quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cavaleiros Jedis versus Censo



ron paul.jpgAs penitenciárias costumam fazer contagens periódicas de presos para descobrir se houve alguma fuga.   O objetivo do Censo é diferente.  Nosso estado permite que seus súditos deixem o país — mas não antes de pagar taxas e cumprir procedimentos.  O Censo, por sua vez, serve principalmente para coletar dados que servirão como uma pseudo-orientação para o governo efetuar suas políticas de redistribuição de renda e estragar a economia; dados que guiarão o governo a tirar de uns e dar a outros.  O estado "sábio" retira à força o dinheiro dos indivíduos "ignorantes" para gastá-lo de maneira "prudente".  Dinheiro este que seria "mal alocado" pela população.  Nas palavras do presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, o que ocorre no processo é "o cidadão fornece a informação ao IBGE e depois essas informações se transformam em políticas públicas em benefício do próprio indivíduo."
Para tanto, o governo contratou 190 mil pessoas para coletar estes dados, que serão, logicamente, pagas pelos trabalhadores do setor produtivo.  Ou, como Lew Rockwell coloca em recente artigo comentando o Censo norte-americano:
Um serviço censitário imposto pelo governo não executa função alguma de mercado, e os salários dos recenseadores são pagos pelos contribuintes, o que significa que esses empregos são na realidade destruidores de riqueza.  Eles retiram riqueza e mão-de-obra do setor privado e as desperdiçam no setor público, o setor devastador.  Portanto, podemos ir além e dizer que eliminar tais empregos é na realidade um passo rumo à recuperação econômica. 
Isso coloca os trabalhadores em uma situação de certa forma pior que a dos presos, pois estes não são obrigados a pagar pelo seu encarceramento — este é um ônus que o "espetacular" sistema de justiça estatal impõe às vítimas dos criminosos e ao resto da sociedade.  Mas, pelo menos, os presos são obrigados a colaborar com a contagem, e nós não.  Certo?  Não.  Errado.
"lei" 5.534 aponta uma arma para nossas cabeças e nos força a abrir a porta de nossas casas, receber os recenseadores e responder todas as perguntas que fizerem.  Direito à privacidade?  O que é isso?   A "lei" não especifica quais perguntas podem ser feitas, logo, o regime pode perguntar o que quiser.  Nem mesmo temos o direito de permanecer calado, garantido aos presos.  Ademais, aos presos é garantido o direito de prestar informações falsas.  Já nós não podemos mentir aos recenseadores.
Censos de dez em dez anos são comuns mundo afora, o que não significa que sejam bem aceitos sempre.  No censo de 2001, vários canadenses não gostaram de receber agentes do governo às 10 horas da noite para, por exemplo, informar o número de banheiros em sua residência, e protestaram fornecendo respostas fantasiosas, como, por exemplo, dizer que seguiam a religião Jedi.
Não há muito que possamos fazer contra esta invasão de privacidade em andamento.  Se respondermos mentiras como 295 filhos, 140 aparelhos de televisão, 290 privadas e renda de 14,5 bilhões, ou algo do gênero, o governo facilmente constataria que se tratam de informações falsas, e o cidadão poderá sofrer represálias como multa ou cadeia, ou ambos — adicionalmente os impostos podem aumentar caso as informações sejam aceitas, então o ideal seria dizer o contrário, que não temos nenhum aparelho eletrônico, nenhum banheiro e que nossa renda é de R$ 123,50 por mês.  Mas dizer que segue a religião Jedi é algo que não é verificável, pois a fé só existe dentro das mentes das pessoas.  Portanto, acredito que a única coisa que podemos fazer no momento é abraçar a féJedi.  Que a força esteja com você.

Targino Machado: 'Resta a Wagner beber uísque pago com erário público'



Por: Marivaldo Filho (Twitter: @marivaldofilho) -
Depois que o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), aceitou, por unanimidade, a denúncia formulada pelo Ministério Público da Bahia, a pedido do governador Jaques Wagner, porque o deputado estadual Targino Machado (PSC) o chamou o gestor do estado de “canalha”, o parlamentar não poupou críticas ao órgão e ao chefe do Executivo.  Em entrevista exclusiva aoBocão News, Machado demonstrou tranquilidade após a decisão, revelou que já está elaborando o que chamou de “remédio jurídico” e fez um verdadeiro desabafo contra o petista e o TJ-BA.

“Não me causou estranheza. A decisão do pleno do Tribunal de Justiça contraria a jurisprudência dos tribunais superiores que garantem, por determinação constitucional, aos parlamentares o livre direito de emitir opiniões. Esse Tribunal de Justiça não tem cerimônia em ver suas decisões reformadas por esferas superiores. Estão cumprindo missões, neste caso, atendendo ao pedido do governado Jaques Wagner”, declarou Targino Machado.

Para o deputado, a decisão do TJ-BA “passa longe” de ter um caráter técnico e é estritamente política. Targino Machado ironizou a influência que, segundo ele, Wagner teve no processo.

“Confesso que estou com saudade dos tempos do carlismo que tanto combati. Nem mesmo naquela época, o TJ-BA esteve submetido às vontades externas do governador de forma tão violenta e desmoralizante”, criticou Machado.

Ao Bocão News, o parlamentar disse que o resultado das próximas eleições no ano que vem provarão de que lado o povo baiano está.

“Quanto ao governador, eu tenho pena. Não tenho medo dele e não tenho medo do povo, mas parece que ele tem medo de mim, sem razão, e do povo, com razão. Não pode ir nem ao teatro com a família dele. Só restará a ele beber, solitariamente, nos bares dos arredores do Palácio da Ondina os uísques caros pagos pelo erário público”, disparou Targino Machado.

