Entrevista com: WENDY KOPP
Quando estava no último ano da Universidade Princeton,
Wendy Kopp teve uma ideia que a todos pareceu maluca.
Ela se propôs a recrutar alguns dos mais brilhantes
universitários recém-formados e colocá-los para dar
aula nas escolas mais miseráveis dos Estados
Unidos. Apostou-se que ela conseguiria convencer
algumas dezenas. Wendy queria 500. Conseguiu
2500. Assim começou o Teach for America,
que hoje tem10.400 professores lecionando para
750.000 crianças americanas.
Com o nome de Ensina!, o programa chegou a
outros 25 países, entre os quais Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru.
No Brasil, ele emperrou. Na sala onde deu entrevista a VEJA, há uma
mensagem na parede: "Acredite nas suas ideias malucas".
A senhora já disse que, se tivesse experiência em educação,
não teria criado o Teach for America. Por quê?
Wendy Kopp: Quando estava me formando em Princeton, no fim dos anos 80,
sentia uma urgência em criar algo como o Teach for America. Acho que
esse sentimento era nutrido pela minha ingenuidade e inexperiência. Eu não
sabia o que era impossível, e toquei em frente. Se soubesse, talvez não tivesse feito
o que fiz.
Os universitários que aderem ao programa também são movidos
por certa ingenuidade?
Wendy Kopp: Sempre digo que precisamos deles agora, já, quando ainda são
capazes de fazer, entre aspas, perguntas malucas, quando ainda são capazes
de perseguir aquilo que outros julgam impossível. É ilusão achar que eles podem
pegar o diploma, fazer carreira e depois voltar para dar aula aos pobres. Não é assim
que funciona.
De onde veio o modelo de recrutar os melhores formandos
e despachá-Ios para as escolas pobres por dois anos?
Wendy Kopp: Na minha época de faculdade, o pessoal de Wall Street
[centro financeiro dos Estados Unidos] batia à porta dos universitários mais
brilhantes para convencê-los a trabalhar por dois anos no mercado financeiro.
Eram agressivos no recrutamento. Talvez por isso nossa geração era chamada
de "geração eu", porque, aparentemente, só estávamos preocupados em
enriquecer. Eu percebia que essa caracterização era equivocada. O clima
nas universidades era outro, as pessoas estavam em busca de algo
significativo, transformador. Então, pensei em recrutar os melhores,
exatamente como Wall Street, e convidá-los a passar os primeiros dois
anos fora da universidade dando aula nas comunidades mais pobres do
país. Muitos imaginavam que ninguém se interessaria. Deu-se o contrário.
Na verdade, o interesse também é imenso em outros países.
Inclusive no Brasil?
Wendy Kopp: Sim. O Ensina! começou no Rio de Janeiro com a
ideia de selecionar trinta jovens. Apareceram 2400 candidatos, número
retumbante. Conversei com os selecionados. São jovens incríveis, bem
formados e talentosas, à altura dos melhores universitários americanos
que recrutamos.
Por que o Ensina! foi interrompido?
Wendy Kopp: Logo no começo do trabalho, as circunstâncias mudaram.
A prefeitura do Rio não conseguiu garantir que nossos professores dessem
aula no horário regular da escola. Então, eles passaram a lecionar depois do
horário normal, como se fosse um reforço escolar. Mas esse não é o nosso
modelo. Nos Estados Unidos e nos outros 25 países onde atuamos, nossos
professores estão na sala de aula regular, assumindo integral responsabilidade
pelo sucesso de seus alunos. Por isso, depois de dois anos, o trabalho foi
suspenso. Agora o Ensina! está em busca de novas parcerias com
estados e prefeituras. Tenho certeza de que o Ensina! será um sucesso
no Brasil. É só uma questão de acertar os ponteiros.
Os professores tradicionais ficam incomodados com a
chegada de gente sem formação pedagógica para dar aula?
Wendy Kopp: Cada país tem suas peculiaridades. Nos Estados Unidos,
quando começamos, em 1989, o primeiro passo foi colocar professores do
Teach for America em escolas onde havia falta de professores tradicionais.
Agora, temos gente em todos os tipos de escola. Em geral, nossos professores
são recrutados através de um processo altamente seletivo, passam cinco
semanas em treinamento intensivo e são então colocados nas escolas, contratados
pelos governos, São professores assim como os demais.
