o envolvimento do estado na vida da sociedade e da economia.  Sem isso, simplesmente não há como evitar a miséria, a submissão e a ineficiência.
O que ocorreu com a Polônia é um ótimo exemplo.  Após o colapso do comunismo, houve uma explosão de entusiasmo pela idéia de se ter uma economia de mercado.  Porém, a transição foi tão mal feita — leia-se "muito planejada" — que, já em 2002, o estaleiro da cidade de Estetino (Szczecin) foi renacionalizado após os operários terem ameaçado rebeliões violentas pelo fato de os bancos terem parado de financiar um empreendimento deficitário, o que fez com que os cheques parassem de entrar.
Essa foi a primeira de várias re-estatizações que viriam após o colapso do socialismo, empreendida em resposta ao que seria uma falência de rotina em uma economia de mercado.  Após isso, o governo caiu nas mãos tanto de partidos abertamente de esquerda como de partidos socialmente conservadores e economicamente intervencionistas.  Apenas em outubro de 2007, como conseqüência da estagnação econômica, um partido mais liberal ganhou as eleições para o parlamento.  Isso vai impedir o retorno do socialismo?  Em termos de política, é sempre um erro acreditar que o pior não pode acontecer.
Após 1989, a Polônia implantou uma série de reformas econômicas.  Fábricas foram privatizadas.  A maior parte das mais de 100.000 empresas municipais foi transferida para mãos privadas.  A moeda foi estabilizada.  Os preços foram liberados.  O governo encorajou todos os tipos de empreendimentos.  O resultado foi magnífico: investimentos estrangeiros abundantes e uma década de crescimento econômico respeitável.
Entretanto, assim como em outros países do Leste Europeu, a privatização estava longe de estar completa.  As telecomunicações foram parcialmente privatizadas.  O setor de saúde foi colocado em ordem, porém permaneceu em grande parte nas mãos do governo.  Os sindicatos conseguiram manter enormes privilégios legais e não havia um mercado ativo que pudesse controlar as corporações.  Os impostos continuaram muito altos (33 por cento).  Um quarto da população ainda está empregada no setor público, conquanto recentemente haja uma tendência de queda.
Lamentavelmente, a Polônia não quis enxergar muito longe.  A classe política quis utilizar os Estados Unidos e os países da Europa Ocidental como modelos, o que levou à instituição de uma vasta gama de impedimentos regulatórios sobre a livre iniciativa, incluindo leis antitruste, regulamentações sobre a saúde e sobre a segurança do trabalho, regulamentações ambientalistas e várias leis trabalhistas.  É verdade que essas regulamentações ainda eram mais brandas que as de seus países-modelo, porém a Polônia não poderia se dar ao luxo de permitir esse absurdo após todo o empobrecimento trazido pelo comunismo.
Muitas fábricas grandes e poderosas jamais foram tocadas pela privatização, por medo de que elas simplesmente falissem caso tivessem de competir em um livre mercado.  Caso houvesse essa hipótese, a única atitude certa seria permitir que elas quebrassem, pois é absurdo queimar dinheiro do contribuinte para subsidiar empresas economicamente inviáveis (exatamente o que o governo dos EUA está fazendo com as montadoras).  No setor marítimo, o governo polonês se comprometeu a não deixar que fábricas ineficientes quebrassem caso não mais conseguissem se manter.  Tudo por medo dos sindicatos.
Intervenções para salvar empresas insolventes são ruins em seus próprios termos.  Elas, ao contrário do que se imagina, não ajudam a economia.  Elas apenas postergam o dia em que a empresa necessariamente irá ou se tornar uma entidade estatal ou quebrar por completo.
Na Polônia, a raiz do problema estava na própria palavra "privatização".  Um significado peculiar foi dado a essa palavra: "privatização" passou a significar que tudo e todos continuariam exatamente como antes, exceto que o controle agora estaria em mãos privadas, e não mais nas mãos do governo.  O socialismo é possível afinal, desde que seja gerido pela iniciativa privada!
A mesma confusão predomina nos países ocidentais.  Ouvimos alguns "liberais" dizerem que se "privatizarmos" as escolas públicas por meio de vouchers ou por quaisquer outros expedientes, elas se tornarão mais baratas de serem geridas e a qualidade do ensino irá aumentar.  Também nos dizem que se "privatizarmos" a Previdência Social, ela irá trazer maiores retornos aos aposentados.  Em ambos os casos, os "libertários" estatistas estão simplesmente dizendo: "O socialismo é possível, desde que gerido pela iniciativa privada!"
Realmente, se o setor educacional estivesse completamente sob mãos privadas — o que significa, obviamente, a abolição de um Ministério da Educação e de seus currículos obrigatórios —, nada igual ao atual sistema continuaria existindo.  A maioria dos atuais coordenadores não teria emprego no novo sistema escolar.  As próprias escolas se tornariam centros varejistas.  A educação seria radicalmente descentralizada e ofertada pela livre concorrência.  Escolas surgiriam e desapareceriam.  Os salários de alguns professores provavelmente despencariam.  Ninguém iria ter o direito a uma educação fornecida pelo estado.  O estado poderia até exigir alguns conteúdos curriculares ou até mesmo determinar resultados mínimos, mas não obteria resposta alguma.
Uma enorme variedade de alternativas passaria a existir, mas seria raro que, entre elas, existisse o atual sistema de megaescolas que mais se parecem contêineres que abrigam milhares de pessoas.  É claro que não podemos saber de antemão como seria esse setor e nem qual forma ele tomaria no futuro.  Mas é exatamente esse o ponto.  A proposta dos vouchers e todos os outros esquemas de terceirização sequer dariam ao livre mercado a chance de mostrar sua superioridade.  Eles apenas gerariam mais aumentos nos gastos públicos e mais garantias estatais a um sistema já amplamente socialista.
O mesmo se aplica para a Previdência Social.  Aqueles que dizem querer sua privatização estão simplesmente defendendo um sistema que em nada difere do atual.  Seu dinheiro ainda continuará sendo roubado pelo estado. As pensões ainda continuariam sendo garantidas pelo estado.  Aliás, você poderia até acabar pagando mais: uma parcela para os atuais aposentados e outra para financiar a sua própria conta "privada".  A única diferença entre esses dois sistemas é que uma parte do dinheiro poderia passar a ser utilizada por empresas privadas, o que as tornaria dependentes de subsídios públicos.
Há uns cem anos, quem propusesse tal sistema seria imediatamente tachado de socialista.  Hoje, esse mesmo indivíduo é considerado libertário e "especialista em políticas públicas".  Agora, se o que você quer é uma reforma genuína e de livre mercado, não chame isso de privatização.  Tal método é uma fraude magnânima.  Sob uma verdadeira reforma de livre mercado, ninguém seria pilhado e a ninguém seriam dadas quaisquer garantias estatais.  Você, e apenas você, seria o responsável por seu sustento, não legando a mais ninguém esse encargo.  O slogan deveria ser: parem o roubo!
Na Polônia, as enormes fábricas não deveriam ter sido "privatizadas".  O estado deveria ter simplesmente saído do controle delas, vendendo os ativos a quem pagasse mais ou entregando-os para os respectivos funcionários e gerentes, e permitindo que os novos proprietários fizessem o que melhor lhes aprouvesse.  A única função do estado seria não criar obstruções à concorrência.  No Ocidente, as escolas públicas e a Previdência Social não deveriam ser privatizadas; elas deveriam apenas ser abandonadas, permitindo a liberdade total de gerenciamento e escolha.  Em outras palavras, instituições de mercado não deveriam ser utilizadas como ferramenta de "políticas públicas"; elas deveriam ser a realidade prática em uma sociedade livre.
Uma objeção frequentemente levantada a esse meu ponto é que medidas parciais ao menos nos levam para a direção correta.  É verdade que mesmo um sistema parcialmente livre ainda é melhor do que um totalmente socialista.  Contudo, vitórias parciais são completamente instáveis.  Elas facilmente são revertidas para um estatismo completo.  Se as escolas públicas e a Previdência fossem privatizadas seguindo-se os esquemas frequentemente propostos, o sistema poderia até se tornar menos livre do que atual, pois haveria a possibilidade de se incorrer em mais gastos públicos para cobrir os novos custos demandados pelos vouchers e pelas contas privadas.
Na última década — e mais do que nunca no atual momento — o capitalismo passou a ser visto como um mecanismo criado para permitir que setores insolventes e mal geridos possam continuar operando ineficientemente.  É por isso que reformas de livre mercado nunca foram tão necessárias.
O livre mercado não é apenas um mecanismo de gerar lucros e produtividade.  Ele não serve apenas para estimular a inovação e a concorrência.  Fazer a transição do estatismo para a economia de mercado significa fazer uma revolução completa na vida econômica e política, saindo de um sistema em que o estado e seus grupos de interesse estão no controle e indo para um sistema em que o poder do estado não tem função alguma.  A liberdade não é uma opção de política pública.  Ela é a abolição de todas as políticas públicas.  Já passou da hora de tomarmos o passo seguinte e exigir justamente isso.
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Hitler era um keynesiano