Keynes e o comunismo soviético


por  

Este artigo é a terceira parte da série iniciada É verdade que Keynes era um liberal? Veja aqui a segunda parte.Todas as referências bibliográficas estão contidas ao final do primeiro artigo
keynes.jpgO tom e o conteúdo de alguns dos comentários mais extensos feitos por Keynes sobre o comunismo soviético são curiosos. Após uma viagem à União Soviética, em 1925, ele publicou um ensaio chamado A short view of Russia (1972, pp. 253–71). Skidelsky, com espantosa implausibilidade, trata o ensaio como "um dos mais severos ataques ao comunismo soviético já escritos" (1994, p. 235).
É verdade que Keynes aponta algumas falhas graves no regime soviético, em especial a perseguição aos dissidentes e a opressão generalizada. Mas considera essas falhas, em parte, fruto da revolução e resultado de "alguma bestialidade inata aos russos — ou inata a russos e judeus quando aliados, como agora".  Tais falhas formam "uma face" da "soberba seriedade da Rússia Vermelha". Tal seriedade pode ser dura, "rude, estúpida e enfadonha ao extremo", como testemunha (1972, p. 270). Outro toque fino do grupo de Bloomsbury.
Keynes não fornece indício algum de que o despotismo possa ser a consequência natural, o resultado inteiramente previsível de tamanha concentração de poder nas mãos do estado, como os bolcheviques efetuaram na Rússia. Esta última concepção sempre foi o alicerce do pensamento liberal desde pelo menos a época de Montesquieu e Madison, passando por Mises e Hayek, chegando aos dias de hoje.  Era de se esperar que um genuíno liberal — como alguns afirmavam ser Keynes — chamasse a atenção para esse ponto.
Em vez disso, Keynes desmancha-se em elogios ao desejo dos soviéticos de se dedicar a audaciosos "experimentos" de engenharia social.  Na Rússia, "o método de tentativa e erro é adotado sem reservas.  Nunca houve ninguém mais francamente experimentador do que Lênin". Quanto às falhas catastróficas dos "experimentos" implementados ainda nos primeiros anos do governo bolchevique, que haviam obrigado uma substituição do "comunismo de guerra" pelo sistema então vigente, da Nova Política Econômica (NEP), Keynes descreveu-as em termos totalmente anódinos: os "erros" anteriores haviam sido corrigidos e as "confusões", dissipadas (p. 262).[1] Keynes sente-se fascinado pelo caráter do regime como um "laboratório da vida", e conclui que o comunismo soviético tem "uma chance" de sucesso. Ele garante — nesse "severo ataque", segundo seu biógrafo Skidelsky — que "mesmo sendo uma chance, todo o experimento confere ao que ocorre na Rússia mais importância do que o que ocorre (digamos) nos Estados Unidos da América" (p. 270).[2]
O que reside na origem da simpatia de Keynes pela experiência soviética? Uma dica pode ser vista no início de seu ensaio, em que sugere em tom de galhofa que o arcebispo de Cantuária seria merecedor do título debolchevique "se seguisse à risca os preceitos dos Evangelhos". (Nesse caso, Jesus Cristo seria o primeiro agente da Cheka?).  O que mais profundamente comove Keynes é o elemento "religioso" do leninismo, cuja "essência emocional e ética concentra-se na atitude dos indivíduos e da comunidade com relação ao amor ao dinheiro" (p. 259).
Os comunistas teriam transcendido o "egoísmo materialista", possibilitando "uma mudança sincera na atitude predominante com relação ao dinheiro. ... Uma sociedade na qual isso seja verdadeiro, mesmo que parcialmente, é uma tremenda inovação": "na Rússia do futuro, o que se pretende é que um jovem respeitável nem sequer chegue a cogitar uma carreira rendosa como uma possível oportunidade, assim como qualquer jovem respeitável não cogitaria jamais seguir a carreira de ladrão de casaca ou mesmo desenvolver habilidades em falsificação ou desfalque. ... É dever de todos trabalhar em prol da comunidade — assim decreta a nova doutrina — e, aquele que cumprir com suas obrigações, dela terá apoio" (pp. 260–61).
Em contraste com essa religiosidade inspiradora, "o moderno capitalismo é absolutamente irreligioso", despido de todo senso de solidariedade e espírito público: "parece cada dia mais claro que o problema moral de nossa época está associado ao amor ao dinheiro, à presença do apelo habitual da motivação pecuniária em nove décimos das atividades da vida, ao empenho universal pela segurança econômica individual como principal alvo dos esforços, à aprovação social do dinheiro como medida do sucesso construtivo, ao apelo social ao instinto de poupança como base para o necessário sustento da família e para o provimento para o futuro" (268–29). Durante anos, Keynes entreteria essa predileção pela moralidade do comunismo à do capitalismo.
Em 1928, ele fez uma segunda visita à Rússia, a qual gerou uma avaliação menos favorável. Muito embora Skidelsky garanta que "restava claro que o romance havia acabado" (1992, pp. 235–236), esse juízo não está correto. O romance continuou pelo menos até 1936, com a resenha de Keynes sobre o livro Soviet Communism, de seus amigos Sidney e Beatrice Webb.  Nenhum daqueles que afirma que Keynes era um liberal analisou de maneira franca o pronunciamento nada ambíguo[3] contido em uma breve transmissão radiofônica que ele fez para a BBC, em junho de 1936, como parte da série de programas Books and Authors (1982b, pp. 333–34).
A única obra da qual Keynes ocupou-se detidamente foi o grosso volume, recém-publicado, de autoria dos Webbs: Soviet Communism (A primeira edição trazia como subtítulo A new civilisation? mas em edições posteriores o ponto de interrogação foi suprimido).  Líderes da Sociedade Fabiana, há décadas os Webbs empenhavam-se em introduzir o socialismo na Grã-Bretanha. Na década de 1930, haviam virado ardorosos propagandistas do novo regime da Rússia comunista — nas palavras de Beatrice, eles tinham "se apaixonado pelo comunismo soviético" (citado em Muggeridge e Adam 1968, p. 245). (O que ela chamava de "paixão", Malcolm Muggeridge, seu sobrinho por parte de marido, viria a rotular de "adulação enlouquecida" [1973, 72].)
Ao longo das três semanas de visita à Rússia, quando — gabava-se Sidney — receberam um tratamento digno de "um novo tipo de realeza", as autoridades soviéticas contribuíram para o livro dos Webbs com supostos fatos e dados (Cole 1946, 194; Muggeridge e Adam 1968, 245). Os apparatchiki stalinistas ficaram mais do que satisfeitos com o resultado final.  Na própria Rússia, o regime encarregou-se de traduzi-lo, publicá-lo e promovê-lo; como disse Beatrice: "Sidney e eu viramos ícones na União Soviética" (citado em Muggeridge 1973, p. 206).[4]
Desde o lançamento, Soviet Communism tem sido visto como aquele que é provavelmente o primeiro e principal exemplo da ajuda e do encorajamento que literatos simpatizantes dariam, de maneira pródiga e deslavada, ao estado terrorista stalinista. Se Keynes fosse mesmo um liberal, apaixonado pela livre sociedade, era de se esperar que, apesar de sua amizade com os autores, a resenha do livro fosse uma severa denúncia — mas o que se vê é o oposto. Como Beatrice anotou em seu diário, toda satisfeita, Maynard, "com seu jeito cativante, deu projeção a nosso livro, em sua recente transmissão radiofônica" (Webb 1985, p. 370).
Com efeito, o que Keynes fez foi advertir o público britânico de que Soviet Communism era uma obra "que todo cidadão sério faria bem em estudar a fundo".
Até recentemente, os eventos na Rússia seguiam acelerados, e o hiato entre declarações documentais e realizações factuais era demasiado extenso para permitir um relato adequado.  No entanto, o novo sistema já está suficientemente cristalizado para ser submetido a um escrutínio. O resultado é impressionante. Os inovadores russos superaram não só o estágio revolucionário, mas também o doutrinário. Pouco ou nada do que sobrou guarda qualquer relação especial com Marx ou com o marxismo, distinguindo-se dos demais sistemas de socialismo. Esses inovadores se dedicam à vasta tarefa administrativa de fazer com que um conjunto inteiramente novo de instituições sociais e econômicas funcione de forma tranquila e satisfatória sobre um território cuja vastidão ocupa um sexto da superfície emersa do mundo. (1982b, p. 333)
Novamente, há um excesso de elogios ao "experimento" soviético: "Os métodos ainda apresentam uma rápida transformação, como resposta ao experimento. Estamos testemunhando um empirismo e um experimentalismo da mais ampla escala, algo que até então jamais havia sido empreendido por administradores altruístas e desprendidos. No entanto, graças aos Webbs, conseguimos enxergar a direção para onde as coisas parecem caminhar e até onde elas já foram" (1982b, p. 334).
Keynes sente que a Grã-Bretanha tem muito que aprender com a obra dos Webbs: "Ela me inspira um forte desejo e esperança de que, neste país, possamos descobrir um jeito de fazer com que essa ilimitada disposição em fazer experimentos seja combinada com alterações nas instituições políticas e nos métodos econômicos, ao mesmo tempo em que preservamos o tradicionalismo e uma espécie de conservadorismo cauteloso, moderado em tudo que tenha a experiência humana por trás, em cada esfera de sentimento e de ação" (p. 334). Nessa passagem, como em muitas outras, o leitor é tomado de surpresa pelo recuo estudado e pela confusão básica, características de boa parte da filosofia social de Keynes — de algum modo há de se conjugar a "ilimitada disposição em fazer experimentos" com o "tradicionalismo" e um "conservadorismo cauteloso".
Em 1936, ninguém dependia da propaganda enganosa dos Webbs para se informar sobre o sistema stalinista. Eugene Lyons, William Henry Chamberlin, o próprio Malcolm Muggeridge, a imprensa conservadora, a imprensa católica e a imprensa anarco-esquerdista do mundo inteiro, juntamente com outros, já haviam revelado a sordidez do verdadeiro cemitério administrado pelos "administradores inovadores, altruístas e desprendidos" de Keynes.[5] Qualquer pessoa disposta a ouvir poderia conhecer os fatos relacionados ao terror da fome no início da década de 1930, ao vasto sistema de campos de trabalho escravo e à miséria generalizada que se seguiu à abolição da propriedade privada. Para quem não se havia deixado cegar pela paixão e pela ideologia, a evidência de que Stalin andava aperfeiçoando o modelo de estado terrorista do século XX era inequívoca.