Entre os recrutados, há formandos em pedagogia?
Wendy Kopp: Qualquer um pode se candidatar, mas não gastamos nossa
energia procurando formandos em pedagogia. De todos os nossos professores,
cerca de 3% se formaram em pedagogia.
Por que tão poucos?
Wendy Kopp: É evidente que há estudantes fantásticos de pedagogia,
mas, na média, eles não representam os universitários academicamente
mais promissores. Nosso processo é muito seletivo. Procuramos jovens
capazes de exercer liderança excepcional dentro da sala de aula, não
importa a faculdade que tenham cursado. Nem sempre esses critérios nos
levam ao pessoal da pedagogia. Além disso, o problema é que muitos dos
estudantes de pedagogia não querem dar aula nas comunidades pobres, que
são o nosso alvo.
A senhora acha que o Congresso americano deveria
acabar, ou ser mais flexível, com a obrigatoriedade de
certificação de professores?
Wendy Kopp: É uma questão delicada. Por um lado, devemos
nos preocupar em aumentar a qualidade dos professores. Por outro,
não há correlação entre a exigência de certificação e a qualidade dos
professores. Ou seja: gastamos bilhões de dólares em um sistema
ineficiente, que exclui muita gente boa da sala de aula. Se estivéssemos
criando nosso sistema agora, acho que não optaríamos pelo modelo atual.
Deveríamos, em vez de pedir a certificação, apenas exigir que os professores
fossem inteiramente responsáveis pelo sucesso dos alunos. Ponto.
Um bom professor nasce ou é criado?
Wendy Kopp: É criado. Procuramos selecionar universitários com
certas características. Escolhemos aqueles que acreditam no potencial de
todas as crianças, que são incansáveis na busca dos objetivos, que perseveram
diante dos desafios, que são capazes de influenciar e motivar os alunos. Mas,
além dessas qualidades, eles precisam aprender a trabalhar com crianças e
adquirir habilidades e conhecimentos para virar professores mais eficazes, mais
decisivos. E tudo isso é ensinado.
André Petry de Nova York
Ela nunca deu aula nem estudou pedagogia, mas
lidera uma revolução nas escolas que começou há mais de
duas décadas nos EUA e está agora em outros 25 países
Ela nunca deu aula nem estudou pedagogia, mas
lidera uma revolução nas escolas que começou há mais de
duas décadas nos EUA e está agora em outros 25 países
Quando estava no último ano da Universidade Princeton,
Wendy Kopp teve uma ideia que a todos pareceu maluca.
Ela se propôs a recrutar alguns dos mais brilhantes
universitários recém-formados e colocá-los para dar
aula nas escolas mais miseráveis dos Estados
Unidos. Apostou-se que ela conseguiria convencer
algumas dezenas. Wendy queria 500. Conseguiu
2500. Assim começou o Teach for America,
que hoje tem10.400 professores lecionando para
750.000 crianças americanas.
Com o nome de Ensina!, o programa chegou a
outros 25 países, entre os quais Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru.
No Brasil, ele emperrou. Na sala onde deu entrevista a VEJA, há uma
mensagem na parede: "Acredite nas suas ideias malucas".
A senhora já disse que, se tivesse experiência em educação,
não teria criado o Teach for America. Por quê?
Wendy Kopp: Quando estava me formando em Princeton, no fim dos anos 80,
sentia uma urgência em criar algo como o Teach for America. Acho que
esse sentimento era nutrido pela minha ingenuidade e inexperiência. Eu não
sabia o que era impossível, e toquei em frente. Se soubesse, talvez não tivesse feito
o que fiz.
Os universitários que aderem ao programa também são movidos
por certa ingenuidade?
Wendy Kopp: Sempre digo que precisamos deles agora, já, quando ainda são
capazes de fazer, entre aspas, perguntas malucas, quando ainda são capazes
de perseguir aquilo que outros julgam impossível. É ilusão achar que eles podem
pegar o diploma, fazer carreira e depois voltar para dar aula aos pobres. Não é assim
que funciona.
De onde veio o modelo de recrutar os melhores formandos
e despachá-Ios para as escolas pobres por dois anos?