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keynes.jpghitler.jpgPara a atual geração, Hitler é o homem mais odiado da história, e seu regime representou o arquétipo da perversidade política. Entretanto, essa visão não se estende para suas políticas econômicas.  Longe disso.  Elas são abraçadas por governos ao redor do mundo.  Por exemplo, um banco de Chicago - o Glenview State Bank - recentemente teceu louvores às políticas econômicas de Hitler em seu boletim informativo mensal.  Ao fazer isso, o banco descobriu os perigos de se louvar políticas keynesianas em um contexto errado.
O boletim informativo não está disponível online, mas o seu conteúdo pode ser percebido através do protesto emitido pela Liga Antidifamação.  "Independente dos argumentos econômicos", diz o protesto, "as políticas econômicas de Hitler não podem ser divorciadas de suas políticas que esposavam um virulento antissemitismo, racismo e genocídio.... Analisar suas ações por meio de qualquer outra lente pode severamente distorcer o real significado de Hitler."
O mesmo pode ser dito sobre todas as formas de planejamento central.  É errado tentar examinar as políticas econômicas de qualquer estado leviatã sem levar em consideração a violência política que caracteriza todas as formas de planejamento central, seja na Alemanha, na União Soviética, na China, em Cuba, ou até mesmo nos EUA.  Essa controvérsia realça o fato de que a conexão entre violência e planejamento central ainda não foi compreendida, nem mesmo pela Liga Antidifamação.  A tendência dos economistas em admirar o programa econômico de Hitler é um exemplo característico.
Nos anos 1930, Hitler era amplamente visto como apenas mais um planejador central protecionista que acreditava na suposta ineficiência do livre mercado e na consequente necessidade de adotar um desenvolvimento econômico nacionalmente dirigido.  A protokeynesiana Joan Robinson, uma economista socialista, escreveu que "Hitler já havia encontrado a cura para o desemprego antes de Keynes ter terminado de explicá-lo."
Quais eram essas políticas econômicas?  Ele suspendeu o padrão-ouro, criou uma enormidade de obras públicas, como as Autobahns, protegeu a indústria contra a concorrência externa, expandiu o crédito, instituiu programasque davam empregos públicos, ameaçou e intimidou o setor privado implantando controle de preços e decidindo o que deveria e o que não deveria ser produzido, expandiu vastamente o setor militar, reforçou o controle de capitais, instituiu o planejamento familiar, penalizou os fumantes, criou o sistema de saúde estatal e o seguro-desemprego, impôs padrões educacionais e, por fim, gerou enormes déficits orçamentários.  O programa intervencionista nazista era essencial à rejeição do regime pela economia de mercado e sua predileção pelo socialismo, que deveria ser amplamente adotado por todo o país (o fato de o partido nazista se chamar Partido Nacional Socialista mostra que, ao menos, eles eram francos em sua autodescrição).
Esses programas continuam altamente glorificados hoje em dia, mesmo quando se considera seus fracassos.  Eles são parte essencial de toda democracia "capitalista".  O próprio Keynes era um admirador confesso do programa econômico nazista, chegando mesmo a escrever o prefácio da edição alemã da Teoria Geral: "[A] teoria da produção como um todo, que é o que este livro tenciona oferecer, se adapta muito mais facilmente às condições de um estado totalitário, e não às condições de livre concorrência e uma grande medida de laissez-faire."
O comentário de Keynes, que pode chocar a muitos, não veio do nada.  Os economistas de Hitler rejeitavam o laissez-faire e admiravam Keynes, chegando até mesmo a se antecipar a ele de muitas formas.  Similarmente, os keynesianos admiravam Hitler (veja George Garvy, "Keynes and the Economic Activists of Pre-Hitler Germany," The Journal of Political Economy, volume 83, edição 2, abril de 1975, pp. 391-405).
Mesmo já em 1962, em um relatório escrito para o presidente Kennedy, Paul Samuelson implicitamente elogiava Hitler: "A história nos lembra que, mesmo durante os piores dias da Grande Depressão, nunca faltavam aqueles especialistas que criticavam todas as necessárias e curativas medidas públicas.... Tivesse esse conselho prevalecido por aqui, como prevaleceu na Alemanha pré-Hitler, a própria existência de nossa forma de governo poderia estar em risco.  Nenhum governo moderno cometerá esse erro novamente."
De certa forma, isso não é nada surpreendente.  Hitler instituiu um New Deal para a Alemanha que era diferente apenas em detalhes do New Deal de Roosevelt e de Mussolini.  E mesmo que o PIB daquela era tenha apresentado uma tendência de crescimento, essas políticas funcionaram apenas no papel.  O desemprego permaneceu baixo porque Hitler, embora tenha intervindo no mercado de trabalho, nunca tentou aumentar os salários para além de seu nível de mercado.  Mas por baixo do pano, fora das vistas dos "especialistas", graves distorções estavam ocorrendo na economia, assim como elas ocorrem em qualquer economia que não seja de mercado.  Essas distorções podem até gerar um crescimento do PIB no curto prazo (que é o que provavelmente ocorrerá na atual crise, com os gastos governamentais estimulando artificialmente os PIBs), mas elas não funcionam no longo prazo.
"Escrever sobre Hitler sem considerar o contexto de milhões de inocentes brutalmente assassinados e dezenas de milhões que morreram lutando contra ele é um insulto à memória de todos eles", escreveu a Liga Antidifamação em protesto à análise publicada pelo Glenview State Bank.  De fato é.
Mas ser indiferente quanto às implicações morais das políticas econômicas é a característica típica da profissão.  Quando os economistas clamam por um estímulo na "demanda agregada", eles não explicitam o que isso realmente significa.  "Estimular a demanda agregada" significa suprimir violentamente as decisões voluntárias de consumidores e poupadores, violando seus direitos de propriedade e sua liberdade de associação com o objetivo de se atingir as ambições econômicas do estado.  Mesmo que alguns desses programas possam vir a funcionar de alguma forma técnica, eles devem ser rejeitados por serem totalmente incompatíveis com a liberdade.
Vejamos, por exemplo, o protecionismo.  A maior ambição do programa econômico de Hitler era expandir as fronteiras da Alemanha de modo a tornar viável a idéia de autarquia, o que significava impor enormes barreiras protecionistas às importações.  O objetivo era tornar a Alemanha um produtor autossuficiente, de modo que ela não mais tivesse de temer qualquer influência estrangeira e não condicionasse o destino de sua economia às atividades dos outros países.  Foi um caso clássico de xenofobia economicamente contraproducente.
E no entanto, em todo o mundo atual, políticas protecionistas estão sendo tragicamente ressuscitadas.  Nos EUA, por exemplo, uma vasta gama de produtos, desde a madeira até os microchips, está sendo protegida contra a concorrência externa e barata.  A França quer que suas montadoras retornem todas as suas fábricas para a França.  Segundo o presidente Sarkozy: "É justificável construir uma fábrica da Renault na Índia e vender carros da Renault para os indianos.  Mas não é nada justificável construir fábricas da Peugeot e da Citroën na República Tcheca e vender esses carros na França". 
Todas essas políticas protecionistas são normalmente combinadas com tentativas de se estimular a oferta e a demanda através de maiores gastos públicos, mais assistencialismo, maiores déficits e, principalmente, a promoção de um maior fervor nacionalista.  Tais políticas podem criar a ilusão de uma crescente prosperidade, mas a realidade é que elas distorcem o mercado, tirando recursos escassos de usos produtivos e desviando-os para inutilidades.
Talvez a pior parte dessas políticas é que elas são inconcebíveis sem a existência de um estado leviatã, exatamente como Keynes disse.  Um governo grande e poderoso o suficiente para manipular a demanda agregada é grande e poderoso o suficiente para violar as liberdades civis das pessoas e atacar seus direitos de todas as formas.  Políticas keynesianas (ou hitleristas) liberam a guilhotina do estado sobre toda a população.  Planejamento central, mesmo em sua variedade mais trivial, é incompatível com a liberdade.
Hitler, assim como Roosevelt, deixou sua marca na Alemanha e no mundo ao acabar com todos os tabus que ainda existiam contra o planejamento central e fazendo com que o estado máximo se tornasse uma característica aparentemente permanente nas economias ocidentais.  David Raub, o autor do artigo para o banco Glenview, foi ingênuo ao pensar que poderia ver os fatos da mesma forma que os economistas convencionais os veem e sugerir o que ele pensava ser uma medida convencional.  A Liga Antidifamação está correta neste caso: o planejamento central jamais deve ser louvado.  Devemos sempre ter em mente seu contexto histórico e seus inevitáveis resultados políticos.