[1] Erros e confusões parecem termos bem pouco adequados para aquilo que um recente historiador do comunismo soviético caracterizou como "a titânica descida ao caos" desses anos; ver o capítulo "War communism: a regime is born, 1918–1921", de Malia 1994, 109–39; ver também a análise ilustrativa de "'War communism', product of marxian ideas" (Roberts 1971, 20–47).
[2] Keynes acrescenta ainda que a Rússia soviética é muitas vezes preferível à Rússia czarista, da qual "nada poderia sair" (271). A declaração configura uma opinião estapafúrdia, especialmente em vista do amor de Keynes pelas artes. A antiga Rússia pode, obviamente, se vangloriar de façanhas grandiosas em diversas áreas, inclusive na música, na dança e, acima de tudo, na literatura.
[3] Pela lógica, Skidelsky deveria ter examinado essa transmissão radiofônica no segundo volume de sua biografia, que cobre o período até 1937. Mas embora mencione o livro Soviet communism, dos Webbs, ele nem chega a aludir à resenha de Keynes feita para o rádio (Skidelsky 1994, 488). Parece muito estranho que, em nenhum dos três volumes de sua imensa biografia de Keynes, Skidelsky tenha achado espaço sequer para mencionar esse episódio altamente problemático. E tampouco ele consta do ensaio sobre Keynes e os fabianos (Skidelsky 1999). Essa transmissão radiofônica é mencionada em O'Donnell 1989, 377 n. 13.
[4] Até Margaret Cole, amiga e biógrafa de Beatrice, afirma que o livro, mesmo tendo uma ou outra crítica, constitui, "de certa forma, um enorme folheto de propaganda, que defende e elogia a União Soviética" (1946, 199). Contudo, esse comentário não foi feito em tom de crítica, uma vez que, como deixa evidente a biografia que escreveu, Cole compartilhava da admiração dos Webbs pelo stalinismo.
[5] Para os comentários de Lyons a respeito da admiração dos Webbs pela "fé inabalável" e "vontade decidida" dos responsáveis pela chacina dos kulaks, ver Lyons 1937, 284. Ver também os comentários de Robert Conquest (1986, 317–18, 321). No romance Winter in Moscow, Malcolm Muggeridge (1934) descreve o mundo dos simpatizantes estrangeiros que visitavam a União Soviética: ele comentou que o era mais comum os "novos liberais" e fabianos serem ludibriados pelo regime soviético do que os socialistas não-comunistas.

