O segredo é ter feito uma diferença.
Ser rico, famoso ou poderoso
tem sido o objetivo da maioria
das pessoas, mas sempre falta
algo. Recentemente, ouvi sobre
uma nova postura ética de sucesso, que vale a pena resumir aqui, porque na época
ninguém noticiou.
Numa reunião no World Economic Forum, em Davos, o local onde o mundo empresarial
se reúne uma vez por ano em janeiro, um empresário que acabava de fazer um tremendo
negócio foi convidado numa das várias sessões a expor suas idéias.
Primeiro perguntaram como ele se sentia, subitamente um bilionário. Sem pestanejar
um único minuto, ele afirmou que o dinheiro não lhe pertencia, e que doaria toda sua
fortuna a instituições beneficentes.
“Sou simplesmente fruto do acaso, tenho os genes certos e estou no momento certo,
no setor certo. É difícil falar em ‘mérito’ numa situação dessas.”
“Se eu, o Bill Gates aqui presente, ou então o Warren Buffett, tivéssemos nascido
2.000 anos atrás, nenhum de nós teria tido o porte atlético necessário para se tornar
um general do Império Romano, posição de destaque equivalente à nossa, na época.
Teríamos sido trucidados na primeira batalha.”
Alguns seres humanos sempre estarão momentaneamente mais adequados ao ambiente
que os outros e receberão, portanto, melhores salários, apesar do esforço dos demais.
A ideia da meritocracia, tão decantada pela direita conservadora como justificativa
para a sua riqueza, cai por terra se levarmos em consideração a nova teoria de que
somos todos frutos do acaso genético das interpolações do DNA de nossos pais.
Se nossos genes são mero acaso da variação genética, falar em QI, mérito, proeza
atlética e se achar merecedor de 100% dos ganhos que esses atributos nos proporcionam
não faz mais muito sentido. O que há de meritocrático em ter os genes certos?
Ninguém está sugerindo o outro extremo de salários iguais para todos, porque toda
sociedade precisa incentivar os que se esforçam mais, os que trabalham melhor e
especialmente os que assumem riscos e têm a coragem de inovar.
O que essa nova postura sugere delicadamente é uma maior humildade e generosidade
daqueles que ganham fortunas por ter uma inteligência superior, um porte atlético
avantajado ou um talento excepcional. Por trás de toda “fortuna” existe um elemento
de sorte, muito maior do que os “afortunados” gostariam de admitir.
Mas a frase que mais tocou a plateia estarrecida foi esta: “Mesmo doando toda a minha
fortuna”, disse o empresário, “continuará a existir uma enorme injustiça social no mundo.
Eu terei tido um privilégio que muitos não terão. O privilégio de ter feito uma diferença
com o meu trabalho e minha vida.”
Segundo essa visão, o mundo é dividido entre aqueles que fizeram ou não uma diferença
com sua vida, o dinheiro não é o objetivo final. E existem inúmeras maneiras de fazer uma diferença,
desde inventar coisas, gerar empregos, criar produtos, até ajudar os outros com o dinheiro obtido.
Aproximadamente 55% dos empresários americanos não pretendem legar sua fortuna aos filhos. Acham
que estariam estragando sua vida gerando playboys e um bando de infelizes. Percebem que o divertido
na vida é chegar lá, não estar lá. Ser filho de empresário e receber de mão beijada uma BMW, um
Rolex e uma supermesada não é o caminho mais curto para a felicidade. Muito pelo contrário, é uma
roubada.
Por isso, os ricos de lá criaram instituições como a Fundação Rockfeller, a Fundação Ford, a Fundação
Kellogg, a Fundação Hewlett. No Brasil, estamos muito longe de convencer os empresários a fazer o
mesmo, razão pela qual sua fortuna provavelmente virará mais um imposto. O imposto sobre herança.
O segredo da felicidade, portanto, não é ganhar dinheiro, que a maioria acabará perdendo de uma
forma ou de outra. O segredo é ter feito uma diferença.
Revista Veja, Editora Abril, edição 1838, ano 37, nº 4, 28 de janeiro de 2004, página 22
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