Cadê?, por Maria Helena RR de Sousa

GERAL


Elas começaram bonitas em São Paulo. Chegaram aqui fortes, determinadas e, permitam o uso da palavra que parece não ter nada a ver, mas tem, fagueiras. Era um prazer “ler” os cartazes empunhados pelos jovens. Pela justeza de suas reivindicações e reclamos: queriam mais atenção para Saúde, Educação, Transportes, Segurança.
Ninguém falava em reforma política, nem em político algum. Vi frases pertinentes ao tema das manifestações e outras com dizeres até engraçados, como um garoto com um cartaz onde se lia “Mãe, estou bem”. Com certeza, ao sair de casa, deixou sua mãe em pânico, com medo de que algo pudesse lhe acontecer. Multidão e PMs, deve ter pensado a mãe dedicada e, penso eu, já vivida, nunca deram bom ponto.
E não deram.
Dois casos chamam a atenção e arrebentam nosso coração: o fotógrafo Sergio Silva, em São Paulo, e a publicitária Renata da Paz Ataíde, aqui no Rio. Ambos perderam um olho ao serem atingidos por balas de borracha.
Enquanto eles dois e outros feridos viviam sua saga, as manifestações foram tomando novos rumos: o Governo Federal- Em-Duplicata sentiu a força da meninada e se apavorou. Em vez de agir com a cabeça, agiu com o pavor de perder o poder.
E tiveram a ideia do século: vamos adotar a manifestações, elas passam a ser orientadas por nós, a meninada que está nesse pique bom vem atrás e pronto, tudo igual em 2014.
O governo se estrepou nessa. Deu com os burros n’ água. Não emplacou nem uma de suas ideias geniais e conseguiu o que a brilhante oposição não conseguia – se é que tentava, acho que só sonhava. A popularidade do governo despencou ladeira abaixo, todas as instituições se estabacaram, menos a Família e a Imprensa.
O que na verdade nem espantoso é: como dizia o Chacrinha, quem não se comunica, se trumbica. E a Comunicação deste governo está mais para Ordem Unida.
A grande novidade política neste país, as manifestações de junho, parece que definharam. O PT conseguiu: viraram manifestações a serviço das futuras eleições.
Aqui no Rio, praia que melhor conheço, o objetivo é acabar com Sergio Cabral. Não vou discutir os desacertos cabralinos porque o que tinha que ser dito sobre o Governo Cabral já foi dito por jornalistas competentes e brilhantes. Meu caso é outro.


Desde quando os vizinhos do Cabral, no Leblon ou nas Laranjeiras, merecem ser punidos com ele? Cadê a Lei do Silêncio? Será mais uma falecida, junto com tantas outras?
Durante quanto tempo vamos ter que tolerar o que vi na Internet: um sujeito abrutalhado, com gestos obscenos, a berrar duas palavras dirigidas ao governador, duas palavras que o definem muito bem, a ele, o eleitor do Cabral que ele, com certeza, quando lhe foi ordenado, já foi.
Passava da meia-noite e ali, naquela esquina, moram bebês, idosos, doentes, grávidas...