Ralph Raico 
membro sênior do Mises Institute, leciona história no Buffalo State College. É especialista em história da liberdade, na tradição liberal da Europa, e na relação entre guerra e ascensão do estado. É o autor de The Place of Religion in the Liberal Philosophy of Constant, Tocqueville, and Lord Acton

O uso do conhecimento na sociedade


knowledge_society31.jpgQual é o problema que buscamos resolver quando tentamos construir uma ordem econômica racional? Partindo de alguns pressupostos amplamente aceitos, a resposta é bastante simples. Se detivéssemos todas as informações relevantes, se pudéssemos tomar como ponto de partida um sistema de preferências estabelecido, e se tivéssemos completo conhecimento dos meios disponíveis, o resto do problema seria simplesmente uma questão de lógica. Ou seja, a resposta para a pergunta por qual é o melhor uso dos meios disponíveis está implícita em nossos pressupostos. As condições que devem ser satisfeitas para a solução desse problema ideal foram completamente analisadas e podem ser melhor expostas em um modelo matemático: sucintamente, diríamos que as taxas marginais de substituição entre quaisquer dois bens ou fatores devem ser as mesmas independentemente dos seus diferentes usos.
Este, no entanto, decididamente não é o problema econômico que a sociedade enfrenta; e o cálculo econômico que desenvolvemos para resolver esse problema lógico, embora seja um importante passo na direção da solução do problema econômico da sociedade, não oferece ainda uma resposta para ele. O motivo disto é que os "dados" totais da sociedade a partir dos quais são feitos os cálculos econômicos nunca são "dados" a uma única mente para que pudesse analisar as suas implicações — e nunca serão.

caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional se caracteriza justamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias sob as quais temos de agir nunca existe de forma concentrada e integrada, mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e frequentemente contraditório, distribuídos por diversos indivíduos independentes. O problema econômico da sociedade, portanto, não é meramente um problema de como alocar "determinados" recursos — se por "determinados" entendermos algo que esteja disponível a uma única mente que possa deliberadamente resolver o problema com base nessas informações. Em vez disso, o problema é como garantir que qualquer membro da sociedade fará o melhor uso dos recursos conhecidos, para fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos conhecem. Ou, colocando sucintamente, o problema é a utilização de um conhecimento que não está disponível a ninguém em sua totalidade.

O caráter fundamental desse problema tem sido, infelizmente, obscurecido, e não iluminado, por muitos dos recentes refinamentos na teoria econômica, e em particular pelos usos variados da matemática. Embora o problema de que eu queira tratar primordialmente nesse artigo seja o problema da organização de uma economiaracional, para seguir esse caminho precisarei de repetidamente chamar atenção para as ligações íntimas que esse problema possui com certas questões metodológicas. Muitos dos argumentos que pretendo apresentar são, de fato, conclusões alcançadas por meio de diferentes caminhos de raciocínio que inesperadamente convergiram. Mas, do modo como eu hoje entendo essas questões, essa convergência não é uma coincidência. Parece-me que muitas das divergências que surgem tanto no campo da teoria econômica quanto no da política econômica possuem uma origem comum em uma má compreensão da natureza do problema econômico da sociedade. Essa má compreensão, por sua vez, se deve a uma aplicação indevida de hábitos mentais desenvolvidos para lidar com problemas da natureza aos fenômenos sociais.

II

Na linguagem comum, definimos a palavra "planejar" como o conjunto das decisões inter-relacionadas relativas à alocação dos nossos recursos disponíveis. Toda atividade econômica, nesse sentido, é planejamento; e, em qualquer sociedade em que várias pessoas colaborem, o planejamento, independentemente de quem o faça, terá de basear-se em certos conhecimentos; e esses conhecimentos não estarão disponíveis em primeira instância para o planejador, mas antes para alguém que deverá retransmiti-los ao planejador. Os vários modos pelos quais o conhecimento chega às pessoas que o utilizam para elaborar seus planos é um problema crucial para qualquer teoria que almeje explicar o processo de mercado; e o problema de qual é melhor meio de utilizar o conhecimento que está inicialmente disperso entre várias pessoas independentes é pelo menos um dos principais problemas para a política econômica — ou para qualquer tentativa de conceber um sistema econômico eficiente.

A resposta para essa pergunta está intimamente relacionada com outra questão que emerge aqui: a de quem está planejando. Toda a divergência sobre "planejamento econômico" parte dessa questão. Não está em discussão se se deve planejar ou não, mas sim se o planejamento deve ser feito de forma centralizada, por uma autoridade única para todo o sistema econômico, ou se ele deve ser dividido entre vários indivíduos. No sentido específico em que o termo é utilizado nas controvérsias contemporâneas, planejamento significa necessariamente planejamento central — direcionar todo o sistema econômico de acordo com um projeto unificado. A competição, por outro lado, significa uma descentralização do planejamento, que será realizado por muitas pessoas independentes. O caminho do meio entre essas duas posições — muito falado, mas pouco apreciado quando visto em prática — é a delegação do planejamento para certas indústrias organizadas, isto é, a instituição de monopólios.

A questão de qual desses sistemas será mais eficiente depende principalmente da questão de qual deles podemos esperar um uso mais completo do conhecimento existente. E isto, por sua vez, depende de se nós temos uma probabilidade maior de conseguir colocar todo o conhecimento que está disperso entre vários indivíduos à disposição de uma autoridade central, ou de dar aos indivíduos um conhecimento adicional suficiente para que eles se tornem capazes de integrar os seus planos aos dos outros.

III

Ficará imediatamente evidente que, neste ponto, a resposta será diferente de acordo com os diferentes tipos de conhecimento; e a resposta para a nossa pergunta irá, consequentemente, voltar-se para a importância relativa de diferentes tipos de conhecimento; aqueles que mais provavelmente estarão à disposição de indivíduos particulares, e aqueles que teríamos mais certeza de encontrar na posse de um órgão constituído por especialistas bem escolhidos. Se hoje em dia é tão amplamente aceito que a segunda opção é preferível, isto ocorre porque um tipo de conhecimento — o conhecimento científico — ocupa nos dias de hoje um lugar tão proeminente na imaginação pública que chegamos a esquecer que esse não é o único tipo de conhecimento relevante. Pode-se admitir que, em relação ao conhecimento científico, um órgão com um punhado de especialistas bem escolhidos seja a melhor opção para melhor dominar o conhecimento disponível — embora isso, obviamente, seja meramente trocar um problema por outro: o problema de como escolher esses especialistas. O que desejo frisar é que, mesmo presumindo que esse problema pudesse ser imediatamente resolvido, ele seria apenas parte de um problema maior.