Wendy Kopp: Na minha época de faculdade, o pessoal de Wall Street
[centro financeiro dos Estados Unidos] batia à porta dos universitários mais
brilhantes para convencê-los a trabalhar por dois anos no mercado financeiro.
Eram agressivos no recrutamento. Talvez por isso nossa geração era chamada
de "geração eu", porque, aparentemente, só estávamos preocupados em
enriquecer. Eu percebia que essa caracterização era equivocada. O clima
nas universidades era outro, as pessoas estavam em busca de algo
significativo, transformador. Então, pensei em recrutar os melhores,
exatamente como Wall Street, e convidá-los a passar os primeiros dois
anos fora da universidade dando aula nas comunidades mais pobres do
país. Muitos imaginavam que ninguém se interessaria. Deu-se o contrário.
Na verdade, o interesse também é imenso em outros países.
Inclusive no Brasil?
Wendy Kopp: Sim. O Ensina! começou no Rio de Janeiro com a
ideia de selecionar trinta jovens. Apareceram 2400 candidatos, número
retumbante. Conversei com os selecionados. São jovens incríveis, bem
formados e talentosas, à altura dos melhores universitários americanos
que recrutamos.
Por que o Ensina! foi interrompido?
Wendy Kopp: Logo no começo do trabalho, as circunstâncias mudaram.
A prefeitura do Rio não conseguiu garantir que nossos professores dessem
aula no horário regular da escola. Então, eles passaram a lecionar depois do
horário normal, como se fosse um reforço escolar. Mas esse não é o nosso
modelo. Nos Estados Unidos e nos outros 25 países onde atuamos, nossos
professores estão na sala de aula regular, assumindo integral responsabilidade
pelo sucesso de seus alunos. Por isso, depois de dois anos, o trabalho foi
suspenso. Agora o Ensina! está em busca de novas parcerias com
estados e prefeituras. Tenho certeza de que o Ensina! será um sucesso
no Brasil. É só uma questão de acertar os ponteiros.
Os professores tradicionais ficam incomodados com a
chegada de gente sem formação pedagógica para dar aula?
Wendy Kopp: Cada país tem suas peculiaridades. Nos Estados Unidos,
quando começamos, em 1989, o primeiro passo foi colocar professores do
Teach for America em escolas onde havia falta de professores tradicionais.
Agora, temos gente em todos os tipos de escola. Em geral, nossos professores
são recrutados através de um processo altamente seletivo, passam cinco
semanas em treinamento intensivo e são então colocados nas escolas, contratados
pelos governos, São professores assim como os demais.
Entre os recrutados, há formandos em pedagogia?
Wendy Kopp: Qualquer um pode se candidatar, mas não gastamos nossa
energia procurando formandos em pedagogia. De todos os nossos professores,
cerca de 3% se formaram em pedagogia.
Por que tão poucos?
Wendy Kopp: É evidente que há estudantes fantásticos de pedagogia,
mas, na média, eles não representam os universitários academicamente
mais promissores. Nosso processo é muito seletivo. Procuramos jovens
capazes de exercer liderança excepcional dentro da sala de aula, não
importa a faculdade que tenham cursado. Nem sempre esses critérios nos
levam ao pessoal da pedagogia. Além disso, o problema é que muitos dos
estudantes de pedagogia não querem dar aula nas comunidades pobres, que
são o nosso alvo.
A senhora acha que o Congresso americano deveria
acabar, ou ser mais flexível, com a obrigatoriedade de
certificação de professores?
Wendy Kopp: É uma questão delicada. Por um lado, devemos
nos preocupar em aumentar a qualidade dos professores. Por outro,
não há correlação entre a exigência de certificação e a qualidade dos
professores. Ou seja: gastamos bilhões de dólares em um sistema
ineficiente, que exclui muita gente boa da sala de aula. Se estivéssemos
criando nosso sistema agora, acho que não optaríamos pelo modelo atual.
Deveríamos, em vez de pedir a certificação, apenas exigir que os professores
fossem inteiramente responsáveis pelo sucesso dos alunos. Ponto.
Um bom professor nasce ou é criado?