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Ela também tem uma fanpage e um blog – Maria Helena RR de Sousa.

Uma polícia anacrônica, por Mario Conforti

GERAL


Mario Conforti, O Globo
Muito antes do início dos recentes protestos por todo o Brasil, a conduta da Polícia Militar vinha sendo questionada pela sociedade. As principais vítimas do despreparo policial são os cidadãos mais pobres, marginalizados. No entanto, parte da classe média urbana — e uma diminuta fração das elites — sofreu com os indesculpáveis excessos cometidos pela polícia durante as manifestações, o que acabou por repercutir ainda mais negativamente para as corporações militares estaduais.
Na esteira dessa repercussão, o então comandante-geral da PM do Rio de Janeiro, em entrevista ao GLOBO (17/7), deixa transparecer a origem dessa violência policial — nem sempre clara. As respostas dadas por aquele que está no comando da corporação e, supostamente, deve liderar as ações dos subordinados são inacreditáveis.
Por exemplo, policiais, em geral, sem treinamento na contenção de distúrbios há cinco anos. Por sua vez, as ditas revisões de conduta chegam a ser cômicas. Ora, não é preciso ser especialista em armas não letais para saber que não se deve utilizar gás lacrimogêneo em áreas residenciais, principalmente perto de clínicas e hospitais.


Poucos sabem que a Polícia Militar foi fundada no Rio de Janeiro, em 1809. Desde então, a PM atuou em repressões violentas a toda a sorte de revoltas e rebeliões. Participou de batalhas na Guerra do Paraguai. Chegou, inclusive, a enviar praças para a Força Expedicionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial.
Com o golpe, em 1964, a PM foi importante instrumento de repressão e tortura aos opositores do regime. Percebe-se que o emprego do adjetivo militar no nome da corporação não é por acaso.
Considerando todo o passado beligerante da PM, desde o seu nascedouro, pergunta-se: faz sentido, em pleno século XXI, que militares de coturno patrulhem as ruas? Soldados treinados sob a rígida hierarquia militar — e seus peculiares princípios — são os mais indicados para o trato com a população civil? A experiência trágica ao longo dos anos mostra que não.

Casa Fora do Eixo: um depoimento impactante

GERAL

NOBLAT

Quem acompanhou as manifestações de rua das últimas semanas certamente ouviu falar na Mídia Ninja – grupo de jovens que cobriu tudo ao vivo pela Internet.
No programa Roda Viva da TV Cultura, na última segunda-feira, dois de seus mentores – Pablo Capilé e Bruno Torturra – foram entrevistados. Desde então, uma grande polêmica toma conta da rede.
A Mídia Ninja faz parte de uma organização muito maior, chamada Fora do Eixo (FdE). É uma rede com ramificações em todo o país, que reúne produtores culturais, artistas e bandas independentes.
Irrigada com dinheiro público dos governos federal, estaduais e prefeituras, além de Petrobras e grandes empresas privadas, o FdE mantém em várias cidades as chamadas Casas Fora do Eixo, onde grupos de jovens vivem e trabalham, gratuitamente. Tudo é compartilhado e ninguém é dono de nada, nem das próprias roupas.
O depoimento que a jovem Laís Bellini postou em seu Facebook ilumina os subterrâneos da organização, que mais parece um misto de seita e pirâmide financeira, conduzida por um líder messiânico – Capilé – e seus “gestores”.
Há de tudo no relato de Laís: semi-escravidão, lavagem cerebral, uso de sexo para cooptar novos adeptos, proibição de visitar a família, abandono da faculdade e uma carga brutal de trabalho.
Alguns trechos:
(...) Através de imersões (que aprendemos a fazer durante uma nossa lá na Casa Fora do Eixo São Paulo), começamos a espalhar o conhecimento da rede, as ideias, os vocabulários, os vícios, as dependências, e tudo mais que vem embolado nessa seita, com cara de culturalmente popular, musicalmente descolada, pessoalmente encantadora, internamente… cheio de gente incrível que está cega como eu já estive e com um número contável nas mãos de quem são os controladores e administradores da rede querendo consumir só uma coisa em você: a sua mente. (...)
(...) Sim, tenho amigos ali dentro que me vêem como quem desistiu, mas não se dão conta do escravismo que estão vivendo, e aqui eu digo escravismo referindo-me ao mental e ao financeiro. Quem toma coragem pra sair da rede tem que ter algum recurso financeiro para recomeçar a vida do zero e muitos, que eu sei, ainda enfrentam longas sessões de terapia. Muitos amigos meus preferiram mudar de cidade, mudar de ares, enfim, pra tentar tudo de novo… uma das coisas interessantes que notei é que quando você está ali dentro, e não importa a época - não me refiro a agora que há por exemplo a Mídia Ninja pautando assuntos nacionais e internacionais, mas sim tempos em que eu ainda estava por ali e a coisa tava só começando com essa mídia mais externalizada - , enfim, você acredita piamente que tudo o que você está discutindo, debatendo, refletindo é sobre a própria rede, em constante ação de marketing. (...)
(...) Catar e cooptar. Vejam bem moças e rapazes, se você for considerado um perfil estratégico para estar e entrar na rede, cuidado, você em breve pode perceber alguma pessoa que vai se aproximar bastante de você, mas bastante mesmo a ponto de demonstrar muito desejo por você. Quando você está se aproximando, há reuniões que acontecem dentro da cúpula, as vezes com mais uns ou outros, que podem ser indicados para tal ação, para definir quem é a pessoa que tem mais perfil para dar em cima de você e te fisgar pra dentro da rede. Sim, essas conversas acontecem em reunião e ali é definido o nome da pessoa que vai partir pra cima. Cada um aqui que tire a sua conclusão. Tanto sei desse papo que soube ainda que ficaram preocupados quando o cara que foi enviado para partir pra cima de mim não conseguiu, e por isso não sabiam o quanto eu estava me envolvendo realmente com a rede ou não. Só pra pontuar, quando eu ainda estava lá, eu participei de uma conversa na qual propunham que eu tinha que demonstrar que eu estava mais dentro, que eu estava mais entregue à rede, pra que elas pudessem confiar em mim e pra que eu pudesse partir pra fazer ações estratégicas como sair pra catar e cooptar uns caras que considerassem interessante estar dentro. Uma semana depois dessa conversa eu estava fora. E não se enganem queridos, o amor tá aí pra ser mais uma ferramenta… seja você um(a) universitário(a), um(a) intelectual, um(a) artista interessante pra eles, um(a) professor(a) bem posicionada politicamente. Não importa, se você é alvo, o "amor", ou melhor, o "pós-amor" é uma ferramenta. (...)
(...) Com quem você se relaciona?! Não queira estar lá dentro e se relacionar amorosamente com qualquer outra p essoa que esteja fora da rede. Você vai viver aquilo ali e nada mais. Ficar dentro da casa o dia inteiro e só sair quando é necessário para a casa (cumprir alguma agenda da sua frente de trabalho ou então se você está escalado para almoço, compras, algo do tipo). Você não vai sair de casa para ir ao cinema, nem tampouco ao teatro, você não vai sair pra ouvir um som, nem tomar uma cerveja com o seu vizinho, afinal você nem conhece seu vizinho, porque não há tempo, espaço, disponibilidade. Você vive dentro da Casa Fora do Eixo São Paulo e isso é a sua vida. Se você quer visitar seus pais no interior… olha sinceramente, que você tenha um bom motivo… e que não venha "pedir" 2 meses seguidos. Sim, porque ali o verbo era esse. "Posso ir visitar minha mãe essa semana?" (...)
(...) Tem gente lendo e com medo de escrever o seu próprio relato. Eu espero que mais gente tenha a coragem da Beatriz, a minha coragem e a de tanta gente que ainda vai aparecer, cada uma a seu tempo, cada uma no seu espaço, porque abrir a boca pra falar disso aqui não é fácil não. Sim, eu tenho amigos que já foram ameaçados e não venham pedir nomes, cada um vai falar da sua experiência a hora que bem entender. (...)