Hoje é quase uma heresia sugerir que o conhecimento científico não corresponde à totalidade do conhecimento. Mas um pouco de reflexão irá mostrar que, sem sombra de dúvida, existe um corpo importantíssimo de conhecimento desorganizado que não pode ser chamado de científico, entendendo "científico" como o conhecimento de certas regras gerais: o conhecimento de certas circunstâncias particulares de tempo e lugar. É em relação a isso que praticamente todo indivíduo tem alguma vantagem comparativa em relação a todos os outros, pois ele possui informações únicas sobre que tipos de usos benéficos podem ser feitos com certos recursos; usos estes que só acontecerão se a decisão de como utilizá-los for deixada nas mãos desse indivíduo ou for tomada com sua cooperação ativa.
Basta apenas nos lembrarmos do quanto precisamos aprender em qualquer profissão depois de termos completado nossa formação teórica, quão grande é a parte da nossa vida profissional em que passamos aprendendo habilidades específicas, e quão valioso, em todas as circunstâncias da vida, é o conhecimento das pessoas, das condições locais e de certas circunstâncias especiais. Conhecer e saber operar uma máquina que não estava sendo adequadamente explorada, ou explorar a habilidade de alguém que poderia ser mais bem aproveitado, ou estar consciente de um excedente de reservas que pode ser usado durante uma interrupção temporária do fornecimento é tão útil socialmente quanto o conhecimento das melhores técnicas alternativas. O transportador que ganha sua vida descobrindo como melhor aproveitar seu espaço de carga que ficaria vazio, o agente imobiliário cujo conhecimento consiste quase que exclusivamente em encontrar oportunidades temporárias, ou o indivíduo que faz arbitragem, que lucra a partir das diferenças locais entre os preços de certos bens — todos eles realizam trabalhos eminentemente úteis que são baseados em um conhecimento especial das circunstâncias de um momento fugidio, desconhecido por outros.

É curioso que nos dias de hoje esse tipo de conhecimento seja amplamente menosprezado, e que as pessoas que fazem uso dele para alcançarem privilégios sobre pessoas com melhor preparo teórico ou técnico sejam vistas quase como se estivessem fazendo algo desonrado. Mas, embora conquistar privilégios usando um conhecimento superior quanto às condições de comunicação e transporte seja visto como algo quase desonesto, a verdade é que, para a sociedade, é quase tão importante fazer o melhor uso possível dessas oportunidades quanto das últimas descobertas científicas.

Esse preconceito tem uma influência considerável sobre o fato de as pessoas costumarem adotar uma atitude mais desfavorável em relação ao comércio do que em relação às atividades produtivas. Mesmos os economistas que se crêem totalmente imunes às rasas falácias materialistas do passado constantemente cometem os mesmos erros em relação às atividades relacionadas à aquisição de conhecimento prático — e o motivo disso parece ser que, segundo o modo como eles vêem o mundo, esse tipo de conhecimento já deveria estar "dado" em vez de ser algo que precise ser buscado. A idéia mais comum na atualidade parece ser a de que todo conhecimento desse tipo deveria estar constantemente disponível para todo mundo e, como isso não ocorre, critica-se a ordem econômica atual por ser supostamente irracional. Essa concepção ignora o fato de que o método de tornar esse conhecimento amplamente disponível é precisamente o problema que precisamos resolver.

IV

Se hoje em dia está na moda minimizar a importância do conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e espaço, isso se deve em grande medida à pouca importância dada à questão da incerteza em si mesma. De fato, parte dos pressupostos (que geralmente estão apenas implícitos) adotados pelos "planejadores" diferem dos seus oponentes tanto em relação à capacidade de mudanças imprevistas causarem alterações substanciais nos planos de produção quanto em relação à frequência com que isso ocorre. Evidentemente, se fosse possível fazer previamente planos econômicos detalhados para períodos significativamente longos, e depois segui-los à risca, de modo que nenhuma outra decisão econômica importante fosse necessária, a tarefa de elaborar um planejamento completo para toda a atividade econômica não seria algo tão inatingível.

Talvez valha a pena frisar que os problemas econômicos surgem sempre e exclusivamente em decorrência de mudanças. Enquanto as coisas continuam exatamente como estavam antes — ou ao menos quando elas prosseguem de acordo com o que se esperava delas — então não surgirão novos problemas que exijam soluções, não havendo, portanto, necessidade de que se elabore um novo planejamento. A crença de que a mudança — ou ao menos os pequenos ajustes cotidianos — se tornou menos importante nos tempos modernos parte do princípio de que a contenção dos problemas econômicos também se tornou menos importante. Por esse motivo, as pessoas que costumam menosprezar a importância da incerteza são as mesmas que argumentam que as questões econômicas já não são tão importantes quanto o conhecimento tecnológico.

Será verdade que, graças ao sofisticado aparato da indústria moderna, só é preciso tomar decisões econômicas em intervalos longos; como na hora de decidir se uma nova fábrica deve ser construída, ou um novo procedimento deve ser introduzido? É verdade que, uma vez que uma fábrica tenha sido construída, o resto é mais ou menos mecânico, determinado por suas características, deixando pouco a ser mudado para adaptar-se às eternas flutuações de cada momento?

A experiência prática dos empreendedores, até onde eu a conheço, não sustenta essa crença amplamente aceita. Pelo menos nas áreas que são competitivas — e apenas essas áreas servem de modelo para essa questão — a tarefa de impedir os custos de subir exige um luta constante, que absorve grande parte da energia do administrador. É fácil para um administrador ineficiente gastar as pequenas sobras de onde saem os lucros; é um lugar-comum da experiência empresarial que, com as mesmas condições técnicas, a mesma produção pode ser feita dentro de uma variedade enorme de custos — mas isso não é igualmente conhecido pelos que estudam apenas economia. O próprio desejo — frequentemente declarado pelos produtores e engenheiros — de ser autorizado a fazer seus projetos sem considerações financeiras é um testemunho eloquente do poder que esses fatores exercem sobre seu trabalho diário.