Wendy Kopp: É criado. Procuramos selecionar universitários com
certas características. Escolhemos aqueles que acreditam no potencial de
todas as crianças, que são incansáveis na busca dos objetivos, que perseveram
diante dos desafios, que são capazes de influenciar e motivar os alunos. Mas,
além dessas qualidades, eles precisam aprender a trabalhar com crianças e
adquirir habilidades e conhecimentos para virar professores mais eficazes, mais
decisivos. E tudo isso é ensinado.
O que define um bom professor?
Wendy Kopp: No contexto em que trabalhamos, de escolas em comunidades
desfavorecidas, o bom professor é o bom líder. Em nossa rede no Paquistão, há
o caso exemplar da professora Anam Palla. Ela recebeu uma turma de sessenta
meninas que estavam estudando na cidade para depois voltar para sua
comunidade, casar e ter filhos. As garotas cursavam o 1º ano do ensino médio,
mas tinham um atraso acadêmico de quatro a cinco anos. Estavam no caminho do
fracasso. Anam Palla definiu que seu objetivo seria preparar todas elas para
entrar nas melhores universidades, se quisessem. Ela foi incansável. Encontrou-se
com os pais das meninas, estabeleceu um regime de trabalho duro. Algumas meninas
voltaram para sua comunidade para casar e ter filhos, mas se tornaram defensoras
da educação, convencendo outras famílias a mandar as filhas à escola. Outras
acabaram nas melhores universidades. O que fez a diferença? Só tenho uma resposta:
Anam Palla é uma grande líder.
Qual é a melhor estratégia pedagógica?
Wendy Kopp: Vi tantas que deram certo e tantas que deram errado que hoje
acredito no seguinte: é preciso oferecer meios para que professores e diretores
assumam responsabilidade integral pelo sucesso acadêmico dos alunos. Eles
precisam ter poder, flexibilidade para definir o currículo, decidir como o dinheiro
será gasto. Numa situação precária, faz sentido impor um currículo, mas tudo depende
de como ele é implementado.
O que acontece com os professores depois de dois anos dando aula?
Wendy Kopp: A experiência de ensinar em comunidades de baixa renda não tem
impacto apenas nas crianças, mas também nos professores. Depois dos dois anos
regulares, entre 60% e 70% dos professores estabeleceram-se na área da
educação como professores, diretores de escola, formuladores de políticas de
educação. Na Índia, ninguém acreditava que os universitários se interessariam
pelo programa. Tivemos 11.000 candidatos no primeiro ano, em 2008, e 70%
seguiram na área da educação. Nos Estados Unidos, em pouco mais de vinte anos,
37000 deram aula e 80% têm hoje empregos relacionados à educação. Lembre-se:
a quase totalidade desses jovens brilhantes não era da área de educação.
A taxa de retenção também é alta no meio rural?
Wendy Kopp: É menor, mas significativa. Há pouco, visitei o Delta do Mississippi,
onde atuamos há duas décadas. Helena, uma comunidade muito pobre no Arkansas,
além da tradicional escola de ensino médio que sempre teve, hoje conta com mais
quatro escolas, todas dirigidas por ex-membros do Teach for America. Antes,
5% das crianças de Helena iam para a universidade. Hoje, todas estão no caminho
do ensino superior. Perguntei à comunidade o que havia mudado nesses vinte anos.
As pessoas disseram: a expectativa em relação às crianças. Um jovem contou que,
em 1994, eram raros os estudantes que faziam o teste para a universidade e, quando
tiravam 17, 18 ou 19, era uma festa. Agora, o sobrinho dele, que ainda está no 2° ano
do ensino médio, fez o teste, tirou 24 e eles querem saber como fazer para que
ele chegue a 28 e possa entrar em qualquer universidade. Seis crianças de Helena
entraram na Universidade Vanderbilt neste ano.
Onde a presença do Teach for America fez mais diferença?
Wendy Kopp: Por muitos anos, Nova Orleans foi considerada a cidade
mais complicada do país. Nada parecia funcionar. Depois do furacão Katrina,
veio à tona a dramática realidade das escolas. Crianças do 8° ano tinham o mesmo
nível das do 2° ano. Um desastre. Em cinco anos, o porcentual de crianças
que atingem o padrão exigido pelo estado mais do que dobrou. Cerca de 40%
dos diretores de escola são ex-membros do Teach for America. O atual secretário
de Educação de Louisiana também pertenceu ao nosso programa.