A sombra do PMDB na Petrobras

POLÍTICA


"Depois que você conhece os bastidores, não dorme mais tranquilo"  (João Augusto Henriques)
Diego Escosteguy, ÉPOCA 
João Augusto estava em silêncio. Permanecia inclinado à frente, apoiava-­‐se na mesa com os antebraços. Batia, sem parar, a colherzinha de café na borda do pires – e mantinha o olhar fixo no interlocutor. Parecia alheio à balbúrdia das outras mesas no Café Severino, nos fundos da Livraria Argumento do Leblon, no Rio de Janeiro, naquela noite de sexta-­‐feira, dia 2 de agosto.
A xícara dele já estava vazia. O segundo copo de água mineral, também. João Augusto falava havia pouco mais de uma hora. Até então, pouco dissera de relevante sobre o assunto que o obrigara a estar ali: as denúncias de corrupção contra diretores ligados ao PMDB, dentro da Petrobras.
Diante dos documentos e das informações obtidos por ÉPOCA sobre sua participação no esquema, João Augusto respondia evasivamente. Por alguma razão incerta, algo mudara nos últimos minutos. O semblante contraído sumira. Esperei que o silêncio dele terminasse.
– O que você quer saber?, disse ele.
– Sobre os negócios, respondi.
Foi então que João Augusto Rezende Henriques disse, sem abaixar a voz ou olhar para os lados: “Do que eu ganhasse (no contratos intermediados com a Petrobras), eu tinha que dar para o partido (PMDB). Era o combinado, um percentual que depende do negócio”. A colherzinha não tilintava mais.
Iniciava-se, ali, um desabafo motivado pelas denúncias que ÉPOCA investigava havia cerca de um mês. O caso envolvia a Petrobras – maior empresa do país, 25a do mundo, com faturamento anual de R$ 281 bilhões. Começara com apenas uma pista: um contrato assinado em 2009, em Buenos Aires, entre o advogado e ex-­deputado Sérgio Tourinho e o argentino Jorge Rottemberg.
No documento, previa-se que Tourinho receberia US$ 10 milhões de uma empresa no Uruguai, um conhecido paraíso fiscal, caso a Petrobras vendesse a refinaria de San Lorenzo, avaliada em US$ 110 milhões, ao empresário Cristóbal Lopez, conhecido como czar do jogo na Argentina e amigo da presidente Cristina Kirchner.
À primeira vista, o contrato não fazia sentido. Por que um lobista de Buenos Aires se comprometeria a pagar US$ 10 milhões a um advogado brasileiro, de Brasília, caso esse advogado, sem experiência na área de energia, conseguisse fechar a venda de uma refinaria da Petrobras na Argentina?
ÉPOCA foi buscar a resposta em entrevistas com partícipes do negócio, parlamentares e funcionários ligados ao PMDB. O advogado Tourinho era sócio dos lobistas do PMDB, que trabalhavam em parceria com Jorge Zelada, diretor internacional da Petrobras desde 2008 e, segundo João Augusto, apadrinhado do PMDB. A operação San Lorenzo, diz ele, não era um caso isolado.
Era mais um dos muitos negócios fechados pelos operadores do PMDB na área internacional da Petrobras. De acordo com João Augusto, todos os contratos na área internacional da Petrobras tinham que passar por ele, João Augusto, que cobrava um pedágio dos empresários interessados.