Um dos motivos para a crescente incapacidade dos economistas de atentarem para as constantes pequenas mudanças que compõem o todo da atividade econômica é provavelmente o fato de que eles estão cada vez mais preocupados com dados estatísticos, que passam uma imagem muito mais estável da economia do que os pequenos movimentos diários. No entanto, a relativa estabilidade dos grandes dados estatísticos não pode ser explicada — como os estatísticos frequentemente querem fazer crer — pelas "leis dos grandes números" ou pela mútua compensação de pequenas mudanças aleatórias. O número dos elementos com que eles lidam não é grande o suficiente para que essas forças acidentais produzam estabilidade. O contínuo fluxo de bens e serviços é mantido por ajustes deliberados e constantes, por novas decisões tomadas diariamente à luz de circunstâncias que eram desconhecidas até o dia anterior, pela decisão de B de entrar em cena quando A deixa de executar o seu papel. Mesmo a maior e mais mecânica das fábricas segue adiante em grande parte por causa de um ambiente que pode lhe prover todas as suas demandas inesperadas: novas telhas para seu telhado, papéis para seus documentos, e todos os mil e um tipos de equipamentos que não podem ser produzidos pela própria fábrica, mas que, para que ela continue a funcionar, precisam estar facilmente disponíveis no mercado.

Nesse instante, devo brevemente observar que o tipo de conhecimento de que tenho tratado é de um tipo que, por sua própria natureza, não pode ser transposto para dados estatísticos e que, por isso, não pode ser colocado à disposição de uma autoridade central que delibere a partir de levantamentos estatísticos. As estatísticas que essa autoridade teria de utilizar surgiriam exatamente por meio das abstrações das pequenas diferenças entre as coisas, juntando como se fossem elementos de um só tipo itens com diferentes características de lugar, qualidade e outras características particulares, que seriam muito importantes para tomar uma decisão específica. Consequentemente, planejamento central baseado em informações estatísticas, por sua própria natureza, não pode levar em consideração diretamente as circunstâncias de tempo e lugar, precisando encontrar algum jeito de essas decisões serem deixadas para alguém que esteja no local.

V

Se pudermos convir que o problema econômico da sociedade é basicamente uma questão de se adaptar rapidamente às mudanças das circunstâncias particulares de tempo e lugar, parece ser evidente que, por consequência, as decisões fundamentais devem ser deixadas a cargo de pessoas que estejam familiarizadas com essas circunstâncias, que possam conhecer diretamente as mudanças relevantes e os recursos imediatamente disponíveis para lidar com elas. Não podemos esperar que essa problema seja resolvido por meio da transmissão de todo esse conhecimento para um diretório central que, depois de ter integrado todo esse saber, emita uma ordem. Precisamos da descentralização porque apenas assim podemos garantir que o conhecimento das circunstâncias particulares de tempo e lugar sejam prontamente utilizados. Mas o homem que está dentro de uma situação particular não pode tomar decisões com base apenas em seu conhecimento dos fatos relativos aos seus arredores imediatos, pois, apesar de este ser um conhecimento íntimo, é também limitado. No entanto, persiste o problema de como transmitir a esse homem informações suficientes para que ele seja capaz de encaixar suas decisões no padrão geral das mudanças do sistema econômico como um todo.

De quanto conhecimento ele precisa para ser bem sucedido nisso? Quais dos eventos que acontecerão além do seu horizonte imediato de conhecimento são relevantes para sua decisão imediata, e quão bem ele precisa conhecer esses eventos?

Praticamente não há nada que ocorra no mundo que não possa influenciar a decisão que ele precisa tomar. Mas ele não precisa conhecer esses eventos em si mesmos, nem precisa conhecer todos os seus efeitos. Para ele, não é importante saber o porquê de um certo tipo de parafuso estar sendo mais procurado em uma época específica, ou por que os sacos de papéis estão mais facilmente disponíveis que os sacos de lona, ou por que trabalhadores especializados ou máquinas específicas momentaneamente se tornaram difíceis de encontrar. Tudo que ele precisa saber é quão mais ou menos difícil está a aquisição de certas coisas em relação a outras coisas que também lhe interessam, ou se a demanda por outras coisas que ele produz ou usa é mais ou menos urgente. Ele sempre está preocupado com a importância relativa de coisas particulares, enquanto os fatores que alteram essa importância relativa não lhe interessam de forma alguma, exceto na medida dos próprios efeitos causados sobre as coisas concretas do seu ambiente.

É em relação a isso que aquilo que chamei de "cálculo econômico" nos ajuda, ao menos por analogia, a entender como esse problema pode ser resolvido — na verdade, como ele já está sendo resolvido — pelo sistema de preços. Mesmo se existisse uma única mente controladora que possuísse todos os dados sobre um sistema econômico pequeno e restrito, ela não iria dar-se ao trabalho de repassar por todas as relações entre fins e meios que talvez possam ser afetadas a cada vez que algum pequeno ajuste na alocação recursos fosse feito. De fato, uma das grandes contribuições da lógica pura da escolha é ter demonstrado conclusivamente que mesmo uma única mente onisciente só poderia resolver esse tipo de problema por meio da construção e da constante utilização de taxas de equivalência (ou "valores" ou "taxas marginais de substituição"), ou seja, por meio da atribuição de um índice numérico a cada tipo de recurso que, sem ser derivado de nenhuma propriedade dessa coisa em particular, ainda refletisse ou condensasse sua relevância na estrutura total dos meios e fins. Para cada pequena mudança, ela teria que considerar apenas esses índices quantitativos (ou "valores"), no qual a informação relevante estaria concentrada; e, ao ajustar as quantidades uma a uma, ela poderia reorganizar todos os elementos sem precisar retomar todo o quebra-cabeça desde o início nem precisar parar a cada etapa para analisar novamente todos os elementos e suas ramificações.

Basicamente, em um sistema no qual o conhecimento dos fatos relevantes está disperso entre várias pessoas, os preços podem servir para coordenar as diferentes ações de várias pessoas do mesmo modo como os valores subjetivos ajudariam aquela mente onisciente a coordenar as diferentes partes do seu plano. Vale a pena contemplar por um instante um exemplo muito simples e comum do sistema de preços em ação para ver exatamente o que ele pode fazer. Suponha por um instante que, em algum lugar do mundo, uma nova oportunidade de usar alguma matéria prima surgiu — tomemos o estanho como exemplo — ou então que alguma das fontes de estanho tenha sido eliminada. Para o nosso exemplo não importa — e é muito significativo que isso não importe — qual dessas duas causas tenham aumentado a escassez de estanho. Tudo que os usuários de estanho precisam saber é que parte do estanho que eles costumavam consumir agora está sendo usado com mais proveito em outro lugar e, em decorrência disto, eles precisam ser mais econômicos em seu uso.