Já é possível avaliar o impacto do programa em outros países?
Wendy Kopp: Estamos há dez anos na Inglaterra. O sucesso é enorme. Cerca de
60% dos recrutados ficam na área da educação. Estive há pouco em Londres e
visitei a King Solomon Academy, que faz um trabalho extraordinário. Lá, as
crianças do 5° ano estão no nível das do 7° ano das escolas na vizinhança. Sou
otimista quanto ao futuro. Os problemas da educação são muito parecidos em
todos os países, o que significa que as soluções podem ser compartilhadas.
Se fosse possível copiar o sistema educacional de algum país, qual
deveria ser o escolhido?
Wendy Kopp: Todo mundo está infeliz com seu sistema educacional. Na
Coreia do Sul, quem diria, o nível de insatisfação é abissal. Falei com empreendedores
sociais, estudantes, empresários, autoridades do governo. Todos dizem que o sistema
está falido.
Mas, nas provas internacionais, os coreanos não estão entre os
melhores?
Wendy Kopp: Os pais pagam para os filhos irem a academias privadas, que ensinam
o que a escola regular não ensina. Os alunos entram às 3 da tarde e saem às 11 da
noite. O dado relevante na Coreia é o poder de uma cultura que valoriza a educação.
Se as crianças não estão aprendendo na escola, em algum outro lugar elas terão de aprender.
A senhora teve um professor favorito?
Wendy Kopp: Tive dois. Ambos me mostraram que meu potencial era maior do que
eu imaginava. Por coincidência, os dois trabalhavam com a escrita. Sei escrever por
causa deles. E escrever direito me serviu tanto na vida...
É verdade que a senhora coloca o despertador para 3 ou 4 da manhã?
Wendy Kopp: É verdade. Meu ideal é deitar às 9 da noite, e gosto de ter algumas horas
para mim antes que as crianças acordem. (Wendy tem filhos de 13, 11, 9 e 5 anos.)
A senhora conhece os professores dos seus filhos?
Wendy Kopp: Lógico, conheço todos.
Fonte: Revista VEJA - Entrevista (Páginas amarelas) - Edição 2319 - Ano 46 - nº
18 - 1º de Maio de 2013 - Páginas 19-23 - Edição impressa.
Wendy Kopp: No contexto em que trabalhamos, de escolas em comunidades
desfavorecidas, o bom professor é o bom líder. Em nossa rede no Paquistão, há
o caso exemplar da professora Anam Palla. Ela recebeu uma turma de sessenta
meninas que estavam estudando na cidade para depois voltar para sua
comunidade, casar e ter filhos. As garotas cursavam o 1º ano do ensino médio,
mas tinham um atraso acadêmico de quatro a cinco anos. Estavam no caminho do
fracasso. Anam Palla definiu que seu objetivo seria preparar todas elas para
entrar nas melhores universidades, se quisessem. Ela foi incansável. Encontrou-se
com os pais das meninas, estabeleceu um regime de trabalho duro. Algumas meninas
voltaram para sua comunidade para casar e ter filhos, mas se tornaram defensoras
da educação, convencendo outras famílias a mandar as filhas à escola. Outras
acabaram nas melhores universidades. O que fez a diferença? Só tenho uma resposta:
Anam Palla é uma grande líder.
Qual é a melhor estratégia pedagógica?
Wendy Kopp: Vi tantas que deram certo e tantas que deram errado que hoje
acredito no seguinte: é preciso oferecer meios para que professores e diretores
assumam responsabilidade integral pelo sucesso acadêmico dos alunos. Eles
precisam ter poder, flexibilidade para definir o currículo, decidir como o dinheiro
será gasto. Numa situação precária, faz sentido impor um currículo, mas tudo depende
de como ele é implementado.
O que acontece com os professores depois de dois anos dando aula?
Wendy Kopp: A experiência de ensinar em comunidades de baixa renda não tem
impacto apenas nas crianças, mas também nos professores. Depois dos dois anos
regulares, entre 60% e 70% dos professores estabeleceram-se na área da
educação como professores, diretores de escola, formuladores de políticas de
educação. Na Índia, ninguém acreditava que os universitários se interessariam
pelo programa. Tivemos 11.000 candidatos no primeiro ano, em 2008, e 70%
seguiram na área da educação. Nos Estados Unidos, em pouco mais de vinte anos,
37000 deram aula e 80% têm hoje empregos relacionados à educação. Lembre-se:
a quase totalidade desses jovens brilhantes não era da área de educação.