De acordo com ele, de 60% a 70% do dinheiro arrecadado dos empresários era repassado ao PMDB, sobretudo à bancada mineira do partido na Câmara, principal responsável pela indicação de Zelada à Petrobras. De acordo com João Augusto, o dinheiro servia para pagar campanhas ou para encher os bolsos dos deputados. O restante, diz ele, era repartido entre ele próprio e seus operadores na Petrobras – os responsáveis pelo encaminhamento dos contratos.
Segundo João Augusto e outros quatro lobistas do PMDB, o dinheiro era distribuído a muita gente em Brasília. A maior parte seguia para os dez deputados do partido em Minas, entre eles o atual ministro da Agricultura, Antonio Andrade, e o presidente da Comissão de Finanças da Câmara, João Magalhães.
O dinheiro, de acordo com João Augusto, não ficava apenas com essa turma.Segundo o relato dele e dos outros lobistas, o secretário das Finanças do PT, João Vaccari, recebeu o equivalente a US$ 8 milhões durante a campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010. João Augusto diz que organizou, pessoalmente e por meio de Vaccari, o repasse para a campanha de Dilma.
O dinheiro, segundo ele, foi pago pela Odebrecht, em razão de um contrato bilionário fechado na área internacional da Petrobras, que dependia de aprovação do então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, do PT. À Justiça Eleitoral, a campanha de Dilma declarou ter recebido R$ 2,4 milhões da Odebrecht.
As denúncias de João Augusto são contestadas pelos acusados. Vaccari, secretário de finanças do PT, diz que não era responsável pela tesouraria da campanha de Dilma. Afirma ainda que “todas as doações ao PT são feitas dentro do que determina a legislação em vigor e de uma política de transparência do PT”.
Gabrielli diz, por meio de nota, não ter conversado sobre o contrato da Odebrecht com Vaccari. Zelada afirma desconhecer a atuação de João Augusto na intermediação de contratos na Petrobras e nega ter sido indicado pelo PMDB. A Petrobras informou em nota que não comentaria o assunto.
Apesar de todas as contestações, a reportagem de ÉPOCA confirmou, por meio de entrevistas em três cidades, vários pontos do depoimento de João Augusto. Investigações oficiais ainda são necessárias para apurar todas as suas denúncias.
UMA DIRETORIA PARA O PMDB
Em janeiro de 2008, o presidente Lula aceitou entregar a Diretoria Internacional da Petrobras ao PMDB. Mais especificamente, ao grupo que [hoje] comanda o PMDB da Câmara dos Deputados. Engenheiro de carreira da Petrobras, João Augusto fora apresentado à política em meados dos anos 90, quando era diretor da BR Distribuidora, a empresa de combustíveis da Petrobras. Para fazer qualquer operação de relevo na BR, João Augusto precisava do apoio dos demais diretores. No começo, nunca conseguia.
“Não tinha a menor ideia de como as coisas funcionavam”, diz. “Mas aí conheci o Benjamin Steinbruch (dono da CSN), que me explicou como era preciso ter apoio político para fazer as coisas. O Steinbruch ligou para o Tasso Jereissati (do PSDB), que ligou para o Marcelo Alencar (governador do Rio, também do PSDB).
O Alencar avisou o Joel Rennó (então presidente da Petrobras): ‘Ó, o João Augusto está com a gente’”, diz João Augusto. E ri das lembranças. “Eu não tinha ideia do que ‘estar com a gente’ significava... A partir dali, mudou muito. Da água para o vinho. Tudo passava. Você vai mudando. O mundo real é outro, e eu tinha de me adequar a ele.”
Em pouco tempo, João Augusto migrou dos tucanos para o PMDB – segundo ele, por obra do então deputado Michel Temer. Em 1999, João Augusto prosperava na política e nos negócios. Tinha, segundo ele, apoio do PMDB para virar diretor da Petrobras. Mas uma grave hepatite C o impedira. Para sobreviver, foram precisos dois transplantes de fígado e quatro meses num hospital em Londres.
Na volta ao Brasil, João Augusto deixou a Petrobras. “Fui fazer negócios”, diz. Usava, segundo ele, o conhecimento e a rede de contatos acumulado nos anos de Petrobras para ajudar empresários com interesses na empresa. Sabia que técnicos e diretores a procurar, dependendo do assunto – e, sobretudo, que métodos de persuasão aplicar a cada um.
“A Petrobras tem três tipos de caras: o técnico, o político e o carreirista”, diz. “O técnico não vai mudar o que ele pensa porque você diz. O que ele gosta é de visitar obra, viajar em helicóptero, se sentir importante de vez em quando. Ele acha que merece. O carreirista faz o que chefe mandar. Não quer saber o que é. Nem pensa duas vezes. Hoje é cheio de carreirista. E o político é o que observa as coisas dentro da empresa, atende aos amigos, ao pessoal da área dele, aos políticos. Se você errar a abordagem, confundir um com o outro, você quebra a cara. Eu sei fazer essa abordagem.”
Com todas essas credenciais, João Augusto era o nome favorito do PMDB para assumir a diretoria na Petrobras que Lula prometera aos deputados do partido, em janeiro de 2008. Seu nome, porém, foi barrado na Casa Civil: João Augusto fora condenado pelo Tribunal de Contas da União a pagar uma multa de R$ 500 mil, em virtude de irregularidades cometidas quando ele era diretor da BR Distribuidora.
O deputado Fernando Diniz, que comandava a bancada do PMDB de Minas, comunicou-­‐lhe o óbice. E pediu um nome alternativo. João Augusto indicou um de seus melhores amigos na empresa, o engenheiro Zelada, que trabalhava com um dos diretores petistas da estatal. Ao nomear Zelada, João Augusto se tornou, segundo deputados e lobistas, o diretor “de fato” da área internacional.
“A função do Zelada era obedecer às ordens de João Augusto”, diz um lobista do PMDB. Para garantir que as operações do partido correriam como esperado, João Augusto recrutou técnicos de sua confiança na Petrobras. Distribuiu, pela área internacional, seus colegas de turma na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sócrates José virou chefe de gabinete de Zelada. Era o cicerone dos parceiros do grupo que visitavam a sede da Petrobras para fazer reuniões. “Se o projeto fosse bom para a Petrobras, eu levava adiante. Fazia isso por amizade”, diz Sócrates.
Ele também tinha como missão reportar o que via e ouvia a João Augusto. José Carlos Amigo assumiu a gerência para América Latina. Essa gerência, segundo João Augusto, esteve envolvida na contratação de um navio-­sonda da empresa Vantage, por US$ 1,6 bilhão – uma operação que, diz ele, rendeu uma comissão de US$ 14,5 milhões, US$ 10 milhões dos quais repassados ao PMDB.
Clóvis Correa virou diretor da Petrobras Argentina, onde a empresa mantinha a refinaria de San Lorenzo. De acordo com João Augusto e os demais envolvidos no negócio, Clóvis participava das reuniões em hotéis e receberia uma parte do “sucesso” de US$ 10 milhões. Fernando Cunha, o único que não estudara com os demais, tornou-­‐se gerente para negócios na África.
João Augusto diz que ele participou da compra de um campo na Namíbia, operação encaminhada após ele ter fechado comissão com a empresa que detinha o controle desse campo.
A INCOMPREENSÃO DOS DEPUTADOS
De acordo com os envolvidos, havia uma incompreensão entre os deputados sobre como funcionava a Petrobras e quanto era possível arrecadar por mês. Dois lobistas do PMDB afirmam que fora estipulada uma meta de R$ 150 mil por mês para a bancada. Num almoço na churrascaria Porcão, num domingo de sol no começo de 2009, o deputado Fernando Diniz, ao lado de assessores e de lobistas, reclamou da “performance” de Zelada.