Não é preciso nem que boa parte deles saiba de onde essa demanda mais urgentemente surgiu, nem mesmo em prol de quê eles irão poupar esses recursos. Basta que alguns deles saibam diretamente da existência da nova demanda e transfiram recursos para ela, que algumas outras pessoas percebam o vazio que foi então criado e ajam para preenchê-lo com recursos de outras fontes, e então o efeito irá rapidamente se espalhar por todo o sistema econômico, influenciando não apenas todos os usos do estanho, mas também os usos dos seus substitutos, e dos substitutos desses substitutos, assim como a oferta de todas as coisas feitas de estanho, e a dos seus substitutos dessas coisas, e assim por diante; e tudo isso ocorre sem que a grande maioria daqueles que realizam essas substituições saiba nada sobre a causa original dessas mudanças. O todo age como se fosse um único mercado, mas isso não ocorre porque cada um dos seus membros pôde analisá-lo como um todo, mas sim porque os campos limitados da visão de cada um tinham alcance suficiente para que, através de inúmeros intermediários, a informação relevante fosse comunicada para todos. O mero fato de que há um preço para cada bem — ou, melhor dizendo, que cada preço local está ligado de certa forma com o custo de transportá-lo para esse local, e assim por diante — traz a mesma solução que uma única mente dotada de todas as informações (embora ela seja apenas uma possibilidade imaginária) teria alcançado, ainda que essas informações na verdade estejam dispersas entre todas as pessoas envolvidas no processo.

VI

Precisamos entender o sistema de preços como um mecanismo de transmissão de informações para podermos entender sua verdadeira função — uma função que ele cumpre evidentemente com menos perfeição na medida em que os preços se tornam mais rígidos. (Mas mesmo quando preços tabelados se tornam extremamente rígidos, as forças que normalmente atuariam causando mudanças no preço permanecem agindo, exercendo uma influência considerável sobre as mudanças em outros aspectos dos contratos). O principal aspecto desse sistema é a economia de conhecimento com que ele opera; ou, em outros termos, é quão pouco os participantes individuais precisam saber para ser capazes de tomar as decisões corretas. De forma abreviada, por meio de um certo tipo de símbolo, apenas a informação mais essencial é transmitida adiante, e apenas para aqueles que estão interessados nela. Não seria apenas uma metáfora se disséssemos que o sistema de preços é tipo um caixa registrador, ou um sistema de telecomunicações que permite aos produtores individuais observar apenas o movimento de alguns fatores — do mesmo modo como um engenheiro pode se concentrar apenas nos consoles de alguns mostradores — para adaptar as suas atividades às mudanças que eles conhecem apenas a partir do que é mostrado pelo movimento dos preços.

Evidentemente, esses ajustes provavelmente nunca são "perfeitos" no sentido de perfeição que os economistas utilizam em suas análises sobre o equilíbrio econômico. No entanto, temo que nosso hábito teórico de abordar cada problema com a presunção de um conhecimento mais ou menos perfeito da parte de quase todos os envolvidos quase nos tenha cegado para a verdadeira função do mecanismo de preço, levando-nos a aplicar de forma enganosa padrões inadequados para julgar sua eficiência. É maravilhoso que em uma situação na qual haja escassez de um tipo de matéria prima, sem que nenhuma ordem seja dada, sem que talvez não mais que um punhado de pessoas saibam a causa dessa escassez, dezenas de milhares de pessoas cujas identidades jamais serão conhecidas, mesmo depois de meses de investigação, começam então a utilizar essa matéria ou seus subprodutos de maneira mais econômica; ou seja, todas elas agem na direção correta. Isto, em si mesmo, é suficientemente maravilhoso; mesmo que, em um mundo de incertezas constantes, nem tudo consiga se organizar tão perfeitamente para que suas porcentagens de lucros se mantenham constantemente no mesmo nível considerado "normal".

Usei deliberadamente a palavra "maravilha" para chocar o leitor e retirá-lo da complacência com que costumamos dar como certo o funcionamento desse mecanismo. Estou convencido de que se isso fosse o resultado de um projeto humano consciente, e que as pessoas guiadas pelas mudanças dos preços soubessem que suas decisões possuem uma importância muito maior do que a realização dos seus fins imediatos, então esse mecanismo seria louvado como um dos maiores triunfos da mente humana. O seu azar é duplo: nem ele é o fruto de um projeto humano, nem as pessoas guiadas por ele costumam entender por que elas fazem as coisas que são levadas a fazer. Mas aqueles que clamam por uma "direção consciente" — e que não podem acreditar que algo que tenha sido criado sem um planejamento (e, de fato, sem que nem mesmo alguém o compreendesse como um todo) possa resolver problemas que nós mesmos não podemos resolver conscientemente — devem lembrar-se do seguinte: o problema é precisamente de como expandir a extensão da utilização dos recursos além da extensão do entendimento de um único indivíduo; e, portanto, trata-se de um problema de como administrar a necessidade de controle consciente, e de como dar incentivos para os indivíduos tomarem as decisões desejáveis sem que alguém lhes diga o que fazer.

O problema de que estamos tratando aqui de forma alguma diz respeito exclusivamente à economia, pois ele surge junto com quase todos os outros verdadeiros fenômenos sociais, com a linguagem e boa parte da nossa herança cultural, constituindo de fato o problema central de toda ciência social. Como Alfred Whitehead disse, em relação a outra coisa, "Um truísmo profundamente falso, repetido por todos os manuais e nos discursos das pessoas eminentes, diz que devemos cultivar o hábito de pensar sobre o que estamos fazendo. O oposto é que é verdadeiro. A civilização progride quando aumentamos o número de trabalhos importantes que podemos realizar sem pensar neles". Isso possui uma profunda importância no campo social. Usamos constantemente fórmulas, símbolos e regras cujo significado não entendemos, mas por meio dos quais podemos ter acesso a conhecimentos que, individualmente, não possuímos. Criamos essas práticas e instituições tomando como base os hábitos e instituições que se mostraram bem sucedidos em suas próprias esferas e que se tornaram a fundação em cima da qual construímos a civilização.