A taxa de retenção também é alta no meio rural?
Wendy Kopp: É menor, mas significativa. Há pouco, visitei o Delta do Mississippi,
onde atuamos há duas décadas. Helena, uma comunidade muito pobre no Arkansas,
além da tradicional escola de ensino médio que sempre teve, hoje conta com mais
quatro escolas, todas dirigidas por ex-membros do Teach for America. Antes,
5% das crianças de Helena iam para a universidade. Hoje, todas estão no caminho
do ensino superior. Perguntei à comunidade o que havia mudado nesses vinte anos.
As pessoas disseram: a expectativa em relação às crianças. Um jovem contou que,
em 1994, eram raros os estudantes que faziam o teste para a universidade e, quando
tiravam 17, 18 ou 19, era uma festa. Agora, o sobrinho dele, que ainda está no 2° ano
do ensino médio, fez o teste, tirou 24 e eles querem saber como fazer para que
ele chegue a 28 e possa entrar em qualquer universidade. Seis crianças de Helena
entraram na Universidade Vanderbilt neste ano.
Onde a presença do Teach for America fez mais diferença?
Wendy Kopp: Por muitos anos, Nova Orleans foi considerada a cidade
mais complicada do país. Nada parecia funcionar. Depois do furacão Katrina,
veio à tona a dramática realidade das escolas. Crianças do 8° ano tinham o mesmo
nível das do 2° ano. Um desastre. Em cinco anos, o porcentual de crianças
que atingem o padrão exigido pelo estado mais do que dobrou. Cerca de 40%
dos diretores de escola são ex-membros do Teach for America. O atual secretário
de Educação de Louisiana também pertenceu ao nosso programa.
Já é possível avaliar o impacto do programa em outros países?
Wendy Kopp: Estamos há dez anos na Inglaterra. O sucesso é enorme. Cerca de
60% dos recrutados ficam na área da educação. Estive há pouco em Londres e
visitei a King Solomon Academy, que faz um trabalho extraordinário. Lá, as
crianças do 5° ano estão no nível das do 7° ano das escolas na vizinhança. Sou
otimista quanto ao futuro. Os problemas da educação são muito parecidos em
todos os países, o que significa que as soluções podem ser compartilhadas.
Se fosse possível copiar o sistema educacional de algum país, qual
deveria ser o escolhido?
Wendy Kopp: Todo mundo está infeliz com seu sistema educacional. Na
Coreia do Sul, quem diria, o nível de insatisfação é abissal. Falei com empreendedores
sociais, estudantes, empresários, autoridades do governo. Todos dizem que o sistema
está falido.
Mas, nas provas internacionais, os coreanos não estão entre os
melhores?
Wendy Kopp: Os pais pagam para os filhos irem a academias privadas, que ensinam
o que a escola regular não ensina. Os alunos entram às 3 da tarde e saem às 11 da
noite. O dado relevante na Coreia é o poder de uma cultura que valoriza a educação.
Se as crianças não estão aprendendo na escola, em algum outro lugar elas terão de aprender.
A senhora teve um professor favorito?
Wendy Kopp: Tive dois. Ambos me mostraram que meu potencial era maior do que
eu imaginava. Por coincidência, os dois trabalhavam com a escrita. Sei escrever por
causa deles. E escrever direito me serviu tanto na vida...
É verdade que a senhora coloca o despertador para 3 ou 4 da manhã?
Wendy Kopp: É verdade. Meu ideal é deitar às 9 da noite, e gosto de ter algumas horas
para mim antes que as crianças acordem. (Wendy tem filhos de 13, 11, 9 e 5 anos.)
A senhora conhece os professores dos seus filhos?
Wendy Kopp: Lógico, conheço todos.
Fonte: Revista VEJA - Entrevista (Páginas amarelas) - Edição 2319 - Ano 46 - nº
18 - 1º de Maio de 2013 - Páginas 19-23 - Edição impressa.
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