“O‘ Gelada’ não está entregando”, disse aos amigos. Essa percepção é confirmada por João Augusto. “Num primeiro momento, eles (os deputados do PMDB) achavam que tinha um monte de coisa (na Petrobras). Não tinha. Os caras não entendiam. Achavam que estávamos (a dupla João Augusto e Zelada) de má vontade. Não entendiam que a Petrobras tem uma diretoria, um conselho, que não dá para fazer o que quiser”,diz.
A cobrança dos deputados exasperava João Augusto. “Se você não tiver os valores muito enraizados, o cara (político) vem e pega o dinheiro que está na sua carteira”, diz. “Tem que saber lidar. A pior coisa no pedido político é você engavetar. Ou você diz: ‘desse jeito aqui não dá’. Ou diz: ‘posso fazer assim’ (de acordo com os interesses da empresa). Não sou vestal. Gosto de ganhar dinheiro”, diz João Augusto.
“Mas não faço coisa que vai dar prejuízo à Petrobras, como Pasadena (a refinaria nos Estados Unidos na qual a empresa perdeu dinheiro). De zero a dez, numa escala de ética, não sou zero, mas também não sou dez. Bandido eu não sou, não. Sou três ou dois. Tenho que ser reconhecido como um cara técnico, de negócio, mas que não faço m...”
João Augusto faz uma pequena pausa, pede mais uma água mineral e continua: “Quando estava na BR, eu não podia parar o trem. Se tentasse, seria atropelado. Tinha que entrar no trem para levar na direção que eu quisesse. Eu vendia álcool quando era diretor da BR. Você não tem ideia. O Brasil inteiro me procurava. Todo político conhece um usineiro que quer comprar (em melhores condições). O que eu fazia? Fazia uma planilha menor, de coisas que a BR precisava vender mesmo, e deixava separado. Sempre que eu tinha que atender a um pedido político, pegava essa planilha e tentava conciliar o que havia nela, que era interesse da empresa, com o pedido do político.”
O que parece incomodar João Augusto, e talvez tenha contribuído para seu desabafo, seja o desequilíbrio entre os interesses dos políticos, que cobram cada vez mais de operadores como ele, e os interesses da Petrobras. “A Petrobras sempre teve influência política. Mas a decisão era técnica. A política se adequava à técnica. Se, por exemplo, os técnicos decidissem que era preciso ter uma refinaria no Nordeste, os políticos poderiam brigar para escolher em que estado. Mas a refinaria era necessária”, diz.
“De uns tempos para cá, isso se inverteu. Os políticos decidem que haverá uma refinaria no Maranhão ou no Ceará, e os técnicos têm que correr atrás.” Ele credita essa inflexão, como os demais ouvidos nesta reportagem, ao ex­‐presidente Lula. “O PT aparelhou demais. Gente que não tinha capacidade subiu rápido.”
O PROJETO ATREU
A venda da refinaria de San Lorenzo era, para o grupo, o começo da venda de todos os bens da Petrobras na Argentina – algo que, conforme revelou ÉPOCA em abril, quase aconteceu. “Quem descobriu a Argentina fui eu”, diz João Augusto. Foi sugerido a ele que contratasse advogados brasileiros.
“‘A gente que vai fazer negócio fora, seria bom receber por advogado aqui. Tudo bonitinho. Topei. Fizemos o contrato para receber tudo por eles (advogados) e cada um ia receber sua parte depois.” (Por meio de nota, o advogado Sérgio Tourinho afirma que foi contratado “para fazer o acompanhamento jurídico” na venda da refinaria San Lorezo. “Em um determinado momento, me passaram que parte dos meus honorários deveria ser repassado a terceiros. Claro que não concordei. E. por isso. tive o contrato rescindido.”)
Se a refinaria fosse vendida a Cristóbal, o amigo de Cristina Kirchner, os lobistas receberiam, segundo João Augusto, US$ 10 milhões. A divisão do “sucesso” demonstra a força do PMDB nos negócios da Petrobras lá fora. Pela conta dele, dos US$ 10 milhões, US$ 6,8 milhões estavam destinados a João Augusto.
“Eu tinha de repassar US$ 5 milhões ao PMDB. A maior parte disso era PMDB de Minas, porque era o Fernando (Diniz). A partir daí, não sei quem eles pagavam, nem quanto. Deputado é f... Você dá para um e, a partir dali, não dá para saber se ele deu para um, se ele deu para meia dúzia, se ele ficou (com o dinheiro)...”
Entre eles, a operação, não se sabe por que motivo, era conhecida como “projeto Atreu”. Em setembro e outubro de 2009, os lobistas reuniram-­‐se muitas vezes na sala de reuniões do Hotel Hilton, em Buenos Aires, para avançar nas tratativas. Uma das presenças certas, segundo João Augusto, era o diretor Clóvis Correa. (Hoje, Clóvis é assessor da Transpetro, empresa da Petrobras comandada pelo PMDB, e nega ter participado das negociações para a venda da refinaria de San Lorenzo.)
“O Clóvis estava conosco em todas as reuniões. Como ele havia sido meu colega de faculdade, e eu tinha boas relações com ele, fiquei mais tranquilo”, diz João Augusto. Ele conta que, nas reuniões, combinava com outros lobistas pagamentos em contas no exterior. Uma das contas citadas, segundo um dos lobistas, era identificada como Tiger, na China – uma conta usada por doleiros para fazer pagamentos a partidos como PT e PMDB, conforme afirmou a Polícia Federal, em 2009, na operação Castelo de Areia, que investigou denúncias de pagamento de propina a políticos.
Enquanto a venda da refinaria avançava, o grupo oficializava a união para organizar os futuros negócios na Petrobras. Chegaram a assinar um instrumento particular de parceria, em que se comprometiam a dividir os contratos que cada um obtivesse. A união durou pouco. Era muito dinheiro e pouca confiança entre eles.
João Augusto diz que exigiu aos demais subir sua participação de US$ 6,8 milhões para US$ 8,8 milhões, por causa da pressão do PMDB. “Ele disse que o PMDB precisava fazer caixa para a campanha de 2010”, diz um dos lobistas. Houve briga entre eles, mas o advogado Tourinho aceitou assinar um aditivo ao contrato principal de sucesso, reduzindo a participação dele e dos demais a US$ 1,2 milhão.
João Augusto quis fazer um contrato em separado com os argentinos. Conta que foi até Buenos Aires tentar persuadir Rottemberg, o operador do negócio pelo lado argentino, encarregado pelo amigo de Cristina Kirchner de pagar os brasileiros. Temendo que seus parceiros no PMDB não confiassem em sua palavra, João Augusto levou uma testemunha: Felipe Diniz, filho do deputado Fernando Diniz, que morrera recentemente.
Àquela altura, a pressão do PMDB por resultados era imensa. “Usei o nome do PMDB, até para todo mundo saber que não estava dando calote em mim, estava dando calote no partido”, diz João Augusto. O novo contrato, ele afirma, não deu certo. Em maio de 2010, a Petrobras anunciou a venda da refinaria, por US$ 110 milhões, ao empresário Cristóbal Lopez.
“O negócio saiu, mas não recebi nada. Eles (os outros lobistas) receberam. E o cara em quem eu achava que eu podia confiar, o Clovis, foi o que recebeu mais. Eu tinha compromissos e fiz papel de idiota. A única atitude que pude tomar foi mandar o Zelada tirar o Clovis da Pesa (Petrobras Argentina).”
“RAPAZ, ELES ESTÃO SEMPRE EM CAMPANHA, NÉ?”