O sistema de preços é apenas uma dessas criações que o homem aprendeu a usar (embora ele ainda esteja longe de ter aprendido a usá-lo perfeitamente), depois que se deparou com ele, mesmo antes de entendê-lo. Por meio dele não apenas a divisão de trabalho, mas também o uso coordenado de recursos baseado em conhecimentos amplamente divulgados se tornam possíveis. As pessoas que gostam de ridicularizar qualquer sugestão de que é assim que as coisas funcionam distorcem nosso argumento ao insinuar que estamos dizendo que é por algum milagre que um sistema como esse se desenvolveu espontaneamente, tornando-se o mais adequado para a civilização moderna. Trata-se exatamente do contrário: o homem pode criar essa divisão do trabalho sobre a qual a nossa civilização se sustenta justamente porque ele se deparou com um método que a tornou possível. Caso isso não tivesse ocorrido, ele talvez tivesse desenvolvido um tipo inteiramente diferente de civilização, talvez o "Estado" dos cupins, ou outra coisa totalmente inimaginável. Tudo que podemos dizer é que até agora ninguém conseguiu produzir um sistema alternativo no qual certas características do sistema existente — que são respeitadas mesmo por aqueles que o atacam violentamente — possam ser preservadas, especialmente em relação à capacidade do indivíduo de escolher seus objetivos e, consequentemente, de dispor livremente de suas habilidades e conhecimento.

VII

Por vários motivos, é ótimo que a necessidade do sistema de preços para qualquer cálculo racional em uma sociedade complexa já não seja mais objeto de discussão apenas entre grupos com opiniões políticas distintas. A tese segundo a qual sem o sistema de preços nós não poderíamos preservar uma sociedade baseada numa divisão de trabalho tão extensiva quanto a nossa foi recebida com gritos de chacota quando Mises a apresentou há vinte e cinco anos. Hoje os argumentos que alguns ainda apresentam para rejeitar essa tese não são mais exclusivamente políticos, e isso cria uma atmosfera muito mais receptível a discussões ponderadas. Quando vemos Leon Trostky argumentando que o "cálculo econômico é inimaginável sem as relações de mercado"; quando o professor Oscar Lange promete ao professor von Mises uma estátua de mármore no futuro Diretório de Planejamento Central, e quando o professor Abba P. Lerner redescobre Adam Smith, enfatizando que a utilidade essencial do sistema de preços consiste em induzir o indivíduo a fazer aquilo que é do interesse geral no instante em que busca realizar seus próprios interesses, então, as divergências já não podem ser atribuídas a preconceitos políticos. Os dissidentes restantes parecem claramente divergir dessa posição por motivos puramente intelectuais e, mais particularmente, por causa de diferenças metodológicas.

Uma declaração recente do professor Joseph Schumpeter em seu "Capitalismo, socialismo e democracia" fornece um exemplo perfeito dessas diferenças metodológicas que tenho em mente. O autor é um dos economistas mais proeminentes entre aqueles que analisam o fenômeno econômico a partir de algum ramo do positivismo. Para ele, esses fenômenos surgem por consequência do mútuo efeito exercido por certas quantidades objetivas de bens, quase como se não houvesse intervenção alguma de mentes humanas. Apenas por causa desses pressupostos, posso compreender a declaração seguinte — e, para mim, espantosa. O professor Schumpeter argumenta que a possibilidade do cálculo racional na ausência de um mercado para os fatores de produção é uma decorrência da proposição teórica segundo a qual "os consumidores que estão avaliando (demandando) os bens de consumo ipso facto também estão avaliando os meios de produção que entram na produção daqueles bens".[1]

Tomada literalmente, essa declaração é simplesmente falsa. Os consumidores não fazem nada disso. O que o "ipso facto" do professor Schumpeter provavelmente significa é que a avaliação dos fatores de produção está implícita, ou que se segue necessariamente, da avaliação dos bens de consumo. Mas isso também não é verdadeiro. A implicação é uma relação lógica que só pode ser afirmada com segurança a partir de pressupostos que estejam para o mesmo indivíduo. É evidente, no entanto, que os valores dos fatores de produção não dependem exclusivamente da avaliação dos bens de consumo, mas também das condições de fornecimento dos vários fatores de produção. Apenas um único indivíduo que conhecesse todos esses fatores simultaneamente poderia encontrar uma resposta derivada diretamente desses dados. O problema prático surge, no entanto, precisamente porque esses dados nunca estão inteiramente disponíveis para um único indivíduo, e porque, por consequência, é necessária para resolver esse problema a utilização de conhecimentos que estão dispersos por vários indivíduos.

O problema, portanto, não estaria de forma alguma resolvido se demonstrássemos que todos os dados, se estivessem disponíveis para uma única mente (como hipoteticamente estariam para o economista que observasse o problema), iriam por si mesmos determinar a solução; ao invés disso, precisaríamos demonstrar como uma solução poderia ser produzida pela interação entre as pessoas que, individualmente, possuem apenas um conhecimento parcial. Presumir que todo o conhecimento possa ser colocado à disposição de uma única mente, do modo como presumimos que ele pode estar disponível para nós, como economistas dedicados a analisar uma questão, equivale a fugir do problema e menosprezar tudo que é importante e relevante no mundo real.

Que um economista da estatura do professor Schumpeter tenha caído em tal armadilha por causa da ambiguidade que o termo "dado" tem para os incautos dificilmente poderia ser considerado um simples erro. Isto sugere, de fato, que há algo de fundamentalmente errado com uma abordagem que frequentemente despreza uma parte essencial dos fenômenos com os quais temos que lidar:a inevitável imperfeição do conhecimento humano e a necessidade decorrente de um processo por meio do qual o conhecimento seja constantemente adquirido e transmitido. Qualquer abordagem — como grande parte da economia matemática com suas várias equações simultâneas — que parta do pressuposto de que o conhecimento das pessoas corresponde aos fatos objetivo de cada situação, irá sistematicamente deixar de lado aquilo que é a nossa principal tarefa explicar. Estou longe de negar que, em nosso sistema, a análise do equilíbrio econômico tem uma atividade útil a desempenhar, mas quando chega o ponto em que ela ofusca nossos principais intelectuais, fazendo-os acreditar que a situação que estão descrevendo tem uma relevância direta para a solução de problemas práticos, está mais que na hora de nos lembrarmos que esse tipo de análise não lida com o processo social de forma alguma, e de que isso não é mais do que uma etapa preliminar para a investigação do problema principal.