Nem todas as operações eram tão difíceis quanto a venda da refinaria de San Lorenzo. No mesmo período, João Augusto conta que fechou um contrato de US$ 1,6 bilhão para que a Petrobras explorasse o navio-­‐sonda Titanium Explorer, da empresa Vantage. O contrato rendeu uma comissão de US$ 14,5 milhões, que deveria ser paga em três parcelas.
Segundo João Augusto, a primeira foi paga ainda no começo de 2009; a segunda, em seguida. A terceira, diz ele, não foi paga, em razão de uma briga societária na Vantage. O sócio que o contratara é hoje processado pelos demais sob a acusação de ter desviado dinheiro da empresa. “Repassei US$ 10 milhões ao PMDB”, diz. Nesse caso, não especificou nomes. “A quem de direito no partido. É a regra.” Era dinheiro para campanha? “Rapaz, eles estão sempre em campanha,né?”, diz.
“(O repasse) era maior do que 50%. Podia ser 60% ou 70%. Dependia do negócio. (...) Na área internacional (da Petrobras), se eu fizer alguma coisa, tem de ajudar o partido. Porque foi o partido quem indicou o Zelada. O mundo é assim. E é assim em qualquer lugar.” Em seguida, afirma: “Se eu fizesse negócio em outra diretoria, não tinha fee (comissão) para o partido. E eu falava para eles: aqui não devo nada”.
João Augusto parecia genuinamente magoado com os parceiros no PMDB. “Depois que você conhece os bastidores, não dorme mais tranquilo. Pensa que é fácil nego te ligando? ‘A campanha tá aí...’ Nego xingando o Zelada porque não vinha dinheiro.” Ao mesmo tempo, ele parecia sentir-­‐se culpado por não corresponder às altas expectativas dos deputados: “Os caras me acolheram tão bem... Você sente que tem que ajudar o grupo”.
E quem coordenava o “grupo”, após a morte de Fernando Diniz? “Uma hora foi o (deputado) Mauro Lopes, outra foi o (deputado) João Magalhães.” (Mauro Lopes afirma conhecer João Augusto há mais de vinte anos e diz que sugeriu seu nome para ocupar a diretoria internacional da Petrobras ao então líder da bancada peemedebista de Minas Gerais, Fernando Diniz. E nega ter sido beneficiado com repasses de dinheiro.)
“Não sei como era a divisão: para quem eles davam, se davam certo... Só mandava.” João Augusto desce aos detalhes das transações: “Normalmente, (os deputados) me davam (a conta no exterior) e eu mandava via doleiro.” Ele conta que que sempre recebia reclamações. “Era muita gente (para receber). Uma operação de US$ 5 milhões parece boa, mas (...) eram dez, doze pessoas. No fim, (os deputados) achavam uma m...”.
UMA CPI PARA CÁ, UM CONTRATO PARA LÁ
Ao cabo de duas horas de revelações, João Augusto parece pronto para contar sua maior proeza, de acordo com os outros lobistas do PMDB: o contrato de quase US$ 1 bilhão entre a área internacional da Petrobras e a empreiteira Odebrecht, fechado às vésperas do segundo turno da eleição de 2010. Pelo contrato, a Odebrecht cuidaria da segurança ambiental da Petrobras em dez países.
– E a Odebrecht?
– Odebrecht? Eu montei tudo.
João Augusto diz que, no auge da CPI da Petrobras no Senado, no segundo semestre de 2009, o relator da comissão, senador Romero Jucá, do PMDB, que também era líder do governo, convocou‐o para uma reunião em Brasília. Disse que fizera um acordo com o então presidente da Petrobras, Gabrielli: o PMDB ajudaria a enterrar a CPI, que já estava morna, e, em troca, Gabrielli não criaria dificuldades à aprovação, pela diretoria executiva da Petrobras, do “projeto” Odebrecht.
“Manda o João apresentar”, disse Gabrielli a Jucá, segundo o relato de João Augusto. Logo depois, em dezembro de 2009, Jucá apresentou seu relatório final que isentava a Petrobras de irregularidades. A CPI morria conforme o previsto. (Jucá nega ter chamado João Augusto a Brasília para tratar do contrato entre Petrobras e Odebrecht. “Não houve nenhum tipo de conversa com o Gabrielli sobre qualquer contrato em troca de CPI. Até porque eu era líder do governo, eu estava tratando com seriedade.”)
Para fazer o contrato, João Augusto conta que fez “um grupo de trabalho, técnico, sério”. “Trabalhamos um ano nisso. A Petrobras precisava mesmo consolidar essas operações de meio ambiente lá fora. A empresa não sabia o tamanho do passivo, quem cuidava do quê. Era preciso centralizar”, diz João Augusto. Por que não fazer uma licitação?
“A Odebrecht tinha que ganhar. Foi até ideia minha. Pelo tamanho dela. Pelo padrão”, diz. Segundo João Augusto, a Petrobras convidou formalmente outras empreiteiras. Todas declinaram. Deu Odebrecht. Ouvida a respeito do caso, a Odebrecht nega ter feito contrato com João Augusto Henriques. E afirma, em nota: “A afirmação que a Odebrecht pagou o equivalente a US$ 8 milhões para a campanha de 2010 da presidente Dilma Rousseff, por intermédio do secretário de Finanças do PT, João Vaccari, não procede. A Odebrecht faz suas doações dentro de uma visão republicana e em prol da democracia e do desenvolvimento econômico e social do País, respeitando rigorosamente os limites e condições impostas pela legislação eleitoral”.
No momento em que Gabrielli deveria cumprir sua parte do acordo com Jucá, o PMDB foi traído, diz João Augusto. “Quando ela (a Odebrecht) ganhou, Gabrielli fez de tudo para derrubar na diretoria. A CPI, claro, já tinha passado. Quis f... o negócio. O contrato entrava na pauta da diretoria, mas eles enrolavam.” Com sua experiência política, João Augusto sabia o que fazer. Conta que conversou primeiro com seus parceiros na Odebrecht. Em seguida, procurou Vaccari, também tido como homem do PT na Petrobras. “Avisei a ele: a Odebrecht vai ajudar vocês na campanha. Vai lá e acerta com eles”, diz João Augusto. Qual o valor acertado? “Deram, mais ou menos, o equivalente a US$ 8 milhões para o Vaccari”, afirma.
As dificuldades na diretoria prosseguiram por mais algumas semanas. Em 26 de outubro de 2010, a cinco dias do segundo turno entre Dilma e José Serra, do PSDB, a diretoria da Petrobras aprovou o contrato. “Todo mundo recebeu. O partido, eu e as pessoas que ajudam. Quem ajuda, ganha”, diz João Augusto.
E quem recebeu? Ele não responde. “Pessoas de dentro (da Petrobras) que eu pago.” Quanto o PMDB recebeu? “Foram US$ 10 milhões, ou US$ 11 milhões. Não mexo com dinheiro dos outros. A Odebrecht tem os canais dela com os partidos”, diz ele. E como se dava o pagamento? “A parte deles (PT e PMDB) eu não sei. A minha foi lá fora”, disse. “Todos os contratos são assim.”
O contrato da Odebrecht parece ter sido a última grande operação da turma de João Augusto. Logo depois, no governo Dilma, o aparelhamento diminuiu. Saíram muitos dos diretores ligados ao PT. Zelada foi perdendo poder e pediu demissão em julho do ano passado. João Augusto, porém, continua à cata de negócios na Petrobras. Recentemente, participou da venda da sociedade que a Petrobras tem numa distribuidora de energia na Argentina. “Você não vai acreditar, mas não preciso de políticos para ganhar dinheiro. Ganho mais sem eles”, diz João Augusto, antes de se levantar e ir embora. Paguei a conta.
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Com Flávia Tavares, Marcelo Rocha, Murilo Ramos e Leandro Loyola